sexta-feira, 10 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 8º VARGAS, Paulo S.R.

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 8º

VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
·         Sem correspondência no CPC/1973

1.    INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO

Ao exigir do juiz na aplicação do ordenamento jurídico o atendimento aos fins sociais e às exigências do bem comum, a promoção da dignidade da pessoa humana e a observância da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência, o dispositivo ora comentado consagra legislativamente uma moderna concepção da função jurisdicional. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 18, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Entendo que o art. 8º do CPC se volta à atividade jurisdicional do juiz e não à aplicação do direito ao caso concreto, porque nesse caso os princípios que devem nortear o juiz são os do direito material aplicável. Há varias decisões que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, a proporcionalidade e a razoabilidade, mas todos esses princípios, diretos fundamentais ou regras se prestam a resolver a crise jurídica de direito material. O Código de Processo Civil é um diploma processual instrumental, e como tal, deve regulamentar a atividade jurisdicional e não a aplicação do direito ao caso concreto. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 18, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

2.    FINS SOCIAIS E EXIGÊNCIAS DO BEM COMUM

A parte inicial do art. 8º do CPC é a reprodução praticamente literal do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB, Decreto-Lei 4.657/1942), apenas substituindo o termo “lei” por “ordenamento jurídico”, o que deve ser elogiado ao passo que reconhece não ser a lei a única fonte do Direito.
Ao prever que o juiz, ao aplicar o ordenamento jurídico, atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, deve se compreender que os fins sociais do processo são a concretização do acesso à ordem jurídica justa, enquanto o bem comum deve ser compreendido como a preservação do Direito por meio do processo.
Significa dizer que essa parte inicial do art. 8º do CPC não deve ser compreendida como uma carta de alforria processual dada ao juiz para interpretar e explicar o ordenamento jurídico processual em busca de um suposto fim social ou bem comum. O juiz deve respeito às formas processuais previstas pela lei, não havendo bem comum maior que a preservação de tais regras no caso concreto. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 18/19, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

3.    DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Nos termos do art. 1º, III, da CF, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República, tratando-se de direito fundamental. Sua inclusão no art. 8º do CPC, ainda que traga certo charme e aspecto de contemporaneidade ao diploma legal, traz muitas dúvidas e poucas certezas.
Ainda longe de uma definição no plano material, o direito fundamental à dignidade humana agora se aplica à atividade jurisdicional. Concordo com parcela da doutrina que já teve oportunidade de se manifestar sobre o dispositivo legal ora comentado, de que a dignidade da pessoa humana se identifica no plano processual com o princípio do devido processo legal. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 19, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Diz o art. 5º, LIV, da CF, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, consagração atual do princípio ora analisado. É pacífico o entendimento de que o devido processo legal funciona como um supraprincípio, um princípio-base, norteador de todos os demais que devem ser observados no processo. Além do aspecto processual, também se aplica atualmente o devido processo legal como fator limitador do poder de legislar da Administração Pública, bem como para garantir o respeito aos direitos fundamentais nas relações jurídicas privadas.
Ainda que exista certa divergência a respeito da sua origem, costuma-se creditá-la à previsão contida na Magna Carta de João Sem Terra, de 1215, que utilizava a expressão law of the land, tendo surgido a expressão due process of Law para designar o devido processo legal somente em lei inglesa do ano de 1354. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 19, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Tratando-se de um princípio-base, com conceito indeterminado, bastaria ao legislador constituinte, no tocante aos princípios processuais, se limitar a prever o devido processo legal, pois na prática os valores essenciais à sociedade e ao ideal do justo dariam elementos suficientes para o juiz no caso concreto perceber outros princípios derivados do devido processo legal. Não foi essa, entretanto, a opção do direito pátrio, que, além da previsão do devido processo legal, contém previsão de diversos outros princípios que dele naturalmente decorrem, tais como o contraditório, a motivação das decisões, a publicidade, a isonomia etc. a opção deve ser louvada em razão da evidente dificuldade de definir concretamente o significado e o alcance do princípio do devido processo legal, mas deve ser registrado que, apesar de o art. 5º, LIV, da CF ser encarado como norma de encerramento, a amplitude indeterminada permite a conclusão de que mesmo as exigências não tipificadas podem ser associadas ao ideal de devido processo legal (Dinamarco, Instituições, v. 1, p. 243). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 19, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Atualmente, o princípio do devido processo legal é analisado sob duas óticas, falando-se em devido processo legal substancial (substantive due process) e devido processo legal formal (procedural due process). No sentido substancial, o devido processo legal diz respeito ao campo da elaboração e da interpretação das normas jurídicas, evitando-se a atividade legislativa abusiva e irrazoável e ditando uma interpretação razoável quando da aplicação concreta das normas jurídicas. É campo para a aplicação dos princípios – ou como prefere parcela da doutrina, das regras – da razoabilidade e da proporcionalidade, funcionando sempre como controle das arbitrariedades do Poder Público. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 19/20, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Originariamente voltado para a atuação do Poder Público, o devido processo legal substancial também vem sendo exigido em relações jurídicas privadas, com fundamento na vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, ainda que tal vinculação deva ser ponderada no caso concreto com o princípio da autonomia da vontade (Didier, Curso, p. 31-32). Exemplo perfeito encontra-se no caso da aluna de universidade paulista quase expulsa de seus quadros em rezão de ter assistido à aula de minissaia, mediante sindicância interna na qual não se concedeu direito de defesa à estudante. Ainda que a faculdade seja privada e tenha um regulamento por ela mesma criado, é natural que esse regulamento não possa contrariar os direitos fundamentais.
No sentido formal encontra-se a definição tradicional do princípio, dirigido ao processo em si, obrigando-se o juiz no caso concreto a observar os princípios processuais na condução do instrumento estatal oferecido aos jurisdicionados para a tutela de seus direitos materiais. Contemporaneamente, o devido processo legal vem associado com a ideia de um processo justo, que permite a ampla participação das partes e a efetiva proteção de seus direitos. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 20, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

4.    PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE

Não é tranquila a doutrina na conceituação da natureza jurídica da proporcionalidade e da razoabilidade, sendo considerados postulados, princípios e regras a depender do doutrinador que enfrenta o tema. A própria distinção entre ambas é muitas vezes colocada em dúvida, ainda que seja prefeível entender-se a razoabilidade como referente à compatibilidade entre os meios e fins de uma medida e a proporcionalidade como regra de construção de solução jurídica diante da colisão de dois direitos fundamentais.
Na aplicação das normas processuais, portanto, o juiz deve se valer da proporcionalidade e da razoabilidade, mas sem se esquecer do princípio da legalidade, também devidamente consagrado no art. 8º do CPC. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 20, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Um exemplo de aplicação da regra da proporcionalidade na interpretação e aplicação de norma processual é a possibilidade de o juiz alterar a ordem da penhora prevista no art. 835 do CPC. Segundo o caput do dispositivo legal, o magistrado deve seguir preferencialmente a ordem, o que permite sua inversão, salvo na hipótese de dinheiro (art. 855, § 1º, do CPC), mas não há no dispositivo qualquer menção de quais os requisitos para tanto. O Superior Tribunal de Justiça entende que a inversão será admitida quando não onerar em demasia o executado e não sacrificar significativamente a eficácia executiva, em nítida aplicação da regra da proporcionalidade (STJ, 2ª Turma, AgRg no AREsp 436.961/PR, rel Min. Mauro Campbell Marques, j, 17/12/2013, DJe 05/02/2014). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 20, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
           
            Quando há isenção de recolhimento de custas processuais, como ocorre com o autor de processo coletivo e com o beneficiário da assistência judiciária, entende o Superior Tribunal de Justiça que viola o princípio da razoabilidade e a imposição de que o oficial de justiça ou o perito judicial arquem, em favor do Erário, com as despesas necessárias para o cumprimento dos atos processuais (STJ, 1ª Seção, REsp 1.144.687/RS, rel. Min. Luiz Fux, j. 12/05/2010, DJe 21/05/2010).
            A incorreta percepção de que sejam sinônimos ou mesmo que, apesar de diferentes, as regras da proporcionalidade e da razoabilidade sempre são aplicadas em conjunto, também é sentida na aplicação de tais regras a normas e fenômenos processuais, como se pode notar em julgamento do Superior Tribunal de Justiça no qual se decidiu que as astreintes nortear-se pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (STJ, 1ª Seção, REsp 1.112.862/GO, rel. Min. Humberto Martins, j. 13/04/2011, DJe 04/05/2011, Recurso Especial repetitivo tema 149). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 20/21, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

5.    PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A parte final do art. 8º do CPC consagra para a atividade jurisdicional três dos cinco princípios da Administração Pública previstos no art. 37 da CF/1988: legalidade, publicidade e eficiência. Não consta do dispositivo processual o princípio da impessoalidade, por ser tal tema tratado no processo civil como garantia do juízo natural, e da moralidade, já que no art. 5º do CPC está devidamente consagrado o princípio da boa-fé objetiva. É curiosa a inclusão do princípio da publicidade, devidamente consagrado no art. 11 do CPC. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 21, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O princípio da legalidade exige do juiz a aplicação da norma processual no caso concreto, com o que se garantirá o devido processo legal. É natural que atualmente não haja mais uma visão restritiva de que a legalidade seja exclusivamente a aplicação da lei, já que a lei não é a única fonte do Direito. Portanto, por princípio da legalidade deve-se entender a aplicação do direito processual ao caso concreto, inclusive as normas que dão às partes certa liberdade para determinarem a norma a ser aplicada no caso concreto, como ocorre, por exemplo, no negócio jurídico processual (art. 190 do CPC) e no saneamento do processo compartilhado (art. 357, § 2º, do CPC). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 21, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O juiz, ao aplicar o entendimento consagrado no Enunciado nº 4 da ENFAM, que determina que no reconhecimento da incompetência absoluta não deve ser aplicado o art. 10 do CPC, estará violando dois dispositivos ao mesmo tempo: o art. 10 e o art. 8º do CPC. Na realidade, sempre que o juiz não segue as regras processuais previstas em lei ou determinadas pela vontade das partes, nos limites legais, estará violando o dispositivo ora comentado.

O princípio da eficiência exige que todos os órgãos da Administração Pública exerçam suas funções de forma eficiente, ou seja, de modo a propiciarem o grau máximo de satisfação, não podendo ser diferente com o Poder Judiciário. Sendo a função do Poder Judiciário, a tutela de direitos pela atividade jurisdicional, cabe ao Poder Judiciário prestar um serviço eficiente, atendendo na plenitude o ideal de acesso à ordem jurídica justa, alcançando-se o melhor resultado, no menor espaço de tempo e trazendo aos jurisdicionados a maior satisfação possível. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 21, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

quinta-feira, 9 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 7º VARGAS, Paulo S.R.

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 7º


VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
·         Sem correspondência no CPC 1973.

1.    PRINCÍPIO DA ISONOMIA

A previsão do art. 7º do CPC ao assegurar às partes paridade de tratamento no curso do processo se limita a repetir a regra já consagrada no art. 125, I, do CPC/1973. Inova apenas ao prever que ao tratar as partes com isonomia o juiz deverá zelar pelo efetivo contraditório, no que parece ser uma consequência natural da conduta isonômica a ser adotada pelo juiz. Afinal, a isonomia processual é o que garante às partes uma “paridade de armas”, como forma de manter equilibrada a disputa judicial entre elas, o que só será obtido no caso concreto com o respeito ao efetivo contraditório. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 16, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O dispositivo consagra em termos mais restritos, limitados aos sujeitos processuais, a regra de que a lei deve tratar todos de forma igual, consagrada no art. 5º, caput, e inciso I, da CF.
A isonomia no tratamento processual das partes é forma, inclusive, de o juiz demonstrar a sua imparcialidade, porque demonstra que não há favorecimento de qualquer uma delas. O prazo para as contrarrazões nos recursos é sempre igual ao prazo dos recursos, ambas as partes têm direito a todos os meios de provas e serão intimadas para a audiência, na qual poderão igualmente participar etc. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 16/17, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

2.    ISONOMIA REAL

O princípio da isonomia, entretanto, não pode se esgotar num aspecto formal, pelo qual basta tratar todos igualmente que estará garantida a igualdade das partes, porque essa forma de ver o fenômeno está fundada na incorreta premissa de que todos sejam iguais. É natural que, havendo uma igualdade entre as partes, o tratamento também deva ser igual, mas a isonomia entre sujeitos desiguais só pode ser atingida por meio de um tratamento também desigual, na medida dessa desigualdade. O objetivo primordial na isonomia é permitir que concretamente as partes atuem no processo dentro do limite do possível, no mesmo patamar. Por isso, alguns sujeitos, seja pela sua qualidade, seja pela natureza do direito que discutem em juízo, têm algumas prerrogativas que diferenciam seu tratamento processual dos demais sujeitos, como forma de equilibrar a disputa processual. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 17, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O beneficiário da assistência judiciária é tratado de forma diferente dqaquele que não é pobre na acepção jurídica do termo no tocante ao pagamento das custas processuais, porque naturalmente essa é a única forma de equilibrar a situação desses dois sujeitos no processo. Do mesmo modo, algumas hipóteses de hipossuficiência justificam um tratamento diferenciado, como ocorre na proteção do consumidor em juízo, sendo legitimo que o juiz facilite a defesa de seu interesse no processo, conforme expressa previsão do art. 6º, VIII, do CDC, ou ainda com o incapaz, que terá direito a representante processual, presença do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica (art. 178, II, do CPC) e não operará com relação a ele o efeito da presunção de veracidade na revelia (art. 345, II, do CPC). É correto que tenham prazo em dobro ou litisconsortes com patronos diferentes, de diferentes escritórios em processos que não tenham autos eletrônicos (art. 229 do CPC), em razão de notável dificuldade de acesso aos autos nesses casos. Algumas espécies de hipossuficiência justificam que determinados sujeitos tenham a prerrogativa de litigarem no foro de seu domicílio, como ocorre com o consumidor (art. 101, do CDC).

3.    FAZENDA PÚBLICA EM JUÍZO

Em termos de tratamento processual diferenciado ninguém supera a Fazenda Pública, sendo interessante notar que os autores que não concordam com o tratamento diferenciado mencionam privilégios (Dinamarco, Instituições, v. 1, p. 211) da Fazenda Pública, enquanto aqueles que defendem a diferenciação preferem falar em prerrogativas (Carneiro da Cunha, A Fazenda, p. 34). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 17, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Para os defensores desse tratamento processual diferenciado, o legislador está tão somente aplicando a tese da isonomia real, sem nenhum benefício injustificado em favor da Fazenda Pública. São fundamentalmente dois os argumentos: as dificuldades na atividade jurisdicional em razão de problemas estruturais conjugados ao colossal volume de trabalho e a natureza do direito defendido em juízo, que é um direito da coletividade, a todos sendo interessantes essas prerrogativas para que a Fazenda Pública bem desempenhe sua atuação no processo. Os críticos não entendem justificável o tratamento diferenciado, chegando a se considerar a Fazenda Pública como uma superparte no processo, que tudo pode e contra ela nada se pode, em nítida e indesejável ofensa ao princípio da isonomia. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 17/18, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

São diversos indicativos desse tratamento diferenciado: (a) o prazo em dobro para se manifestar nos autos, nos termos do art. 183, caput, do CPC; (b) isenção do recolhimento de preparo e do adiantamento de quaisquer custas judiciais; (c) dispensa da caução prévia para a propositura da ação rescisória; (d) dispensa do depósito da multa para continuar recorrendo na hipótese do art. 1.021, § 5º, e 1.028, § 3º, do CPC; (e) possibilidade de ser condenado a pagar honorários em valor inferior a 10% sobre o valor da condenação (art. 85, § 3º, do CPC); (f) intimação pessoal dos procuradores e advogados da União (art. 6º da Lei 9.028/1995) e dos procuradores federais e do Banco Central do Brasil (art. 17 da Lei 10.910/2004), regra abandonada pelo art. 9º da Lei 11.419/2006 (processo eletrônico) e art. 8º, § 1º, da Lei 10.259/2001 (Juizados Especiais Federais); (g) reexame necessário nos termos do art. 496, I, do CPC. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 18, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

quarta-feira, 8 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 6º VARGAS, Paulo S.R.

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 6º

VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil

PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que sotenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
·         Sem correspondência no CPC 1973.

1.    PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO

No art. 6º, CPC, consagra-se o princípio da cooperação, passando a exigir expressa previsão legal para que todos os sujeitos do processo cooperem entre si para que se obtenha a solução do processo com efetividade e em tempo razoável. Como o dispositivo prevê a cooperação como dever, é natural que o desrespeito gere alguma espécie de sanção, mas não há qualquer previsão nesse sentido no dispositivo ora analisado. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 14, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Aspecto interessante é a indicação expressa de que a cooperação entre as partes é voltada para a obtenção de uma decisão de mérito justa, efetiva e proferida em tempo razoável. Positivamente, tem-se a consagração legal de que a decisão de mérito – decisão típica do processo – deve ser o objetivo das partes e do juízo. Negativamente, a inexplicável ausência de tal princípio para a atividade executiva, pois no cumprimento de sentença a execução ocorre depois da sentença de mérito, e no processo de execução não existe sentença de mérito, salvo em situações excepcionais de acolhimento de defesas incidentais de mérito. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 14, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Seja como for, tratando-se de princípio que independe de expressa previsão legal, a redação aparentemente limitadora do dispositivo ora analisado não é suficiente para afastar o princípio da cooperação de toda atividade jurisdicional, inclusive a executiva. Superada a incongruência do texto legal em excluir – ou apenas tentar – a execução do alcance do princípio da cooperação, o seu conteúdo não merece elogios. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 15, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Pela redação do art. 6º do CPC todos os sujeitos processuais devem colaborar entre si, o que, ao menos em tese, envolveria a colaboração das partes com o juiz, do juiz com as partes e das partes entre si.
A colaboração das partes com o juiz vem naturalmente de sua participação no processo, levando aos autos alegações e provas que auxiliarão o juiz na formação de seu convencimento. Quanto mais ativa a parte na defesa de seus interesses mais colaborará com o juiz, desde que, é claro, atue com a boa-fé exigida pelo art. 5º do CPC. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 15, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A colaboração do juiz com as partes exige do juiz uma participação mais efetiva, entrosando-se com as partes de forma que o resultado do processo seja o resultado dessa atuação conjunta de todos os sujeitos processuais. O juiz passa a ser um integrante do debate que se estabelece na demanda, prestigiando esse debate entre todos, com a ideia central de que, quanto mais cooperação houver entre os sujeitos processuais, a qualidade da prestação jurisdicional será melhor. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 15, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A doutrina nacional que já enfrentou o tema divisa fundamentalmente três vertentes desse princípio da cooperação, entendidas como verdadeiros deveres do juiz na condução do processo: (i) dever de esclarecimento, consubstanciado na atividade do juiz de requerer às partes esclarecimentos sobre suas alegações e pedidos, o que naturalmente evita a decretação de nulidades e a equivocada interpretação do juiz a respeito de uma conduta assumida pela parte; (ii) dever de consultar, exigindo que o juiz sempre consulte as partes antes de proferir decisão, em tema já tratado quanto ao conhecimento de matérias e questões de ofícios; (iii) dever de prevenir, apontando às partes eventuais deficiências e permitindo suas devidas correções, evitando-se assim a declaração de nulidade, dando-se ênfase ao processo como genuíno mecanismo técnico de proteção de direito material. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 15, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A terceira relação de cooperação sugerida pelo art. 6º do CPC é mais complexa. Teriam realmente as partes o dever de cooperarem entre si para a obtenção de decisão de mérito justa e efetiva?
Não se pode esquecer que as partes estarão no processo naturalmente em posições antagônicas, sendo difícil crer que uma colabora com a outra tendo como resultado a contrariedade de seus interesses. Nas palavras da melhor doutrina, “não se trata da aplicação da cooperação/colaboração das partes entre si e com o juiz, proposta há muito defendida por correntes doutrinárias estrangeiras, que ainda partem da premissa estatalista (socializadora) de subserviência das partes em relação a um juiz visto como figura prevalecente. Nem mesmo de uma visão romântica que induziria a crença de que as pessoas no processo querem, por vínculos de solidariedade, chegar ao resultado mais correto para o ordenamento jurídico. Essa utópica solidariedade processual não existe (nem nunca existiu); as partes querem ganhar e o juiz dar vazão à sua pesada carga de trabalho”.
Seguir a tendência de legislações estrangeiras, em especial a alemã, na propositura de um sistema coparticipativo/cooperativo é benéfico ao processo porque, centrando-se em deveres do juiz, permite uma participação mais ativa das partes na condução do processo e aumenta as chances de influenciarem de maneira efetiva na formação do convencimento judicial. Sob esse ponto de vista, é salutar falar em princípio cooperativo e o art. 6º do CPC deve ser saudado. (Daniel Amorim Assumpção Neves, pp. 15/16, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Por outro lado, interpretar o dispositivo legal como previsão que exige das partas uma cooperação entre si, outorgando-lhes um dever que contraria seus próprios interesses defendidos em juízo, é utopia e tornará o dispositivo morto.
Por mais forte que seja a afirmação, entendo equivocada a frase estampada tempos atrás em adesivo distribuído pela Ordem de Advogados do Brasil aos advogados paulistas: “Sem advogado não se faz justiça”. Entendo que os advogados não devem procurar justiça, mas defender os interesses de seu cliente, parte no processo. Respeitando os princípios da boa-fé e da lealdade processual, cabe ao juiz fazer justiça e ao advogado buscar convencê—lo de que suas razões são as mais justas. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 16, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O art. 6º do CPC deve ser lido levando-se essa realidade em vista. Se já não é hoje mais politicamente correto afirmar que o processo é uma guerra – donde se fala em “paridade de armas” -, não se pode descartar o caráter litigioso do processo, tampouco o fato de que os interesses das partes são contrários e não tem qualquer sentido lógico, moral ou jurídico, exigir que uma delas sacrifique seus interesses em prol da parte contrária, contribuindo conscientemente para sua derrota.

Significa que será extremamente positiva a novidade consagrada no dispositivo ora comentado se sua interpretação for feita à luz de antiga e acertada lição de Piero Calamendrei: “O advogado que pretendesse exercer seu ministério com imparcialidade não só constituiria uma incômoda duplicada do juiz, mas seria deste o pior inimigo; porque, não preenchendo sua função de contrapor ao partidarismo do contraditor a reação equilibradora de um partidarismo em sentido inverso, favoreceria, acreditando ajudar a justiça, o triunfo da injustiça adversária”. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 16, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm). 

terça-feira, 7 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 5º VARGAS, Paulo S.R.

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 5º

VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
Correspondência CPC/1973, art. 14: São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:
II – proceder com lealdade e boa-fé;

1.    BOA FÉ E LEALDADE PROCESSUAL

Apesar da valoração do princípio da cooperação, inclusive consagrado no art. 6º do CPC, devidamente analisado no item anterior, é inegável que as partes atuam na defesa de seus interesses, colaborando com o juízo na medida em que essa colaboração lhes auxilie a se sagrarem vitoriosas na demanda. Acreditar que as partes atuam de forma desinteressada, sempre na busca da melhor da melhor tutela jurisdicional possível, ainda, que contrária aos seus interesses, é pensamento ingênuo e muito distante da realidade. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 11, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Negar a característica de um jogo ao processo é fechar os olhos a uma realidade bem evidente, vista diariamente na praxe forense. O processo, ao colocar frente a frente pessoas com interesses diametralmente opostos – ao menos na jurisdição contenciosa – e no mais das vezes com ânimos exaltados, invariavelmente não se transforma em busca pacífica e cooperativa na busca da verdade e, por consequência, da justiça, que fatalmente interessa a um dos litigantes, mas não ao outro. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 11/12, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Há conflito, há interesses confrontantes, há desejo de sobrepor-se à parte contrária. O patrono da parte, responsável pela defesa dos interesses de seu constituinte, não pode se esquecer de que se encontra no processo justamente exercitando tal mister e que uma eventual postura isonômica e imparcial sua colocaria em risco o princípio de igualdade entre as partes. Como já ensina lição clássica de Calamandrei, o pior advogado é aquele que se esquece de seu cliente e pensa ser o juiz da causa. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 12, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Assemelhando-se o processo a um jogo, é necessário que algumas regras sejam estabelecidas, aliás, como em qualquer outra atividade humana que coloque contentores frente a frente. Os deveres de proceder com lealdade e com boa-fé, presentes em diversos artigos do Código de Processo Civil, prestam-se a evitar os exageros no exercício da ampla defesa, prevendo condutas que violam a boa-fé e a lealdade processual e indicando quais são as sanções correspondentes. Como ensina a melhor doutrina, ainda que por vezes não se mostre fácil no caso concreto, deve existir uma linha de equilíbrio entre os deveres éticos e a ampla defesa de interesses, (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 12, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

2.    PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

O art. 5º deste CPC consagrou de forma expressa entre nós o princípio da boa-fé objetiva, de forma que todos os sujeitos processuais devem adotar uma conduta no processo em respeito à lealdade e à boa-fé processual. Sendo objetiva, a exigência de conduta de boa-fé independe da existência de boas ou más intenções. Conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça a boa-fé objetiva se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social que impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse modelo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal (STJ, 3ª Turma, REsp 803.481/GO, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 28/06/2007, DJ 01/08/2007 p. 462).  

No plano do direito material contratual o estudo da boa-fé objetiva esta em estágio bastante evoluído, em especial quanto aos conceitos parcelares da boa-fé objetiva. Cumpre analisar como a realidade contratual da boa-fé objetiva aplica-se ao processo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 12, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A supressio (Verwirkung) significa a supressão, por renúncia tácita, de um direito ou de uma posição jurídica, pelo seu não exercício com o passar dos tempos. Esse fenômeno é aplicável ao processo quando se perde um poder processual em razão de seu não exercício por tempo suficiente para incutir na parte contrária a confiança legítima de que esse poder não mais será exercido. Segundo o Superior Tribunal de Justiça não se admite a chamada “nulidade de algibeira ou de bolso” (STJ, 3ª Turma, EDcl no REsp 1.424.304/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12/08/2014, DJe 26/08/2014), ou seja, a parte, embora tenha o direito de alegar a nulidade, mantém-se inerte durante longo período, deixando para exercer seu direito somente no momento em que melhor lhe convir. Nesse caso, entende-se que a parte renunciou tacitamente ao seu direito de alegar a nulidade, inclusive a absoluta (STJ, 4ª Turma, AgRg na PET no AResp 204.145/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 23/06/2015, DJe 29/06/2015) A surrectio é o outro lado da moeda, significando o surgimento de um direito em razão de comportamento negligente da outra parte. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 12, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O termo tu quoque designa a situação de abuso que se verifica quando um sujeito viola uma norma jurídica, e posteriormente, tenta tirar proveito da situação em benefício próprio. Trata-se de postulado ético que obsta que alguém faça com outrem o que não quer que seja feito consigo mesmo, sendo a expressão derivada de expressão de Júlio César ao notar que seu filho adotivo Brutus estava entre os que atentavam contra sua vida: “To quoque, filli?”  ou “Tu quoque, Brute, fili mi?”. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Não pode a parte criar dolosamente situações de vícios processuais para posteriormente tentar tirar proveito de tal situação. Por essa razão, prevê o art. 276 do CPC, que a parte responsável pela criação do vício processual não tem legitimidade para alegá-lo em juízo. Acredito que essa vedação não alcance as matérias de ordem pública, podendo, por exemplo, o autor alegar a incompetência absoluta do juízo mesmo que tenha sido o responsável pelo vício. Nesse caso o Maximo que o sistema permite é a condenação do autor por ato de litigância de má-fé. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A exceptio doli é considerada como sendo a defesa da parte contra ações dolosas da parte contrária, sendo a boa-fé nesse caso utilizada como defesa. No processo vem sendo entendida como a exceção que a parte tem para paralisar o comportamento de quem age dolosamente contra si. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A máxima venire contra factum proprium  impede que determinada pessoa exerça direito do qual é titular contrariando um comportamento anterior, já que tal conduta despreza a confiança e o dever de lealdade. Segundo a melhor doutrina, há quatro pressupostos para aplicação da proibição do comportamento contraditório: (a) uma conduta inicial; (b) a legítima confiança de outrem na conservação do sentido objetivo dessa conduta (c) um comportamento contraditório com este sentido objetivo; (d) um dano ou um potencial de dano decorrente da contradição. No processo é máxima amplamente consagrada, inclusive pelo legislador, como ocorre na aquiescência prevista no art. 1.000 do CPC, pela jurisprudência, que não admite o comportamento contraditório das partes (STJ, 4ª Turma, AgRg no AResp 646.158/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 04/08/2015) e pela doutrina. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A proibição de comportamento contraditório também é aplicável ao juiz, conforme acertadamente aponta o Enunciado 376 do FPPC: “A vedação de comportamento contraditório aplica-se ao órgão jurisdicional”. Assim, não pode o juiz indeferir um pedido de produção da prova entendendo não ser necessária a dilação probatória para posterior mente sentenciar o processo com base na regra do ônus da prova porque faltou prova para a formação de seu convencimento. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, entende nula decisão proferida em tal circunstância, mas se vale do fundamento do cerceamento do direito de defesa (STJ, 3ª Turma, REsp 1.502.989/RJ, rel. Min. Ricardo Vilas Bôas Cueva, j. 13/10/2015). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Até mesmo em diferentes processos pode-se falar na aplicação da proibição de comportamentos contraditórios do juiz. Não pode o juiz, sem justificativa expressa e plausível, adotar diferentes entendimentos para a mesma questão processual em diferentes processos. Como se explicar à luz da boa-fé objetiva a conduta de juiz que em processos que versam sobre a mesma situação fático-jurídica os decide de forma diversa? (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

No plano do direito material o duty to mitigate the loss (“dever imposto ao credor de mitigar suas perdas”), também vem sendo entendido como conceito parcelar da boa-fé objetiva, como se pode notar do Enunciado 169 CJF/STJ: “O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo”. Esse dever é amplamente aplicável ao processo, sendo exemplo clássico a conduta da parte que, abandonando a busca pelo direito material, permanece inerte durante longo período de tempo para depois pleitear multa milionária a título de astreintes. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Também o abuso do direito configura violação ao princípio da boa-fé objetiva  consagrado no art. 5º do CPC. O agravo interno manifestamente inadmissível ou julgado improcedente em votação unânime gera as sanções previstas no art. 1.021, §4º, do CP e os embargos de declaração manifestamente protelatórios geram as sanções previstas pelo art. 1.026, §§ 2º e 3º, do CPC. É considerado ato atentatório à dignidade da justiça a produção de prova desnecessária à defesa do interesse (art. 77, III, do CPC). É considerado ato de litigância de má-fé e a dedução de pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso (art. 80, VII, do CPC). A perempção extingue o direito de ação em razão do abuso em seu exercício. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 14, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

3.    SANÇÕES PROCESSUAIS

É natural que se existe um dever de lealdade e boa-fé processual o seu descumprimento gere a aplicaçao de sanções processuais. Sua aplicação independe de pedido das partes (STJ, 3ª Turma, REsp 1.125.169/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 17/05/2011, DJe 23/05/2011) e geralmente é representada pela aplicação de multas que tem como base de cálculo um percentual do valor da causa ou do proveito econômico pretendido pelo autor.

Há, entretanto, outras sanções aplicáveis diferentes da multa, como a proibição de carga dos autos (art. 234, §2, do CPC), a determinação de que expressões injuriosas ou xingamentos sejam riscados, nos termos do artigo 78, §2º, do CPC, e a tutela provisória da evidência fundada em manifesto propósito protelatório ou abuso do direito de defesa (art. 311, I, do CPC). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 14, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

segunda-feira, 6 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 4º VARGAS, Paulo S.R.

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 4º

VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 4º. As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
·         Sem correspondência no CPC 1973

1.    DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

Com a Emenda constitucional 45/2004, o direito a um processo sem dilações indevidas foi expressamente alçado à qualidade de direito fundamental, ainda que para parcela da doutrina o art. 5º, LXXVIII, da CF só tenha vindo a consagrar realidade plenamente identificável no princípio do devido processo legal. A expressa previsão constitucional, que trata do tema como o direito à “razoável duração do processo”, deve ser saudada, ainda que com reservas, porque atualmente não resta dúvida quanto à condição de garantia fundamental do direito a um processo sem dilações indevidas. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 8, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
O princípio da duração razoável do processo, consagrada no art. 5º, LXXVIII, da CF, encontra-se previsto no art. 4º, do CPC. Segundo o dispositivo. Segundo o dispositivo legal, as partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do processo, incluída a atividade satisfativa. A novidade com relação ao dispositivo constitucional é a inclusão expressa da atividade executiva entre aquelas a merecerem a duração razoável. Reza o ditado popular que aquilo que abunda não prejudica, mas é extremamente duvidoso que, mesmo diante da omissão legal, a execução não seja incluída no ideal de duração razoável do processo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 9, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
É notório que o processo brasileiro – e nisso ele está acompanhado de vários outros países ricos e pobres – demora muito, o que não só sacrifica o direito das partes, como enfraquece politicamente o Estado. Há tentativas constantes de modificação legislativa infraconstitucional, como se pode notar por todas as reformas por que passou nosso Código de Processo Civil, que em sua maioria foram feitas com o ideal de prestigiar a celeridade processual. O próprio art. 5º, LXXVIII, da CF, aponta que a razoável duração do processo será obtida com os meios que admitam a celeridade de sua tramitação. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 9, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Deve ser lembrado que a celeridade nem sempre é possível, como também nem sempre é saudável para a qualidade da prestação jurisdicional. Não se deve confundir duração razoável do processo com celeridade do procedimento. O legislador não pode sacrificar direitos fundamentais das partes visando somente a obtenção de celeridade processual, sob pena de criar situações ilegais e extremamente injustas. É natural que a excessiva demora gere um sentimento de frustração em todos os que trabalham com o processo civil, fazendo com que o valor da celeridade tenha atualmente posição de destaque. Essa preocupação com a demora excessiva do processo é excelente, desde que se note que, a depender do caso concreto a celeridade prejudicará direitos fundamentais das partes, bem como poderá sacrificar a qualidade do resultado da prestação jurisdicional.  As demandas mais complexas exigem mais atividades dos advogados, mais demoradas, sem que com isso se possa imaginar ofensa ao princípio constitucional ora analisado. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 9, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Por outro lado, a doutrina especializada no tema defende corretamente que, além da complexidade da demanda, o comportamento dos litigantes é essencial para a verificação da dilação indevida do processo, não se podendo apontar ofensa ao princípio ora analisado por atrasos imputados à atuação dolosa das partes. Caberá ao juiz punir severamente tal comportamento, sob pena de compactuar, com a sua omissão, para a dilação indevida do processo. Mas a má-fé é uma anomalia que não deve ser considerada para fins de determinação de tempo justo do processo. Que fique claro: é óbvio que a má-fé pode atrasar o processo, mas o princípio ora analisado deve ser respeitado mesmo quando as partes atuam de boa-fé, e sendo essa atuação intensa e frequente, naturalmente o processo deverá demorar mais. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 9, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Mais recentemente a Corte Europeia de Direitos Humanos passou a adotar mais um interessante critério na definição do tempo razoável do processo, em jurisprudência que pode ser aplicada ao direito brasileiro. Trata-se da relevância do direito posto em juízo para a vida da parte prejudicada pela excessiva demora do processo. É claro que uma demora no processo afeta de maneira mais séria e profunda uma parte presa injustamente do que uma parte que espera a satisfação de um direito de crédito, devendo tal aspecto também ser considerado na definição do que seja no caso concreto uma duração razoável do processo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 9, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
E o que ocorre se um processo não tramitar em um tempo razoável? Não tenho dúvida de que nesse caso o Estado tem responsabilidade pelo ressarcimento dos danos experimentados pela parte.
Os processualistas fazem o que podem sugerindo modificações na lei processual – nem todas de qualidade, diga-se de passagem – e o processo continua moroso. Não se querendo desprezar esse trabalho exaustivo daqueles que pensam em inovações para a melhora da qualidade da prestação jurisdicional, em especial no tocante à celeridade, será mesmo procedimental nosso problema? Será mesmo que nosso Código de Processo Civil é o grande responsável pela demora excessiva na duração dos processos? (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 10, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Enquanto o estado brasileiro, por meio do Poder executivo e seu lacaio, o Poder Legislativo, continuarem a ver o Poder Judiciário como um estorvo, este Poder não terá condições materiais para enfrentar o cada vez maior número de processos. O que falta é dinheiro, estrutura e organização profissional, temas estranhos ao processo civil. Sem isso, continuará somente como promessa vazia o direito a um processo com duração razoável. Triste é constatar que o Estado brasileiro, em especial o Poder Executivo, não deseja um Poder Judiciário ágil e eficaz, porque, sendo um dos clientes preferenciais do Poder Judiciário, em regra como demandado, para o Poder Executivo quanto mais tempo demorar o processo melhor será, afinal, o governante de plantão provavelmente não mais estará no cargo ao final do processo; logo, o problema já não será mais dele. Enquanto nossos governantes tiverem tacanha e imediatista visão, dificilmente as coisas melhorarão em termos de celeridade processual, apesar do esforço elogiável dos responsáveis pelas constantes mudanças procedimentais do processo civil. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 10, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
De qualquer forma, é inegável o esforço do legislador em criar institutos processuais voltados a um processo mais rápido: (a) julgamento antecipado do mérito (art. 355 do CPC); (b) procedimento sumaríssimo (Lei 9.099/1995); (c) procedimento monitório (arts. 700 a 702 do CPC); (d) julgamento de improcedência liminar (art. 332 do CPC); (e) julgamentos monocráticos do relator (art. 932 do CPC; (f) prova emprestada (art. 372 do CPC); (g) processo sincrético; (h) comunicação dos atos processuais por via eletrônica; (i) repressão à chicana processual (art. 77, §2º, CPC); (j) julgamento dos recursos especiais e extraordinários repetitivos (arts. 1.036 a 1.041 do CPC); (l) incidente de resolução de demandas repetitivas (arts. 976 a 987 do CPC; (m) incentivo à prática de atos processuais pelo meio eletrônico  (arts. 170; 171; 183, §1º; 194, 205, §3º; 228, §2º; 232; 235, §1º; 246, V; 263; 270; 334, §7º; 513, §2º, III; 837; 854, §§6º e 9º; 876, §1º, III; 879, II; 880, §3º; 892; 915, §4º; 945; 979; 1.019, III; 1038, §1º, todos do CPC); (n) previsão espressa da tutela da evidência (art. 311 do CPC; (o) aumento da eficácia vinculante de precedentes e súmulas (art. 927, CPC). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 10, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

2.    PRIMAZIA NO JULGAMENTO DO MÉRITO

O processo (ou fase) de conhecimento foi projetado pelo legislador para resultar em um julgamento de mérito. Por essa razão, essa espécie de julgamento é considerada o fim normal dessa espécie de processo ou fase procedimental. Naturalmente, nem sempre isso é possível no caso concreto, devendo o sistema conviver com o fim anômalo do processo ou fase de conhecimento, que se dá por meio da sentença terminativa (art. 485, CPC). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 10, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
            Tendo sido o objetivo do legislador ao criar o processo ou fase de conhecimento um julgamento de mérito, naturalmente essa forma de final é preferível à anômala extinção sem tal julgamento, motivada por vícios formais. Somente essa distinção entre fim normal e anômalo já seria suficiente para demonstrar que há um natural interesse no julgamento do mérito no processo ou fase de conhecimento, considerando-se ser sempre preferível o normal ao anômalo. A solução definitiva da crise jurídica, derivada da coisa julgada material, que dependerá de uma decisão de mérito transitada em julgado, é outra evidente vantagem no julgamento de mérito quando comparado com a sentença terminativa. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 10/11, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Pelas óbvias razões apresentadas, cabe ao juiz fazer o possível para evitar a necessidade de prolatar uma sentença terminativa no caso concreto, buscando com todo o esforço chegar a um julgamento do mérito. Essa é uma realidade incontestável, e bem representada pelo art. 282, §2º, do CPC ao prever que o juiz, sempre que puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração de nulidade, deve ignorar o vício formal e proferir decisão de mérito. É a prevalência do julgamento de mérito aliada ao princípio da instrumentalidade das formas. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 11, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
O art. 6º do CPC, ao prever que todos devem cooperar para que se obtenha decisão de mérito, consagra de forma expressa o princípio da primazia no julgamento do mérito, que antes de tal previsão era um princípio não escrito. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 11, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
A concretização do princípio é encontrada em diversas passagens do CPC, que dá especial ênfase à oportunidade concedida às partes para o saneamento de vícios que impeçam o julgamento do mérito (arts. 139, IX, 317 e 319 CPC, inclusive no ambiente recursal (arts. 932, parágrafo único, e 1007, §§ 2º e 4º, CPC), quando o vício formal pode inclusive ser desprezado se não for reputado grave (art. 1.029, §3º, CPC). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 11, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Também derivada do princípio ora analisado, é a previsão do art. 485, §7º, CPC, que atribui a todo recurso de apelação contra sentença terminativa o efeito regressivo. Ou seja, diante da apelação, o juiz terá a oportunidade de anular sua sentença terminativa e dar prosseguimento ao processo para o julgamento do mérito. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 11, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).