segunda-feira, 24 de setembro de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO LIVRO III – ART 927, 928 - DOS PROCESSOS NOS TRIBUNAIS E DOS MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS - VARGAS, Paulo S.R.


CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO
LIVRO III – ART 927, 928 - DOS PROCESSOS NOS TRIBUNAIS E DOS MEIOS
DE IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS - VARGAS, Paulo S.R. 

TITULO I – DA ORDEM DOS PROCESSO E DOS PROCESSOS DE COMPETÊNCIA
ORDINÁRIA DOS TRIBUNAIS – CAPÍTULO I – DISPOSIÇÕES GERAIS
vargasdigitador.blogspot.com

Art 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II – os enunciados de súmula vinculante;

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

§ 1º. Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art 10 e no art 489, § 1º, quando decidirem com fundamento neste artigo.

§ 2º. A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.

§ 3º. Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

§ 4º. A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotado em julgamento de caos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção, da confiança e da isonomia.

§ 5º. Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente na rede mundial de computadores.

Sem correspondência no CPC/1973

1.    (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO ART 927 DESTE ATUAL CÓDIGO

A eficácia vinculante do precedente previsto no art 927, I, do CPC, tem previsão constitucional (art 102, § 2º, CF), o mesmo se verificando quanto à súmula vinculante prevista no inciso II do mesmo dispositivo legal (art 103-A, da CF). Nos demais incisos a eficácia vinculante decorre tão somente de normas infraconstitucionais, o que levanta importa questão a respeito de sua constitucionalidade.

Já existe doutrina a apontar a inconstitucionalidade das normas que criam um eficácia vinculante de precedentes e de súmulas não vinculantes sem previsão nesse sentido no texto constitucional, já que a Constituição Federal reserva efeito vinculante apenas às súmulas vinculantes, mediante devido processo e aos julgamentos originados em controle concentrado de constitucionalidade.

Afirma-se que a vinculação obrigatória às súmulas do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, bem como aos precedentes criados no julgamento de casos repetitivos e no incidente de assunção de competência invade a seara legislativa, por outorgar ao Poder Judiciaria o estabelecimento de normas, criando uma vinculação inconstitucional a preceitos abstratos e gerais fixados pelo Poder Judiciário, ou seja, com características de lei.

A doutrina que defende a novidade legislativa – uma das mais importantes desse atual CPC -, entende que o Poder Judiciário não cria norma jurídica nesses casos, não se devendo confundir a atividade de dar um sentido unívoco à o cabimento de reclamação constitucional norma que foi criada pela via legislativa como a tarefa de criação de norma. Entendimento em sentido contrário levaria à conclusão de que o Supremo Tribunal Federal legisla ao decidir processo objetivo e ao editar súmula vinculante, o que não parece correto.

Ainda que a questão a respeito da constitucionalidade dos três últimos incisos do art 927 do CPC sirva de interessante combustível para discussões doutrinárias, que devem se estender por tempo indefinido, no plano dos fatos é difícil imaginar o Supremo Tribunal Federal declarando tais normas inconstitucionais. E isso por um singelo motivo: é de todo interesse daquela corte a eficácia vinculante consagrada em tais dispositivos, e especial em sua promessa de diminuição no número de processos e recursos, em especial os recursos especial e extraordinário. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.491.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    EFICÁCIA VINCULANTE

O art 927, caput¸ do CPC, prevê que os juízes e os tribunais observação as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; os enunciados de súmula vinculante, os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional e a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Surge na doutrina o questionamento a respeito do significado do termo “observarão” previsto no dispositivo legal ora analisado. E essa definição é de extrema relevância para se concluir ser ou não o art 927 do CPC norma que consagra a eficácia vinculante de precedentes e súmulas, por termos por ele descritos.

Para parcela minoritária da doutrina o dispositivo cria tão somente um dever ao órgão jurisdicional de levar em consideração, em suas decisões, os precedentes e enunciados sumulares lá previstos. De forma que, não havendo em outro dispositivo a previsão expressa de sua eficácia vinculante, o órgão jurisdicional teria o dever de considerar o precedente ou súmula, mas não estaria obrigado a segui-los, podendo fundamentar sua decisão com o argumento de ser equivocado o entendimento consagrado no precedente ou na súmula.

Não parece, entretanto, ser esse o melhor entendimento. Conforme entende a doutrina amplamente majoritária o art 927 do CPC é suficiente para consagrar a eficácia vinculante aos precedentes e enunciados sumulares previstos em seus incisos). Ou seja, “observarão” significa aplicação de forma obrigatória.

Ao adotar-se o entendimento de que o termo “observarão” utilizado no art 927, caput, do CPC não consagra a eficácia vinculante estar-se-ia diante de curiosa e insustentável situação. Coo é extraído da praxe forense, o Superior Tribunal de Justiça sumula entendimentos de matérias infraconstitucionais, sendo o direito processual campo fértil de tal atuação. Ao se interpretar que o art 927, IV, do CPC obriga o órgão jurisdicional a apenas levar em consideração as súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional, não existiria tal dever quanto às súmulas de direito infraconstitucional editadas pela Corte Superior?

Como a eficácia vinculante das hipóteses previstas nos primeiros três incisos do art 927 do CPC tem previsão expressa em outros dispositivos de lei (controle concentrado de constitucionalidade no art 102, § 2º, da CF; súmula vinculante no art 103-A, caput, da CF; incidente de assunção de competência no art 947, § 3º, do CPC; IRDR no art 985 do CPC, recursos especial e extraordinário repetitivos no art 1.040 do CPC, a divergência doutrinaria coloca em questão a eficácia vinculante apenas dos enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional e da orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Com relação às súmulas previstas no art 927, IV, do CPC, deve ser feita uma importante observação. A discussão a respeito de sua eficácia vinculante tende a ter pouca ou nenhuma relevância prática, já que as súmulas, como concretização da jurisprudência do tribunal, necessariamente deverão ter como fundamento a ratio decidendi dos precedentes do tribunal que justificam sua edição, de forma que a eficácia vinculante desses coloca em segundo plano a divergência ora enfrentada.

Mas como estamos no Brasil, não se deve desconsiderar a possibilidade de o tribunal sumular um entendimento com base em precedentes não vinculantes, ou seja, em decisões que não sejam proferidas em julgamento de casos repetitivos ou no incidente de assunção de competência. Apesar de não ser recomendável, não se deve descartar tal possibilidade. Nesse caso, ainda que não vinculantes, os precedentes utilizados para justificar a edição da súmula deverão ser considerados em seus fundamentos determinantes (ratio decidendi) para a fixação do objeto da vinculação obrigatória.

Ainda que nesse caso se possa constatar uma eficácia vinculante indireta de precedentes meramente persuasivos, não são eles que geram a eficácia vinculante, mas sim a súmula que materializa suas conclusões. É dizer que antes da súmula seus fundamentos determinantes são apenas persuasivos, e com a edição da súmula passam a ser vinculantes.

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal já deu exemplos de que a edição de súmula vinculante nem sempre tem como fundamento qualquer precedente, como ocorreu na edição da Súmula Vinculante nº II. Obviamente se trata de um desvio de conduta, mas nesse caso irrelevante para a divergência ora analisada porque a eficácia vinculante da súmula vinculante tem previsão constitucional e com relação a ela não se discute.

Por fim, para se distinguir as súmulas previstas no inciso II do art 927 do CPC daquelas previstas no inciso IV do mesmo dispositivo, ainda que nos dois casos sua aplicação no caso concreto seja obrigatória, convém se chamar as primeiras de súmulas vinculantes, nome já consagrado, e as segundas de súmulas com eficácia vinculante. Na pratica, naturalmente, não existirá diferença, mas as diferentes expressões podem ajudar o operador do Direito a distingui-las no caso concreto.

Até se pode argumentar que com a identidade de eficácia vinculante não teria mais sentido existir súmula vinculante, já que ao Supremo Tribunal Federal bastaria editar uma súmula simples sobre matéria constitucional (e nem se cogita que uma súmula vinculante tenha matéria infraconstitucional) para gerar a eficácia vinculante. Tal argumento é falho por dois motivos: (a) o cabimento de reclamação constitucional, limitado ao desrespeito às súmulas vinculantes e (b) a vinculação à Administração Pública, também privativa das súmulas vinculantes. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.491.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

3.    CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE

Segundo o art 927, I, do CPC, os juízes e tribunais observarão as decisões e os precedentes do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade.

Numa primeira leitura pode-se concluir não se tratar de grande novidade, considerando-se a eficácia erga omnes do controle concentrado de constitucionalidade realizado pelo Supremo Tribunal Federal (art 28, parágrafo único, da Lei 9.868/1999). Nunca é demais lembrar que o art 102, § 2º, da CF prevê que as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Não se descarta a possibilidade de o legislador ter incluído a decisão do controle concentra de constitucionalidade no rol do art 927 do CPC apenas com o objetivo de tornar o rol exauriente, tese corroborada pela inclusão também da súmula vinculante, que tem sua eficácia vinculante já prevista em texto constitucional, a exemplo da decisão proferida no controle concentra de constitucionalidade.

Mas é possível se extrair uma utilidade, e de extrema importância, na previsão ora analisada, distinguindo-se a eficácia erga omnes da coisa julgada material gerada no controle concentra de constitucionalidade, já consagrada no texto constitucional, da eficácia vinculante dos fundamentos determinantes da decisão (ratio decidendi), consagrada no art 927, I, do CPC.

Segundo o Enunciado 168 do FPPC, “os fundamentos determinantes do julgamento de ação de controle concentrado de constitucionalidade realizado pelo STF caracterizam a ratio decidendi do precedente e possuem efeito vinculante para todos os órgãos jurisdicionais”. Trata-se da chamada “transcendência dos motivos determinantes” ou do efeito transcendente de motivos determinantes, que teria sido expressamente adotado pela previsão do art 927, I, do CPC.

O Supremo Tribunal Federal vinha aplicando a tese ora analisada, mas atualmente o entendimento do tribunal se modificou (STF, Tribunal Pleno, Rcl 11.479 AgRg/CE, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 19.12.2012, DJe 25.2.2013).) de forma que a teoria subsiste apenas no ambiente doutrinário, sem encontrar aplicação na praxe forense. Como consequência prática da inadmissão ora analisada pelo Supremo Tribunal Federal, encontra-se o não cabimento da reclamação constitucional contra decisão que apenas contrariar fundamentos no controle de constitucionalidade sem agredir o dispositivo da decisão (STF, 1ª Turma, Rcl 11.478 AgRg/CE, rel. Min. Marco Aurélio, j. 5.6.2012, DJe 21.6.2012). Espera-se uma mudança da posição jurisprudencial em decorrência do art 927, I, do CPC.

Qualquer órgão jurisdicional, no julgamento de qualquer processo, recurso ou reexame necessário (nesse caso somente os tribunais de segundo grau), pode declarar de forma incidental a inconstitucionalidade de uma norma legal, mas nesse caso não há qualquer eficácia vinculante de tal declaração. Essa realidade, entretanto, é mais sensível no caso de tal controle incidental ter sido realizado pelo Supremo Tribunal Federal.

Nos estritos termos do art 927, I, do CPC, essa espécie de controle de constitucionalidade, mesmo que realizada pela Corte constitucional, não tem eficácia vinculante, já que o dispositivo legal é suficientemente claro ao estabelecer tal eficácia somente à declaração de inconstitucionalidade realizada de forma concentrada, portanto, o controle de constitucionalidade realizado por meio de processo objetivo. Ocorre, entretanto, que os arts 525, § 12º e 535, § 5º do CPC permitem que a alegação de coisa julgada inconstitucional em sede de impugnação ao cumprimento de sentença tenha como fundamento e declaração de inconstitucionalidade realizada pelo Supremo Tribunal Federal tanto em controle concentrado como em controle difuso.

A contradição é na realidade apenas aparente, porque se o inciso I do art 927 do CPC a sugere, o inciso V do mesmo dispositivo parece afastá-la. Tendo a orientação do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal eficácia vinculante, é possível se concluir que mesmo no controle difuso de constitucionalidade haverá eficácia vinculante, se não em razão do inciso I do art 927 do CPC, pelo inciso V do mesmo dispositivo legal. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.493/1.494.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

4.    ENUNCIADOS DE SÚMULAS VINCULANTES

O inciso II do art 927 do CPC se justifica apenas se levarmos em conta o objetivo do dispositivo legal de elencar todas as hipóteses em que há eficácia vinculante em nosso sistema jurídico. Afinal, se a súmula é vinculante, é dizer o óbvio que tem eficácia vinculante.

Nos termos do art 103-A, caput, da CF, o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

Na realidade a eficácia vinculante na hipótese ora analisada é até mesmo mais ampla do que aquela prevista no art 927 do CPC, já que enquanto em seu caput há previsão de que os juízes e tribunais observarão o enunciado das súmulas vinculantes, o texto constitucional prevê, em seu art 103-A, § 3º, da CF, que do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. Ou seja, a eficácia vinculante extrapola a atuação do Poder Judiciário, vinculando também a Administração Pública. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.494/1.495.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

5.    ENUNCIADOS DAS SÚMULAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM MATÉRIA CONSTITUCIONAL E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL.

Segundo o inciso IV do art 927 do CPC, os juízes e tribunais observarão os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional, e do Superior Tribunal de Justiça, em matéria infraconstitucional.

A norma praticamente torna todas as súmulas dos tribunais superiores com eficácia vinculante, sejam ela súmulas vinculantes ou não, à exceção daquelas editadas pelo Supremo Tribunal Federal que disserem respeito a normas infraconstitucionais, circunstância até certo ponto comum na seara processual. Na realidade elas em deveriam existir, quanto menos ter eficácia vinculante. O interessante é que, a partir do momento em que o Superior Tribunal de Justiça sumule a matéria, o Supremo Tribunal Federal estará vinculado ao entendimento consagrado na súmula.

Dessa forma, coo sempre defendi que em matéria infraconstitucional é o Superior Tribunal de Justiça o órgão jurisdicional responsável pela última palavra, certa ou errada, devendo tal realidade ser respeitada inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, ao menos em temas sumulados, isso pode se tornar realidade. Em especial em matérias processuais não são poucas as vezes em que os dois tribunais divergem, o que deveria ser inadmissível num sistema jurídico coeso, cabendo ao Supremo Tribunal Federal seguir o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.495.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

6.    ORIENTAÇÃO DO PLENÁRIO OU DO ÓRGÃO ESPECIAL AOS QUAIS ESTIVEREM VINCULADOS

Por fim, o inciso V do art 927 do CPC dá eficácia vinculante à orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados os juízes e os tribunais. Entendo que o termo “orientação só possa ser interpretado como decisão, porque o órgão jurisdicional não tem natureza consultiva. Em minha percepção, portanto, passam a ter eficácia vinculante as decisões colegiadas proferidas no Tribunal Pleno no Supremo Tribunal Federal e na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça.

Com relação ao Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, entendo justificável a vinculação considerando-se tratar de órgão que reúne a totalidade dos Ministros julgadores. O mesmo não se pode dizer da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, mas como outras espécies de decisão de tal órgão têm eficácia vinculante, a generalização criada pelo dispositivo ora mencionado não parece ser temerária. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.495/1.496.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

7.    EFICÁCIA EX TUNC OU EX NUNC DA NOVIDADE LEGISLATIVA

Partindo-se da premissa de que o art 927 do CPC, em seus cinco incisos, consagra uma série de precedentes vinculantes e torna súmulas atualmente persuasivas em súmulas com eficácia vinculante, surge uma importante questão: essa eficácia vinculante atingirá os precedentes criados e as súmulas editadas antes da entrada em vigência do novo diploma legal?

Com relação às súmulas não haveria maiores problemas práticos em se admitir uma eficácia ex tunc do art 927, IV, do CPC, caso os tribunais superiores se empenhassem em fazer uma revisão de todas as suas súmulas antes da entrada em vigência do novo diploma legal. Poderiam assim revogar as chamadas “súmulas zumbis”, que não são mais seguidas nem mesmo pelos tribunais que as editaram, bem como àquelas que são incompatíveis com o atual Código ora analisado. Poderiam, inclusive, revogar súmulas que, apesar de não estarem superadas, o tribunal não pretende permitir que tenham eficácia vinculante.

Infelizmente, entretanto, não parece que essa será a conduta a ser adotada pelos tribunais superiores, o que poderá gerar eficácia vinculante à súmulas que definitivamente não deveriam ter tal eficácia.

A situação torna-se ainda mais dramática quando se analisa a questão ora levantada no tocante aos precedentes obrigatórios, porque nesse caso os tribunais não podem “revogar” decisões já proferidas e transitadas em julgado. E ainda pior, há precedentes contraditórios, como é facilmente notado, por exemplo, com decisões que tratam a mesma matéria jurídica de forma diferente pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. Ainda que neste caso se possa dizer que a eficácia vinculante seja do precedente mais recente, não se pode desconsiderar que quanto eles foram criados os julgadores responsáveis pela sua criação o fizeram com a certeza de que teriam no máximo eficácia persuasiva.

A solução não é simples. Se adotarmos a eficácia ex tunc do art 927 do CPC, certamente se estará dando uma amplitude imediata considerável à eficácia vinculante de súmulas e precedentes, mas nesse caso é de discutível adequação simplesmente transformar o que foi criado como persuasivo em vinculante. Por outro lado, ao se admitir uma eficácia ex nunc ao art 927 do CPC, estar-se-á adotando a opção mais segura, que menos problemas práticos gerará, mas nesse caso a eficácia vinculante ou persuasiva dependerá da data de formação do precedente ou da edição da súmula, criando-se uma distinção temporal que também poderá causar problemas práticos.

Sem solução fácil, entendo que o mais adequado seja, nesse caso, prestigiar a segurança jurídica, atribuindo-se ao art 927 do CPC eficácia ex tunc ou seja, somente as súmulas editadas e os precedentes formados na vigência do atual Código devem ter eficácia vinculante. Tal entendimento, além de prestigiar a segurança jurídica, ainda tem o mérito de tornar a adoção da novidade legislativa paulatina, o que certamente auxilia em sua exata compreensão e aplicação no caso concreto. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.496/1.497.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

8.    CABIMENTO DE RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL

Apesar de ser o art 927 do CPC suficiente para atribuir a todos os precedentes e enunciados sumulares por ele previstos em seus incisos a eficácia vinculante, não é homogêneo o tratamento da impugnação da decisão que desrespeita tal eficácia vinculante.

As decisões que desrespeitam os procedentes obrigatórios, inclusive aqueles derivados de decisão proferida em controle concentrado de constitucionalidade, e as súmulas vinculantes, são impugnáveis por reclamação constitucional, nos termos do art 988, IV, do CPC. Já com relação às decisões que desrespeitam as súmulas com eficácia vinculante (súmulas “simples”) do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional e do Supremo Tribunal federal em matéria constitucional (art 927, IV do CPC) e às orientações do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados (art 927, V, do CPC) não é cabível a reclamação constitucional.

Significa dizer que se uma sentença desrespeita a eficácia vinculante consagrada nos incisos IV e V do art 927 do CPC a parte sucumbente deverá apelar da sentença para impugnar a decisão. E caso seja um acórdão de tribunal de 2º grau que desrespeite tal eficácia vinculante, será cabível o recurso especial e/ou extraordinário. Ou seja, a parte sucumbente não terá um instrumento impugnativo que permita seguir diretamente para o tribunal superior.

Essa realidade cria uma eficácia maior e menor entre as hipóteses previstas no art 927 do CPC, o que coloca, inclusive, em questão a eficácia vinculante prática das hipóteses previstas nos dois últimos incisos do dispositivo ora comentado. Juridicamente não tenho dúvidas a respeito de suas eficácias vinculantes, mas se a parte deve recorrer da decisão que a desrespeita da mesma forma que recorreria de qualquer outra decisão com a qual não concorde, no plano prático a eficácia vinculante está seriamente comprometida. Trata-se de uma eficácia vinculante jurídica com eficácia apenas persuasiva no plano prático.

E tudo piorou consideravelmente em razão da Lei 13.256, de 04.02.2016, que alterou o atual Livro do CPC em sua vacância ao modificar o cabimento da reclamação constitucional com relação a decisões que desrespeitem os precedentes obrigatórios criados em julgamento de casos repetitivos e no julgamento da repercussão geral.

Com a criação de um inciso II ao § 5º do art 988 do CPC, a decisão que desrespeita precedente de repercussão geral ou de recurso especial ou extraordinário em questão repetitiva só poderá ser impugnada por reclamação constitucional se esgotadas as instâncias ordinárias. A lamentável novidade, fruto de pressão dos tribunais superiores receosos do aumento no número de reclamações constitucionais, precisa, antes de ser criticada, ser interpretada, já que se é péssima em seu conteúdo, não é muito melhor em sua forma.

Por “esgotamento das instâncias ordinárias” o legislador aparentemente pretendeu afastar o cabimento de reclamação constitucional contra sentença que desrespeita precedente fixado em julgamento de recurso especial e extraordinário repetitivo.

Diante da novidade legislativa, se um acórdão desrespeitar o precedente criado em julgamento de recurso especial e extraordinário repetitivo, e em julgamento de recurso extraordinário com repercussão geral, ainda que não repetitivo, caberá reclamação constitucional para o tribunal de superposição. Mas no caso de sentença proferida em tais moldes caberá a apelação. Também a decisão monocrática na hipótese ora analisada não poderá ser impugnada por reclamação constitucional por ser cabível contra ela agravo interno (art 1.021, do CPC).

Como se pode perceber, em nítido desrespeito ao previsto no art 928 do CPC, o art 988, em seu inciso IV e § 5º, II, deste Código, trata de forma diferente o julgamento de casos repetitivos. Decisão que desrespeite o julgamento em IRDR ainda não julgado pelos tribunais superiores, por meio de recurso especial ou extraordinário, pode ser impugnada por reclamação constitucional, já que o “esgotamento das instâncias ordinárias” é exigido apenas para o julgamento de recurso especial – e extraordinário – repetitivo.

O incidente de assunção de competência continua a ser impugnável por reclamação constitucional, porque permanece e previsto no inciso IV do art 988 do CPC, e não está previsto no § 5º, II, do mesmo dispositivo legal.

Com a Lei 13.256, de 04.02.2016 passa a ser possível se falar em três graus de eficácia vinculante grande, médio e pequeno.

O julgamento proferido em controle concentrado de constitucionalidade, as súmulas vinculantes, o IRDR e o incidente de assunção de competência têm eficácia vinculante grande, porque o desrespeito a qualquer deles, por qualquer decisão, proferida em qualquer grau de jurisdição, é impugnável por reclamação constitucional.

O precedente formado em julgamento de recursos especial e extraordinário repetitivos e no julgamento de recurso extraordinário com repercussão geral tem eficácia vinculante média, já que o cabimento da reclamação constitucional exige o exaurimento das instâncias ordinárias.

Finalmente, os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional e a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados têm eficácia vinculante pequena, porque da decisão que a desrespeita não cabe reclamação constitucional. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.497/1.498.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

9.    PRECEDENTE BRASILEIRO E PRECEDENTS NA TRADIÇÃO DA COMMON LAW

Conforme já devidamente exposto, precedente é um julgamento que sirva como razão de decidir de outro julgamento proferido posteriormente. É natural, portanto, que um julgamento não nasça precedente, mas que se torne um precedente a partir do momento em que é utilizado posteriormente como razão de decidir em outro julgamento.

Assim ocorre no sistema da common law, no qual os julgamentos só se tornam precedentes no momento em que passam a concretamente servir como fundamento de decisão de outros julgamentos. Conforme vem apontando a melhor doutrina, no Brasil foi adotada outra técnica na formação dos precedentes, já que o CPC atual prevê, de forma expressa e específica, quais são os julgamentos que serão considerados precedentes. Trata-se de “precedente doloso”, em interessante nomenclatura dada por Alexandre Freitas Câmara, ou seja, um julgamento já predestinado a ser precedente.

Nesse tocante, entretanto, cabe uma observação. Nem todo precedente é vinculante – obrigatório – já que continuam a existir no sistema processual brasileiro julgamentos proferidos em processo subjetivo que não decidem casos repetitivos e nem o incidente de assunção de competência, e que poderão servir como fundamento de decidir de outros julgamentos a serem proferidos supervenientemente.

Tem-se, portanto, um tratamento diferente de formação de precedente a depender de sua eficácia vinculante (binding precedents), e de sua eficácia persuasiva (persuasive precedentes). Enquanto os precedentes vinculantes são julgamentos que já nascem precedentes, os precedentes persuasivos se tornam precedentes a partir do momento em que são utilizados para fundamentar outros julgamentos. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.498/1.499.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

10. RATIO DECIDENDI E OBTER DICTA

A ratio decidendi não é fenômeno alheio ao direito brasileiro, pelo contrário, sendo considerada pelos tribunais superiores com relativa frequência, ora com a utilização da expressão “motivos determinantes” (STF, Tribunal Pleno, Rcl 5.216 AgR/PA, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 13.06.2012, DJe 19.02.2012; STJ, 1ª Seção, MS 15.920/DF, rel. Min. Benedito Gonçalves, rel. p/acórdão Min. Mauro Campbell Marques, j. 14.11.2012; DJe 5.2.2013) ora com a utilização da expressão “razões de decidir” (STF, 1ª Turma, RE 578.582 AgR/RS, rel. Min. Dias Toffoli, j. 27.11.2012, DJe 19.12.2012; STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp 786.612/RS, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 127.10.2013, DJe 24.10.2013). Mas não há dúvida de que o fenômeno terá que ser repensado.

Conforme ensina a melhor doutrina, a ratio decidendi (chamada de holding no direito americano) é o núcleo do precedente, seus fundamentos determinantes, sendo exatamente o que vincula. Distingue-se da fundamentação obter dicta, que são prescindíveis ao resultado do julgamento, ou seja, fundamentos que, mesmo se fossem em sentido invertido, não alterariam o resultado do julgamento. São argumentos jurídicos ou considerações feitas apenas de passagem de forma paralela e prescindível para o julgamento, como ocorre com manifestações alheias ao objeto do julgamento, apenas hipoteticamente consideradas. Justamente por não serem essenciais ao resultado do precedente os fundamentos obter dicta não vinculam (Enunciado 318 do FPPC: “Os fundamentos prescindíveis para o alcance do resultado fixado no dispositivo da decisão (obter dicta), ainda que nela presentes, não possuem efeito de precedente vinculante.”).

O § 4º do art 521 do Projeto de Lei do CPC aprovado na Câmara contribuía, ainda que de forma simplista e incompleta, para a definição da ratio decidendi: (I) prescindíveis para o alcance do resultado fixado em seu dispositivo, ainda que presentes no acórdão; (II) não adotados ou referendados pela maioria dos membros do órgão julgador, ainda que relevantes e contidos no acórdão. O texto legal não foi mantido no atual CPC.

Afirmar-se que a ratio decidendi do precedente vincula, o que não ocorre com a fundamentação obter dicta, é indiscutível e a parte fácil de se compreender a eficácia vinculante dos precedentes. O mais problemático é a distinção entre elas no caso concreto, já que o conceito de ratio decidendi não é tranquilo, mesmo em países de muito mais tradição em seu exame do que o Brasil, havendo estudo que aponta o incrível número de 74 formas de encontrar a ratio decidendi.

Conforme considerável corrente doutrinária, o ideal é a adoção do método eclético sugerido por Rupert Cross. Dessa forma, combinam-se a técnica da inversão defendida por Wambaugh, que defende a identificação da ratio decidendi como a razão jurídica que, se invertida, resultaria em julgamento diferente e a técnica defendida por Goodhart, pela qual a identificação da ratio decidendi parte dos fatos materiais – categorias de fatos relevantes para o direito – e da decisão jurídica neles embasada – o julgamento final.

Um mesmo precedente pode ter mais de uma ratio decidendi, sendo que nesse caso todas elas têm eficácia vinculante. Não se admite, portanto, uma eficácia vinculante fatiada, já que, se o que vincula no precedente é sua ratio decidendi, nada mais natural do que se concluir que havendo mais de uma, todas tenham eficácia vinculante.

Apesar de aconselhável, em especial naqueles julgamentos predestinados a se tornarem precedentes vinculantes, não existe um dever de os tribunais identificarem a ratio decidendi, cabendo ao intérprete do julgamento tal tarefa. E mesmo que exista tal identificação não se cria um impedimento para que o intérprete identifique uma ratio decidendi não exposta como tal no precedente, permitindo sua aplicação como razão do decidir de futuros julgamentos.

Por fim, é preciso registrar que não basta ser um fundamento determinante para o resultado do julgamento para que se projete a eficácia vinculante. Significa dizer que, só a ratio decidendi vincula, mas nem sempre haverá tal eficácia vinculante.

Somente o fundamento determinante acolhido pela maioria dos julgadores tem eficácia vinculante (Enunciado 317 do FPPC: “O efeito vinculante do precedente decorre da adoção dos mesmos fundamentos determinantes pela maioria dos membros do colegiado, cujo entendimento tenha ou não sido sumulado.”), lembrando-se que o julgamento nem sempre é determinado pela opinião majoritária dos julgadores sobre os mesmos fundamentos, mas pela combinação de entendimentos minoritários que levem a um determinado resultado. Basta imaginar a existência de diferentes causas de pedir fundamentando um mesmo pedido, sendo possível que ele seja acolhido pela maioria que, entretanto, se vale de forma minoritária de cada causa de pedir para chegar ao resultado do julgamento.

Essa exigência, que não está expressamente consagrada no texto legal, estava presente no art 521, § 3º, do Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil aprovado pela Câmara e não mantido pelo Senado na aprovação do texto final do novo diploma processual.

Essa realidade, conforme bem apontado pela melhor doutrina, exige uma mudança na forma do julgamento colegiado, que atualmente se dá por adesão à conclusão e que deve passar a ser realizado por adesão à fundamentação. Os julgadores não poderão se limitar a aderir ao voto do relator, cabendo expressar sua concordância de forma expressa aos seus fundamentos, cabendo também, e em especial, ao magistrado expor sua discordância com tais fundamentos, ainda que concorde com a conclusão do voto condutor.

Por outro lado, se for difícil a identificação da ratio decidendi do precedente, seja por ser sua fundamentação insuficiente ou por não estar a questão jurídica decidida bem delineada, afasta-se sua eficácia vinculante. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.499/1.500.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

11. FUNDAMENTAÇÃO

Reafirmando a importância dos princípios do contraditório e da fundamentação das decisões judiciais, o art 927, § 1º, do CPC exige do órgão jurisdicional na formação e aplicação do precedente judicial o respeito ao disposto nos arts 10 e 489, § 1º, do mesmo diploma legal.

A criação de precedentes obrigatórios e a ampliação das espécies de súmulas com eficácia vinculante derivadas do art 927 do CPC vêm causando justificável apreensão na doutrina. A realidade na aplicação de súmulas e de teses fixadas no julgamento de recursos especial e extraordinário realmente não é muito animadora.

O absurdo volume de trabalho, aliado a constante falta de estrutura adequada, vem fazendo com que os juízes se valham dos entendimento consagrados nos tribunais superiores de forma mecânica, sem qualquer preocupação na identificação do caso concreto como sujeitável a tais entendimentos, e muito menos na imprescindível correlação entre o caso concreto e o entendimento consolidado pelos tribunais superiores utilizado para resolvê-lo. E com a ampliação da eficácia vinculante teme-se, com razão, que os julgadores não compreendam que a aplicação de um precedente é um ato hermenêutico e não meramente mecânico.

Essa indevida forma de aplicar os precedentes e os entendimentos sumulados foi objeto de atenção do legislador, que nos incisos V e VI do art 489, § 1º do CPC, exige do julgado uma fundamentação adequada tanto para a aplicação do precedente e do entendimento sumulado, como para a rejeição de sua aplicação no caso concreto. Não basta a aplicação do precedente pura e simplesmente, mas sua interpretação e adequação ao caso concreto, inclusive podendo ser extraída de sua ratio decidendi uma aplicação mais ampla do que aquela que foi originalmente pensada na criação do precedente.

Conforme ensina a melhor doutrina, a ratio decidendi do precedente, a exemplo da norma legal, deve ser objeto de interpretação para ser aplicada, sendo naturalmente mais restrito o espaço de interpretação uma vez que o precedente já resulta da interpretação do texto legal. De qualquer forma, é importante a consideração de que o precedente em termos de interpretação é ao mesmo tempo um ponto de chegada e um ponto de partida: de chegada na interpretação da norma legal aplicável ao caso concreto e de saída para os que pretendem aplica-lo para posteriormente decidirem processos com base no precedente.

O cuidado coma fundamentação na utilização ou rejeição de aplicação dos precedentes e dos enunciados de súmulas, entretanto, não é suficiente para que um sistema baseado – ou ao menos fortemente influenciado – em precedentes funcione no direito brasileiro. Será necessária uma mudança cultural, sempre difícil, traumática e demorada, que levem os órgãos jurisdicionais a trabalharem de forma adequada com a identificação e aplicação da ratio decidendi dos precedentes. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.501.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

12. DIVULGAÇÃO

Nos termos do § 5º do art 927 do CPC, os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.

A partir do momento em que nosso sistema processual passa a contar com precedentes vinculantes, é imprescindível que as partes, os advogados e os juízes tenham fácil acesso a eles. Tal ciência servirá aos advogados para otimizar a orientação jurídica às partes diante de um conflito de interesses, no sentido de favorecer a solução consensual dos conflitos, e para os juízes a ciência é indispensável para que possam respeitar a eficácia vinculante dos precedentes, já que sem conhecê-los não poderão aplicá-los no caso concreto.

Lamento que o dispositivo legal se limite à previsão da publicidade dos precedentes, já que tendo a maioria das súmulas do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal assumido eficácia vinculante, a mesma preocupação deveria ter sido destinada a elas. A interpretação extensiva do art 927, § 5º, do atual CPC é imperiosa. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.501/1.502.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

13. DISTINÇÃO (DISTINGUISHING)

Tendo o CDC adotado a teoria dos precedentes judiciais obrigatórios, era esperado que também consagrasse os fenômenos da distinção (distinguishing) e da superação (overruling). O art 927, em seus §§ 2º a 4º, do CPC, entretanto, só trata da superação do precedente, não havendo qualquer previsão legal a respeito da distinção.

Trata-se de hipótese de não aplicação do precedente no caso concreto sem, entretanto, sua revogação. Dessa forma, é excluída a aplicação do precedente judicial apenas para o caso concreto em razão de determinadas particularidades fáticas e/ou jurídicas, mantendo-se o precedente válido e com eficácia vinculante para outros processos.

Registre-se que no § 5º do art 521 do Projeto de lei de Novo CPC aprovado na Câmara estava regulamentado o distinguishing. Ainda que a regulamentação não tenha restado consagrada no atual Livro do CPC, é importante a análise do dispositivo legal não consagrado que ainda poderá doutrinariamente auxiliar na compreensão do fenômeno.

Segundo o dispositivo, o precedente ou jurisprudência dotada do efeito vinculante poderia não ser seguida, quando o órgão jurisdicional distinguisse o caso sob julgamento, demonstrando fundamentadamente se tratar de situação particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor solução jurídica diversa.

Como se pode notar do dispositivo legal, seriam duas as causas de distinção que levariam à não aplicação do precedente no caso concreto.

A distinção das circunstâncias fáticas deveria ser analisada com cuidado, porque a vinculação dos precedentes não exigia identidade de fatos, bastando a identidade da situação fática. Significa que, sendo comum a origem fática, o precedente seria vinculante, mesmo que existissem diferenças fáticas entre o processo em curso e o processo em que houve a formação do precedente. A diferença fática só seria capaz de evitar a aplicação do precedente quando fosse determinante para a aplicação da regra jurídica ao caso concreto.

Por outro lado, mesmo havendo identidade fática entre o processo em curso e aqueles que ensejaram a edição do precedente, é possível sua não aplicação no caso concreto. Para tanto, deve ficar demonstrado que no processo em trâmite foi alegada matéria jurídica ainda não examinada. Apesar de ser algo improvável de ocorrer se os tribunais levarem realmente a sério sua função harmonizadora dos entendimentos jurídicos, é indiscutível haver lógica em deixar de aplicar o precedente quando se discute matéria jurídica inédita, não tratada anteriormente na formação do precedente.

Registre-se que a técnica do distinguishing não deve ser aplicada de forma enviesada para se obter algo que somente pelo overruling pode ser obtido. Conforme lembra a melhor doutrina, nos países da common law não é incomum, ainda que continue a ser reprovável, juízes que não querem aplicar os precedentes por considera-los injustos ou equivocados, simplesmente se valerem de uma discutível distinção para se afastar da eficácia vinculante dos precedentes.

Ao pretender uma superação que não pode fazer o juízo se vale de uma distinção inexistente para justificar a não aplicação do precedente obrigatório ao caso concreto. Não é preciso muito esforço para se concluir que nesse caso o próprio sistema de precedentes será desvirtuado. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.502/1.503.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

14.  SUPERAÇÃO DA TESE JURÍDICA (OVERRULING)

Não resta dúvida de que a superação do precedente é medida muito mais drástica que a aplicação da distinção no caso concreto, porque por meio da superação do precedente ele deixa de existir como fonte vinculante. Não é naturalmente anulado, revogado ou reformado, porque o precedente na realidade é uma decisão judicial já transitada em julgado, mas com a superação o entendimento nele consagrado deixa de ter eficácia vinculante e até mesmo persuasiva, sendo substituído por outro.

Essa superação, portanto, chamada de overruling no direito norte-americano, deve ser realizada com extremo cuidado, ponderação e o mais importante, raramente. Se o art 926 do CPC, exige uma jurisprudência íntegra, coerente e estável, é natural se compreender que a superação do precedente deva ocorrer com parcimônia, em situações excepcionais. Se o sistema de precedentes e súmulas com eficácia vinculante não deve engessar o direito, por outro lado não existe sistema de precedentes e súmulas com eficácia vinculante sem segurança jurídica e estabilidade. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.503.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

15. MOTIVOS PARA SUPERAÇÃO

Apesar de o art 927, § 4º, do CPC exigir que a fundamentação da superação considere os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, não há no novo diploma legal qualquer regra a respeito das motivações que justificam a superação do entendimento sumulado ou consagrado em precedente obrigatório.

Registre-se que no art 521, § 7º, do Projeto de lei do Novo CPC aprovado na Câmara havia expressa menção à superação diante de superveniente realidade econômica, política econômica ou social, ou de revogação ou modificação de norma em que se fundou a tese do precedente. Não obstante a inexistência de tal regra do Código ora em vigor, parece incontestável que tais circunstâncias autorizam a superação do entendimento fixado em súmula ou precedente (Enunciado 322 do FPPC: “A modificação de precedente vinculante poderá fundar-se, entre outros motivos, na revogação ou modificação da lei em que ele se baseou, ou em alteração econômica, política, cultural ou social referente à matéria decidida”).

Também parece ser tranquilo o entendimento de que o precedente ou súmula podem ser superados diante de mudança legislativa que com suas razoes conflite. Nesses casos a superveniência legislativa pode tornar o entendimento sem sentido ou até mesmo ilegal, cabendo sua superação (Enunciado 324 do FPPC: “Lei nova, incompatível com o precedente judicial, é fato que acarreta a não aplicação do precedente por qualquer juiz ou tribunal, ressalvado o reconhecimento de sua inconstitucionalidade, a realização de interpretação conforme ou a pronúncia de nulidade sem redução de texto”). Por outro lado, não se deve descartar a possibilidade de a superveniente lei consagrar expressamente o entendimento fixado em precedente ou súmula, quando a lei passará a ser o novo referencial normativo.

Essa técnica de overruling não se confunde com o overriding, porque nesse o tribunal apenas limita o âmbito de incidência de um precedente em função de superveniência de regra ou de princípio legal. Não há, portanto, sua superação – quando muito uma superação parcial – mas sua adequação à superveniente configuração jurídica do entendimento fixado.

Por fim, não é pouca a doutrina, com amparo em estudos de direito comparado na common law, que aponta a correção de erro manifesto ou grave injustiça como motivação suficiente para a superação de súmula ou precedente, ou seja, a superação de precedente manifestamente equivocado. Entendo que nesse caso os tribunais devam ter redobrado cuidado porque o erro deve ser manifesto, e não derivado de uma nova interpretação que, por exemplo, uma nova composição do colegiado venha a ter da mesma matéria.

O órgão é colegiado e como colegiado deve se portar, não sendo a mudança de composição suficiente para a superação do precedente ou do entendimento sumulado. Chega até mesmo a ser descortês com os antigos componentes da corte equiparar interpretação superada em razão de nova composição a erro no julgamento.

De qualquer forma, qualquer que seja o motivo da superação, somente o próprio tribunal que fixou a tese com eficácia vinculante tem competência para superar o seu próprio entendimento. Chega a ser até mesmo intuitivo que órgãos hierarquicamente inferiores não possam fazê-lo, ou mesmo se vinculando a tal sinalização, já que ela somente demonstra uma possibilidade de futura superação, que poderá nem vir a ocorrer. A partir da adoção dessa técnica os tribunais inferiores terão fundamento mais seguro para se valerem do anticipatory overrruling.

Considerando-se que somente os tribunais dos quais emana a eficácia vinculante têm competência para superar o entendimento fixado em súmulas com eficácia vinculante e precedentes obrigatórios, cria-se a possibilidade de os órgãos hierarquicamente inferiores se valerem do chamado antecipatory overruling, sempre que o tribunal do qual emana a eficácia vinculante sinalizar em seus julgamentos a possibilidade de alteração do entendimento. Note-se, não é necessária a adoção da técnica do sinaling para a adoção do antecipatory overruling, porque mesmo que não haja uma sinalização expressa do tribunal superior é possível aos órgãos hierarquicamente inferiores se anteciparem a tal superação se notarem dos julgamentos do tribunal superior uma sinalização nesse sentido. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.503/1.504.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

16. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE SUPERAÇÃO

O § 4º do art 927 do CPC prevê que a modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.
Considerando-se que toda decisão judicial deve ser fundamentada, nos termos do art 93, IX, da CF, parece uma redundância o dispositivo ora analisado exigir que a decisão do tribunal que supera o precedente obrigatório ou súmula com eficácia vinculante seja fundamentada. Trata-se, entretanto, de fundamentação diferenciada, ainda mais qualificada que a tradicional, chegando a doutrina a falar em exigência de carga de motivação maior para justificar a decisão de superação ora analisada.
O termo “adequada” para qualificar a fundamentação utilizado pelo art 927, § 4º, do CPC não cria nada novo ou peculiar para a decisão ora analisada, já que a fundamentação adequada é aquela exigida pelo art 489, § 1º, deste Código, dispositivo que naturalmente deve nortear o tribunal na decisão de superação do precedente ou da súmula

Mas ao exigir que a fundamentação seja específica o legislador parece realmente ter inovado, criando uma especialidade quanto à motivação da decisão que supera súmula com eficácia vinculante e precedente obrigatório. Entendo que essa fundamentação específica exija do tribunal a demonstração de que a nova tese adotada em superação da anterior é melhor e/ou mais adequada, além de existirem mais fortes razoes para alterar o entendimento do que para mantê-lo, mesmo que com sacrifício da ideia de segurança jurídica. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.504/1.505.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
17. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA SUPERAÇÃO
A partir do momento em que o precedente passa a ser obrigatório e a súmula a ter eficácia vinculante, cria-se uma expectativa de comportamento em todos, que confiantes ao entendimento consolidado e vinculante fixado pelos tribunais passam a pautar sua conduta no plano material da forma como entende adequada os tribunais. Cria-se, dessa forma, uma previsibilidade de conduta conforme a interpretação da lei consolidada pelos tribunais em suas súmulas e precedentes, gerada pela expectativa legítima de que o Poder Judiciário continuará a decidir conforme seus precedentes e súmulas. Conforme ensina a melhor doutrina, a vinculação da superação dos entendimentos consagrados pelos tribunais ao princípio da irretroatividade é decorrente da atuação dos princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva.
Como é impossível defender que um sistema baseado em precedentes asfixie o direito, a possibilidade de sua superação, nas condições já analisadas, é imprescindível. Mas essa necessidade não afasta o problema prático advindo de tal revogação: a quebra da confiança das partes que se conduziram conforme o entendimento consolidado e agora são surpreendidos como um novo entendimento.
Parece claro que se o sujeito se portou de determinada maneira confiando no entendimento consolidado pelo tribunal, a mudança de entendimento não pode desprestigiar essa confiança. Em razão disso deve ser saudado o § 3º do art 927 do CPC no sentido de permitir ao tribunal a modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica, consagrando no direito pátrio a possibilidade de prospective overruling.
Registre-se que, além de preservar a confiabilidade e a segurança jurídica, a possibilidade de modulação de efeitos da superação do precedente permite aos tribunais uma superação com mais tranquilidade, porque em sistemas em que não se admite tal modulação o trauma gerado pela superação do precedente funciona como impeditivo de tal superação. No direito pátrio, o tribunal poderá dimensionar temporalmente o alcance da quebra da confiança no entendimento consolidado e pela modulação limitar os problemas advindos pela superação para aqueles sujeitos que se portaram no sentido do precedente ou súmula superada.
Parcela da doutrina compreende a necessidade da modulação dos efeitos da superação ora analisada, mas lembra que em um país ainda não acostumado com a força dos precedentes, é possível que tal técnica incentive os tribunais a se sentirem confortáveis para realizar sucessivas alterações de entendimentos. A preocupação é absolutamente justificável, o que demonstra mais uma vez que um sistema de precedentes não se impõe somente com mudança legislativa, mas também com uma mudança de mentalidade dos operadores do direito.
Já é tradicional no sistema processual pátrio a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do art 27 da Lei 9.868/1999. Segundo o Supremo Tribunal Federal a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade se presta a preservar relevantes princípios constitucionais, revestidos de superlativa importância sistêmica (STF, Tribunal Pleno, ADI 2.797/ED/DF, rel. Min. Menezes Direito, rel. p/acórdão Min. Ayres Britto, j. 16.05.2012, DJe 28.02.2013), sendo tal entendimento também aplicável à superação ora analisada.
O tribunal, portanto, por razão de interesse social ou de segurança jurídica, poderá modular os efeitos da superação do entendimento consagrado na súmula com eficácia vinculante e no precedente obrigatório, que pode no caso concreto ter eficácia ex nunc; ex tunc; ex tunc limitado; eficácia projetada para o futuro. A adoção de qualquer modalidade de eficácia dependerá do caso concreto e de decisão fundamentada pelo juiz.
O essencial para a modulação ex nunc ou projetada para o futuro é a preservação da confiança dos jurisdicionados. Como é possível que um precedente venha a ser superado aos poucos, tal circunstância deve ser considerada pelo tribunal para limitar a eficácia ex nunc ou até mesmo aplicar a eficácia ex tunc. Pode ocorrer de o precedente não ser aplicado há longo tempo, ainda que sem revogação expressa, de forma que quando tal revogação é feita não se pode dizer propriamente que os jurisdicionados foram surpreendidos. Por isso não concordo com o entendimento doutrinário que defende ser sempre ex nunc a eficácia da superação ora analisada. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.505/1.506.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
18.  PROCEDIMENTO
Não há no atual CPC previsão específica e geral a respeito do procedimento a ser adotado pelo tribunal na superação do entendimento fixado em súmula com eficácia vinculante obrigatório.
A única previsão procedimental é o § 2º do art 927 do CPC ao prever que a alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. Como se pode notar, admitia-se a intervenção do amicus curiae em razão da eficácia ultra partes da revogação do precedente e da realização de audiências públicas para democratizar o procedimento de revogação.
Diante do silêncio da lei quanto ao procedimento, mais uma vez é possível se valer do art 521 do Projeto de Lei de Novo CPC aprovado pela Câmara. Segundo o § 6º do artigo ora comentado, a modificação de entendimento sedimentado poderia realizar-se: (i) por meio do procedimento previsto na Lei 11.417/2006, quando se tratar de enunciado de súmula vinculante; (II) por meio do procedimento previsto no regimento interno do tribunal respectivo, quando se tratar de enunciado de súmula da jurisprudência dominante; (III) incidentalmente, no julgamento de recurso, na remessa necessária ou na causa de competência originária do tribunal, nas demais hipóteses dos incisos II a IV do caput.
Como o atual Código não revogou o procedimento previsto na Lei 11.417/2006 para a revogação da súmula vinculante, não há qualquer dúvida que para sua superação deva ser esse o procedimento a ser observado. Ainda que as súmulas em matéria constitucional editadas pelo Supremo Tribunal Federal e as súmulas em matéria infraconstitucional editadas pelo Superior Tribunal de Justiça, em razão do art 927, IV, do CPC, tenham passado a ter eficácia vinculante, não se confundem com as súmulas vinculantes quanto às exigências para sua edição e revogação, de forma que para sua superação o procedimento deve ser determinado pelo regimento interno do tribunal e não pela Lei 11.417/2006.
Para a superação de tese fixada em julgado de IRDR, o art 986 deste CPC prevê que a revisão da tese jurídica firmada no incidente far-se-á pelo mesmo tribunal, de ofício ou mediante requerimento dos legitimados mencionados no art 977, inciso III do mesmo diploma legal. Não se trata propriamente de um procedimento criado pela lei, já que a norma só disciplina a competência (mesmo tribunal) e legitimidade ativa para o pedido, de forma que caberá aos regimentos internos dos tribunais regulamentarem de forma exaustiva a matéria.
No caso de superação de tese fixada em julgamento de recurso especial de extraordinário repetitivos não há qualquer previsão no CPC ora analisado, cabendo aos tribunais superiores criarem o procedimento por meio de seus regimentos internos.
Observe-se que, à exceção da revogação de súmula vinculante, que tem forma de superação expressamente prevista em lei, nos demais casos, além da criação de incidentes ou procedimentos administrativos para superação de súmula com eficácia vinculante ou precedente obrigatório, a superação também poderá ocorrer no julgamento de processos de competência originária, recursos ou reexame necessário (Enunciado 321 do FPPC: “A modificação do entendimento sedimentado poderá ser realizada nos termos da Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006, quando se tratar de enunciado de súmula vinculante; do regimento interno dos tribunais, quando se tratar de enunciado de súmula ou jurisprudência dominante; e, incidentalmente, no julgamento de recurso, na remessa necessária ou causa de competência originária do tribunal.”).

Quanto à competência para decidir pela superação do precedente, o art 521, § 9º, do projeto de lei aprovado na Câmara previa que o órgão jurisdicional que tivesse firmado a tese a ser rediscutida seria preferencialmente competente para a revisão do precedente formado em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas, ou em julgamento de recursos extraordinários e especiais repetitivos. Apesar da não consagração de tal norma no novo diploma legal, seu conteúdo continua a fazer bastante sentido, devendo ser prestigiado. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.506/1.508.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO
LIVRO III – ART 928 - DOS PROCESSOS NOS TRIBUNAIS E DOS MEIOS
DE IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS - VARGAS, Paulo S.R.

TITULO I – DA ORDEM DOS PROCESSO E DOS PROCESSOS DE COMPETÊNCIA
ORDINÁRIA DOS TRIBUNAIS – CAPÍTULO I – DISPOSIÇÕES GERAIS
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Art 928. Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em:
I – incidente de resolução de demandas repetitivas;
II – recursos especial e extraordinário repetitivos.
Parágrafo único. O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual.
Sem correspondência no CPC/1973
1.    PRECEDENTES CRIADOS EM JULGAMENTO DE CASOS REPETITIVOS E NO INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA
O art 928 do CPC prevê as hipóteses que se consideram julgamento de casos repetitivos: decisões proferidas em incidente de resolução de demandas repetitivas (I) e em recurso especial e extraordinário repetitivos (II). Os julgamentos proferidos em ambos os casos, ainda que por meio de técnicas procedimentais significativamente distintas, são precedentes obrigatórios. O incidente de assunção de competência não se confunde com o julgamento de casos repetitivos, prevendo o art 947 do CPC que seu cabimento depende de inexistência de repetição da relevante questão de direito, com grande repercussão social, em múltiplos processos.

São técnicas de julgamento para situações distintas, mas que têm em comum a criação de precedentes obrigatórios. É natural que o precedente formado no julgamento de casos repetitivos venha a ser aplicado com maior frequência do que aquele formado no incidente de assunção de competência, em razão da quantidade de processos que versam sobre a mesma questão jurídica, mas em termos de eficácia vinculante não há diferenças entre eles, inclusive sendo reunidos num mesmo dispositivo legal (art 927, III, do CPC). (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.508.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

sábado, 22 de setembro de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO - LIVRO III – ART 926 - DOS PROCESSOS NOS TRIBUNAIS E DOS MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS – VARGAS, Paulo S.R.


CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO
LIVRO III – DOS PROCESSOS NOS TRIBUNAIS E DOS MEIOS
DE IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS – ART 926 - VARGAS, Paulo S.R.

TITULO I – DA ORDEM DOS PROCESSO E DOS PROCESSOS DE COMPETÊNCIA
ORDINÁRIA DOS TRIBUNAIS – CAPÍTULO I – DISPOSIÇÕES GERAIS
vargasdigitador.blogspot.com

Art 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

§ 1º. Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.

§ 2º. Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

Sem correspondência no CPC/1973.

1.    PRECEDENTE, DECISÃO, JURISPRUDÊNCIA E SÚMULA

O CPC ora analisado, se vale de forma constante das expressões “precedente”, “jurisprudência” e “súmula”, nem sempre da forma mais técnica e adequada. A distinção, entretanto, é essencial.

Precedente é qualquer julgamento que venha a ser utilizado como fundamento de um outro julgamento que venha a ser posteriormente proferido. Dessa forma, sempre que um órgão jurisdicional se valer de uma decisão previamente proferida para fundamentar sua decisão empregando-a como base de tal julgamento, a decisão anteriormente prolatada será considerada um precedente.

Registre-se nesse ponto que nem toda decisão, ainda que proferida pelo tribunal, é um precedente. Uma decisão que não transcender o caso concreto nunca será utilizada como razão de decidir de outro julgamento, de forma que não é considerada um precedente. Por outro lado, uma decisão que se vale de um precedente como razão de decidir naturalmente não pode ser considerada um precedente. Por outro lado, algumas decisões nem tem potencial para serem considerados precedentes, como aquelas que se limitam a aplicar a letra da lei.

Jurisprudência, por sua vez, é o resultado de um conjunto de decisões judiciais no mesmo sentido sobre uma mesma matéria proferida pelos tribunais. É formada por precedentes, vinculantes e persuasivos, desde que venham sendo utilizados como razões do decidir em outros processos, e de meras decisões.

Como se pode notar, o precedente é objetivo, já que se trata de uma decisão específica que venha a ser utilizada como fundamento do decidir em outros processos. Ainda mais o precedente brasileiro, já que no sistema instituído pelo Livro do CPC em vigor, diferente do que ocorre com o precedente do direito anglo-saxão, o julgamento já nasce predestinado a se tornar um precedente vinculante. A jurisprudência, por sua vez, é abstrata, porque não vem materializada de forma objetiva em nenhum enunciado ou julgamento, sendo extraída do entendimento majoritário do tribunal na interpretação e aplicação de uma mesma questão jurídica.

Conforme ensina a melhor doutrina, apenas um precedente já é o suficiente para fundamentar a decisão do processo julgado posteriormente, enquanto a utilização de jurisprudência como razão de decidir exige do julgador a indicação de vários julgados no mesmo sentido. Essa importante distinção deriva justamente do caráter concreto do precedente e abstrato da jurisprudência.

A súmula é uma consolidação objetiva da jurisprudência, ou seja, é a materialização objetiva da jurisprudência. O tribunal, reconhecendo já ter formato um entendimento majoritário a respeito de uma determinada questão jurídica tem o dever de formalizar esse entendimento por meio de um enunciado, dando notícia de forma objetiva de qual é a jurisprudência presente naquele tribunal a respeito da matéria.

Segundo o § 1º do art 926 do CPC, cabe aos regimentos internos dos tribunais a regulamentação da forma e dos pressupostos para a edição de súmulas correspondentes à sua jurisprudência dominante. Nem poderia ser diferente, por se tratar de norma referente ao funcionamento interno do tribunal. A maioria dos tribunais, inclusive, já conta com normas regimentais nesse sentido, o que, claro, não significa que a regulamentação não deva passar por uma reformulação diante da maior relevância dada às súmulas e aos precedentes no novo diploma processual.

A maior preocupação diz respeito à revogação de súmulas com entendimento já superado por superveniência legal ou mesmo por mudança de posicionamento do próprio tribunal que a editou. Não são poucos, infelizmente, os exemplos de verdadeiras “súmulas zumbis”, que continuam entre nós como verdadeiras mortas vivas, há muito já não aplicadas, inclusive e em especial pelos tribunais que as editaram. E assim procedendo os tribunais violam o art 926, caput, do CPC, esfacelando a exigência de que sua jurisprudência seja estável, íntegra e coerente.

Tudo se torna ainda mais dramático se consideramos que o art 927, IV, deste Código dotou de eficácia vinculante os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional. O dispositivo legal realça a relevância de uma revogação dinâmica e constante de entendimentos sumulados ultrapassados. Ainda mais se considerarmos que o novo diploma processual revoga tacitamente dezenas de entendimento consagrados em súmulas dos tribunais superiores, em especial do Superior Tribunal de Justiça.

Concordo com a doutrina que defende a aplicação por analogia à revogação das súmulas do previsto no art 927, § 2º do CPC, devendo tal revogação ser precedida de audiências públicas e a participação do amicus curiae, como forma de preservar o contraditório e legitimar democraticamente a revogação.

Dizendo o óbvio, ainda que nem sempre seja essa a realidade na atuação dos tribunais, inclusive os superiores, o ª 2º do art 926 do CPC prevê ser vedado ao tribunal editar enunciado de súmula que não se atenta às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação. Com a eficácia vinculante que as súmulas passaram a ter, os tribunais devem tomar especial cuidado com a identidade ou ao menos similaridade fática dos precedentes que fundamentam sua edição.

Isso não significa exigir-se a identidade dos fatos presentes nos precedentes, mas uma proximidade suficiente para ensejar a mesma solução jurídica. Assim, por exemplo, é possível sumular o entendimento de que é indenizável o dano moral em razão de incorreto apontamento em cadastros de acesso público de situação de sujeito que nada deve, sendo tal entendimento aplicável tanto ao caso de restrição indevida em cadastros de inadimplentes como em protesto indevido de título.

Entendo que a exigência prevista no art 926, § 2º, do CPC consagra o respeito à ratio decidendi na edição de súmulas de forma que o tribunal deverá considerar os fundamentos principais dos precedentes aplicáveis aos fatos sobre os quais recaíram a aplicação do Direito, só podendo se valer de julgados na edição da súmula que respeitem esse binômio. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.485/1.487.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    JURISPRUDÊNCIA ESTÁVEL, ÍNTEGRA E COERENTE

Nos termos do art 926 do CPC, os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. Trata-se de importante dispositivo legal que corrobora a maior aposta do CPC na criação de um ambiente decisório mais isonômico e previsível, exigindo que os tribunais deem o exemplo. Como se exigir o respeito no aspecto vertical (para órgãos hierarquicamente inferiores) se inexiste respeito no aspecto horizontal (do próprio tribunal)? Afinal, quem não respeita não pode cobrar respeito.

Conforme já teve oportunidade de decidir o Superior Tribunal de Justiça, a jurisprudência variar ao sabor das convicções pessoais dos julgadores, com o próprio tribunal desrespeitando sua jurisprudência, é um desserviço, já que se o próprio tribunal não respeita sua jurisprudência está dando sinal para que os demais órgãos judiciários façam o mesmo (STJ, 2ª Seção, AgRg nos EREsp 593.309/DF, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 26.10.2005, DJe 23.11.2005, p. 154).

Se é verdade que o desrespeito pelos juízos inferiores de entendimentos já consolidados pelos tribunais gera a quebra da isonomia e a insegurança jurídica, tornando o processo uma verdadeira loteria judiciaria, ainda mais grave é a instabilidade presente nos próprios tribunais quanto ao respeito à sua própria jurisprudência.

Ademais, quando os tribunais não respeitam sua própria jurisprudência, ou seja, quando desrespeitam seus entendimentos majoritários, os órgãos hierarquicamente inferiores não sabem qual entendimento aplicar no caso concreto à luz do entendimento do tribunal superior.

Em termos de brincadeira, ainda que o tema seja bastante sério, costuma-se chamar o Superior Tribunal de Justiça de tribunal gerúndio, já que nunca decide ou entende, mas está decidindo ou entendendo, podendo mudar o entendimento a qualquer momento. Ou ainda de tribunal Band News, já que em 20 minutos tudo pode mudar. É a chamada jurisprudência banana boat, expressão que dispensa explicações.

Ao exigir uma jurisprudência estável, íntegra e coerente, o art 926, caput, do CPC busca eliminar a instabilidade nociva dos entendimentos de nossos tribunais, em especial dos superiores, quando o desrespeito aos requisitos exigidos pelo dispositivo legal ora comentado é ainda mais nocivo. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.487/1.488.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

3.    DEVER DE UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

A harmonização dos julgados é essencial para um Estado Democrático de Direito. Tratar as mesmas situações fáticas com a mesma solução jurídica preserva o princípio da isonomia. Além do que a segurança no posicionamento das cortes evita discussões longas e inúteis, permitindo que todos se comportem conforme o Direito. Como ensina a melhor doutrina, a uniformização de jurisprudência atende à segurança jurídica, à previsibilidade, à estabilidade, ao desestímulo à litigância excessiva, à confiança, à igualdade perante a jurisdição, à coerência, ao respeito à hierarquia, à imparcialidade, ao favorecimento de acordos, à economia processual (de processos e de despesas) e à maior eficiência.

Apesar da diferença de funções das Cortes de Justiça (tribunais de segundo grau) e das Cortes Supremas (tribunais de superposição), não concordo com o entendimento doutrinário de que o dever de uniformização seja exclusividade dos tribunais superiores. Ainda que os tribunais de segundo grau possam reexaminar os fatos de demanda, o que é vedado aos tribunais de superposição em razão dos limites do efeito devolutivo dos recursos especial e extraordinário, em qualquer órgão colegiado existe um dever de harmonização de entendimento.

Há um dever jurídico, existindo inúmeras formas de uniformização cabíveis nos tribunais de segundo grau, inclusive de ofício, como ocorre com a instauração pelo próprio tribunal de segundo grau do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e do incidente de assunção de competência (IAC). E mesmo quando provocado por outro legitimado existe o dever de julgar tais incidentes processuais, sendo a uniformização da jurisprudência uma consequência natural de tais julgamentos.

Por outro lado, o dever dos tribunais de editar súmulas correspondentes à sua jurisprudência dominante também é aplicável aos tribunais de segundo grau. Note-se, o tribunal, e essa realidade é mais sentida nos tribunais de segundo grau, não é obrigado a ter uma jurisprudência dominante, porque é possível e por vezes até saudável que ocorra divergência entre seus órgãos na interpretação e aplicação do Direito. Para esses casos pode-se buscar a uniformização por outras formas processuais que não a edição de súmula, como o IRDR e o julgamento de recursos especiais e extraordinários repetitivos. Mas a partir do momento em que o tribunal nota que existe uma jurisprudência dominante, de forma que a maioria de seus componentes e de seus órgãos decide de uma determinada forma a mesma questão fático-jurídica, surge um dever do tribunal em consolidar esse entendimento por meio da edição de uma súmula.

É possível até mesmo falar em dever moral de uniformização de jurisprudência, mas nesse caso o dever não é do tribunal, mas sim de seus componentes individualmente considerados. Caso o desembargador ou ministro perceba que seu entendimento é isolado, poderá se submeter ao entendimento da maioria, ainda que não exista qualquer precedente vinculante ou súmula que o obrigue juridicamente a adotar tal conduta. Trata-se de conduta moralmente elogiável (Enunciado 172 do FPPC: “A decisão que aplica precedentes, com a ressalva de entendimento do julgador, não é contraditória.”), preocupada com a uniformização da jurisprudência e de todos os benefícios advindos dela. Não é situação incomum no dia a dia forense, quando juízes expressam seu entendimento pessoal, mas decidem conforme o entendimento majoritário (STF, Tribunal Pleno, Inq 2.1704/RJ, rel. Min. Rosa Weber, j. 17.10.2012, DJe 27.02.2013; STJ, 5ª Turma, HC 201.589/RJ, rel. Min. Laurita Vaz, j. 26.8.2014; STJ, 6ª Turma, REsp 1.443.385/RS, rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 26.8.2014, DJe 24.11.2014), em respeito ao postulado da colegialidade (STF, 2ª Turma, MS 33.426 AgRg/DF, rel. Min. Celso de Mello, j. 14.4.2015, DJe 11.6.2015; STJ, 5ª Turma, AgRg, no REsp 1.428.174/RS, REL. Min. Felix Fischer, j. 17.9.2015, DJe 24.9.2015). (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.488/1.489.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

4.    JURISPRUDÊNCIA ESTÁVEL

A estabilidade da jurisprudência impede que os tribunais simplesmente abandonem ou modifiquem sem qualquer justificativa plausível (por vezes até mesmo sem qualquer justificativa) seus entendimentos consolidados. Não pode o tribunal, sob pena de violar o princípio da isonomia jurídica e, principalmente, da segurança jurídica, simplesmente deixar de aplicar um entendimento consolidado sem justificativa séria, palatável e devidamente exposta.

Entendo que essa estabilidade funciona como uma regra do autorrespeito (mais comumente chamada de autorreferência), ou seja, o próprio tribunal é obrigado a respeitar a jurisprudência por ele mesmo criada (Enunciado 453 do FPPC: “A estabilidade a que se refere o caput do art 926 consiste no dever de os tribunais observarem os próprios precedentes.”), e esse respeito naturalmente independe do órgão jurisdicional interno, porque uma vez uniformizada a jurisprudência, todos os órgãos internos lhe deverão respeito, inclusive os fracionários (Enunciado 316 do FPPC: “A  estabilidade da jurisprudência do tribunal depende também da observância de seus próprios precedentes, inclusive por seus órgãos fracionários.”).

A exigência de que os tribunais mantenham sua jurisprudência uniformizada estável, entretanto, não cria uma vedação completa para a sua modificação, o que traria indesejável engessamento do Direito. Estável é a jurisprudência que não se altera frequentemente. Mas nesse caso o tribunal tem o dever de fundamentar a modificação de forma específica e adequada, nos termos do art 927, § 4º do CPC, justificando-se porque não aplicará no caso concreto a jurisprudência consolidada. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.489.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

5.    JURISPRUDÊNCIA ÍNTEGRA

Jurisprudência íntegra é aquela construída levando-se em consideração o histórico de decisões proferidas pelo tribunal a respeito da mesma matéria jurídica, ou seja, para se formar uma jurisprudência íntegra devem ser considerados todos os fundamentos rejeitados e acolhidos nos julgamentos que versam sobre a mesma matéria jurídica.

A doutrina vem se valendo da metáfora de Dworkin a respeito da criação do Direito como um romance no qual cada autor escreve um capítulo. Nesse caso, a partir do segundo capítulo, o seu autor terá necessariamente que considerar o(s) anterior(es) para que o romance tenha sentido. Da mesma forma, devem se portar os magistrados nos tribunais: devem julgar sempre levando em conta o histórico institucional a respeito da interpretação e aplicação da norma a situações fático-jurídicas análogas.

Como os órgãos devem considerar sempre os julgamentos anteriores sobre a mesma matéria jurídica, salvo, naturalmente, o órgão que a enfrenta de forma originária, é correto entender-se que uma das dimensões do dever de integridade da jurisprudência “consiste na observância das técnicas de distinção e superação dos precedentes, sempre que necessário para adequar esse entendimento à interpretação contemporânea do ordenamento jurídico” (Enunciado 457 do FPPC). (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.489.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

6.    JURISPRUDÊNCIA COERENTE

A coerência exigida pelo art 926, caput, do CPC é da própria essência da ideia de uniformização de jurisprudência, porque assegura uma aplicação isonômica do entendimento consolidado em casos semelhantes, ou seja, que versem sobre a mesma questão jurídica comum a todos eles (Enunciado 454 do FPPC: “Uma das dimensões da coerência a que se refere o caput do art 926 consiste em os tribunais não ignorarem seus próprios precedentes (dever de autorreferência).”; Enunciado 455 do FPPC: “Uma das dimensões do dever de coerência significa o dever de não contradição, ou seja, o dever de os tribunais não decidirem casos análogos contrariamente às decisões anteriores, salvo distinção ou superação.”). Não há dúvida de que casos análogos devem ter uma mesma interpretação e aplicação do Direito, sendo a coerência exigência pelo dispositivo ora analisado a forma de se garantir tal tratamento isonômico.

Uma jurisprudência coerente impede que os sujeitos envolvidos em situações análogas sejam tratados de forma diferente, o que preserva o princípio da isonomia substancial, impedindo decisões construídas de forma solipsista pelo juiz, formadas a partir de seus entendimentos e valores pessoais (“cada cabeça uma sentença”) postura conhecida como voluntarismo judicial, que na verdade esconde argumentações arbitrárias. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.490.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 924, 925 DA EXTINÇÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO - VARGAS, Paulo. S. R.


CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 924, 925
DA EXTINÇÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO - VARGAS, Paulo. S. R.

LIVRO II – DO PROCESSO DE EXECUÇÃO
 TÍTULO IV – DA SUSPENSÃO E DA EXTINÇÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO
CAPÍTULO II – DA EXTINÇÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO – 924 e 925
vargasdigitador.blogspot.com

Art 924. Extingue-se a execução quando:

I – a petição inicial for indeferida;

II – a obrigação for satisfeita;

III – o executado obtiver, por qualquer outro meio, a extinção total da dívida;

IV – o exequente renunciar ao crédito;

V – ocorrer a prescrição intercorrente.

Correspondência no CPC/1973, art 794, na seguinte ordem e redação:

Art 794. Extingue-se a execução quando:

I – (Referente ao inciso I do art 924, do CPC/2015, ora analisado) sem referência do CPC/1973.

I - (Referente ao inciso II do art 924, do CPC/2015 ora analisado). O devedor satisfaz a obrigação;

II - (Referente ao inciso III do art 924, do CPC/2015 ora analisado). O devedor obtém, por transação ou por qualquer outro meio, a remissão total da dívida;

III - (Referente ao inciso IV do art 924, do CPC/20,15 ora analisado). O credor renunciar ao crédito.

Demais itens sem correspondência no CPC/1973

1.    CAUSAS DE EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO

A extinção da execução, tratada pelos arts 794 e 795 do CPC/1973, vem disposta nos arts 924 e 925 do Livro do CPC, ora analisado. O art 924, prevê as hipóteses de extinção da execução; (I) indeferimento da petição inicial; (II) satisfação da obrigação; (III) extinção total da obrigação por qualquer outro meio que não o pagamento; (IV) renúncia; e (V) prescrição intercorrente. Na realidade, a amplitude da previsão contida no inciso III dispensa as previsões específicas dos incisos IV e V do art 924 do CPC ora comentado. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.482.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).


2.    INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL

Não resta dúvida de que sendo proferida sentença com fundamento no inciso I do art 924, ter-se-á uma sentença terminativa, o que não impedirá ao exequente a repropositura da execução, desde que respeitado o prazo prescricional e que o vício que relou ao indeferimento da petição inicial seja saneado (art 486, § 1º, deste Livro). (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.482.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

3.    SATISFAÇÃO DA OBRIGAÇÃO

Na hipótese de satisfação da obrigação, o exequente necessariamente deve ser intimado para se manifestar a respeito da adequação e/ou suficiência do ato praticado pelo executado (STJ, Corte Especial, REsp 1.143.471/PR, rel. Min Luiz Fux, j. 03/02/2010, DJe 22/02/2010, REsp repetitivo tema 289), entendendo-se que a inércia do exequente permite a presunção de que a obrigação foi integralmente satisfeita e consequentemente a extinção da execução (STJ, 2ª Turma, AgRg no AREsp 11.147/SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 16/08/2011, DJe 23/08/2011). (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.482.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

4.    EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO POR OUTRA FORMA QUE NÃO O PAGAMENTO

O inciso III do dispositivo ora comentado prevê a extinção da obrigação por qualquer outra forma que não o pagamento, devendo nesse caso ser considerado formas atípicas de satisfação da obrigação, como a compensação, novação, consignação em pagamento etc. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.482.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

5.    RENÚNCIA

Havendo a renúncia do direito exequendo por parte do exequente o juiz extinguirá o processo por sentença de mérito, nos termos do art 487, III, “c”, do CPC. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.482.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

6.    PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

Sendo constada a prescrição intercorrente cabe ao juiz extinguir a execução por meio de sentença de mérito, nos termos do art 487, II, deste Livro do CPC. Na realidade, tal espécie de extinção também se aplica à hipótese de ser constada prescrição para a propositura da execução aplicando-se em ambos os casos o entendimento consagrado na Súmula 150/STF, de que o prazo de prescrição da execução é o prazo de prescrição principal, ou seja, o prazo de prescrição para a propositura do processo de conhecimento do qual resultou o título executivo exequendo. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.482/1.483.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

7.    SENTENÇA TERMINATIVA

O legislador manteve a opção já consagrada anteriormente de não prever como causa de extinção da execução as hipóteses de sentença terminativa previstas no art 485 do CPC (art 267 do CPC/1973), nem mesmo com a ressalva de aplicação no que couber. Resta torcer que a omissão do legislador novamente consagrada no rol das causas de extinção do processo faça o Superior Tribunal de Justiça modificar seu entendimento quanto á possibilidade de extinção da execução por abandono do exequente (STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp 1.248.866/RS, rel. Min. Castro Meira, j. 13.09.2011, DJe 27/09/2011). (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.483.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

LIVRO II – DO PROCESSO DE EXECUÇÃO
 TÍTULO IV – DA SUSPENSÃO E DA EXTINÇÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO
CAPÍTULO II – DA EXTINÇÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO – 924 e 925
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Art 925. A extinção só produz efeito quando declarada por sentença.

Correspondência no CPC/1973, art 795 com redação na íntegra.

1.    NATUREZA DA DECISÃO QUE EXTINGUE A EXECUÇÃO

Como todo processo, a execução se extingue pela prolação de sentença, que, dentro da normalidade, se limita a declarar o cumprimento da obrigação e declarar extinta a execução. Trata-se de sentença terminativa já que o mérito executivo não é por ela decidida, de forma a ser cabível para o executado ingressar, após o encerramento da execução, com ação de repetição de indébito se entender que a satisfação se deu de obrigação existente, o que será obstado somente se tiverem sido julgados embargos à execução no mérito (STJ, 4ª Turma, AgRg no AREsp 976.08/MG, rel. Min. Raul Araújo, j. 17/10/2013, DJe 04/12/2013).

Nem sempre esse ato jurisdicional parece ser uma sentença, sendo corriqueiro na praxe forense nesse caso que o juiz se limite a dar o julgado como cumprido (STJ, 1ª Turma, REsp 1.079.372/RJ, rel. Min. Luiz Fux, j. 25/11/2008, DJe 15/12/2008) ou determine o arquivamento dos autos (STJ, 4ª Turma, AgRg no Ag 1.160.413/DF, rel. Min. Raul Araújo, j. 12/06/2012, DJe 27/06/2012). (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.483.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    RECURSO CABÍVEL

Em qualquer hipótese o ato será uma sentença, recorrível por apelação, salvo na hipótese do art 34 da Lei 6.830/1980, quando será cabível o recurso de embargos infringentes para o próprio juízo prolator da sentença (STJ, 3ª Turma, EDcl no REsp 1.487.437/MA, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 16.04/2015, DJe 04/05/2015), não sendo aplicável no caso o princípio da fungibilidade recursal (STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp 1.461.742/RS, rel. Min. Assusete Magalhães, j. 18/06/2015, DJe 01/07/2015). (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.483.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).