sábado, 18 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL – Capítulo 7-C – DO INQUÉRITO – DILIGÊNCIAS, APREENSÃO DE OBJETOS E INSTRUMENTOS DO CRIME, DA BUSCA E APREENSÃO, DA DÚVIDA DO OFENDIDO, DA OUVIDA DO INDICIADO, DO RECONHECIMENTO, DAS ACAREAÇÕES, DOS EXAMES PERICIAIS, VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, REPRODUÇÃO SIMULADA, A IDENTIFICAÇÃO, PODE O INDICIADO RECUSAR-SE A SER IDENTIFICADO?, INDICIADO MENOR, FOLHA DE ANTECEDENTES - VARGAS DIGITADOR.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo 7-C – DO INQUÉRITO – DILIGÊNCIAS, APREENSÃO DE OBJETOS E INSTRUMENTOS DO CRIME, DA BUSCA E APREENSÃO, DA DÚVIDA DO OFENDIDO, DA OUVIDA DO INDICIADO, DO RECONHECIMENTO, DAS ACAREAÇÕES, DOS EXAMES PERICIAIS, VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, REPRODUÇÃO SIMULADA, A IDENTIFICAÇÃO, PODE O INDICIADO RECUSAR-SE A SER IDENTIFICADO?, INDICIADO MENOR, FOLHA DE ANTECEDENTES - VARGAS DIGITADOR.

Diligências

Dispõe o art. 6º do CPP:

“Logo que tiver conhecimento da prática de infração penal, a autoridade policiar deverá:
I – dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;
II – apreender os objetos que tiverem relação como fato, após liberados pelos peritos criminais;
III – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;
IV – ouvir o ofendido;
V – ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro (arts. 185 e s.), devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura;
VI – proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações;
VII – determinar se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;
VIII – ordenar a identificação do indiciado pelo processo dactiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;
IX – averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter”.

Tais regras servem de excelente programa para um bom Delegado. Ali estão as diligências que podem ser feitas.

Dispondo o art. 6º do CPP sobre o que poderá fazer a Autoridade Policial ao tomar conhecimento da prática de uma infração penal, pode parecer dever ela realizar todas as diligências ali referidas. Obviamente não é assim. Tudo dependerá da natureza da infração e do caso concreto. Se esta ou aquela infração exigir tais ou quais providências, deverão elas ser realizadas. Assim, p. ex., se A, verbalmente, calunia B, instaurando o inquérito, é evidente que a Autoridade Policial limitar-se-á àquelas diligências indicadas nos incisos III (ouvida de testemunhas), IV (maiores esclarecimentos da vítima), V (interrogatório do indiciado), eventualmente no inciso VIII (identificação dactiloscópica), na segunda parte do inciso VI (acareação) e, por último, no inciso IX (informações sobre a vida pregressa).

Quando a Autoridade Policial tomar conhecimento da prática de uma infração penal que deixa vestígios – delicta factis permanentis (delitos que deixam vestígios) -, como o homicídio, roubo, furto qualificado etc., deverá, se possível e conveniente, dirigir-se ao local, providenciando para que se não alterem o estado e conservação das coisas enquanto necessário.

Tratando-se de crime de homicídio, e. g., é interessante constatar a posição em que a vítima foi encontrada. O próprio locus delicti, quando possível, pode e deve ser registrado fotograficamente, “constituindo elemento de primeira ordem na elucidação dos fatos e na comprovação perante o julgamento de particularidade às vezes impossível de ser representada, por outra forma, nos autos do inquérito”.

O art. 169 do CPP, por seu turno, adianta que, para o efeito do exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos. Todavia, se tratar-se de acidentes automobilísticos, aplicar-se-á o disposto na Lei n. 5.970, de 11-12-1973, que os “exclui da aplicação do disposto nos arts. 6º, I, 64 e 169, do CPP”. Verbis: “Em caso de acidente de trânsito, a autoridade ou agente policial que primeiro tomar conhecimento do fato poderá autorizar, independentemente de exame do local, a imediata remoção das pessoas que tenham sofrido lesão, bem como dos veículos nele envolvidos, se estiverem no leito da via pública e prejudicarem o tráfego. Para autorizar a remoção, a autoridade ou agente policial lavrará boletim de ocorrência, nele consignando o fato, as testemunhas que o presenciaram e todas as demais circunstâncias necessárias ao esclarecimento da verdade” (cf. Lei n. 5.907/73, art. 1º e parágrafo único). e, na Justiça Militar, o assunto é tratado da mesma forma, como se constata pelo art. 1º da Lei n. 6.174, de 9-12-1974.

Apreensão de objetos e instrumentos do crime

Deverá, também, a Autoridade Policial determinar a apreensão dos instrumentos do crime e de todos os objetos que tiverem relação com o fato, após a liberação feita pelos peritos.

A importância dessas diligências, quando couberem, é facilmente constatável. Nos termos do art. 11 do CPP, “os instrumentos do crime, bem como os objetos que interessarem à prova, acompanharão os autos do inquérito”. De acordo com a letra a do inc. II do art. 91 do CP, são efeitos da sentença condenatória... a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé, dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito. De acordo com o art. 124 do CPP, OS INSTRUMENTOS DO CRIME, CUJA PERDA A FAVOR DA União for decretada, serão inutilizados ou recolhidos a museu criminal, se houver interesse na sua conservação.

Por outro lado, dispõe o art. 175 do CPP: “Serão sujeitos a exame os instrumentos empregados para a prática da infração, a fim de se lhes verificar a natureza e a eficiência”.

Pela análise desses dispositivos bem se percebe da real importância da apreensão dos instrumentos do crime. Ademais, os objetos que interessarem à prova devem ser apreendidos, e a necessidade dessa medida dispensa qualquer comentário.

Da busca e apreensão

A busca e apreensão dos instrumentos do crime e de outros objetos que interessarem à prova poderá ser levada a efeito ou no próprio locus delicti, ou em domicílio, ou até mesmo na própria pessoa. Quanto à busca e apreensão no locus delicti, não haverá maior dificuldade para o encarregado dessa tarefa. Tratando-se de busca domiciliar ou mesmo pessoal, o assunto merece maior exame.

Em se tratando de busca domiciliar, a Constituição Federal, no art. 5º, XI, prescreve: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

As buscas podem ser realizadas em qualquer dia e a qualquer hora?

Nada impede seja a busca realizada em domingo ou feriado, pois até mesmo atos processuais podem ser realizados nesses dias, conforme se constata pelo art. 797 do CPP... Todavia, quanto à hora, a lei estabelece que as buscas domiciliares serão executadas de dia. À noite não é possível. Cumpre observar ser da nossa tradição, considerar dia, aquele período entre 6 e 18 horas.

Da ouvida do ofendido

Deverá a autoridade, quando possível, ouvir o ofendido. O sujeito passivo do crime, de regra, é quem melhor poderá fornecer à Autoridade Policial elementos para o esclarecimento do fato. Certo que a sua palavra apresenta valor probatório relativo em face do interesse que tem na relação jurídico-material. Mas, às vezes, é de extraordinária valia, pois constitui o vértice de toda a prova, como sucede nos crimes contra os costumes. Nesses crimes, cometidos na clandestinidade, entre quatro paredes, às escuras, longe de olhares curiosos, sem vigília de ninguém, as palavras da ofendida, desde que seguras, coerentes, plausíveis, apresentam notável valor probatório, e por isso mesmo as próprias vítimas são as grandes testemunhas. Muito cuidado, entretanto, quando se tratar de menores. Estes têm uma ideia muito fértil. Almeida Jr., ao cuidar do depoimento infantil, alude à sua imaturidade psicológica, imaginação, motomania, imaturidade moral e, sobretudo, à sua sugestibilidade, levando-a ao mundo da fantasia.

Da ouvida do indiciado

A Autoridade Policial, quando da elaboração do inquérito, deverá, se não for impossível (caso de fuga, de autoria desconhecida etc.), qualificar e identificar o indiciado dactiloscopicamente, quando permitido, e, a seguir, ouvi-lo, vale dizer, interrogar a pessoa contra quem foi instaurado o inquérito. Se impossível a qualificação direta, far-se-á a indireta, isto é, a Autoridade Policial diligencia com empregadores ou parentes do criminoso seus dados qualificadores. Antes de ouvi-lo, cumpre à autoridade chamar-lhe a atenção para o seu direito constitucional de permanecer calado, lembrando-lhe, inclusive, não implicar tal comportamento autoincriminação. Contudo, observe-se que o direito ao silêncio não confere ao indiciado a prerrogativa de se furtar a fornecer os dados que o qualificam. Se o fizer, haverá a nosso juízo, o crime de desobediência. Se fornecer dados não verdadeiros, a nosso ver, haverá o crime de falsa identidade previsto no art. 307 do CP. Nesse sentido, TJRJ. A. 4.846/99: “Se o agente, ao ser qualificado no auto de prisão em flagrante, Deu nome e filiação diversos do seu, fornecendo falsa identidade para se beneficiar com a ocultação de sua verdadeira, por ser evadido do sistema penal, praticou também o delito contido na norma do art. 307 do CP, porque o direito de defesa, de calar, fazer afirmação falsa ou negar a verdade, diz respeito ao interrogatório de mérito, quando indagado sobre a imputação, e não quanto ao de qualificação, pois todos estão obrigados a fornecer às autoridades a sua verdadeira identidade”. (Contra: STJ. Rel. Min. Vicente Leal. REsp 204.218/MG, DJU, 25-9-2000, p. 147, sob o fundamento de que assim agindo estará o réu se autodefendendo para encobrir maus antecedentes, pois tal postura encontra-se ao abrigo da garantia constitucional que lhe assegura o direito ao silêncio quando inquirido pela autoridade pública.). Embora o interrogatório seja meio de defesa, também não pode o indiciado fazer uma autoacusação falsa. Pode dar ao fato a versão que quiser menos a de autoincriminar-se falsamente. Se por acaso o indiciado não for encontrado, deve a Autoridade Policial, se possível, proceder à sua qualificação ndireta, isto é, colher os dados que o qualificam junto à empresa onde trabalhava, entre parentes. P. ex.

Como acentua o inc. V do art. 6º do CPP, deverá a Autoridade Policial observar o disposto no Capítulo III do Título VII do Livro I, isto é, os arts. 185 e s. do CPP. Com tal expressão, quer o legislador dizer que o interrogatório do indiciado deverá ser realizado dentro daquelas mesmas normas e garantias que norteiam o interrogatório levado a efeito pela Autoridade Judiciária, inclusive, como vimos, respeitando o seu direito de permanecer calado, decorrência lógica do princípio nemo tenetur se detegere (ninguém é obrigado a acusar a si próprio). Para desencanto nosso, ainda há Juízes que entendem que os indiciados que se reservam o direito de apenas falar em juízo... assim o fazem porque têm “culpa no cartório”. Fossem inocentes, dizem eles, responderiam a todas as perguntas dom desassombro... E dizem isso malgrado a Constituição da República, no art. 5º, LXIII, confira aos réus o direito de permanecerem calados e o parágrafo único do art. 186 do CPP disponha que “o silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa”... Ademais, embora o Advogado possa assistir ao interrogatório do indiciado, se ele não comparecer não haverá para a Autoridade Policial aquele mesmo dever imposto ao Juiz no art. 185 do CPP. O inquérito é inquisitivo e não contraditório. Ademais, no Fórum a presença de Advogados é uma constante, tornando viabilíssima a nomeação de um deles para assistir ao interrogatório do réu. Já nas delegacias (numerosas delas) não há Advogados, e, por isso, não faz sentido a Autoridade Policial paralisar os trabalhos para sair à cata de um causídico, tanto mais quanto o inciso V do art. 6º do CPP manda aplicar as regras concernentes ao interrogatório judicial no que forem aplicáveis...

Do reconhecimento

A Autoridade Policial deverá, quando necessário, proceder a reconhecimento de pessoas ou coisas. Os reconhecimentos devem ser feitos segundo as prescrições dos arts. 226, 227 e 228 do CPP.

Das acareações

A Autoridade Policial deverá, também, quando necessário, proceder às acareações, observadas as regras dos arts. 229 e 230. Acarear é pôr frente a frente os acareandos, para, em seguida, a autoridade ler o que disseram e lhes perguntar se confirmam ou corrigem. Evidente que elas somente poderão ser feitas quando a divergência incidir sobre fatos ou circunstancias, entre testemunhas, entre indiciado ou testemunha e a pessoa ofendida, entre os ofendidos, sempre que divergirem em suas declarações.

Se a autoridade pretender proceder à acareação entre indiciado e testemunha ou vítima, não se deve olvidar que, tendo aquele o direito constitucional ao silêncio, não será obrigado a participar do ato. Fá-lo-á se quiser.

Dos exames periciais

Se for o caso de proceder a exame de corpo de delito ou a quaisquer outras perícias, a Autoridade Policial deverá determiná-las, de conformidade com os arts. 158 usque 184 do CPP.

Procede-se a exame de corpo de delito todas as vezes que a infração deixar vestígios. Quando se fala em corpo de delito, a primeira ideia que se tem é a do corpo da vítima. Nada mais errados. Corpo de delito  ou corpus delicti, ou ainda corpus criminis, é o conjunto dos vestígios materiais deixados pelo crime. Assim, o exame de corpo de delito pode ser feito num cadáver, numa pessoa viva, numa janela, num quadro, num documento...

Há infrações que deixam vestígios – delicta factis permanentis -  e as que não deixam – delicta factis transeuntis. Somente aquelas, por óbvio, sujeitam-se a tais exames.

Porém não são apenas os exames de corpo de delito que podem ser realizados durante a feitura do inquérito policial, mas quaisquer outras perícias.

Os demais exames periciais que se fazem têm notável relevância, porquanto esclarecem, elucidam e aclaram a compreensão de algum fato ou circunstância relacionada com a persecução. P. ex.: o exame realizado numa arma de fogo, para se constatar se ela foi ou não utilizada recentemente.nesse caso, com um cotonete o perito procura limpar o canos da arma, retirando eventual nitrito aíi existente, provocado pelo disparo; em seguida, coloca umas gotas de solução acética de alfa nafetilamina no cotonete e depois algumas gotas de solução acética de ácido sulfanílico. Se o cotonete apresentar uma cor vermelha (trata-se de reagente colorimétrico), é sinal de que havia na arma nitrito, deixado no cano com o disparo. Se ficar incolor, pode-se dizer que a arma não foi disparada há poucos dias. Há uma variedade imensa de perícias que podem ser realizadas durante o inquérito policial. Dentre outras, a análise da composição química de um objeto, o exame realizado para se constatar a existência de sangue humano num determinado objeto, a pesquisa de sangue oculto, o exame caligráfico, o exame nas mãos da vítima e do indiciado para saber se eles fizeram, ou não, disparo com arma de fogo, o exame psiquiátrico para constatação da saúde mental da vítima etc. Cumpre observar, contudo, que em se tratando de exame de insanidade mental na pessoa do lado indiciado, se a Autoridade Policial entender necessário, deverá representar ao Juiz para que este o determine, nos termos do § 1º do art. 149 do CPP.

Violência doméstica

Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, a Autoridade Policial, sem prejuízo das diligências referidas no art. 6º do CPP, deve ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência, tomar por termo a representação, se apresentada, colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias, e remeter, em apartado, no prazo de 48 horas, cópias desses dados, com o pedido da ofendida para a concessão de medidas protetivas de urgência. Esse pedido será tomado por termo pela Autoridade Policial e deverá conter a qualificação da ofendida e do agressor, nome e idade dos dependentes, descrição sucinta do fato e das medidas protetivas desejadas, dentre as indicadas nos arts. 22 e 23 da Lei n. 11.340, de 7-8-2006. Tomada essa providência de urgência, o inquérito continua normalmente.

Reprodução simulada

Às vezes deverá a Autoridade Policial, para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública.

De regra a reprodução simulada é feita pelo próprio indicado. E se este a tanto se opuser? Não comete nenhuma infração. Se ele não é obrigado a cusar a si próprio (nemo tenetur se detegere), se ele tem o direito constitucional de permanecer calado, não teria, como não tem sentido, ser eventualmente processado por desobediência pelo simples fato de se recusar a contribuir para a descoberta de “alguma prova” contra ele... É o privilege against self incrimination. Não querendo proceder à reprodução simulada (e somente nessa hipótese), nada impede possa a Autoridade Policial realizá-la com as testemunhas presenciais.

A identificação

Podemos dizer que a identificação é o processo usado para se estabelecer a identidade. Esta, por sua vez, vem a ser o conjunto de dados e sinais que caracterizam o indivíduo. Nos dias atuais o processo generalizado para a identificação das pessoas, notadamente dos criminosos, é o dactiloscópico, isto é, pelas saliências papilares existentes nas pontas dos dedos.

O primeiro processo utilizado para a identificação de criminosos era a mutilação; depois surgiu o ferro em brasa. Mesmo no Brasil, no segundo quartel do século XVIII, havia disposição no sentido de que “todos os negros que fossem achados em quilombos, estando neles voluntariamente, se lhes pusesse uma marca em uma espádua com a letra F, que, para esse efeito, havia nas Câmaras e se, quando se fosse executar essa pena, fosse achado já com a mesma marca, se lhe cortasse uma orelha, tudo por simples mandado do juiz...”. Tivemos no século XIX a fotografia, o retrato falado, a antropometria, criada por Alphonse Bertillon, em que se tomavam as medidas dos diâmetros longitudinal e transversal do crânio, o diâmetro bizigomático, a estatura, a envergadura, a altura da orelha direita, a cor da íris esquerda, o tamanho dos dedos e outros dados. Tratava-se de um método complicado, exigindo técnica e experiência, em razão mesmo das dificuldades para a obtenção e posterior comparação dos dados. Frigério entendia ser possível identificar uma pessoa pela orelha, suas circunvoluções e implantação na caixa craniana. Era a otometria. Outros criaram a oftalmografia (estrutura da íris), a odontoscopia (exame da arcada dentária), a posição das veias no dorso das mãos, a posição das veias na fronte (era a flebografia). Stokis defendia a possibilidade de identificação pelos sulcos palmares (quiroscopia); Wilder, pelos sulcos plantares (pelmatoscopia); e Bert, pelas particularidades do umbigo...

Nenhum desses processos, contudo, sobrepujou a dactiloscopia, em face, repita-se, da imutabilidade, da perenidade, da variedade e facilidade de exame.

Nada impede, porém, que, num determinado caso concreto, se lance mão da odontoscopia para se estabelecer a identidade de alguém, o que é comum dos caos de acidentes em que a pessoa fica carbonizada. Suponha-se que a Polícia tenha feito levantamento de sulcos plantares deixados pelo criminoso. Preso o suspeito, pode-se fazer a comparação. Diga-se o mesmo em caso de dentadas...

Todos nós temos nas polpas dos dedos cristas papilares. São saliências aí existentes. Se untarmos a ponta de um dedo da mão com tinta preta e premermos esse dedo sobre um pedaço de papel, haveremos de ver uma série de linhas formando desenhos. A esses vestígios deixados pelas cristas papilares chama-se impressão digital. E ao estudo dessas impressões denomina-se dactiloscopia. A palavra “dactiloscopia” vem do grego daktilos (dedos) mais skopein (observação, exame). A impressão digital assemelha-se a um desenho formado por diferentes linhas curvas e é constituída de pequenas partículas de suor produzidas pelos sulcos e saliências da pele que envolve os dedos.

O seu valor está na imutabilidade (desde o sexto mês da vida intrauterina até a putrefação, os desenhos formados pelas cristas papilares continuam iguais). Outra vantagem está na perenidade (não pode ser modificada por vontade do possuidor) e, finalmente, na variedade. Até hoje não foram encontradas duas pessoas com a mesma individual dactiloscópica (as impressões digitais são diferentes entre os homens), ainda que se trate de gêmeos univitelinos. Todavia Leonídio Ribeiro e Antônio Aleixo informam que as impressões digitais são suscetíveis de desaparecimento: a) por amputação ou putrefação dos dedos; b) por largas e profundas cicatrizes das polpas digitais; e c) devido a certas doenças como hanseníase.

De acordo com a classificação feita por Vucetich, dálmata que residia na Argentina, há quatro tipos fundamentais de cristas papilares: arco, presilha interna, presilha externa e verticilo. O arco apresenta linhas de um a outro bordo da polpa digital, descrevendo pequenas curvas com convexidade para a ponta dos dedos. As presilhas são formadas por linhas que parte de um dos bordos da polpa do dedo, descrevem uma curva alongada e voltam ao bordo de onde partiram, e, no lado oposto, a confluência das linhas discordantes forma um delta (pequeno sinal triangular ou estrelado). Quando o delta é formado à direita da pessoa que observa sua impressão, diz-se presilha interna; se à esquerda, presilha externa. Já os verticilos são formados por linhas que descrevem círculos concêntricos ou em espiral. Apresentam, por isso, dois deltas, um no lado esquerdo e o outro, no direito.

Quando alguém apresentar no dedo polegar um arco, registra-se a letra A, e nos demais dedos, o número 1; se for presilha interna, I, e nos demais dedos, o número 2, se presilha externa, E, e nos demais dedos, 3; e, finalmente, se verticilo, V, tratando-se do polegar, e 4, nos outros dedos. Desse modo, temos os quatro tipos: A-1; I-2; E-3; V-4.. Se alguém, p. ex., no polegar da mão direita, apresenta um verticilo; no indicador, uma presilha externa; no médio, um arco; no anular, um verticilo; e, no mínimo, uma presilha interna, teremos, então, a seguinte classificação-denominação: V-3-1-4-2.

Além desses símbolos, usam-se também a letra X (para indicar cicatriz) e a letra O (para indicar amputação).

Posteriormente, criaram-se subtipos:

São subtipos do arco: Arco Plano (PL); Arco Angular (AG); Arco bifurcado à direita (Bd); Arco bifurcado à esquerda (Be); Arco dextro-apresilhado (Da); Arco sinistro apresilhado (Sa).

São subtipos da presilha interna: presilha interna normal (Nr) e presilha interna invadida (Vd).

São subtipos da presilha externa: presilha externa normal (Nr) e presilha externa invadida (Vd).

Quanto ao verticilo, temos: circular (Cr); espiral (sp);  ovoidal (ov); sinuoso (Sn); duvidoso (dv).

Ao lado desses subtipos, há os tipos especiais:
2 Dp – presilha interna dupla;
2G – presilha interna ganchosa;
3Dp – presilha externa dupla;
3G – presilha externa ganchosa;
4G – verticilo ganchoso.

Nos arquivos do Instituto de Identificação, fazem-se fichas das anomalias, tais como sindactilia (dedos ligados), podactilia (dedos em número maior que o normal), ectrodactilia (dedos em número menor que o normal e desenhos anômalos, que são representados, respectivamente, pelos seguintes símbolos: SIN, POL, ECT, NA.

Pode acontecer de dezenas de pessoas apresentarem no polegar, por exemplo, um arco. Não importa, aparentemente estaria quebrado o caráter da variedade das digitais. Ampliados e projetos os arcos numa tela, procuram-se os pontos característicos: ilhota ou ponto, linha cortada, forquilha, bifurcação, encerro, e, como cientificamente demonstrado, essas dezenas de arcos apresentação pontos característicos diferentes. Nenhum será igual ao outro.

Quando a Autoridade Policial determina sejam tiradas as impressões digitais do indiciado, cumpre ao funcionário untar-lhe as polpas de todos os dedos de ambas as mãos e premê-los sobre uma folha de papel, denominando-se, a essa ficha dactiloscópica, planilha. Esta é elaborada em três vias: uma fica no inquérito, outra, nos autos suplementares e finalmente a terceira via é encaminhada ao Departamento de Investigações. Em rigor, toda pessoa ao nascer deveria ser identificada dactiloscopicamente, encaminhado-se a respectiva planilha ao Departamento de Investigações para o seu arquivamento.

Cumpre observar que ultimamente, após os atentados terroristas ao Word Trade Center, os ingleses e a indústria alemã Siemens passaram a fazer experiência dom oftalmografia. De fato, segundo se alega, duas pessoas não possuem a mesma estrutura da íris. Esta é formada por inúmeros trações irregulares, com espessura, tamanho, tonalidade e relevo completamente distintos. As criptas existentes na íris, isto é, as saliências nervosas que integram o seu relevo, variam de pessoa para pessoa. Não se trata de um processo de identificação novo. Conforme vimos, Capdeville e Levinsohn, dezenas de anos atrás, já entendiam que o processo oftalmográfico era infalível. E realmente é. Mas exige equipamentos de alto custo. Funciona assim: a pessoa encosta o roto numa câmara digital, que o fotografa. Essa foto é enviada a um bando de dados, onde ficam arquivadas milhares de imagens de íris, com as fichas dos seus respectivos donos. Em alguns segundos o equipamento diz quem é a pessoa procurada. Atualmente têm sido feitas experiências no aeroporto Heathrow, em Londres. Assim, em vez de apresentar o passaporte no balcão de imigração, os passageiros aproximam o rosto de uma câmara digital. Com as informações do banco de dados para onde a imagem da íris foi endereçada, o equipamento diz se o estrangeiro tem ou não autorização para entrar no país. Segundo relato feito há pouco tempo pela revista Veja, alguns países da Europa e Estados Unidos têm-se valido desse processo para controlar o acesso de seus funcionários a cofres públicos. Todavia, como processo geral de identificação de criminosos, parece-nos inviável. Servirá, sim, para controle de segurança em aeroportos, de acesso a locais onde se guardam valores, penitenciárias (quem entra e quem sai) etc. E não só por isso, mas pelo seu alto custo, por óbvio não suplantará o processo dactiloscópico.

No Brasil, em algumas penitenciárias, inclusive nas localizadas na Comarca de Bauru/SP, para evitar fuga de presos, substituição de presos (o preso sai e o visitante fica...), está sendo adotado um critério bem mais prático: a pessoa (qualquer) que entrar na penitenciária preme o seu indicador direito numa pequena máquina e esta, em fração de segundos, transmite sua digital para um banco de dados, onde se registra, também, o nome da pessoa. Ao sair, repete-se o processo, e, então, o responsável pelo controle fica sabendo se a pessoa que entrou é a mesma que está saindo.

Pode o indiciado recusar-se a ser identificado?

O legislador constituinte proibiu a identificação dactiloscópica daqueles já civilmente identificados (art. 5º, LVIII), salvo as hipóteses previstas em lei. E após doze anos de vigência da Magna Carta, surgiu a Lei n. 10.054, de 7-12-2000, estabelecendo que o civilmente identificado por documento original não será submetido à identificação criminal, exceto quando: a) estiver indiciado ou acusado pela prática de homicídio doloso, crimes contra o patrimônio praticados com violência ou grave ameaça, crime de receptação qualificada, crimes contra a liberdade sexual ou crime de falsificação de documento público; b) houver fundada suspeita de falsificação ou adulteração do documentos de identidade; c) o estado de conservação ou a distância temporal da expedição de documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais; d) constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; e) houver registro de extravio do documento de identidade; f) o indiciado ou acusado não comprovar, em 48 horas, sua identificação civil. A cópia do documento de identificação civil apresentada deverá ser mantida nos autos de prisão em flagrante, quando houver, e no inquérito policial, em quantidade de vias necessárias. Nesses casos, cumprirá à Autoridade Policial, no curso do inquérito, se possível, proceder à identificação dactiloscópica. Deverá, então, um funcionário da delegacia colher as impressões digitais de ambas as mãos. São tiradas várias impressões em várias folhas de papel, de sorte que cada folha, chamada planilha, conterá as impressões dos 10 dedos. Uma acompanha os autos do inquérito; outra permanece nos autos suplementares do inquérito e as demais são encaminhadas ao Departamento de Investigação. Serão juntadas, também, as fotografias do indiciado ou réu tiradas nas delegacias e que, de igual modo, serão anexadas aos autos de prisão em flagrante, inquérito ou mesmo Termo Circunstanciado. Se o indiciado estiver envolvido com ação praticada por organizações criminosas, será ele, também, nos termos do art. 5º da Lei n. 9.034, de 3-5-1995, identificado dactiloscopicamente, ainda que já identificado civilmente.

A Lei n. 10.054/2000 foi mais longe: exige, na hipótese de o indiciado ou autor do fato (nas infrações de menor potencial ofensivo) não ter sido identificado civilmente, não só sua identificação dactiloscópica, como inclusive a fotográfica. Nesses casos, os materiais dactiloscópicos e fotográficos Serão juntados aos inquéritos policiais e até mesmo aos autos de comunicação da prisão em flagrante.

A nosso ver, é profundamente estranho tenha o legislador desejado emprestar um procedimento célere para as infrações de menor potencial ofensivo, inclusive salientando que a transação não forja a reincidência, e, ao mesmo tempo, desejado que nessas infrações sem dignidade penal seja o autor do fato não civilmente identificado submetido à humilhação de uma identificação fotográfica, além da dactiloscópica. Esta necessária; aquela, não. Trata-se de medida vexatória e sem,nenhum interesse prático, mesmo porque, todos sabemos, com o passar dos anos as pessoas mudam a fisionomia e por meio de artifícios podem até caracterizar-se de forma diferente. Ademais, pessoas diversas têm uma profunda e acentuada semelhança... É bem possível, p. ex., que no Fórum, quando da ouvida da vítima ou testemunha, sendo-lhe mostrada a fotografia do pretenso criminoso, nãohaja sequer vacilação... e, não obstante, poderá ser um sósia. Mas não é só: centenas de delegacias do interior do nosso país vivem completamente desaparelhadas, e, com a exigência da identificação fotográfica, o legislador criou mais um problema, cuja solução certamente ele não dará...

Pode o indiciado ou réu recusar-se a que tirem suas impressões digitais? Respeitadas as restrições impostas na Lei n. 10.54/2000, já referida, sim. Em caso contrário, haverá desobediência.

E se o indiciado houver fugido? Nesse caso, à evidência, não será possível a identificação dactiloscópica. Ainda assim, cumpre à Autoridade Policial qualificá-lo indiretamente, isto é, colhendo, no local onde haja trabalhado ou de parentes, dados a respeito da sua qualificação. E, se esses dados forem perfeitos e completos, uma cópia é encaminhada ao D. I. (Departamento de Investigação), e aí, por meio daqueles informes, será possível saber tratar-se ou não de reincidente.

Por isso, uma vez tiradas as impressões e fotos, ou mesmo feita a qualificação indireta, cumpre à Autoridade Policial remeter duas planilhas ao D. I. (ou os dados colhidos quando da qualificação indireta) e indagar desse Departamento se o indiciado (ou réu) já foi ou não processado em outra comarca. Com a planilha, o D. I. em 10 ou 15 minutos, localiza a ficha da pessoa cujos antecedentes se pedem (se ela já foi identificada, ainda que para efeitos civis) e presta as necessárias informações, dizendo, por exemplo, que o cidadãojá foi processado em Ribeirão Preto etc. Ante tal informação, oficia-se ao juízo daquela comarca solicitando-lhe certidão de eventual sentença condenatória, com a nota do trânsito em julgado, ali proferida contra o indiciado.

Se não constar dos arquivos a identificação do indiciado, informará o D. I. não ter elementos para prestar as informações. Pode acontecer que o indiciado seja natural de outro Estado da Federação. Nessa hipótese, deverá a Autoridade Policial solicitar informações ao D. I. desse Estado, sempre tendo a cautela de remeter uma cópia da planilha, que é uma folha de papel contendo as impressões dos dedos das mãos direita e esquerda.

Indiciado menor

O art. 15 do CPP assim dispõe:
“se o indiciado for menor, ser-lhe-á nomeado curador pela autoridade policial”.

Evidentemente, a lei faz referência ao menor de 21 e maior de 18 anos, uma vez que os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, nos precisos termos do art. 27 do CP.

Qual a razão que levou o legislador a melhor amparar o indiciado menor, concedendo-lhe curador na fase do inquérito policial? A exigência do art. 15 prendia-se ao fato de que o menor de 21 e maior de 18 era relativamente incapaz. É verdade que, de certo modo, o CPP fez abstração dessa incapacidade relativa, tanto que o direito de queixa ou de representação poderia ser exercido pelo menor de 21 e maior de 18 sem a assistência de seu representante legal, tudo nos termos do art. 34 do CPP. Mais ainda: até mesmo contra a vontade do seu representante legal, poderia ele exercer tal direito (CPP, art. 50, parágrafo único). Porém, em face da sua qualidade de sujeito passivo da pretensão punitiva, entendeu o legislador devesse tomar aquela cautela procurando sintonizar-se com o Código Civil então vigente, tanto mais quanto os menores de 21 e maiores de 18, pelo fato de serem tidos como relativamente incapazes, eram considerados sugestionáveis e poderiam ser influenciados.

Contudo, cumpre observar que, tendo o novo Código Civil fixado em 18 anos o fim da menoridade, nãomais há razão, e constitui colossal enormidade, nomear curador a quem já completou essa idade. Observe-se: o Código de Processo Penal, em várias de suas disposições, usa o termo “menor” (arts. 15, 194, 449); às vezes fala do “menor de 21 anos” (arts. 34, 52, 54, 279, III, c, 2ª parte, 564, III); e, finalmente, em muitas delas, utiliza a expressão “representante legal”, referindo-se àquele que representava o menor de 21 e maior de 18 anos. Por óbvio, não mais se pode falar em menor de 21 e maior de 18 anos e muito menos em representante legal do maior de 18 anos (salvo se doente mental).

De que critério se valeu o legislador processual penal para exigir a idade de 18 anos para o cidadão poder atuar em juízo, e por que reclamou a intervenção do seu “representante legal” quando estivesse na faixa etária entre os 18 e 21 anos? Quanto á idade de 18 anos para figurar como sujeito ativo da infração, é fácil entender; a maioridade penal poderia ter sido fixada aos 14 anos, aos 16, aos 18, aos 21. Questão de política criminal, levou o legislador a optar pela idade de 18 anos, da mesma forma que interesses políticos levaram o constituinte a permitir o voto não só do analfabeto como também daquele que já completou 16 anos. Entendeu-se que aos 18 anos de idade o homem já tem discernimento ético para saber o que é ou não contrário à comum consciência jurídica. Como bem disse Aníbal Bruno, “A capacidade de entender o caráter criminoso do fato não importa em que o agente possa ter conhecimento de que o seu ato é definido em lei como crime, não importa na capacidade de consciência da sua antijuridicidade em sentido estrito; importa apenas na possibilidade, para o agente, de compreender que o seu comportamento é reprovado pela ordem jurídica, não nos termos precisos de um conhecimento técnico, como possui o jurista, mas nos limites em que o pode compreender o leigo” (Direito penal; parte geral, Rio de Janeiro, Forense, 1967, t. 2º, p. 45). Daí haver o Código Penal de 1940 adotado a imputabilidade da pessoa física ao atingir os 18 anos de idade.

Partindo dessa ideia, não seria justo que esse mesmo cidadão, considerado imputável, podendo ser sujeito ativo de crime, não pudesse exercer o direito de “queixa” ou de “representação”. Podia ser acusado, mas não podia acusar... Por isso o legislador processual penal, procurando entrar em harmonia com o legislador penal, encontrou na idade de 18 anos um razoável sintonizador, permitindo àquele que a completou o exercício do direito de queixa ou de representação, sem abri mão de igual direito do seu representante legou. É certo que a idade é um estado da pessoa. Sendo-o, como efetivamente o é, cabe ao Direito Civil proclamar quando se adquire a capacidade de fato ou de exercício, vale dizer, capacidade para os atos da vida jurídica. O legislador penal, entretanto, por razões de política criminal, atribuiu a imputabilidade à pessoa ao atingir os 18 anos. Não houve uma valoração técnica, mas avaliação de política criminal, o que é diferente. Tanto é verdade que essa maioridade para fins de considerar a pessoa imputável não é uniforme entre as legislações. Na Itália, p. ex., o art. 98 do Codice Penale considera imputável o menor que completou 14 anos “se aveva capacitá d’intendere e di volere”, embora a pena seja diminuída. Entre nós houve uma tentativa nno sentido de que, embora o limite da imputabilidade devesse ser aos 18 anos, se revelassem suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato e governar a própria conduta. Tratava-se do Decreto-lei n. 1.004/69, que instituía o novo Código Penal. Contudo, não foi promulgado. O Código Penal paraguaio, de 1997, fixou no ser art. 21 a idade em 14 anos; o português no art. 19, estabeleceu a idade de 16 anos. Todavia, o Código Civil de 1916 fixou a maioridade civil aos 21 anos partindo do pressuposto de que, ao atingir essa idade, a pessoa tinha aptidão para os atos da vida jurídica. Entre os 16 e 21, a capacidade de fato estava em formação. Falava-se, então, em capacidade relativa, sendo, nesse caso, assistidos pelo seu representante legal: pai, tutor, curado. Em face disso, o legislador processual penal exigiu se nomeasse  curador ao réu menor de 21 e maior de 18 anos (arts. 15, 194, 449, 564, III, c, todos do CPP). Dispôs ainda que a pessoa que estivesse na faixa etária entre os 18 e 21 anos poderia exercer o direito de queixa ou de representação, sem afastar a figura do seu representante legal, em consonância com o Direito Civil, criando, assim, dois titulares distintos do direito de queixa ou de representação. Daí as regras dos arts. 34, 50, parágrafo único, 53, 54 e outros do CPP, mais tarde prestigiadas pela Súmula 594 do STF.

Agora, dizendo o art. 5º do CC em vigor que a menoridade cessa aos 18 anos, é sinal de que o legislador entendeu (e com razão), que de 1916 para cá o mundo mudou, outros são os costumes (alguns abastardados, nomeadamente os políticos, é verdade...), o progresso da ciência, os meios de comunicação, a televisão, o mundo mágico do computador, a tecnologia avançada, o homem indo à lua, naves pelo espaço cósmico, telefone sem fio, celulares, Internet, tudo isso criou, por assim dizer, uma nova mentalidade. A geração atual é outra. Não se comparam as moças de 18 anos de hoje com outras da mesma idade dos anos 1940, que se deliciavam com os romances de M. Delly... Já foram despenalizadas algumas figuras delituais como o adultério, a sedução, o rapto consensual. A justiça negociada ou consensual, até há pouco tempo, era tida como absurda e inconstitucional; agora é uma realidade. Os moços de hoje têm outra visão dos problemas da vida e do mundo. A luta pela vida fê-los adquirir uma maturidade precoce. Pode-se até dizer que os nossos moços perderam a mocidade... já são adultos, agem como adultos, fazem coisas de adultos. O sexo deixou de ser tabu... qualquer criança de 10 ou 12 anos fala com a maior naturalidade sobre os processos para evitar a gravidez, e nas escolas são até indagadas sobre alguma experiência sexual... Tudo isso graças, também, ao processo educativo... das nossas televisões... com a aquiescência do Ministério da Educação. Os costumes são outros. Por outro lado, o fato de a Lei n. 10.792, de 1º-12-2003, haver revogado o art. 194 do CPP, que exigia curador ao menor de 2     1 e maior de 18 anos, constitui razão a mais para não se permitir sua exigência no inquérito.

Folha de antecedentes

Deverá a Autoridade Policial, também, diligenciar, se possível, a folha de antecedentes do indiciado. Tal documento apresenta grande valor, pois, por meio dele, constata-se se o criminoso é ou não reincidente, circunstância relevantíssima para a aplicação da pena, como se pode constatar pelos arts. 61, I, e 77, I, todos do CP.


Claro não ser ela prova da reincidência, mas uma excelente fonte de prova, já que, por seu intermédio, sabe-se onde e quando tramitaram processos contra o infrator, bastando assim ao Juiz processante oficiar ao Juízo por onde correm ou correram processos contra o réu, requisitando certidões de eventuais sentenças condenatórias com a nota do trânsito em julgado ou não.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL – Capítulo 7-B – DO INQUÉRITO - O INQUÉRITO POLICIAL NOS CRIMES DE AÇÃO PRIVADA, A MULHER CASA D O DIREITO DE QUEIXA, QUAL O PRAZO PARA REQUERER A INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO NOS CRIMES DE ALÇADA PRIVADA?, CONTEÚDO DO REQUERIMENTO - VARGAS DIGITADOR.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo 7-B – DO INQUÉRITO - O INQUÉRITO POLICIAL NOS CRIMES DE AÇÃO PRIVADA, A MULHER CASA D O DIREITO DE QUEIXA, QUAL O PRAZO PARA REQUERER A INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO NOS CRIMES DE ALÇADA PRIVADA?, CONTEÚDO DO REQUERIMENTO -  VARGAS DIGITADOR.

O inquérito policial nos crimes de ação privada

Em determinados casos, o nosso ordenamento, à semelhança do que ocorre em outras legislações, permite ao ofendido, ou a quem legalmente o represente, o direito de promover a ação penal. Fala-se, então, em “ação penal privada”. Nesses casos, a Autoridade Policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tiver qualidade para quem intentá-la, vale dizer, o ofendido ou quem legalmente o represente. É o que diz o § 5º do art. 5º do CPP. Se o ofendido morrer ou for judicialmente declarado inocente, o direito de promover a ação privada passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (arts. 30 e 31 do CPP). De consequência, se o crime for de alçada privada, não poderá a Autoridade Policial iniciar o inquérito de ofício nem mediante requisição da Autoridade Judiciária ou do Ministério Público. Somente a pessoa com o direito à ação privada é que poderá requerer a instauração do inquérito. Ninguém mais. Vejam-se a propósito os arts. 30 e 31 do CPP.

O requerimento, com firma reconhecida, é dirigido à Autoridade Policial competente, que, caso o requerente forneça elementos que possibilitem a instauração do inquérito, determinará seja este iniciado.

Se o ofendido for menor de 18 anos, ou mesmo maior, mentalmente enfermo, ou retardado mental, caberá ao seu representante legal requerer a instauração de inquérito e promover posteriormente a queixa, ou, se tiver em mãos elementos que o habilitem a promover a ação penal, ingressar em juízo com a queixa.

A regra contida no art. 34 do CPP (reiterada na Súmula 594 do STF), aludindo ao menor de 21 e maior de 18 anos, caiu no vazio em virtude de haver o novo Código Civil fixado o término da menoridade aos 18 anos. Assim, se o ofendido completou 18 anos, desde que não seja doente mental, somente ele, e exclusivamente ele, é quem pode exercer o direito de queixa e, consequentemente, o de requerer a instauração do inquérito policial, nos termos do § 5º do art. 5º do CPP.

A mulher casada e o direito de queixa

A mulher casada poderá requerer a instauração de inquérito nos crimes de ação privada? O § 5º do art. 5º diz que poderá requerer instauração de inquérito quem tiver qualidade para promover a ação penal privada. Não obstante as restrições impostas pelo art. 35 do CPP, o certo é que o art. 226, § 5º, da Magna Carta, estabelecendo, na sociedade conjugal, os mesmos direitos e obrigações, tacitamente revogou aquela disposição. Aliás, desnecessariamente, a Lei n. 9.520, de 27-11-1997, de forma expressa, também a revogou.

Qual o prazo para requerer a instauração de inquérito nos crimes de alçada privada?

O Código não diz. Mas, por outro lado, dispondo o art. 38 que o direito de queixa deve ser exercido em juízo e dentro do prazo de 6 meses (salvo disposição em contrário,como ocorre no crime previsto no art. 236 do CP, p. ex.), a partir da data em que se souber quem foi o autor do crime, e sendo a queixa o ato inaugural da ação penal, fácil concluir que o interessado deverá requerer a instauração do inquérito antes de se completar aquele semestre a que se refere o art. 38, de molde a haver tempo suficiente para ingressar em juízo com a queixa dentro daquele prazo. Haverá necessidade de o Juiz despachá-la para que o querelante não perca o prazo? Decerto que não; bastará o simples ato de levar a queixa, devidamente apoiada nas provas do inquérito ou peças de informação, ao protocolo, tendo-se o cuidado, para evitar amarga decepção, de se protocolar também a segunda via, que servirá de cópia.

Já em se tratando de crime cuja ação penal dependa de representação, esta poderá ser feita inclusive no último dia do prazo, mesmo porque ela não é a peça inicial da ação penal, como o é a queixa na ação privada. Nada impede que a representação seja feita num sábado ou domingo, visto que ela pode ser feita, também, perante a Autoridade Policial (art. 39 do CPP), e sempre há Autoridade Policial de plantão.

Conteúdo do requerimento

Como deve ser feito tal requerimento? Sua feitura obedece ao disposto no § 1º do art. 5º. Poderá ser indeferido? Poderá ser indeferido? A lei não diz. O § 2º do art. 5º refere-se apenas ao requerimento de que trata o inc. II do art. 5º. Mas, se extinta estiver a punibilidade, ou se o fato não constituir infração, nada impede que a autoridade o indefira. E se a autoridade não for competente? Nesse caso, nada obsta se aplique, por analogia, o que dispõe o § 3º do art. 39, isto é, o requerimento será encaminhado àquela que  o for.


Nada impede, também, em face de um indeferimento, possa o requerente recorrer ao Chefe de Polícia (Delegado Regional, Delegado Seccional, Delegado-Geral da Polícia Civil, p. ex.). Em suma: ao superior hierárquico do Delegado de Polícia.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – Capítulo 7-A – DO INQUÉRITO - NOTITIA CRIMINIS, INICIO DE INQUÉRITO, AUTORIDADE POLICIAL TEM O DEVER DE INSTAURAR INQUÉRITO?, PODE A AUTORIDADE POLICIAL INDEFERIR REQUISIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO?, PROVIDÊNCIA QUE O OFENDIDO PODE TOMAR, A DELATIO CRIMINIS, INQUÉRITO POLICIAL NOS CRIMES DE AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA, A HIPÓTESE DE REQUISIÇÃO DO MINISTRO DA JUSTIÇA - VARGAS DIGITADOR.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo 7-A – DO INQUÉRITO - NOTITIA CRIMINIS,  INICIO DE INQUÉRITO,  AUTORIDADE POLICIAL TEM O DEVER DE INSTAURAR INQUÉRITO?, PODE A AUTORIDADE POLICIAL INDEFERIR REQUISIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO?, PROVIDÊNCIA QUE O OFENDIDO PODE TOMAR, A DELATIO CRIMINIS, INQUÉRITO POLICIAL NOS CRIMES DE AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA, A HIPÓTESE DE REQUISIÇÃO DO MINISTRO DA JUSTIÇA - VARGAS DIGITADOR.

“Notítia criminis”

É com a notitia criminis que a Autoridade Policial dá início às investigações. Essa notícia do crime pode ser de “cognição imediata”, de “cognição mediata” e até mesmo de “cognição coercitiva”. A primeira ocorre quando a Autoridade Policial toma conhecimento do fato infringente da norma por meio das suas atividades rotineiras. Diz-se que há notitia criminis de cognição mediata quando a Autoridade Policial sabe do fato por meio de requerimento da vítima ou de quem possa representá-la, requisição da Autoridade Judiciária ou do órgão do Ministério Público, ou mediante representação. Ela será de cognição coercitiva nas hipóteses de prisão em flagrante, visto que, nesses casos, ao tempo em que a Autoridade Policial toma  conhecimento do fato criminoso, o seu autor lhe é apresentado, conduzido que foi sob coerção.

Início do inquérito

Mas como se inicia o inquérito policial? Qual a sua primeira peça? Depende da natureza do crime. Tratando-se de crime de ação pública incondicionada, isto é, aquele cuja propositura da ação penal pelo órgão do Ministério Público independe de qualquer condição – e tais crimes constituem a regra geral, nos termos do art. 100 do nosso CP - , a Autoridade Policial, dele tomando conhecimento, instaura o inquérito: a) de ofício, isto é, por iniciativa própria, quando o fato chegar ao seu conhecimento; b) mediante requisição da Autoridade Judiciária; c) mediante requisição do órgão do Ministério Público, ou, enfim, mediante requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo, nos termos do art. 5º, do CPP. Qual o conteúdo do requerimento? Deverá a pessoa que fizer, narrar o fato com todas as suas circunstancias; individuar o pretenso culpado ou dar-lhe os sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou ainda os motivos da impossibilidade de o fazer; e, finalmente, nomear testemunhas, com indicação de sua profissão e residência, sempre que possível. Assim também deverá ser a requisição ministerial ou judicial. Se houver prisão em flagrante, a peça inaugural do inquérito será o auto de prisão em flagrante de que trata o art. 304 do CPP, consoante dispõe o art. 8º do mesmo estatuto processual. Tratando-se de infração de menor potencial ofensivo (contravenções e crimes cuja pena máxima cominada in abstracto não ultrapasse 2 anos, sujeitos ou não a procedimento especial), não haverá necessidade de inquérito. Nesse caso, a Autoridade Policial limitar-se-á a elaborar um Termo Circunstanciado de que deverão constar:

I – narração sucinta do fato e de suas circunstâncias, com a indicação do autor, do ofendido e das testemunhas;
II – nome, qualificação e endereço das testemunhas;
III – ordem de requisição de exames periciais, quando necessários;
IV – determinação da sua imediata remessa ao órgão do Ministério Público oficiante no juizado criminal competente, com as informações colhidas, comunicando-as ao Juiz;
V – certificação da intimação do autuado e do ofendido, para comparecimento em juízo no dia e hora designados.
Obs.: Veja-se, a propósito de infração de menor potencial ofensivo, a observação feita no final do verbete “O procedimento dos processos por crimes falimentares” (Cap. 53).

A autoridade Policial tem o dever de instaurar inquérito?

A Autoridade Policial tem o dever ou a faculdade de determinar a instauração de inquérito? O art. 5º diz: “Nos crimes de ação pública, o inquérito policial será iniciado”. Com tal expressão, que demonstra imperatividade, a própria lei criou para a Autoridade Policial o dever jurídico de instaurar o inquérito nos crimes de ação pública. Evidente que o artigo se refere aos crimes de ação pública incondicionada. E, nesse caso, a peça inaugural da investigação será, normalmente, a “portaria”, em que se registra a notitia criminis, podendo ser, também, uma requisição do Ministério Público ou do Juiz, requerimento do ofendido ou de quem legalmente o represente, ou até mesmo o auto de prisão em flagrante, conforme já anotamos, dando-se início, com uma dessas peças, à persecução.

Pode a Autoridade Policial indeferir requisição do Ministério Público?

Dispõe o  § 2º do art. 5º, do CPP que do indeferimento do requeimento do ofendido ou de quem legalmente o represente cabe recurso para o “Chefe de Polícia”. Silenciando quanto à requisição, pode-se concluir que a Autoridade Policial não pode indeferi-la.

Observe-se que o legislador, no inc. II do art. 5º, fala em requisição e requerimento, procurando, assim, distinguir as duas situações. Requisição é exigência legal. Requisitar é exigir legalmente. Já a palavra requerimento traduz a ideia de solicitação de algo permitido por lei.

Note-se, também, que no art. 13, II,, o legislador criou para a Autoridade Policial o dever de realizar as diligências requisitadas pelo Juiz ou pelo Ministério Público e silenciou, como não podia deixar de ser, quanto à possibilidade de indeferir tais requisições.

Não poderá, pois, a Autoridade Policial deixar de atender às requisições da Autoridade Judiciária ou do Ministério Público.

E se a requisição não fornecer nenhum dado de molde a permitir a investigação? Já vimos que a requisição de conter aquele mínimo indispensável para permitir a investigação. Se, contudo, os dados fornecidos forem vagos, cumprirá à Autoridade Policial oficiar à autoridade requisitante, mostrando-lhe a impossibilidade de qualquer investigação e, ao mesmo tempo, solicitando-lhe outras informações. E se o fato for manifestamente atípico? Se  tratar-se de atipicidade, deve a Autoridade Policiar oficiar ao órgão requisitante mostrando-lhe a total impossibilidade de cumpri-la por se tratar de ordem manifestamente ilegal. E se a autoridade não atender à requisição, sem embargo de se lhe fornecer o quantum statis para a persecução? Poderá ser processa por desobediência, sem prejuízo de eventuais sanções disciplinares. Tratando-se de requerimento do ofendido ou de quem legalmente o represente, a própria lei permite o indeferimento. Não se infira, pela redação do § 2º do art. 5º do CPP, permissiva do indeferimento, possa a Autoridade Policial fazê-lo quando bem quiser. Isso seria absurdo e conflitaria com o princípio de que à Polícia Judiciária incumbe investigar o  fato e sua autoria.

E quando, então poderá ela indeferir tais requerimentos? Nas seguintes hipóteses: a) se já estiver extinta a punibilidade; b) se o requerimento não fornecer o mínimo indispensável para se proceder à investigação; c) se o fato narrado for atípico; d) se o requerente for incapaz. Se a autoridade a quem for dirigido o requerimento não tiver competência, não poderá ela indeferi-lo, mas, sim, remetê-lo à autoridade que o for, aplicando-se, por analogia, a parte final do § 3º do art. 39 do Código de Processo Penal.

Providência que o ofendido pode tomar

Indeferindo o requerimento, que providência poderá tomar o requerente? A propósito, o § 2º do art. 5º:

“do despacho que indeferir o requerimento de abertura do inquérito caberá recurso para o Chefe de Polícia”.

A lei não fala como deve ser interposto tal recurso e silencia quanto ao prazo. Nada obsta, pois, que a parte se dirija ao Chefe de Polícia, em petição fundamentada, mostrando a falta de razão da Autoridade Policial. Como aquele despacho que indeferir requerimento de abertura de inquérito não faz coisa julgada, pois o instituto da res judicata é característico da jurisdição, poderá o requerente recorrer a qualquer tempo, enquanto não estiver extinta a punibilidade (a lei não fixa prazo), e, caso não seja “provido” seu recurso, poderá renová-lo, apresentando novos argumentos e indicações de prova. Nada obsta também que o requerente solicite à Autoridade Policial reconsideração do seu despacho; nem estará ele impossibilitado de, mesmo que o Chefe de Polícia venha a negar provimento ao seu recurso, ingressar em juízo, a fim de que sejam tomadas as providências que se fizerem necessárias. A expressão “Chefe de Polícia” àquela época, correspondia ao que hoje se denomina “Secretário da Segurança Pública”. Assim, quer-nos parecer que nos Estados onde houver um Delegado-Geral responsável por toda a Polícia Civil, ou outra Autoridade Policial hierarquicamente superior à Autoridade Policial que indeferiu o requerimento, o recurso a ele deve ser dirigido. Pretendia-se fosse o recurso dirigido a alguém, na Polícia, que exercesse função superior àquela desenvolvida pelos Delegados ou Comissários de Polícia. E o órgão superior era o Chefe de Polícia. Atualmente há outros superiores ao Delegado e inferiores ao Secretário da Segurança Pública, e àquela época não havia.

A “delatio criminis”

Além dessas modalidades de se iniciar o inquérito aos crimes de ação pública incondicionada, existem mais duas: pelo auto de prisão em flagrante, cujo estudo será feito no final, ou, então, por meio de delatio criminis, nos termos do § 3º, do art. 5º do CPP.

“Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública, poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito”.

Como bem se percebe pela redação do texto supra, o legislador deu ao cidadão a faculdade de levar ao conhecimento da Autoridade Policial a notitia criminis. Mera faculdade. Tanto é faculdade que, se alguém deixar de fazer tal comunicação, não sofrerá nenhuma sanção. Evidente que não se trata, aqui, de “denúncia anônima “não é uma denúncia no significado jurídico do termo”, pelo  que não pode ser tomada em consideração na lei processual penal. Se o nosso CP erigiu à categoria de crime a conduta de todo aquele que dá causa à instauração de investigação policial ou de processo judicial contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente, como poderiam os “denunciados” chamar à responsabilidade o autor da delatio criminis, se esta pudesse ser anônima? Daí a razão de o nosso CPP não acolher tal modalidade espúria de notitia criminis.

A vingar entendimento diverso, será muito cômodo para os salteadores da honra alheia, vomitarem, na calada da noite, à porta das delegacias, seus informes pérfidos e ignominiosos, de maneira atrevida, seguros, absolutamente seguros, da impunidade. Se admitida a delatio anônima, à semelhança do que ocorria em Veneza e em outras cidades da Itália, inclusive na própria Roma, ao tempo da inquisitio extra ondinem, quando se permitia ao povo jogasse nas famosas “Boca dos Leões” ou “Bocas de la Verità” (caixas de substância análoga ao concreto, em formato de boca de leão, com pequena abertura) suas denúncias anônimas, seus escritos apócrifos, a sociedade viveria em constante sobressalto, uma vez que qualquer do povo poderia sofrer o vexame de uma injusta, absurda e inverídica delação, por mero capricho, ódio, vingança ou qualquer outro sentimento subalterno. Daí a ração de o nosso CPP não acolher tal modalidade espúria de notitia criminis. Por isso mesmo, apreciando o Agravo Regimental n. 355/RJ, a Corte Especial do STJ decidiu que “o Superior Tribunal de Justiça não pode ordenar a instauração de inquérito policial a respeito de autoridades sujeitas à sua jurisdição com base em carta anônima. Agravo não provido” (DJ, 17-5-2004, p. 98). Se é assim em relação àquelas pessoas que têm o STJ como seu foro privativo, nenhuma razão, lógica ou jurídica, permitiria o contrário em relação às pessoas sujeitas à jurisdição de outros Tribunais e, inclusive, as subordinadas ao foro comum.

Assinale-se que o nosso Código de Processo Penal permite se façam delações à Polícia (art. 5º, § 3º). Não anônimas. “Verbalmente ou por escrito”, diz o texto legal. Presume-se, pois, que a delatio por escrito deva ser assinada. O art. 164, II, do CPP português, um dos mais recentes diplomas processuais penais, prescreve que “a junção de prova documental é feita oficiosamente ou a requerimento, não podendo juntar-se documento que contiver declaração anônima, salvo se for, ele mesmo, objeto ou elemento do crime”. No mesmo sentido o art. 240 do CPP italiano: “Documenti che contengono dichiarazioni anonime non possono essere acquisiti né in alcun modo utilizzati salvo che constituiscano corpo del reato o provengano comunque dall’imputato”.

Portanto, quem o desejar poderá fazer a delatio. Contudo é preciso que assuma a responsabilidade, identificando-se. A propósito, Giovanni Leone, Trattato di diritto processuale penali, Napoli. Jovene, 1961, v. 2, p. 11.

Sublinhe-se que o art. 340 do CP pune, com detenção, todo aquele que venha a provocar a ação da autoridade comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado. Assim, se o nosso diploma repressivo pune a denunciação caluniosa e a comunicação falsa de crime ou de contravenção, parece óbvio não se poder admitir o anonimato na notitia criminis; do contrário, já não teriam aplicação os arts. 339 e 340 do CP, em face da preferência que seria dada à notícia anônima... Mas uma observação pode ser feita: se a Polícia receber uma denúncia anônima sobre fato grave nada a impede de proceder a uma investigação sigilosa, com absoluta discrição, apenas e tão-somente para apurar, como observou o Prof. Lauria Tucci, a verossimilhança da informação, instaurando o inquérito se positiva for a verificação (Persecução penal, prisão e liberdade, São Paulo, Saraiva, 1980, p. 34/35).

Inquérito oficial nos crimes de ação penal pública condicionada

Tratando-se de crime de ação pública condicionada à representação, diz o § 4º do art. 5º: “O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado”. A representação nada mais é que uma manifestação no sentido de não se opor à investigação e posterior processo. É feita pelo ofendido ou por quem legalmente o represente. Se o ofendido vier a morrer ou for judicialmente declarado ausente, o direito de representação passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, nos termos do § 1º do art. 24 do CPP. Nos crimes contra os costumes, sendo a ofendida pobre, há certas particularidades, que serão analisadas quando estudarmos a ação penal. É possível também ser ele iniciado se houver prisão em flagrante e o titular do direito de representação der a devida autorização.

A hipótese de requisição do Ministro da Justiça

Há casos em que a ação pública fica subordinada à requisição do Ministro da Justiça. E, nessas hipóteses, como se inicia o inquérito? Na verdade, em pouquíssimas hipóteses a nossa lei condiciona a propositura da ação penal à requisição ministerial. De fato. Ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, a instauração do processo fica subordinada, além de outras condições previstas em lei, à requisição ministerial, nos termos do art. 7º, § 3º, b, do CP. Os crimes contra a honra do Presidente da República ou Chefe de Governo estrangeiro, pouco importando se cometidos publicamente ou não, são, também, de ação pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça, como se constata pela leitura do art. 145, parágrafo único, do CP.

Outras hipóteses de ação penal pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça (poucas, aliás) vêm previstas na Lei de Imprensa. Voltaremos ao assunto quando do estudo sobre a ação pública subordinada à requisição ministerial.


Mas, quando subordinada a ação penal a tal condição, coo se inicia o inquérito? O Código silenciou. Subentende-se deva a requisição ministerial ser encaminhada ao Chefe do Ministério Público (Federal ou Estadual, conforme o caso), cabendo-lhe remetê-la ao órgão do Ministério Público competente (Promotor ou Procurador da República do lugar onde o processo deva tramitar), e este, então, se entender de necessidade as diligências, requisitá-las à Autoridade Policial. Nessa hipótese, deve o Promotor, ao requisitar o inquérito, encaminhar também a requisição ministerial, uma vez que, se na ação penal subordinada à representação o inquérito, encaminhar também a requisição ministerial, uma vez que, se na ação penal subordinada à representação o inquérito sem ela não pode ser instaurado, pela mesma razão não o poderá também se não lhe for encaminhada a requisição.