terça-feira, 29 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 175, 176, 177 - Da Anulabilidade do Negócio Jurídico, VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 175, 176, 177 -
Da Anulabilidade do Negócio Jurídico,
VARGAS, Paulo S. R. 

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo V –
Da Invalidade do Negócio Jurídico
 - vargasdigitador.blogspot.com

Art 175. A confirmação expressa, ou a execução voluntária de negócio anulável, nos termos dos arts 172 a 174, importa a extinção de todas as ações, ou exceções, de que contra ele dispusesse o devedor. 1

1.        Efeitos da confirmação do negócio jurídico anulável

Por meio da confirmação do negócio jurídico, extingue-se a possibilidade de sua anulação. Nada muda quanto aos efeitos do negócio jurídico que antes era anulável e foi confirmado. O negócio sempre produziu regularmente seus efeitos e continuará produzindo eficazmente até sua completa execução. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 28.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Art 176. Quando a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiro, será validado se este a der posteriormente.1

1.        Ausência de autorização de terceiro

Nos casos em que a lei exige a autorização de um terceiro para a prática de determinado negócio jurídico, sua ausência acarretará a anulabilidade desse negócio. É o que acontece, por exemplo, para que um cônjuge possa alienar ou gravar com ônus real um bem imóvel, o que apenas é possível com a autorização do outro cônjuge (CC, art 1.647, I). Tal defeito, contudo, pode ser suprido pela anuência posterior desse terceiro, sanando o defeito e tornando o ato perfeito. Lembre-se, nesse sentido, que a prova da anuência ou autorização deve ser feita da mesma forma como se faz a prova do próprio ato, havendo, inclusive uma “preferencia” legal para que a anuência ou a autorização seja aposta no próprio instrumento em que o ato tenha sido formalizado (CC, art 220). (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 28.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Art 177. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de ofício; só os interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade.1, 2, 3, 4

1.        Regime de anulabilidade

Da mesma forma que ocorre com a nulidade, uma vez anulado o negócio jurídico deixa ele de produzir efeitos, impondo-se que retornem as partes ao status quo ante. Isso significa que tanto a nulidade quanto a anulabilidade tem efeitos retroativos (ex tunc). O artigo 182 do Código Civil é expresso quanto a esse efeito da anulabilidade. Como decorrência dos interesses tutelados (particulares meramente ou de ordem pública), a diferença está apenas nos legitimados, na forma e no modo em que se pode alegar um e outro defeito do negócio jurídico. A nulidade pode ser alegada por qualquer interessado, pelo Ministério Público ou mesmo reconhecida de ofício (art 168). Já a anulabilidade apenas pode ser alegada pelos interessados (CC, art 177). A nulidade é reconhecida por meio de sentença declaratória, a anulabilidade é situação jurídica nova, criada por meio de sentença constitutiva. Uma vez declarada, mesmo que arguida por apenas um interessado, a nulidade atinge a todos. A anulabilidade, por sua vez, aproveita apenas a quem a invocou, salvo nos casos de solidariedade ou indivisibilidade. A nulidade não pode ser confirmada nem se convalida pelo decurso do tempo, já a anulabilidade pode. Além disso, a ação declaratória de nulidade é imprescritível, enquanto que a ação constitutiva anulatória fica sujeita à decadência.

2.        Eficácia ex tunc da anulabilidade

Diante da expressão presente no artigo 177, segundo a qual “a anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença”, boa parte da doutrina passou a defender que a ação constitutiva que reconhecia a anulabilidade dos negócios jurídicos teria eficácia apenas para o futuro (ex nunc), não podendo retroagir (Francisco Amaral, Caio Mario, Nestor Duarte, Silvio Venosa). Tal afirmação, contudo, não parece correta. Tanto a nulidade quanto a anulabilidade têm efeitos retroativos (ex tunc). O artigo 182 do Código Civil é expresso ao dizer que “anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam”. Em função disso, parece acertada a posição da doutrina que entende que essa expressão atualmente presente no artigo 182 do Código Civil refere-se genericamente a todos os casos de anulabilidade do negócio jurídico, alcançando tanto as hipóteses de nulidade quanto de anulabilidade (Humberto Theodoro Júnior, Álvaro Vilaça Azevedo, Pontes de Miranda, Gustavo Tepedino, Washington de Barros Monteiro). Ao afirmar que “a anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença”, o legislador não pareceu atribuir à anulabilidade uma eficácia ex nunc. Em momento algum isso é dito. Referido dispositivo diz apenas que os efeitos da anulabilidade (sem precisar quais seriam esses efeitos) apenas se verificariam depois de julgada por sentença, impondo ao juiz apenas que respeitasse a eficácia do negócio jurídico enquanto sua anulação não fosse definitivamente reconhecida por sentença. Vale mencionar, contudo, que a jurisprudência é bastante dividida quanto aos efeitos da anulação, havendo diversas decisões reconhecendo tanto sua eficácia ex tunc, quanto sua eficácia ex nunc (TJ-SP, apelação n. 0000858-69.2010.8.26.0458, rel. Des. Milton Carvalho, j. 28.06.12, e TJ-MS, embargo de declaração n. 2012.001348-2, rel. Des. Rubens Bergonzi bossay, j. 22.5.12).

3.        Liminares em ações constitutivas de anulação

A afirmação de que “a anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença” foi causa ainda de outra divergência da doutrina e da jurisprudência, relativa à possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela das ações que pedem a anulação de negócios jurídicos. Afinal de contas, a literalidade dessa afirmação leva á conclusão de que antes de proferida sentença, efeito algum da anulação poderia ser obtido, o que impediria completamente a antecipação dos efeitos da tutela. Há inclusive, posições mais rigorosas defendendo que a anulação apenas poderia produzir efeitos após o trânsito em julgado (Nelson Nery Júnior). Eis, nesse sentido, um precedente muito bem fundamentado do Tribunal de Justiça de São Paulo que bem sintetiza essa posição: “Deveras, segundo dispõe o artigo 177, do Novo Código Civil, “a anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença”. Significa isso que a desconstituição do ato jurídico não pode ser provisória. Pretendem os agravados a anulação da escritura pública de constituição da união estável e consequentemente, o cancelamento do benefício previdenciário concedido à agravante, na condição de companheira do falecido, filho dos agravados. Ocorre que “a antecipação da tutela não se harmoniza com a finalidade da ação declaratória e não se ajusta á natureza da ação constitutiva” (João Batista Lopes, “Tutela Antecipada e o art 273 do CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, artigo 305 A petição inicial da ação que visa a prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Parágrafo único. Caso entenda que o pedido a que se refere o caput tem natureza antecipada, o juiz observará o disposto no artigo 303. VD, in “Aspectos polêmicos da antecipação de tutela”, RT, 1977, p. 210). “É que a constituição ou desconstituição não pode ser provisória (vg., não posso anular provisoriamente uma escritura ou um casamento)”. “Diz-se-á que a antecipação pode ser total ou parcial de modo que, sem desconstituir propriamente o ato, é possível suspender seus efeitos (sua eficácia)”. “Contudo, a suspensão dos efeitos do ato não se insere no campo das ações constitutivas, revestindo-se de caráter nitidamente cautelar”. “E, em relação à situação exposta, já dispúnhamos de medida adequada (medida cautelar inominada, idem, ibidem)”. É também esse o pensamento de Teori Albino Zavascki, para quem “é incabível antecipar simplesmente efeitos declaratórios ou constitutivos”. “Antecipação da tutela e colisão de direitos fundamentais”, in “Reforma do Código de Processo Civil – Coordenação Ministro Sálvio de figueiredo Teixeira”, Saraiva, 1996, p. 158)” (TJ-SP, Ag. Insti. N. 578.436-4/5-00, rel. Des. Ariovaldo Santini Teodoro, j. 19.8.08). Não é esse todavia, o entendimento que tem prevalecido. De modo bastante peremptório, já disse o superior Tribunal de Justiça que: “a Tutela Antecipada e o art 273 do CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, artigo 305 A petição inicial da ação que visa a prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Parágrafo único. Caso entenda que o pedido a que se refere o caput tem natureza antecipada, o juiz observará o disposto no artigo 303.VD, in “Aspectos polêmicos da antecipação de tutela” (STJ, Ag. Reg. na MC n. 4.205-MG, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 18.12.01).

4.     A anulabilidade aproveita apenas a quem a alegar, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade.

Uma vez que o instituto da anulabilidade visa apenas a tutelar os interesses particulares da parte interessada, é lógico e coerente que a eficácia subjetiva do provimento jurisprudencial que a reconhece fique limitado àquele que a alegou. Todavia, nos casos de indivisibilidade do objeto do negócio jurídico, impõe-se um tratamento uniforme e unitário a todos os interessados. Por essa razão, excetua-se esse limite próprio do regime de anulabilidade permitindo que a anulação aproveite a todos os interessados. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 28.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 172, 173, 174 - Da Anulabilidade do Negócio Jurídico, VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 172, 173, 174 -
Da Anulabilidade do Negócio Jurídico,
VARGAS, Paulo S. R.
 
Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo V –
Da Invalidade do Negócio Jurídico
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Art 172. O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro. 1, 2

Da anulabilidade

Quando a ofensa atinge o interesse particular de pessoas que o legislador pretendeu proteger, sem estar em jogo interesses sociais, faculta-se a estas, se o desejarem, promover a anulação do ato. Trata-se de negócio anulável, que será considerado válido se o interessado se conformar com os seus efeitos e não o atacar, nos prazos legais, ou o confirmar.

Anulabilidade visa, pois, à proteção do consentimento ou refere-se à incapacidade do agente. Segundo Francisco Amaral, sua razão de ser “está na proteção que o direito dispensa aos interesses particulares. Depende da manifestação judicial. Diversamente do negócio jurídico nulo, o anulável produz efeitos até ser anulado em ação, para a qual são legitimados os interessados no ato, i.é, as pessoas prejudicadas e em favor de quem o ato se deve tornar ineficaz. (Direito civil, cit., p. 519, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 475 - pdf – parte geral).

A anulabilidade, por não concernir a questão de interesse geral, de ordem pública, como a nulidade, é prescritível e admite confirmação, como forma de sanar o defeito que a macula. A confirmação não poderá, entretanto, ser efetivada se prejudicar terceiro (CC, art 172). Seria a hipótese, por exemplo, da venda de imóvel feita por relativamente incapaz, sem estar assistido, e que o vendeu também a terceiro, assim que completou a maioridade. Neste caso, não poderá confirmar a primeira alienação, para não prejudicar os direitos do segundo adquirente.

1.        Confirmação do negócio jurídico anulável

Uma vez que a anulabilidade volta-se à proteção única e exclusiva da pessoa prejudicada pelo defeito do negócio jurídico, cuja essencialidade tem por objeto um conteúdo disponível, nada obsta que essa pessoa possa renunciar ao seu direito de buscar a anulação do negócio jurídico, conferindo-lhe plena validade ao confirma-lo. Negar-lhe essa possibilidade afrontaria o próprio caráter individual e disponível da anulabilidade. Por meio da confirmação, não se forma um novo negócio jurídico, mas apenas aperfeiçoa-se um negócio defeituoso que já existia. Acertadamente a doutrina qualifica a confirmação do negócio jurídico como um negócio jurídico autônomo e unilateral. É negócio jurídico autônomo já que a pessoa emite uma declaração de vontade voltada a produção de um específico e determinado efeito jurídico (a confirmação do negócio jurídico preexistente). E é unilateral já que a produção desses efeitos independente de qualquer aquiescência da outra parte do negócio. Para a confirmação do negócio jurídico é necessário que a pessoa tenha validamente condições jurídicas de praticar o negócio de convalidação. Como é até mesmo intuitivo, não pode o relativamente incapaz convalidar o negócio jurídico anulável justamente em função dessa condição de relativamente incapaz. Tal convalidação apenas será válida se emitida após atingir a maioridade. Além disso, é necessário ainda que o negócio de confirmação tenha a substância do negócio celebrado e a vontade expressa de mantê-lo (CC, art 173), admitindo-se, contudo, sua confirmação tácita caracterizada quando o negócio já tenha sido cumprido em parte pelo devedor, ciente do vício que o inquinava (CC, art 174).

2.        Efeitos da confirmação do negócio jurídico

Uma vez validamente confirmado o negócio jurídico anulável, extinguem-se todas as ações fundadas nessa causa de anulação (CC, art 175). O negócio jurídico torna-se perfeito como se o defeito jamais tivesse existido. A lei expressamente põe a salvo, contudo, eventuais direitos de terceiros que possam ser prejudicados por sua confirmação. Basta imaginar um imóvel alienado por um relativamente incapaz que, após atingir a maioridade o aliena novamente prometendo a esse terceiro que irá buscar anulação da primeira venda. Em tal caso, eventual confirmação da primeira venda não poderá prejudicar os direitos desse terceiro que adquiriu o imóvel. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 27.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Art 173. O ato de confirmação deve conter a substância do negócio celebrado e a vontade expressa de mantê-lo .1

Diferenças entre nulidade e anulabilidade

A primeira (a) é decretada no interesse privado da pessoa prejudicada. Nela não se vislumbra o interesse público, mas a mera conveniência das partes. A segunda é de ordem pública e decretada no interesse da própria coletividade. (b) A anulabilidade pode ser suprida pelo juiz, a requerimento das partes (CC, art 168), parágrafo único, a contrario sensu), ou sanada, expressa ou tacitamente, pela confirmação (art 172). Quando da anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiros, será validado se este a der posteriormente (art 176). A nulidade não pode ser sanada pela confirmação, nem suprida pelo juiz. O Código civil atual, para atender à melhor técnica, substituiu “ratificação” por “confirmação”.

A confirmação pode ser expressa ou tácita e retroage à data do ato. Expressa quando há uma de declaração de vontade que contenha a substância do negócio celebrado, sendo necessário que a vontade de mantê-lo seja explícita (art 173), devendo observar a mesma forma do ato praticado. Tácita quando a obrigação já foi cumprida em parte pelo devedor, ciente do vício que a inquinava (art 174), ou quando deixa consumar-se a decadência de seu direito. Expressa ou tácita, importa a extinção de todas as ações, ou exceções de que dispusesse o devedor contra o negócio anulável (art 175).

A confirmação não poderá, entretanto, ser efetivada se prejudicar terceiro (CC, art 172). Seria hipótese, por exemplo, da venda de imóvel feita por relativamente incapaz, sem estar assistido, e que o vendeu também a terceiro, assim que completou a maioridade. Neste caso, não poderá confirmar a primeira alienação, para não prejudicar os direitos do segundo adquirente. (c) a Anulabilidade não pode ser pronunciada de ofício. Depende de provocação dos interessados (CC, art 177) e não opera antes de julgada por sentença. O efeito de seu reconhecimento é, portanto, ex nunc. A nulidade, ao contrário, deve ser pronunciada de ofício pelo juiz (CC, art 168, parágrafo único) e seu efeito é ex tunc, pois retroage à data do negócio, para lhe negar efeitos. A manifestação judicial neste caso é, então, de natureza meramente declaratória.

Na anulabilidade, a sentença é de natureza desconstitutiva, pois o negócio anulável vai produzindo efeitos, até ser pronunciada a sua invalidade. A anulabilidade, assim deve ser pleiteada em ação judicial. A nulidade quase sempre opera de pleno direito e deve ser pronunciada de ofício pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e a encontrar provada (art 168, parágrafo único). Somente se justifica a propositura de ação para esse fim quando houver controvérsia sobre os fatos constitutivos da nulidade (dúvida sobre a existência da própria nulidade). Se tal não ocorre, ou seja, se ela consta do instrumento, ou se há prova literal, o juiz a pronuncia de ofício. (d) A anulabilidade só pode ser alegada pelos interessados, isto é, pelos prejudicados (o relativamente incapaz e o que manifestou vontade viciada), sendo que os seus efeitos aproveitam apenas aos que a alegaram, salvo o caso de solidariedade, ou indivisibilidade (CC, art 177). A nulidade pode ser alegada por qualquer interessado, em nome próprio, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir, em nome da sociedade que representa (CC, art 168), caput).

O menor, entre 16 e 18 anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, espontaneamente declarou-se maior (CC, art 180), perdendo, por isso, a proteção da lei. (e) Ocorre a decadência da anulabilidade em prazos mais ou menos curtos. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato (CC, art 179). Negócio nulo não se valida com o decurso do tempo, nem é suscetível de confirmação (CC, art 169). Mas a alegação do direito pode esbarrar na usucapião consumada em favor do terceiro. (f) O negócio anulável produz efeitos até o momento em que é decretada a sua invalidade. O efeito dessa decretação é, pois, ex nunc (natureza desconstitutiva). O ato nulo não produz nenhum efeito (quod nullum est nullum producit effectum). O pronunciamento judicial de nulidade produz efeitos ex tunc, i.é, desde o momento da emissão da vontade (natureza declaratória).

Deve-se ponderar, porém, que a afirmação de que o ato nulo não produz nenhum efeito não tem um sentido absoluto e significa, na verdade, que é destituído dos efeitos que normalmente lhe pertencem. Isto porque, algumas vezes, determinadas consequências emanam do ato nulo, como ocorre no casamento putativo. Outras vezes, a venda nula não acarreta a transferência do domínio, mas vale como causa justificativa da posse de boa-fé. No direito processual, a citação nula por incompetência do juiz interrompe a prescrição e constitui o devedor em mora (CPC/1973, art 219, com correspondência no CPC/2015, art 240).

Durante a vigência do Código Civil de 1916 divergiam os doutrinadores no tocante à prescrição dos negócios nulos, em virtude da inexistência de regra expressa a respeito. Enquanto alguns defendiam a imprescritibilidade, outros entendiam que a prescrição se consuma no prazo máximo previsto no art 177 do aludido diploma, que era de vinte anos.

O Código Civil de 2002, todavia, declara expressamente a imprescritibilidade do negócio jurídico nulo no art 169, com o seguinte teor: “O negócio jurídico nulo não é  suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”. Portanto, afastadas as dúvidas, não cabe mais nenhuma discussão a respeito desse assunto. Mas, como oportunamente ressalvado a alegação do direito pode esbarrar na usucapião consumada em favor do terceiro. (Direito Civil Comentado – A Parte Geral, Roberto Gonçalves, v. I, p. 476-478, 2010 Saraiva – São Paulo).

1.        Confirmação expressa do negócio jurídico anulável

Para que o negócio jurídico de confirmação seja válido e tenha aptidão de convalidar o negócio jurídico anulável, é necessário que contenha a substância do negócio celebrado e a vontade expressa de mantê-lo. Ou seja, é necessária a menção e individualizada de qual negócio jurídico que se pretende ratificar, não pairando dúvida alguma ao negócio jurídico que é objeto da confirmação. Note-se que não há nenhuma exigência de forma a ser observada para a confirmação do negócio jurídico. Assim, por exemplo, nada impede que a confirmação seja feita para ratificar um contrato por escrito. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 27.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Art 174. É escusada a confirmação expressa, quando o negócio ojá foi cumprido em parte pelo devedor, ciente do vício que o inquinava. 1

1.        Confirmação tácita do negócio jurídico anulável

Não é só pela confirmação expressa que se pode ratificar um negócio jurídico anulável. Admite a lei que isso seja feito de forma tácita pelo devedor que teria interesse em pleitear a anulação do negócio jurídico. Para tanto, basta que o devedor, após inequivocamente estar ciente do vício que inquinava o negócio jurídico o tenha cumprido ainda que parcialmente. Todavia, mesmo a confirmação tácita apenas pode ser feita por aquele que tenha plena capacidade negocial para praticar o ato de confirmação. Assim, por exemplo, o relativamente incapaz que, ciente do vício cumprir parcialmente o negócio não o estará confirmando por inequívoca ausência de capacidade para tanto. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 27.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

domingo, 27 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 169, 170, 171 - Da invalidade do Negócio Jurídico, Diferenças entre nulidade e anulabilidade VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 169, 170, 171 -
Da invalidade do Negócio Jurídico,
Diferenças entre nulidade e anulabilidade
VARGAS, Paulo S. R. 

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo V –
Da Invalidade do Negócio Jurídico
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Art 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo. 1, 2

Diferenças entre nulidade e anulabilidade, segundo preleção de Roberto Gonçalves:

a)    Grosso modo, a nulidade é decretada no interesse privado da pessoa prejudicada. Nela não se vislumbra o interesse público, mas a mera conveniência das partes. A anulabilidade é de ordem pública e decretada no interesse da própria coletividade.

b)    A anulabilidade pode ser suprida pelo juiz, a requerimento das partes (CC, art 168, parágrafo único, a contrario sensu), ou sanada, expressa ou tacitamente, pela confirmação (art 172). Quando a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiro, será validade se este a der posteriormente (art 176). A nulidade não ode ser sanada pela confirmação, nem suprida pelo juiz. O Código Civil atual, para atender à melhor técnica, substituiu o termo “ratificação”, por “confirmação”.

A confirmação pode ser expressa ou tácita e retroage à data do ato. Expressa quando há uma declaração de vontade que contenha a substância do negócio celebrado, sendo necessário que a vontade de mantê-lo seja explícita (art 173), devendo observar a mesma forma do ato praticado. Tácita quando a obrigação já foi cumprida em parte pelo devedor, ciente do vício que a inquinava (art 174), ou quando deixa consumar-se a decadência de seu direito. Expressa ou tácita, importa a extinção de todas as ações, ou exceções, de que dispusesse o devedor contra o negócio anulável (art 175).

A confirmação não poderá, entretanto, ser efetivada se prejudicar terceiro (CC, art 172). Seria a hipótese, por exemplo, da venda de imóvel feita por relativamente incapaz, sem estar assistido, e que o vendeu também a terceiro, assim que completou a maioridade. Neste caso, não poderá confirmar a primeira alienação, para não prejudicar os direitos do segundo adquirente.

c)    A anulabilidade não pode ser pronunciada de ofício. Depende de provocação dos interessados (CC, art 177) e não opera antes de julgada por sentença. O efeito de seu reconhecimento é, portanto, ex nunc. A nulidade, ao contrário, deve ser pronunciada de ofício pelo juiz (CC, art 168, parágrafo único) e seu efeito é ex tunc, pois retroage à data do negócio, para lhe negar efeitos. A manifestação judicial neste caso é, então, de natureza meramente declaratória.

Na anulabilidade, a sentença é de natureza desconstitutiva, pois o negócio anulável vai produzindo efeitos, até ser pronunciada a sua invalidade. A anulabilidade, assim deve ser pleiteada em ação judicial. A nulidade quase sempre opera de pleno direito e deve ser pronunciada de ofício pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e a encontrar provada (art 168, parágrafo único). Somente se justifica a propositura de ação para esse fim quando houver controvérsia sobre os fatos constitutivos da nulidade (dúvida sobre a existência da própria nulidade). Se tal não ocorre, ou seja, se ela consta do instrumento, ou se há prova literal, o juiz a pronuncia de ofício.

d)    A anulabilidade só pode ser alegada pelos interessados, i.e, pelos prejudicados (o relativamente incapaz e o que manifestou vontade viciada), sendo que os seus efeitos aproveitam apenas aos que a alegaram, salvo o caso de solidariedade, ou indivisibilidade (CC, art 177). A nulidade pode ser alegada por qualquer interessado, em nome próprio, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir, em nome da sociedade que representa (CC, art 168, caput).
O menor, entre 16 e 18 anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, espontaneamente declarou-se maior (CC, art 180), perdendo, por isso, a proteção da lei.
e)    Ocorre a decadência da anulabilidade em prazos mais ou menos curtos. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato (CC, art 179). Negócio nulo não se valida com o decurso do tempo, nem é suscetível de confirmação (CC, art 169). Mas a alegação do direito pode esbarrar na usucapião consumada em favor do terceiro.
f)     O negócio anulável produz efeitos até o momento em que é decretada a sua invalidade. O efeito dessa decretação é, pois, ex nunc (natureza desconstitutiva). O ato nulo não produz nenhum efeito (quod nullum este nullum producit effectum). O pronunciamento judicial de nulidade produz efeitos ex tunc, i.é, desde o momento da emissão da vontade (natureza declaratória).
Deve-se ponderar, porém, que a afirmação de que o ato nulo não produz nenhum efeito não tem um sentido absoluto e significa, na verdade, que é destituído dos efeitos que normalmente lhe pertencem. Isto porque, algumas vezes, determinadas consequências emanam do ato nulo, como ocorre no casamento putativo. Outras vezes, a venda nula não acarreta a transferência do domínio, mas vale como causa justificativa da posse de boa-fé. No direito processual, a citação nula por incompetência do juiz interrompe a prescrição e constitui o devedor em mora (CPC/1973, art 219, com correspondência no CPC/2015, art 240).
Durante a vigência do Código Civil de 1916 divergiam os doutrinadores no tocante à prescrição dos negócios nulos, em virtude da inexistência de regra expressa a respeito. Enquanto alguns defendiam a imprescritibilidade, outros entendiam que a prescrição se consuma no prazo máximo previsto no art 177 do aludido diploma, que era de vinte anos.
 O Código Civil de 2002, todavia, declara expressamente a imprescritibilidade do negócio jurídico nulo no art 169, com o seguinte teor: “O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”. Portanto, afastadas as dúvidas, não cabe mais nenhuma discussão a respeito desse assunto. Mas, como oportunamente ressalvado a alegação do direito pode esbarrar na usucapião consumada em favor do terceiro. (Direito Civil Comentado – A Parte Geral, Roberto Gonçalves, v. I, p. 476-478, 2010 Saraiva – São Paulo).

1.        Consequências do negócio jurídico nulo

Justamente pelo fato de que o interesse em reconhecer a nulidade absoluta dos negócios jurídicos extrapola a vontade das partes, sendo de toda a sociedade é que o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo. Em outras palavras, não podem as partes buscar suprir posteriormente, sua nulidade buscando legitimar esse negócio jurídico. É o que impede, por exemplo, que o negócio jurídico seja objeto de novação (CC, art 367). Do mesmo modo, o decurso do tempo não faz convalescer o negócio jurídico nulo, impedindo que as partes ou interessados possam alegar ou buscar a declaração dessa nulidade. Como regra geral, o negócio jurídico absolutamente nulo não cria, extingue ou modifica nenhuma situação jurídica, razão pela qual situação alguma precisa ser desconstituída. Basta a mera declaração de que o negócio jurídico padece de nulidade absoluta. Sabendo-se, pois, que a ação declaratória é imprescritível, impõe-se reconhecer que o negócio jurídico absolutamente nulo será sempre absolutamente nulo e, sempre que houver interesse jurídico em sua declaração, poderá o Poder Judiciário assim se pronunciar sem os óbices da prescrição. Importante, todavia, remeter ao comentário n. 2 ao artigo 189 para que essa imprescritibilidade seja bem compreendida. É apenas a ação declaratória pura que é imprescritível, todas as pretensões que possam derivar de um negócio jurídico, ainda que absolutamente nulo, ficam inequivocamente sujeitas à prescrição. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 26.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

2.        Testamentos nulos

Exceção legal a essa regra de que o negócio jurídico absolutamente nulo não se convalesce pelo decurso do tempo se encontra no artigo 1.859 do Código Civil que trata dos testamentos. Diz referido dispositivo que “extingue-se em cinco anos o direito de impugnar a validade do testamento, contado o prazo da data do seu registro”. Em tais situações, portanto, mesmo padecendo de alguma nulidade absoluta, passado esse prazo de cinco anos a validade do testamento não poderá mais ser questionada e o testamento deverá ser cumprido. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 26.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Art 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade. 1

1.        Conversão do negócio jurídico nulo

Por meio da conversão do negócio jurídico, permite-se que seja atribuída uma nova qualificação jurídica válida ao suporte fático existente, em substituição à qualificação jurídica nula. Não se trata de convalidar o negócio jurídico nulo. O que há é a mera substituição do negócio jurídico nulo por outro válido. Para que isso possa ocorrer, entretanto, é necessário que (a) o negócio jurídico nulo contenha todos os requisitos de outro, (b) que esses requisitos sejam todos válidos, de modo a permitir a formação de outro negócio jurídico, válido em sua inteireza e que (c) se possa supor que, no momento da celebração do negócio jurídico nulo, as partes teriam querido celebra o negócio jurídico em que se pretende converter o negócio nulo se houvessem previsto a nulidade. Como se pode antever, a maior dificuldade será a de caracterizar a presença desse terceiro requisito. Isso porque a conversão do negócio jurídico não poderá interferir na vontade das partes, levando-as a se vincular a um negócio jurídico que não iriam querer, tão somente porque é possível enquadrar o suporte fático nesse diferente negócio jurídico. É o que ocorreria, por exemplo, com uma tentativa de converter uma compra e venda em um contrato de doação diante da nulidade de uma cláusula que estipule o pagamento em moeda estrangeira. É necessário que se preserve a finalidade econômica, ou seja, os resultados úteis almejados pelas partes. Exemplo bastante feliz em que se permite aplicar a conversão dos negócios jurídicos nulos, dado por Nestor Duarte, é a da conversão do contrato de compra e venda de imóvel de valor superior a trinta salários mínimos por instrumento particular. Apesar da nulidade absoluta dessa compra e venda por inobservância da forma prescrita em lei (escritura pública – CC, arts 108 e 166, IV), é possível preservar a finalidade econômica pretendida pelas partes convertendo esse negócio jurídico em uma promessa de compra e venda de bem imóvel, para o qual o Código Civil não exige forma especial (CC, art 462). (1) (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 26.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
 (1)      Código Civil Comentado, doutrina e jurisprudência, 6ª ed., Barueri, Manole, 2012, p. 132
 Art 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: 1, 2
 I – por incapacidade relativa do agente;
 II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

1.        Anulabilidade do negócio jurídico

Diferentemente do que ocorrem com as nulidades absolutas, que afetam toda a ordem jurídica e social, as nulidades relativas são defeitos do negócio jurídico que atingem apenas os interesses particulares das pares. São defeitos que não causam tanta repulsa social e que o legislador reputou serem de menor gravidade, merecendo, pois, uma menor reprimenda. Por serem pertinentes apenas às partes, as causas de anulabilidade dos negócios jurídicos não obstam, imediatamente, que o negócio jurídico deixe de produzir efeitos, impondo que a parte interessada provoque seu reconhecimento.

2.        Hipóteses de anulabilidade

Dispõe o artigo 171 que o negócio jurídico será anulável (a) nos casos expressamente declarados em lei (caput), (b) quando celebrado por relativamente incapaz (inciso I) ou (c) por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores (inciso II). A nulidade pode ser inferida pela violação de preceitos legais ou pela prática de atos expressamente vedados por lei. Em tais situações, sequer é necessário que a lei expressamente mencione a consequência da nulidade para que ela possa ser reconhecida. A anulabilidade, por sua vez, deve decorrer sempre e explicitamente da lei. Se não houver previsão legal expressa reconhecendo a anulabilidade do negócio jurídico diante de algum defeito, não será o caso de anulabilidade. É o que ocorre, por exemplo, com os relativamente incapazes. O relativamente incapaz não se encontra impedido de praticar negócios jurídicos por si só. Na incapacidade relativa há uma mera limitação em sua plena capacidade de discernimento, o que lhe permite externar sua vontade, ainda que mediante uma notória situação de fragilidade frente às demais pessoas. Por essa razão, essa situação de fragilidade lhe permite anular o ato que tenha praticado, desde que não o faça por má-fé (CC, art 180). Além disso, os vícios de vontade e os defeitos sociais do negócio jurídico (erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores) também importam em sua anulabilidade, conforme expressamente estabelece o inciso II do artigo 171. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 26.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

sábado, 26 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 166, 167, 168 - Da invalidade do Negócio Jurídico VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 166, 167, 168 -
Da invalidade do Negócio Jurídico
VARGAS, Paulo S. R. 

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo V –
Da Invalidade do Negócio Jurídico
 - vargasdigitador.blogspot.com

Art 166. É nulo o negócio jurídico quando: 1

I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz; 2

II – for ilícito, impossível o indeterminável o seu objeto; 3

III – o motivo determinante, comum e ambas as partes, for ilícito; 4

IV – não revestir a forma prescrita em lei; 5

V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade: 6

VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa; 7

VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.8

1.        Invalidade do negócio jurídico

Genericamente, os defeitos do negócio jurídico acarretam sua invalidade. A invalidade do negócio jurídico é um gênero que compreende tanto a anulabilidade (CC, art 171), quanto a nulidade (CC, art 166) do negócio jurídico. Conforme bem sintetizado por Humberto Theodoro Júnior, “a diferença entre elas não é de substância, mas apenas de intensidade ou grau”. (1) Sendo considerado grave o defeito do negócio jurídico, maior será a intensidade de sua invalidade, o que significa dizer que o negócio jurídico será nulo e não produzirá efeitos. Inversamente, sendo de menor gravidade o defeito que macula o negócio jurídico, será ele considerado anulável, o que corresponde a uma intensidade menor de invalidade, hipóteses que se admite que o negócio jurídico será nulo produza efeitos até que seja anulável. Não existe regra dogmática ou conceitual que fixe uma rígida distinção entre os casos de nulidade e de anulabilidade. É o legislador, inspirado pelos valores da sociedade que irá determinar a intensidade da gravidade do defeito do negócio jurídico e se o negócio jurídico será nulo ou anulável. Basta ver que na vigência do Código Civil de 1916 a simulação era considerada como caso de mera anulabilidade do negócio jurídico e, no Código atual leva à nulidade do negócio jurídico (CC, art 167). Inversamente, a venda feita de ascendente a descendente sem a anuência dos demais descendentes, ou a venda sem outorga uxória, que antes eram consideradas nulas, atualmente, são meramente anuláveis (CC, arts 496 e 1.649).

2.        Negócio jurídico celebrado por absolutamente incapaz

Diante da ausência de discernimento e de capacidade cognitiva necessária à plena compreensão das consequências e implicações dos atos civis, os absolutamente incapazes não podem, por si sós, externar validamente sua vontade. Se a vontade negocial é necessariamente dirigida à realização dos efeitos jurídicos pretendidos, é até mesmo intuitiva a necessária compreensão desses efeitos jurídicos. Não se pode admitir que alguém possa querer realizar um negócio jurídico se sequer compreende o que é esse negócio jurídico. Como consequência, os atos praticados por um absolutamente incapaz serão nulos.

3.        Objeto ilícito, impossível ou indeterminável

Diz o artigo 104 do Código Civil que a validade do negócio jurídico requer “objeto lícito, possível, determinado ou determinável”. Contudo, referido dispositivo é omisso quanto às consequências da desatenção a esse requisito. Coube ao artigo 166, II dizer que o negócio jurídico com objeto ilícito, impossível ou indeterminável será nulo.

4.        Motivo determinante, comum a ambas as partes.

Conceitualmente, o motivo deve ser entendido como os efeitos particulares subjetivamente almejados por cada um dos contratantes. (2) Quem celebra um contrato de compra e venda de uma determinada área, por exemplo, pode vir a celebrá-lo pra futuramente nela construir uma casa. A causa (função concreta) desse contrato de compra e venda é, sempre e independentemente da vontade das partes, a troca da coisa pelo preço; o motivo desse contrato de compra e venda, por sua vez, é subjetivo, podendo variar de pessoa para pessoa, e pode sequer ser conhecido daquele que vendeu a área (construção de uma casa, posterior arrendamento, revenda etc.). Diferentemente do que ocorre com a causa, o motivo, como regra, não tem relevância jurídica. Trata-se, como é até mesmo intuitivo, de uma exigência de segurança jurídica nas relações interpessoais, as quais ficariam seriamente comprometidas caso se permitisse que os aspectos puramente subjetivos e individuais (variáveis e na maioria das vezes sequer conhecidos pelo outro contratante) pudessem comprometer a eficácia e validade dos negócios jurídicos. Todavia, esses motivos subjetivos podem tornar-se juridicamente relevantes quando forem comum a ambas as partes e forem determinantes pra a celebração do negócio. Francisco Paulo de Crescenzo Marino ilustra o conceito de motivo juridicamente relevante com um interessantes exemplo. Imagine-se um indivíduo que, movido pela intenção de presentear um amigo, dirige-se a uma loja e adquire um utensílio doméstico, informando ao vendedor a intenção com que efetuara tal compra. Em tal hipótese, mesmo havendo conhecimento por parte da loja vendedora do motivo que levou o indivíduo a adquirir tal utensílio o motivo permanece sem relevância jurídica alguma. Mesmo que o conhecimento da loja vendedora acerca da intenção do comprador de presentear o amigo tivesse determinado alguns aspectos da contratação como, por exemplo, a inclusão de um cupom de troca, uma embalagem para presente ou ainda o compromisso de entregar no domicílio do amigo presenteado, ainda assim não se poderia caracterizar o motivo como juridicamente relevante. Esse motivo de presentear o amigo, entretanto, poderia tornar-se juridicamente relevante caso tivesse sido adquirido como presente de casamento em uma loja incumbida de elaborar uma lista de presentes para os noivos. Neste caso, tendo em vista que os vendedores incrementam suas vendas com esse tipo de serviço, a intenção de presentear acaba por influenciar o próprio vínculo sinalagmático, adquirindo, com isso, relevância jurídica. (3) Nos casos em que os motivos adquirirem relevância jurídica, sua licitude torna-se um requisito essencial de validade dos negócios e sua eventual ilicitude levará à nulidade do negócio jurídico.

5.        Inobservância de forma prevista em lei

Como regra geral, vige no direito brasileiro o princípio da liberdade das formas, a qual reputa válida todos os meios de exteriorização da vontade. Em alguns casos, porém, a lei exige determinada forma específica para a validade do ato. Em tais hipóteses, a inobservância dessa forma levará a nulidade do negócio (CC, art 166, IV).

6.        Preterição de solenidade que a lei considere essencial para a sua validade

Nem toda solenidade se refere à forma do negócio jurídico. No caso do casamento, por exemplo, exige o legislador que a cerimonia se realize em local que fique de portas abertas durante todo o ato (CC, art 1.534). Outros negócios jurídicos cuja validade dependem de solenidades específicas são os testamentos (CC, arts 1.862 e ss). Em tais casos, a inobservância de tais solenidades expressamente previstas em lei acarreta a nulidade do negócio jurídico.

7.        Negócio jurídico com objetivo de fraudar lei imperativa

Deve-se entender a expressão lei imperativa, como todo preceito legal que não possa ser afastado pela vontade das partes. Deparando-se contra uma vedação legal presente em lei imperativa, frequentemente tentam as partes desviar-se de tais vedações por meio de vias transversas. Evidentemente, entretanto, não se pode permitir que as partes firmem negócios jurídicos com esse escopo desvirtuado de fraudar lei imperativa, hipótese que naturalmente leva à nulidade dos negócios jurídicos. Tome-se, por exemplo, uma recente tentativa que algumas concessionárias de energia elétrica de doação fizeram de condicionar a prestação dos serviços de distribuição de energia elétrica para alguns proprietários de redes particulares de doação dessas redes. Diante da liberalidade que deve marcar toda doação, os tribunais passaram a entender que a imposição desse tipo de condição caracterizaria uma tentativa de fraudar essa disposição imperativa que deve qualificar as doações (TJ-SP, Apel. n. 0035586-73.2010.8.26.0576, rel. Des. Maury Bottesini, j. 3.10.12).

8.        Nulidade do negócio jurídico expressa na lei

Por fim, outros casos bastante evidentes de nulidade são as que se referem a disposições específicas em que o próprio legislador expressamente assim estabelece. É o que ocorre, por exemplo, no contrato de compra e venda em que o arbítrio do preço cabe a apenas uma das partes (CC, art 489), ou no contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro (CC, art 762). Nem sempre, contudo, o legislador expressamente mencionará a nulidade do negócio jurídico como consequência. E isso não é necessário. Basta que o legislador tenha proibido sua prática para que a nulidade seja a consequência a ser imposta. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 24.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

(1) Humberto Theodoro Júnior, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Comentários ao Código Civil: das pessoas, (arts 138 a 184) Vol. III, Rio de Janeiro, Forense, 2010, p. 422.
(2)      Enzo Roppo, O contrato, p. 199.
(3)     Francisco Paulo De Crescenzo Marino, Contratos coligados no direito brasileiro, p. 161.

Na balada de Roberto Gonçalves, a expressão “Da inviabilidade do negócio jurídico”, abrange a nulidade e a anulabilidade do negócio jurídico. É emprega para designar o negócio que não produz os efeitos desejados pelas partes, o qual será classificado pela forma supramencionada de acordo com o grau de imperfeição verificado.

O Código Civil de 2002 deixou de lado, assim, a denominação utilizada pelo diploma de 1916, que era “Das nulidades”.

O Citado Código não acolheu a distinção entre anulabilidade e rescindibilidade, sugerida pelo Professor Couto e Silva (que pretendia, nos artigos relativos ao estado de perito e lesão, a mudança da expressão anulável por rescindível), por entender o legislador que não há razão de fundo para sua adoção. Justificou Moreira Alves: “Estabelecendo o Código Civil brasileiro atual (de 1916) – princípio que foi mantido no Anteprojeto – que a fraude contra credores é vício que acarreta a anulabilidade, seria incoerente considerar a lesão e o estado de perigo – vícios da manifestação de vontade que se aproximam do dolo e da coação – causas de rescindibilidade. Preferi, portanto, não introduzir no nosso direito essa distinção, que surgiu na França por motivos históricos e em termos diversos dos atuais. (A Parte Geral do Projeto de Código Civil brasileiro, p. 118, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 470 - pdf – parte geral).

Também não seguiu o novo Código Civil a tricotomia existência-validade-eficácia do negócio jurídico, destacada particularmente por Pontes de Miranda. O ato válido, mas sujeito a termo ou condição suspensiva, não se reveste de eficácia imediata, visto que somente após o implemento do termo ou da condição terá possibilidade de produzir o efeito desejado pelas partes.

Não foram aceitas, porém as sugestões para que, após o capítulo referente aos defeitos do negócio jurídico, se abrisse um específico para a condição, termo e encargo, com a denominação “Da eficácia dos negócios jurídicos”. Optou-se por considerar tais institutos como auto limitações da vontade, disciplinando-os depois de se estabelecerem os requisitos de validade do negócio jurídico e de se tratar de dois aspectos ligados à manifestação de vontade: a interpretação do negócio jurídico e a representação. (José Carlos Moreira Alves, A Parte Geral, cit., p. 101, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 470 - pdf – parte geral).

Art 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. 1, 2

§ 1º. Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: 3

I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

§ 2º. Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.

1.        Negócio jurídico simulado

No negócio jurídico simulado, as partes fingem, encenam, aparentam realizar um negócio jurídico que, em verdade, não existe. Nele, as partes propositadamente e conscientemente manifestam a vontade de realizar um negócio jurídico cujos efeitos não são verdadeiramente queridos, mas que são manifestados apenas e tão somente para encobrir sua verdadeira intenção. São elementos essenciais da simulação (a) uma divergência intencional entre a vontade declarada e a vontade real de ambas as partes; (b) um acordo simulatório (ou contradeclaração), conhecido apenas pelas partes, por meio da qual se convenciona que o negócio jurídico simulado não as vinculará verdadeiramente, mas que servirá apenas para assim aparentar aos olhos de terceiros; (c) o escopo de enganar esses terceiros que não conheceram o verdadeiro conteúdo do negócio. É grande a inovação prática e conceitual do instituto da simulação trazida pelo Código Civil de 2002. Considerava o Código Civil de 1916 que apenas a simulação fraudulenta era causa de anulabilidade do negócio jurídico. A simulação inocente, feita sem o objetivo de fraudar a lei ou terceiros não tinha consequência alguma. A má-fé, essa intencional vontade de prejudicar terceiros ou de violar disposição de lei era requisito essencial à caracterização da simulação, não mais presente na sistemática do atual Código Civil nesse sentido é o enunciado n. 152 da III Jornada de Direito Civil: “toda simulação, inclusive a inocente, é invalidante”.

2.        Simulação absoluta e relativa

Na simulação absoluta as partes enganosamente manifestam sua vontade de realizar um negócio jurídico tão somente para enganar terceiros, não havendo intenção real de manifestar nenhum negócio jurídico válido. Costuma-se afirmar que na simulação absoluta dois são os negócios jurídicos existente. O negócio jurídico aparente, desprovido de qualquer conteúdo real e o acordo simulatório, por meio do qual as partes convencionam que esse negócio aparente verdadeiramente não produzirá efeito algum. Ao contrário, na simulação relativa, as partes fingem realizar um negócio jurídico que não querem que serve de fachada para encobrir o verdadeiro negócio jurídico desejado. Na simulação relativa, existem, portanto, três negócios jurídicos. O negócio jurídico aparente (ou simulado), desprovido de qualquer conteúdo real, o negócio jurídico real (ou dissimulado), cujo conteúdo é o verdadeiramente querido pelas partes e o acordo simulatório, por meio do qual as partes convencionam que o negócio jurídico aparente não terá eficácia verdadeira alguma e que o negócio real é que verdadeiramente obrigará as partes. A distinção mostra-se importante diante das consequências expressamente atribuídas à simulação pelo legislador. Diz o caput do artigo 167 que “é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma”. Por essa razão, na simulação relativa, apenas o negócio simulado será nulo, o negócio jurídico dissimulado, sendo válido em sua forma e substância será válido e vinculará normalmente as partes. Por sua vez, na simulação absoluta, negócio jurídico real algum haverá para que se reconheça a validade.

3.        Hipóteses de simulação

As hipóteses de simulação mencionadas pelo § 1º do artigo 167 são meramente exemplificativas, tendo sido positivadas pelo legislador apenas e tão somente por serem hipóteses bastante corriqueiras em que as partes recorrem ao artifício da simulação. É o que ocorre quando os negócios jurídicos ‘aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem” (inciso I). É o que a doutrina costuma chamar de simulação subjetiva, em que a pessoa verdadeiramente beneficiada ou obrigada pelo negócio jurídico não corresponde a real pessoa do negócio. Humberto Theodoro Júnior exemplifica com o pai que quer vender um imóvel ao filho sem o consentimento dos demais. Em razão disso, simula vender o imóvel a um terceiro que posteriormente irá vende-lo ao filho. (1)  Substancialmente (simulação objetiva), é corrente que as pessoas firmem negócios jurídicos que contêm “declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira” (Inciso II). O exemplo mais corriqueiro desse tipo de simulação ocorre em compra e venda de imóveis, em que as partes avençam um preço muito inferior, visando, com isso, lesar o fisco recolhendo impostos substancialmente inferiores. Além disso, ocorre ainda simulação objetiva quando os “instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados” (inciso III). Isso ocorre frequentemente para fraudar credores, cônjuges, ou sócios etc. Por meio de tal expediente, as partes simulam ter o negócio jurídico sido realizado fora do período em que seria devida alguma prestação de contas, meação ou haveres evitando, com isso, que esses terceiros prejudicados aufiram parte dos benefícios desse negócio jurídico. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 25.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Pegando carona com Roberto Gonçalves, vê-se que Simulação é uma declaração falsa, enganosa, da vontade, visando aparentar negócio diverso do efetivamente desejado. Ou, na definição de Clóvis, “é uma declaração enganosa da vontade, visando produzir efeito diverso do ostensivamente indicado.” (Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, 6. ed., 1940, art 102, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 481 - pdf – parte geral).

Simular significa fingir, enganar. Negócio simulado, assim, é o que tem aparência contrária à realidade. A simulação é produto de um conluio entre os contratantes, visando obter efeito diverso daquele que o negócio aparenta conferir. Não é vício do consentimento, pois não atinge a vontade em sua formação. É uma desconformidade consciente da declaração, realizada de comum acordo com a pessoa a quem se destina, com o objetivo de engar terceiros ou fraudar a lei. (Francisco Amaral, Direito civil, cit., p. 494-495, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 481 - pdf – parte geral).

Trata-se, em realidade, de vício social. A causa simulandi tem as mais diversas procedências e finalidades. Ora visa a burlar a lei, especialmente a de ordem pública, ora a fraudar o Fisco, ora a prejudicar a credores, ora até a guardar em reserva determinado negócio. A multifária gama de situações que pode abranger e os seus nefastos efeitos levaram o legislador a deslocar a simulação do capítulo concernente aos defeitos do negócio jurídico para o da invalidade, como causa de nulidade.

Como ilustra Washington de Barros Monteiro, urde-se a simulação com mais frequência do que se pensa; com ela tropeçamos a todo instante, sob as roupagens mais diferentes. Não só na vida social, como também na judicial e na extrajudicial ela é comum. Nos repertórios de jurisprudência numerosas as alusões a dívidas forjadas e a atos simulados, sobre os quais juízes e tribunais são chamados a se pronunciar.

Extrajudicialmente, aduz o mestre, testemunham-se atos como ocultação do verdadeiro preço da coisa no contrato de compra e venda, antedata de documento, realização de negócio jurídico mediante interposição de pessoa, sonegação. Como bem diz Cunha Gonçalves, “encontra-se na simulação toda a gama de motivos, desde o extremo do escrúpulo de consciência até o da absoluta falta de escrúpulos”. (Tratado de direito civil, v. 1, p. 217-218, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 482 - pdf – parte geral).

Art 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir. 1

Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.

1.        Nulidade absoluta é questão de ordem pública

Os negócios jurídicos absolutamente nulos não afrontam apenas os interesses das partes contratantes. Toda a ordem jurídica e social seria atingida se houvesse qualquer tipo de conivência ou cumplicidade do Poder Judiciário com sua realização. Por essa razão, as nulidades absolutas podem ser alegadas por qualquer interessado ou pelo próprio Ministério Público quando lhe couber intervir. Podem ainda as nulidades absolutas serem declaras pelo juiz independentemente de qualquer provocação (ex officio) das partes, interessados do Ministério Público, desde que, contudo, seja provocado a conhecer do negócio jurídico ou de seus efeitos e a nulidade se encontrar provada. Além disso, não sendo apenas os interesses das partes contratantes que se busca preservar com a declaração de nulidade dos negócios jurídicos nulos, pouco importa a vontade das partes de eventualmente preservar sua validade, sendo vedado ao juiz suprir a nulidade mesmo que a requerimento das partes. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 25.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Simulação e institutos afins

A simulação distingue-se dos demais defeitos do negócio jurídico.

No erro, o agente tem uma falsa noção do objeto da relação e se engana sozinho. Diz-se que a divergência entre a vontade declarada e o íntimo querer do agente é espontânea.

No dolo, o prejudicado é maliciosamente induzido em erro. Não bastasse, participa diretamente das negociações, enquanto na simulação participam somente os simuladores. A vítima é lesada, sem integrar a relação jurídica simulada.

Na coação, o coacto é forçado, mediante grave ameaça, a praticar o ato ou celebrar o negócio. Na simulação, todavia, há um acordo de vontades, com o escopo de enganar terceiros.

Difere ainda a simulação da reserva mental, pela fato de nesta não existir um acordo entre as partes para enganar terceiros, apenas uma declaração não conforme à sua vontade para o fim de enganar o declaratário. (Francisco Amaral, Direito civil, cit. p. 496, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 487 - pdf – parte geral).

Ressalte-se que o Código Civil português manda aplicar, quando o declaratário conhece a reserva, o regime da simulação, considerando nula a declaração. No sistema do atual Código Civil brasileiro, porém, configura-se a hipótese de ausência de vontade, considerando-se inexistente o negócio jurídico (art 110).

A simulação distingue-se também do estado de perigo, que decorre da necessidade do agente de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano, levando-o a assumir obrigação excessivamente onerosa.

Não se confunde, igualmente, com a lesão, que se configura quando alguém obtém um lucro exagerado, aproveitando-se da inexperiência ou da situação de necessidade do outro contratante. Nos dois últimos vícios do consentimento, a vítima participa diretamente do negócio, o que não sucede na simulação. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 488 - pdf – parte geral).