sábado, 18 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – Art. 21, 22, 23 VARGAS, Paulo S.R.

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – Art. 21, 22, 23

VARGAS, Paulo S.R.

       LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
LIVRO II – DA FUNÇÃO JURISDICIONAL - TÍTULO II – DOS LIMITES DA JURISDIÇÃO NACIONAL E DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL – CAPÍTULO I – DOS LIMITES DA JURISDIÇÃO NACIONAL

Art. 21. Compete à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações em que:
I – o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;
II – no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;
III – o fundamento seja fato ocorrido ou ato praticado no Brasil.
Parágrafo único. Para o fim do disposto no inciso I, considera-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que nele tiver agência, filial ou sucursal.

Correspondência CPC 1973 com a seguinte redação e art:
Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando:
I – o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;
II – no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;
III – a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.
Parágrafo único. Para o fim do disposto no n. I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.

1.    LIMITES DA JURISDIÇÃO BRASILEIRA

Saudemos o CPC/2015 por ter afastado a expressão, “competência internacional” consagrada pelo CPC revogado. Tratando-se de regras que determinam os processos que podem ou não ser julgados pela autoridade judiciária brasileira, realmente não havia qualquer sentido em falar-se em “competência  internacional. Primeiro, porque se tratava, quando muito, de competência nacional. Segundo, porque não cabe à legislação brasileira regulamentar competência de outros países, o que obviamente, além de ser uma afronta à soberania, seria absolutamente ineficaz.
A regra já existia no CPC/1973 estando consagrada no art.88 parágrafo único.

2.    COMPETÊNCIA CONCORRENTE

No art. 21 do CPC estão previstas as hipóteses de competência concorrente já consagradas no art. 88 do CPC/1973. Nesses casos tanto o juízo brasileiro como o juízo estrangeiro têm competência para o julgamento do processo envolvendo as matérias e situações previstas no dispositivo legal. Dessa forma, caso a demanda tramite em país estrangeiro, a questão da competência não será obstáculo para a homologação da sentença estrangeira perante o Superior Tribunal de Justiça. O parágrafo único do disposto ora comentado também repete regra já existente no art. 88, parágrafo único, do CPC/1973. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 47/48, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

       LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
LIVRO II – DA FUNÇÃO JURISDICIONAL - TÍTULO II – DOS LIMITES DA JURISDIÇÃO NACIONAL E DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL – CAPÍTULO I – DOS LIMITES DA JURISDIÇÃO NACIONAL

Art. 22. Compete, ainda, à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações:
I – de alimentos, quando:
a)    O credor tiver domicílio ou residência no Brasil;
b)    O réu mantiver vínculos no Brasil, tais como posse ou propriedade de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos;
II – decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil;
III – em que as partes, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição nacional.
·         Sem correspondência no CPC 1973.

1.    NOVAS HIPOTESES DE COMPETÊNCIA CONCORRENTE

Além das hipóteses previstas no art. 21 do CPC, que repetem as já previstas no art. 88 do CPC/1973, o art. 22 do CPC 2015 elenca outras três hipóteses de competência do juízo brasileiro sem a exclusão de eventual competência de juízo estrangeiro, se nesse sentido houver previsão legal em ordenamento alienígena.
Para ser prevista a competência da autoridade judiciária brasileira na ação de alimentos desde que o credor tenha domicílio ou residência no Brasil ou o réu mantenha vínculos no Brasil, exemplificando o dispositivo tais vínculos, como a posse ou propriedade de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos. A competência nesse caso independe de o réu ter domicílio ou residência no Brasil, hipótese já contemplada no art. 21, I, do CPC. A utilização da expressão “tais como” deixa claro que o rol legal é meramente exemplificativo.
As ações que tenham como objeto relação de consumo também passam a ser de competência do juízo nacional se o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil. O dispositivo é importante porque, em regra, o consumidor é autor da ação e nesse caso, não sendo o réu domiciliado ou residente no Brasil, faltava regra a estabelecer a competência da autoridade judiciária brasileira.
A última nova hipótese de competência do juiz nacional é a decorrente de acordo de vontade das partes. Nesse caso o acordo pode ser expresso ou tácito, que pode consistir na prática de atos das partes que demonstrem aceitação em se submeterem à jurisdição nacional. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 48, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
LIVRO II – DA FUNÇÃO JURISDICIONAL - TÍTULO II – DOS LIMITES DA JURISDIÇÃO NACIONAL E DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL – CAPÍTULO I – DOS LIMITES DA JURISDIÇÃO NACIONAL

Art. 23. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:
I – conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;
II – em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional;
III – em divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, proceder à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional.

Correspondência CPC 1973, com a seguinte redação:
Art. 89. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:
I – conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;
II – proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.

1.    COMPETÊNCIA NACIONAL EXCLUSIVA

No art. 23 do CPC, encontram-se as hipóteses de competência exclusiva do juízo nacional, significando dizer que nenhum outro Estado, ainda que contenha norma interna apontando para sua competência, poderá proferir decisão que seja eficaz em território nacional. Para que a sentença estrangeira possa gerar efeitos em território nacional, deverá obrigatoriamente passar por um processo de homologação perante o Superior Tribunal de Justiça, num procedimento que demonstra ser uma verdadeira nacionalização da sentença estrangeira. Uma das exigências para que tal homologação ocorra é justamente o respeito ao estabelecido no art. 23 do CPC, de forma que o impedimento da geração de efeitos de sentença que o afronte se dará por meio do julgamento de improcedência da homologação. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 49, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

2.    HIPÓTESES

A primeira hipótese de competência nacional exclusiva repete regra já existente no art. 89, I, do CPC 1973:  “só o juízo brasileiro pode decidir ações relativas a imóveis situados no Brasil”. A segunda hipótese amplia a hipótese prevista no inciso II do art. 89 do CPC/1973 ao incluir a confirmação de testamento particular de bens situados no Brasil ao lado do inventário e partilha de tais bens. E mantém a regra de que tal competência independe de o autor da herança ser estrangeiro ou ter domicílio fora do território nacional. Por fim, há uma novidade no inciso III do art. 23 do CPC, ao prever a competência nacional exclusiva do juízo brasileiro para, nas ações de divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável partilhar bens situados no Brasil, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional.

Essa nova hipótese não impede a homologação de divórcio ou institutos estrangeiros afins realizados no exterior, limitando-se a não admitir a partilha de bens situados no Brasil. Numa eventual hipótese de sentença estrangeira com divórcio e partilha dos bens do casal, o Superior Tribunal de Justiça deverá homologá-la parcialmente. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 49/50, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

sexta-feira, 17 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – Art. 18, 19, 20 VARGAS, Paulo S.R.

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – Art. 18, 19, 20

VARGAS, Paulo S.R.
LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
LIVRO II – DA FUNÇÃO JURISDICIONAL - TÍTULO I – DA JURISDIÇÃO E DA AÇÃO

Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.
·         Correspondência no CPC 1973, art. 6º: Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.
Parágrafo único. Havendo substituição processual, o substituto poderá intervir como assistente litisconsorcial. Sem correspondência no CPC 1973.

1.    LEGITIMAÇÃO EXTRAORDINÁRIA E SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL

Existe certo dissenso doutrinário a respeito da legitimação extraordinária e da substituição processual. Enquanto parcela da doutrina defende tratar-se do mesmo fenômeno, sendo substituto processual o sujeito que recebeu pela lei a legitimidade extraordinária de defender interesse alheio em nome próprio, outra parcela da doutrina entende que a substituição processual é uma espécie de legitimação processual. Há aqueles que associam a substituição processual à excepcional hipótese de o substituído não ter legitimidade para defender seu direito sem juízo, sendo tal legitimação exclusiva do substituto. Para outros, a substituição processual só ocorre quando o legitimado ordinário atue em conjunto com ele.
O art. 18 do CPC, parece ter consagrado o entendimento de que legitimação extraordinária e substituição processual são sinônimos ao conceituar em seu caput a primeira expressão e expressamente prever a segunda em seu parágrafo único. Nesse sentido já era o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ, 3ª Turma, REsp 1.482.294/CE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 09.06.2015). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 45, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

2.    ASSISTÊNCIA LITISCONSORCIAL

Na substituição processual o legitimado extraordinário é parte no processo, mas o titular do direito material não compõe, ao menos originariamente, a relação jurídica processual. Sendo, entretanto, titular do direito material discutido no processo é indiscutível seu interesse jurídico na demanda, sendo, portanto, admissível sua intervenção como assistente litisconsorcial do substituto processual. A previsão do parágrafo único do art. 18 do CPC, não tem correspondência no CPC revogado.
Apenas se lamenta que na redação final do dispositivo tenha se suprimido a exigência de intimação do substituído processual para que tivesse ciência da existência do processo. Sem qualquer previsão nesse sentido, o titular do direito pode ingressar como assistente litisconsorcial, mas terá que descobrir por si só a existência do processo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 45, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
LIVRO II – DA FUNÇÃO JURISDICIONAL - TÍTULO I – DA JURISDIÇÃO E DA AÇÃO

Art. 19. O interesse do autor pode limitar-se à declaração:
I – da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica;
II – da autenticidade ou da falsidade de documento.
·         Correspondência CPC 1973:
·         Art. 4º. O interesse do autor pode limitar-se à declaração:
·         I – da existência ou da inexistência de relação jurídica;
·         II – da autenticidade ou falsidade de documento.

1.    PRETENSÃO MERAMENTE DECLARATÓRIA

O conteúdo da pretensão meramente declaratória é a declaração da existência, inexistência ou o modo de ser (não há dúvida de que a relação jurídica existe, mas há incerteza quanto à sua natureza: compra e venda a prazo ou arrendamento mercantil? Empréstimo ou doação?) de uma relação jurídica de direito material (Súmula STJ/181: “É admissível ação declaratória, visando a obter certeza quando à exata interpretação de cláusula contratual”, inadmitindo ação declaratória para declarar a possibilidade de o contrato produzir os efeitos pretendidos pela parte”; Informativo 378/STJ: 3ª Turma, REsp 363.691-SP, rel. Castro Filho, rel., p/acórdão Nancy Andrighi, j. 25.11.2008). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 45, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O conteúdo da pretensão declaratória não se confunde com o seu efeito. O conteúdo é a declaração da existência, inexistência ou modo de ser de uma relação jurídica, enquanto o efeito é a certeza jurídica gerada pela declaração contida na sentença diante do acolhimento do pedido. Note-se que o  conteúdo e efeito não se confundem, porque o conteúdo é o que está dentro, enquanto o efeito é aquilo que se projeta para fora; declaração e certeza jurídica, evidentemente, são fenômenos diferentes. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 46, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

2.    OBJETO DA MERA DECLARAÇÃO

Por uma opção legislativa a sentença meramente declaratória só pode ter como objeto uma relação jurídica, excepcionalmente admitindo-se que tenha como objeto meros fatos na hipótese de declaração de autenticidade ou falsidade de documento. Nesse caso, o objeto da sentença será o mero fato de o documento ser falso ou autêntico, podendo ser proferida em ação autônoma ou em ação declaratória incidental (incidente de falsidade documental).
Registre-se que se tem admitido a sentença meramente declaratória de deveres, direitos, pretensões e obrigações referentes à relação jurídica. Essa realidade já estava consagrada nos dois incisos do art. 4º do CPC/1973.
No processo objetivo, a sentença meramente declaratória também não tem por objeto uma relação jurídica, limitando-se a interpretar o direito. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 46, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
LIVRO II – DA FUNÇÃO JURISDICIONAL - TÍTULO I – DA JURISDIÇÃO E DA AÇÃO

Art. 20. É inadmissível a ação meramente declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito.
Correspondência CPC/1973, art. 4º. (...) Parágrafo unido. É admissível a ação declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito.

1.    CERTEZA JURÍDICA COMO BEM DA VIDA TUTELÁVEL

Ainda que haja condições para a propositura de demanda constitutiva ou condenatória, haverá interesse no ingresso de demanda objetivando uma sentença meramente declaratória. Considerando-se que tanto a sentença constitutiva quando a condenatória contêm um elemento declaratório, pode-se aplicar o brocardo popular “quem pode mais, pode menos”, sendo a certeza jurídica um bem isoladamente protegido pelo ordenamento processual. A certeza jurídica é, portanto, bem da vida tutelável.

A regra já existia no CPC/1973, estando consagrada no art. 18, parágrafo único. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 46, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 17 VARGAS, Paulo S.R.


CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 17

VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
LIVRO II – DA FUNÇÃO JURISDICIONAL - TÍTULO I – DA JURISDIÇÃO E DA AÇÃO

Art. 17. Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade.
Correspondência CPC 1973: Art. 3º Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade.

1.    CONDIÇÕES DA AÇÃO

A retirada do termo “condições da ação” do CPC animou parcela da doutrina a levantar a questão do afastamento desse instituto processual de nosso sistema processual, de forma que o interesse de agir e a legitimidade passassem a ser tratados como pressupostos processuais ou como mérito, a depender do caso concreto.
Essa parcela da doutrina entende que o CPC teria consagrado o binômio  pressupostos processuais-méritos, e que, “ao adotar o binômio, as condições da ação não desapareceriam. É o conceito ‘condição da ação’ que seria eliminado. Aquilo que por meio dele se buscava identificar continuaria obviamente a existir. O órgão jurisdicional ainda teria de examinar a legitimidade, o interesse e a possibilidade jurídica do pedido. Tais questões seriam examinadas ou como questões de mérito (possibilidade jurídica do pedido e legitimação ad causam ordinária) ou como pressupostos processuais (interesse de agir e legitimação extraordinária)”.
Corroboraria tal entendimento o fato de que diante do CPC a propositura da nova ação extinta por ausência de legitimidade e/ou interesse de agir depende da correção do vício que levou à sentença sem resolução do mérito (art. 486, § 1º). Há também a previsão do § 2º do art. 966: nas hipóteses previstas no caput, será rescindível a decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, não  permita a repropositura da demanda ou impeça o reexame do mérito. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 42, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Ao se admitir que as condições da ação não existem mais como instituto processual autônomo, cabendo agora analisar-lhes como pressupostos processuais ou mérito a depender do caso, seria ver consagrada no CPC a teoria abstrata do direito de ação.
Certamente é tema que ainda suscitará muitos questionamentos e dúvidas, mas em minha primeira visão sobre o assunto não creio que o CPC tenha adotado a teoria do direito abstrato de ação. Prova maior é que nas hipóteses já mencionadas de vedação à repropositura da ação, como do cabimento da ação rescisória, o CPC deixa claro que não haverá julgamento de mérito. Como a legitimidade e o interesse de agir dificilmente podem ser enquadrados no conceito de pressupostos processuais, por demandarem análise da relação jurídica de direito material alegada pelo autor, concluo que continuamos a ter no sistema processual as condições de ação. E vou ainda mais longe. Apesar do respaldo doutrinário significativo e de inúmeras decisões judiciais acolhendo-a, o CPC não consagrou a teoria da asserção, mantendo-se nesse ponto adepto da teoria eclética. Ainda que não caiba ao Código de Processo Civil adotar essa ou aquela teoria, ao prever como causa de extinção do processo sem resolução do mérito a sentença que reconhece a ausência de legitimidade e/ou interesse de agir, o CPC permite a conclusão de que continua a consagrar a teoria eclética. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 42, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Entendo, portanto, que tanto o CPC/1973 como o atual CPC consagram a distinção entre pressupostos processuais, condições da ação e mérito. O criador da teoria eclética, pela qual foram explicadas as condições da ação, foi Liebman, que em seus primeiros estudos sobre o tema entendia existirem três espécies de condições da ação: possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade, tendo sido essa construção consagrada pelo nosso ordenamento processual. E, com base nesse entendimento, o CPC/1973 consagrava três condições da ação. Ocorre, porém, que o próprio Liebman reformulou seu entendimento original, passando a defender que a possibilidade jurídica estaria contida no interesse de agir, de forma que ao final de seus estudos restaram somente duas condições da ação: interesse de agir e legitimidade. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 42/43, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

É nesse sentido o art. 17 do CPC ao prever que “para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade”. Ainda que se possa entender que o dispositivo consagra a doutrina de Liebman a respeito do tema, tenho a impressão de que, de alguma forma, o legislador atendeu aos críticos da teoria eclética, em especial aos defensores da teoria do direito abstrato de ação. Naturalmente, mantém-se pela proposta analisada a teoria eclética, exigindo-se no caso concreto a existência de interesse de agir e legitimidade para que o juiz possa resolver o mérito. A retirada, entretanto, da possibilidade jurídica do pedido nem sempre levará o juiz a entender as situações que hoje são analisadas sob a ótica dessa condição da ação como causas de falta de interesse de agir. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 43, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Acredito que o juiz passe, ao menos em algumas situações, a simplesmente julgar improcedente o pedido do autor. Nesse sentido, o Enunciado 36 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): “As hipóteses de impossibilidade jurídica do pedido ensejam a improcedência liminar do pedido”. Essa nova realidade, com a aprovação do Código de Processo Civil em vigor, nos termos propostos, tende a se verificar especificamente quando o pedido for juridicamente impossível. Se um Estado da Federação pede sua retirada do Brasil, o juiz afirma que o Estado não tem esse direito e julga o pedido improcedente, sendo que sob o CPC/1973 deveria julgar extinto o processo sem a resolução de mérito.
Por outro lado, nas hipóteses em que a impossibilidade jurídica não deriva do pedido, mas das partes ou da causa de pedir, entendo mais adequado que, mesmo diante da aprovação do dispositivo ora comentado, o juiz continue a extinguir o processo sem a resolução de mérito, agora com fundamento na ausência de interesse de agir, em sua modalidade adequação. Numa cobraça de dívida de jogo, por exemplo, não parece correto o julgamento de improcedência, o que significaria que o direito de crédito alegado pelo autor não existe, o que não condiz com a realidade. Afinal, a vedação no sistema jurídico para a cobrança judicial dessa espécie de dívida não quer dizer que ela não exista. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 43, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

2.    INTERESSE DE AGIR

A ideia de interesse de agir, também chamado de interesse processual, está intimamente associada à utilidade da prestação jurisdicional que se pretende obter com a movimentação da máquina jurisdicional. Cabe ao autor demonstrar que o provimento jurisdicional pretendido será capaz de lhe proporcionar uma melhora em sua situação fática, o que será o suficiente para justificar o tempo, a energia e o dinheiro que serão gastos pelo Poder Judiciário na resolução da demanda.
O interesse de agir deve ser analisado sob dois diferentes aspectos: a necessidade de obtenção da tutela jurisdicional reclamada e a adequação entre o pedido e a proteção jurisdicional que se pretende obter (STJ, 4ª Turma, REsp 954.508/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 28.08.2007). . (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 43, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Haverá necessidade sempre que o autor não puder obter o bem da vida pretendido sem a devida intervenção do Poder Judiciário. Em regra, havendo a lesão ou ameaça de lesão a direito, consubstanciada na lide tradicional, haverá interesse de agir, porque, ainda que exista a possibilidade de obtenção do bem da vida por meios alternativos de solução de conflitos, ninguém é obrigado a solucionar seus conflitos de interesse por essas vias alternativas. Na jurisdição voluntária há lide presumida, decorrendo a necessidade da própria previsão legal que obriga as partes à intervenção jurisdicional.
Por adequação se entende que o pedido formulado pelo autor deve ser apto a resolver o conflito de interesses apresentado na petição inicial. Sendo a lide consubstanciada numa resistência à pretensão de obtenção de um bem da vida, cabe ao autor requerer uma prestação jurisdicional que seja apta a afastar essa resistência, com isso liberando seu caminho para a obtenção do bem da vida pretendido. Na realidade, não sendo adequada a pretensão formulada para resolver a lide narrada na petição inicial, a tutela pretendida é inútil, faltando interesse de agir ao autor (STJ, AgRg no MS 12.393/DF, 1ª Seção, Rel. Min. Humberto Martins, j. 12.03.2008). . (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 43/44, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

3.    LEGITIMIDADE

Conforme tradicional lição doutrinária, a legitimidade para agir (legitimatio ad causam) é a pertinência subjetiva da demanda ou, em outras palavras, é a situação prevista em lei que permite a um determinado sujeito propor a demanda judicial e a um determinado sujeito formar o polo passivo dessa demanda.
A regra geral em termos de legitimidade, ao menos na tutela individual, é consagrada no art. 18 do CPC, ao prever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimação ativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendo interesse próprio. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 44, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse de terceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária.

Registre-se a existência de correr doutrinária que defende a limitação da legitimação extraordinária à tutela individual, afirmando que por meio dessa espécie de legitimação se defende em juízo um direito subjetivo singular de titularidade de pessoa determinada. Sendo o direito difuso de titularidade da coletividade (sujeitos indeterminados e indetermináveis) e o direito coletivo de uma comunidade – classe, grupo ou categoria de pessoas (sujeitos indeterminados, mas determináveis) -, inaplicável a eles a legitimação extraordinária. Sob forte influência dos estudos alemães a respeito do tema, defendem que a legitimação ativa nas ações que têm como objeto direito difuso ou coletivo é uma terceira espécie de legitimidade, chamada de legitimidade autônoma para a condução do processo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 44, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

quinta-feira, 16 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 16 VARGAS, Paulo S.R.

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 16

VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
LIVRO II – DA FUNÇÃO JURISDICIONAL - TÍTULO I – DA JURISDIÇÃO E DA AÇÃO

Art. 16. A jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional, conforme as disposições deste Código.
·         Correspondência CPC1973 com a seguinte redação:
·         Art. 1º. A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece.

1.    CONCEITO DE JURISDIÇÃO

A jurisdição pode ser entendida como a atuação estatal visando à aplicação do direito objetivo ao caso concreto, resolvendo-se com definitividade uma situação de crise jurídica e gerando com tal solução a pacificação social. Note-se que neste conceito não consta o tradicional entendimento de que a jurisdição se presta a resolver um conflito de interesses entre as partes, substituindo suas vontades pela vontade da lei. Primeiro porque nem sempre haverá conflito de interesses a ser resolvido, e segundo porque nem sempre a atividade jurisdicional substituirá a vontade das partes, conforme será devidamente analisado em momento oportuno. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 37, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Tradicionalmente a jurisdição (juris-dicção) era entendida como a atuação da vontade concreta do direito objetivo (Chiovenda), sendo que a doutrina se dividia entre aqueles que entendiam que essa atuação derivava da sentença fazer concreta a norma geral (Carnelutti), ou criar uma norma individual com base na regra geral (Kelsen). Contemporaneamente, notou-se que tais formas de enxergar a jurisdição estavam fundadas em um positivismo acrítico e no princípio da supremacia da lei, o que não mais atendia as exigências de justiça do mundo atual. Dessa forma, autorizada doutrina passa a afirmar que a jurisdição deveria se ocupar da criação no caso concreto da norma jurídica, resultado da aplicação da norma legal à luz dos direitos fundamentais e dos princípios constitucionais de justiça. Reconhece ainda essa nova visão da jurisdição que não adianta somente a edição da norma jurídica (juris-dicção), sendo necessário tutelar concretamente o direito material, o que se fará pela execução (juris-satisfação). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 37, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Há doutrina que prefere analisar a jurisdição sob três aspectos distintos: poder, função e atividade. O poder jurisdicional é o que permite o exercício da função jurisdicional que se materializa no caso concreto por meio da atividade jurisdicional.
Entendida como poder, a jurisdição representa o poder estatal de interferir na esfera jurídica dos jurisdicionados, aplicando o direito objeto ao caso concreto e resolvendo a crise jurídica que os envolve. Há tempos se compreende que o poder jurisdicional não se limita a dizer o direito (juris-dicção), mas também de impor o direito (juris-satisfação). Realmente de nada adiantaria a jurisdição dizer o direito, mas não reunir condições para fazer valer esse direito concretamente. Note-se que a jurisdição como poder é algo que depende essencialmente de um Estado organizado e forte o suficiente para interferir concretamente na esfera jurídica de seus cidadãos. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 37/38, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Como função, a jurisdição é o encargo atribuído pela Constituição Federal, em regra, ao Poder Judiciário – função típica – e, excepcionalmente a outros Poderes – função atípica – de exercer concretamente o poder jurisdicional. A função jurisdicional não é privativa do Poder Judiciário, como se constata nos processos de impeachment do Presidente da República realizados pelo Poder Legislativo (arts. 49, IX, e 52, I, da CF), ainda que nesses casos não haja definitividade. Também o Poder Judiciário não se limita ao exercício da função jurisdicional, exercendo de forma atípica – e bem por isso excepcional – função administrativa (p. ex., organização de concursos públicos) e legislativa (p.ex., elaboração de Regimentos Internos de tribunais). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 38, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Como atividade, a jurisdição é o complexo de atos praticados pelo agente estatal investido de jurisdição no processo. A função jurisdicional se concretiza por meio do processo, forma que a lei criou para que tal exercício se fizesse possível. Na condução do processo, o Estado, ser inanimado que é, investe determinados sujeitos do poder jurisdicional para que possa, por meio da prática de atos processuais, exercerem concretamente tal poder. Esse sujeito é o juiz de direito, que por representar o Estado no processo é chamado de “Estado-juiz” (juiz ou tribunais). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 38, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

2.    ESCOPOS DA JURISDIÇÃO

O escopo jurídico consiste na aplicação concreta da vontade do direito (por meio da criação da norma jurídica), resolvendo-se a chamada “lide jurídica”. Note-se que, diante de uma afronta ou ameaça ao direito objetivo, a jurisdição, sempre que afasta essa violação concreta ou iminente, faz valer o direito objetivo no caso concreto, resolvendo do ponto de vista jurídico o conflito existente entre as partes. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 38, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O escopo social da jurisdição consiste em resolver o conflito de interesses, proporcionando às partes envolvidas a pacificação social, ou em outras palavras, resolver a “lide sociológica”. De nada adianta resolver o conflito no aspecto jurídico se no aspecto fático persiste a insatisfação das partes, o que naturalmente contribui para a manutenção do estado beligerante entre elas. A solução jurídica da demanda deve necessariamente gerar a pacificação no plano fático, em que os efeitos da jurisdição são suportados pelos jurisdicionados. Tal escopo será mais facilmente atingido num processo célere, barato, com amplo acesso de participação e com decisão justa. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 38, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O escopo educacional diz respeito à função da jurisdição de ensinar aos jurisdicionados – e não somente às partes envolvidas no processo – seus direitos e deveres. É interessante notar que, com a popularização do Poder Judiciário, aumentou significativamente o contato entre ele e o jurisdicionado, de forma a serem importantes os ensinamentos transmitidos por suas decisões a respeito dos deveres e direitos de todos. A clareza e a utilização de linguagem simples nas decisões, rejeitando-se o rebuscamento pedante, também contribuem significativamente para a consecução do escopo educacional. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 38, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Por fim, o escopo político é analisado sob três diferentes vertentes: (i) se presta a fortalecer o Estado. É claro que, funcionando a contento a jurisdição, o Estado aumenta a sua credibilidade perante seus cidadãos, fortalecendo-se junto a eles; (ii) a jurisdição é o último recurso em termos de proteção às liberdades públicas e aos direitos fundamentais, valores essencialmente políticos de nossa sociedade; (iii) incentivar a participação democrática por meio do processo, de forma que o autor de uma demanda judicial, ou ainda o titular do direito debatido, mesmo que não seja o autor (por exemplo, os direitos transindividuais), possa participar, por meio do processo, dos destinos da nação e do Estado. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 39, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

3.    PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

São quatro as principais características da jurisdição, segundo Daniel Assumpção Neves: caráter substitutivo, lide, inércia e definitividade.
Por caráter substitutivo entende-se a característica da substitutividade da jurisdição, ou seja, a jurisdição substitui a vontade das partes pela vontade da lei no caso concreto, resolvendo o conflito existente entre elas e proporcionando  a pacificação social. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 39, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Ainda que se admita que tal característica se encontra em número considerável de atuações jurisdicionais, não é correto afirmar ser essencial à existência da jurisdição. O próprio Chiovenda, responsável maior pela inclusão do caráter substitutivo entre as características da jurisdição, já apontava para hipóteses nas quais a substitutividade não estaria presente. Duas situações demonstram claramente a existência de jurisdição sem a presença do caráter substitutivo: ações constitutivas necessárias e execução indireta. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 39, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Segundo a concepção clássica de Carnelutti, a lide é o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. A ideia, portanto, é de um sujeito que pretende obter um bem da vida, no que é impedido por outro, que lhe cria uma resistência a tal pretensão, surgindo desse choque de interesses (obter o bem da vida e impedir a sua obtenção) o conflito de interesse entre as partes. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 39, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Como se pode notar da própria definição clássica de lide, trata-se de um fenômeno não processual, mas fático-jurídico (ou ainda sociológico), anterior ao processo. A lide não é criada no processo, mas antes dele, e também não é tecnicamente correto afirmar que será solucionada no processo considerando-se que o juiz resolve o pedido do autor e não a lide em si.
Ainda que se admita a presença da lide em grande número de demandas judiciais não parece correto afirmar que a lide é essencial à jurisdição, sendo corrente na doutrina o entendimento de que é possível a existência desta sem aquela. E nem é preciso falar em jurisdição voluntária, porque nessa existe polêmica quanto à sua natureza jurisdicional. Existem exemplos de demandas de jurisdição contenciosa nas quais não se verifica a existência da lide, ao menos não em seu conceito clássico: ações constitutivas necessárias, processos objetivos (controles concentrados de constitucionalidade) e a tutela inibitória, que, buscando evitar a prática, continuação ou repetição de ato ilícito, volta-se para ato futuro. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 39, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A inércia da jurisdição (princípio da demanda) já foi devidamente comentada no art. 2º, I, do CPC.
Afirma-se que a solução do conflito por meio jurisdicional é a única que se torna definitiva e imutável, sendo considerada a derradeira e incontestável solução do caso concreto. Essa definitividade significa que a decisão que solucionou o conflito deverá ser respeitada por todos: partes, juiz do processo, Poder Judiciário e até mesmo por outros Poderes. Em razão do desenvolvimento desse raciocínio, a coisa julgada material é fenômeno privativo das decisões jurisdicionais. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 39/40, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Ainda que se possa concluir que somente na jurisdição existe coisa julgada material, não é possível condicionar o exercício da jurisdição a tal fenômeno processual. Existem hipóteses nas quais a doutrina tradicional entende não existir coisa julgada material, ainda que seja evidente a existência de jurisdição, como ocorre no processo cautelar. Havendo decisão de conflito tornada imutável e indiscutível pela coisa julgada material, estar-se-á diante de atividade jurisdicional. Por outro lado, a mera ausência de coisa julgada material não é o suficiente para concluir que a atividade não tem natureza jurisdicional. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 40, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

4.    PRINCÍPIOS DA JURISDIÇÃO

São seis os princípios da jurisdição: investidura, territorialidade, indelegabilidade, inevitabilidade, inafastabilidade e juízo natural.
É natural que o Poder Judiciário, ser inanimado que é, tenha a necessidade de escolher determinados sujeitos, investindo-os do poder jurisdicional para que representem o Estado no exercício concreto da atividade jurisdicional. Esse agente público, investido de tal poder, é o juiz de direito, sendo por vezes chamado de Estado-juiz porque é justamente ele o sujeito responsável por representar o Estado na busca de uma solução para o caso concreto. Existem diversas maneiras de obtenção da investidura, algumas delas distantes de nossa realidade como a eleição direta e a escolha dos novos membros da magistratura pelos atuais. No Brasil, são duas as formas admitidas: concurso público (art. 93, I, da CF) e indicação pelo Poder Executivo, por meio do quinto constitucional (art. 94 da CF). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 40, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O princípio da aderência ao território diz respeito a uma forma de limitação do exercício legítimo da jurisdição. O juiz devidamente investido de jurisdição só pode exercê-la dentro do território nacional, como consequência da limitação da soberania do Estado brasileiro ao seu próprio território. Significa dizer que todo juiz terá jurisdição em todo o território nacional. Ocorre, entretanto, que, por uma questão de funcionalidade, considerando-se o elevado número de juízes e a colossal extensão do território nacional, normas jurídicas limitam o exercício legítimo da jurisdição a um determinado território.
O princípio ora analisado tem diversas exceções previstas em lei, havendo diversas hipóteses nas quais o juízo tem permissão legal para a prática de atos fora de sua comarca ou de sua seção judiciária: citação pelo correio, que pode ser feita para qualquer comarca ou seção judiciária do País (art. 247, caput, do CPC); a citação, intimação, notificação, penhora ou qualquer outro ato executivo por oficial de justiça, que pode ser feita em comarca ou seção judiciária contígua, de fácil comunicação, ou nas que se situem na mesma região metropolitana (art. 255 do CPC); na ação de direito real imobiliário de imóvel situado em dois ou mais foros, o autor escolherá qualquer um deles, que será o competente por prevenção, passando o juiz desse foro a atuar também relativamente à parte do imóvel que vai além de sua comarca ou seção judiciária (art. 60 do CPC); na penhora de bem imóvel ou veículo automotor, apresentada nos autos do processo matrícula ou certidão que ateste sua existência, o juiz poderá realizar a penhora se estiver situado em qualquer local no Brasil (art. 845, § 1º, do CPC); e atos praticados por meio eletrônico em geral. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 40, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O princípio da indelegabilidade pode ser analisado sob duas diferentes perspectivas: externo e interno. No aspecto externo significa que o Poder Judiciário, tendo recebido da Constituição Federal a função jurisdicional – ao menos como regra -, não poderá delegar tal função a outros Poderes ou outros órgãos que não pertencem ao Poder Judiciário. No aspecto interno significa que, determinada concretamente a competência para uma demanda, o que se faz com a aplicação de regras gerais, abstratas e impessoais, o órgão jurisdicional não poderá delegar sua função para outro órgão jurisdicional.
A impossibilidade de delegação de função jurisdicional entre diferentes órgãos jurisdicionais é excepcionada em ao menos duas hipóteses: (a) na expedição de carta de ordem pelo Tribunal, que delega sua função de produzir provas orais e periciais ao juízo de primeiro grau; (b) o art. 102, I, “m”, da CF prevê que o Supremo Tribunal Federal delegue a função executiva de seus julgados ao juízo de primeiro grau, em regra aplicável a todos os tribunais. Em ambos os casos a justificativa é a falta de estrutura funcional nos tribunais para a prática dos atos processuais. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 41, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Já o princípio da inevitabilidade é aplicado em dois momentos distintos. O primeiro diz respeito à vinculação obrigatória dos sujeitos ao processo judicial. Ainda que se reconheça que ninguém será obrigado a ingressar com demanda contra a sua vontade e que existem formas de se tornar parte dependentes da vontade do sujeito (por exemplo, assistência, recurso de terceiro prejudicado), o certo é que, uma vez integrado à relação jurídica processual, ninguém poderá, por sua própria vontade, se negar a esse “chamado jurisdicional”. A vinculação é automática, não dependendo de qualquer concordância do sujeito, ou mesmo de acordo entre as partes para se vincularem ao processo e se sujeitarem à decisão, como ocorria no direito romano (“litiscontestatio”).
Essa integração obrigatória à relação jurídica processual coloca os sujeitos que dela participam num estado de sujeição, o que significa dizer que suportarão os efeitos da decisão jurisdicional, ainda que não gostem, não acreditem, ou não concordem com ela. O estado de sujeição das partes torna a geração dos efeitos jurisdicionais inevitável, inclusive não havendo qualquer necessidade de colaboração no sentido de aceitar em suas esferas jurídicas a geração de tais efeitos. Na realidade, mesmo diante de resistência, a jurisdição terá total condição de afastá-las e, consequentemente, de fazer valer suas decisões (os meios executivos bem demonstram tal fenômeno). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 41, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O princípio da inafastabilidade da jurisdição foi devidamente analisado nos comentários ao art. 3º, § 3º, do CPC.
Por fim, pelo princípio do juízo natural, entende-se que ninguém será processado senão pela autoridade competente (art. 5º, LIII, da CEF). O princípio pode ser entendido de duas formas. A primeira delas diz respeito à impossibilidade de escolha do juiz para o julgamento de determinada demanda, escolha essa que deverá ser sempre aleatória em virtude de aplicação de regras gerais, abstratas e impessoais de competência. Essa proibição de escolha do juiz atinge a todos; as partes, os juízes, o Poder Judiciário etc. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 41, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Por outro lado, o princípio do juiz natural proíbe a criação de tribunais de exceção, conforme previsão expressa do art. 5º, XXXVII, da CF. significa que não se poderá criar um juízo após o acontecimento de determinados fatos jurídicos com a exclusiva tarefa de julgá-los, sendo que à época em que tais fatos ocorreram já existia um órgão jurisdicional competente para o exercício de tal tarefa. O tribunal de exceção mais famoso da história foi o Tribunal de Nuremberg, criado com a função exclusiva de julgar os crimes nazistas praticados por militares do Terceiro Reich após o final da Segunda Grande Guerra Mundial. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 41, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).