domingo, 27 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 169, 170, 171 - Da invalidade do Negócio Jurídico, Diferenças entre nulidade e anulabilidade VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 169, 170, 171 -
Da invalidade do Negócio Jurídico,
Diferenças entre nulidade e anulabilidade
VARGAS, Paulo S. R. 

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo V –
Da Invalidade do Negócio Jurídico
 - vargasdigitador.blogspot.com

Art 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo. 1, 2

Diferenças entre nulidade e anulabilidade, segundo preleção de Roberto Gonçalves:

a)    Grosso modo, a nulidade é decretada no interesse privado da pessoa prejudicada. Nela não se vislumbra o interesse público, mas a mera conveniência das partes. A anulabilidade é de ordem pública e decretada no interesse da própria coletividade.

b)    A anulabilidade pode ser suprida pelo juiz, a requerimento das partes (CC, art 168, parágrafo único, a contrario sensu), ou sanada, expressa ou tacitamente, pela confirmação (art 172). Quando a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiro, será validade se este a der posteriormente (art 176). A nulidade não ode ser sanada pela confirmação, nem suprida pelo juiz. O Código Civil atual, para atender à melhor técnica, substituiu o termo “ratificação”, por “confirmação”.

A confirmação pode ser expressa ou tácita e retroage à data do ato. Expressa quando há uma declaração de vontade que contenha a substância do negócio celebrado, sendo necessário que a vontade de mantê-lo seja explícita (art 173), devendo observar a mesma forma do ato praticado. Tácita quando a obrigação já foi cumprida em parte pelo devedor, ciente do vício que a inquinava (art 174), ou quando deixa consumar-se a decadência de seu direito. Expressa ou tácita, importa a extinção de todas as ações, ou exceções, de que dispusesse o devedor contra o negócio anulável (art 175).

A confirmação não poderá, entretanto, ser efetivada se prejudicar terceiro (CC, art 172). Seria a hipótese, por exemplo, da venda de imóvel feita por relativamente incapaz, sem estar assistido, e que o vendeu também a terceiro, assim que completou a maioridade. Neste caso, não poderá confirmar a primeira alienação, para não prejudicar os direitos do segundo adquirente.

c)    A anulabilidade não pode ser pronunciada de ofício. Depende de provocação dos interessados (CC, art 177) e não opera antes de julgada por sentença. O efeito de seu reconhecimento é, portanto, ex nunc. A nulidade, ao contrário, deve ser pronunciada de ofício pelo juiz (CC, art 168, parágrafo único) e seu efeito é ex tunc, pois retroage à data do negócio, para lhe negar efeitos. A manifestação judicial neste caso é, então, de natureza meramente declaratória.

Na anulabilidade, a sentença é de natureza desconstitutiva, pois o negócio anulável vai produzindo efeitos, até ser pronunciada a sua invalidade. A anulabilidade, assim deve ser pleiteada em ação judicial. A nulidade quase sempre opera de pleno direito e deve ser pronunciada de ofício pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e a encontrar provada (art 168, parágrafo único). Somente se justifica a propositura de ação para esse fim quando houver controvérsia sobre os fatos constitutivos da nulidade (dúvida sobre a existência da própria nulidade). Se tal não ocorre, ou seja, se ela consta do instrumento, ou se há prova literal, o juiz a pronuncia de ofício.

d)    A anulabilidade só pode ser alegada pelos interessados, i.e, pelos prejudicados (o relativamente incapaz e o que manifestou vontade viciada), sendo que os seus efeitos aproveitam apenas aos que a alegaram, salvo o caso de solidariedade, ou indivisibilidade (CC, art 177). A nulidade pode ser alegada por qualquer interessado, em nome próprio, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir, em nome da sociedade que representa (CC, art 168, caput).
O menor, entre 16 e 18 anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, espontaneamente declarou-se maior (CC, art 180), perdendo, por isso, a proteção da lei.
e)    Ocorre a decadência da anulabilidade em prazos mais ou menos curtos. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato (CC, art 179). Negócio nulo não se valida com o decurso do tempo, nem é suscetível de confirmação (CC, art 169). Mas a alegação do direito pode esbarrar na usucapião consumada em favor do terceiro.
f)     O negócio anulável produz efeitos até o momento em que é decretada a sua invalidade. O efeito dessa decretação é, pois, ex nunc (natureza desconstitutiva). O ato nulo não produz nenhum efeito (quod nullum este nullum producit effectum). O pronunciamento judicial de nulidade produz efeitos ex tunc, i.é, desde o momento da emissão da vontade (natureza declaratória).
Deve-se ponderar, porém, que a afirmação de que o ato nulo não produz nenhum efeito não tem um sentido absoluto e significa, na verdade, que é destituído dos efeitos que normalmente lhe pertencem. Isto porque, algumas vezes, determinadas consequências emanam do ato nulo, como ocorre no casamento putativo. Outras vezes, a venda nula não acarreta a transferência do domínio, mas vale como causa justificativa da posse de boa-fé. No direito processual, a citação nula por incompetência do juiz interrompe a prescrição e constitui o devedor em mora (CPC/1973, art 219, com correspondência no CPC/2015, art 240).
Durante a vigência do Código Civil de 1916 divergiam os doutrinadores no tocante à prescrição dos negócios nulos, em virtude da inexistência de regra expressa a respeito. Enquanto alguns defendiam a imprescritibilidade, outros entendiam que a prescrição se consuma no prazo máximo previsto no art 177 do aludido diploma, que era de vinte anos.
 O Código Civil de 2002, todavia, declara expressamente a imprescritibilidade do negócio jurídico nulo no art 169, com o seguinte teor: “O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”. Portanto, afastadas as dúvidas, não cabe mais nenhuma discussão a respeito desse assunto. Mas, como oportunamente ressalvado a alegação do direito pode esbarrar na usucapião consumada em favor do terceiro. (Direito Civil Comentado – A Parte Geral, Roberto Gonçalves, v. I, p. 476-478, 2010 Saraiva – São Paulo).

1.        Consequências do negócio jurídico nulo

Justamente pelo fato de que o interesse em reconhecer a nulidade absoluta dos negócios jurídicos extrapola a vontade das partes, sendo de toda a sociedade é que o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo. Em outras palavras, não podem as partes buscar suprir posteriormente, sua nulidade buscando legitimar esse negócio jurídico. É o que impede, por exemplo, que o negócio jurídico seja objeto de novação (CC, art 367). Do mesmo modo, o decurso do tempo não faz convalescer o negócio jurídico nulo, impedindo que as partes ou interessados possam alegar ou buscar a declaração dessa nulidade. Como regra geral, o negócio jurídico absolutamente nulo não cria, extingue ou modifica nenhuma situação jurídica, razão pela qual situação alguma precisa ser desconstituída. Basta a mera declaração de que o negócio jurídico padece de nulidade absoluta. Sabendo-se, pois, que a ação declaratória é imprescritível, impõe-se reconhecer que o negócio jurídico absolutamente nulo será sempre absolutamente nulo e, sempre que houver interesse jurídico em sua declaração, poderá o Poder Judiciário assim se pronunciar sem os óbices da prescrição. Importante, todavia, remeter ao comentário n. 2 ao artigo 189 para que essa imprescritibilidade seja bem compreendida. É apenas a ação declaratória pura que é imprescritível, todas as pretensões que possam derivar de um negócio jurídico, ainda que absolutamente nulo, ficam inequivocamente sujeitas à prescrição. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 26.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

2.        Testamentos nulos

Exceção legal a essa regra de que o negócio jurídico absolutamente nulo não se convalesce pelo decurso do tempo se encontra no artigo 1.859 do Código Civil que trata dos testamentos. Diz referido dispositivo que “extingue-se em cinco anos o direito de impugnar a validade do testamento, contado o prazo da data do seu registro”. Em tais situações, portanto, mesmo padecendo de alguma nulidade absoluta, passado esse prazo de cinco anos a validade do testamento não poderá mais ser questionada e o testamento deverá ser cumprido. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 26.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Art 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade. 1

1.        Conversão do negócio jurídico nulo

Por meio da conversão do negócio jurídico, permite-se que seja atribuída uma nova qualificação jurídica válida ao suporte fático existente, em substituição à qualificação jurídica nula. Não se trata de convalidar o negócio jurídico nulo. O que há é a mera substituição do negócio jurídico nulo por outro válido. Para que isso possa ocorrer, entretanto, é necessário que (a) o negócio jurídico nulo contenha todos os requisitos de outro, (b) que esses requisitos sejam todos válidos, de modo a permitir a formação de outro negócio jurídico, válido em sua inteireza e que (c) se possa supor que, no momento da celebração do negócio jurídico nulo, as partes teriam querido celebra o negócio jurídico em que se pretende converter o negócio nulo se houvessem previsto a nulidade. Como se pode antever, a maior dificuldade será a de caracterizar a presença desse terceiro requisito. Isso porque a conversão do negócio jurídico não poderá interferir na vontade das partes, levando-as a se vincular a um negócio jurídico que não iriam querer, tão somente porque é possível enquadrar o suporte fático nesse diferente negócio jurídico. É o que ocorreria, por exemplo, com uma tentativa de converter uma compra e venda em um contrato de doação diante da nulidade de uma cláusula que estipule o pagamento em moeda estrangeira. É necessário que se preserve a finalidade econômica, ou seja, os resultados úteis almejados pelas partes. Exemplo bastante feliz em que se permite aplicar a conversão dos negócios jurídicos nulos, dado por Nestor Duarte, é a da conversão do contrato de compra e venda de imóvel de valor superior a trinta salários mínimos por instrumento particular. Apesar da nulidade absoluta dessa compra e venda por inobservância da forma prescrita em lei (escritura pública – CC, arts 108 e 166, IV), é possível preservar a finalidade econômica pretendida pelas partes convertendo esse negócio jurídico em uma promessa de compra e venda de bem imóvel, para o qual o Código Civil não exige forma especial (CC, art 462). (1) (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 26.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
 (1)      Código Civil Comentado, doutrina e jurisprudência, 6ª ed., Barueri, Manole, 2012, p. 132
 Art 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: 1, 2
 I – por incapacidade relativa do agente;
 II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

1.        Anulabilidade do negócio jurídico

Diferentemente do que ocorrem com as nulidades absolutas, que afetam toda a ordem jurídica e social, as nulidades relativas são defeitos do negócio jurídico que atingem apenas os interesses particulares das pares. São defeitos que não causam tanta repulsa social e que o legislador reputou serem de menor gravidade, merecendo, pois, uma menor reprimenda. Por serem pertinentes apenas às partes, as causas de anulabilidade dos negócios jurídicos não obstam, imediatamente, que o negócio jurídico deixe de produzir efeitos, impondo que a parte interessada provoque seu reconhecimento.

2.        Hipóteses de anulabilidade

Dispõe o artigo 171 que o negócio jurídico será anulável (a) nos casos expressamente declarados em lei (caput), (b) quando celebrado por relativamente incapaz (inciso I) ou (c) por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores (inciso II). A nulidade pode ser inferida pela violação de preceitos legais ou pela prática de atos expressamente vedados por lei. Em tais situações, sequer é necessário que a lei expressamente mencione a consequência da nulidade para que ela possa ser reconhecida. A anulabilidade, por sua vez, deve decorrer sempre e explicitamente da lei. Se não houver previsão legal expressa reconhecendo a anulabilidade do negócio jurídico diante de algum defeito, não será o caso de anulabilidade. É o que ocorre, por exemplo, com os relativamente incapazes. O relativamente incapaz não se encontra impedido de praticar negócios jurídicos por si só. Na incapacidade relativa há uma mera limitação em sua plena capacidade de discernimento, o que lhe permite externar sua vontade, ainda que mediante uma notória situação de fragilidade frente às demais pessoas. Por essa razão, essa situação de fragilidade lhe permite anular o ato que tenha praticado, desde que não o faça por má-fé (CC, art 180). Além disso, os vícios de vontade e os defeitos sociais do negócio jurídico (erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores) também importam em sua anulabilidade, conforme expressamente estabelece o inciso II do artigo 171. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 26.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

sábado, 26 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 166, 167, 168 - Da invalidade do Negócio Jurídico VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 166, 167, 168 -
Da invalidade do Negócio Jurídico
VARGAS, Paulo S. R. 

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo V –
Da Invalidade do Negócio Jurídico
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Art 166. É nulo o negócio jurídico quando: 1

I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz; 2

II – for ilícito, impossível o indeterminável o seu objeto; 3

III – o motivo determinante, comum e ambas as partes, for ilícito; 4

IV – não revestir a forma prescrita em lei; 5

V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade: 6

VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa; 7

VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.8

1.        Invalidade do negócio jurídico

Genericamente, os defeitos do negócio jurídico acarretam sua invalidade. A invalidade do negócio jurídico é um gênero que compreende tanto a anulabilidade (CC, art 171), quanto a nulidade (CC, art 166) do negócio jurídico. Conforme bem sintetizado por Humberto Theodoro Júnior, “a diferença entre elas não é de substância, mas apenas de intensidade ou grau”. (1) Sendo considerado grave o defeito do negócio jurídico, maior será a intensidade de sua invalidade, o que significa dizer que o negócio jurídico será nulo e não produzirá efeitos. Inversamente, sendo de menor gravidade o defeito que macula o negócio jurídico, será ele considerado anulável, o que corresponde a uma intensidade menor de invalidade, hipóteses que se admite que o negócio jurídico será nulo produza efeitos até que seja anulável. Não existe regra dogmática ou conceitual que fixe uma rígida distinção entre os casos de nulidade e de anulabilidade. É o legislador, inspirado pelos valores da sociedade que irá determinar a intensidade da gravidade do defeito do negócio jurídico e se o negócio jurídico será nulo ou anulável. Basta ver que na vigência do Código Civil de 1916 a simulação era considerada como caso de mera anulabilidade do negócio jurídico e, no Código atual leva à nulidade do negócio jurídico (CC, art 167). Inversamente, a venda feita de ascendente a descendente sem a anuência dos demais descendentes, ou a venda sem outorga uxória, que antes eram consideradas nulas, atualmente, são meramente anuláveis (CC, arts 496 e 1.649).

2.        Negócio jurídico celebrado por absolutamente incapaz

Diante da ausência de discernimento e de capacidade cognitiva necessária à plena compreensão das consequências e implicações dos atos civis, os absolutamente incapazes não podem, por si sós, externar validamente sua vontade. Se a vontade negocial é necessariamente dirigida à realização dos efeitos jurídicos pretendidos, é até mesmo intuitiva a necessária compreensão desses efeitos jurídicos. Não se pode admitir que alguém possa querer realizar um negócio jurídico se sequer compreende o que é esse negócio jurídico. Como consequência, os atos praticados por um absolutamente incapaz serão nulos.

3.        Objeto ilícito, impossível ou indeterminável

Diz o artigo 104 do Código Civil que a validade do negócio jurídico requer “objeto lícito, possível, determinado ou determinável”. Contudo, referido dispositivo é omisso quanto às consequências da desatenção a esse requisito. Coube ao artigo 166, II dizer que o negócio jurídico com objeto ilícito, impossível ou indeterminável será nulo.

4.        Motivo determinante, comum a ambas as partes.

Conceitualmente, o motivo deve ser entendido como os efeitos particulares subjetivamente almejados por cada um dos contratantes. (2) Quem celebra um contrato de compra e venda de uma determinada área, por exemplo, pode vir a celebrá-lo pra futuramente nela construir uma casa. A causa (função concreta) desse contrato de compra e venda é, sempre e independentemente da vontade das partes, a troca da coisa pelo preço; o motivo desse contrato de compra e venda, por sua vez, é subjetivo, podendo variar de pessoa para pessoa, e pode sequer ser conhecido daquele que vendeu a área (construção de uma casa, posterior arrendamento, revenda etc.). Diferentemente do que ocorre com a causa, o motivo, como regra, não tem relevância jurídica. Trata-se, como é até mesmo intuitivo, de uma exigência de segurança jurídica nas relações interpessoais, as quais ficariam seriamente comprometidas caso se permitisse que os aspectos puramente subjetivos e individuais (variáveis e na maioria das vezes sequer conhecidos pelo outro contratante) pudessem comprometer a eficácia e validade dos negócios jurídicos. Todavia, esses motivos subjetivos podem tornar-se juridicamente relevantes quando forem comum a ambas as partes e forem determinantes pra a celebração do negócio. Francisco Paulo de Crescenzo Marino ilustra o conceito de motivo juridicamente relevante com um interessantes exemplo. Imagine-se um indivíduo que, movido pela intenção de presentear um amigo, dirige-se a uma loja e adquire um utensílio doméstico, informando ao vendedor a intenção com que efetuara tal compra. Em tal hipótese, mesmo havendo conhecimento por parte da loja vendedora do motivo que levou o indivíduo a adquirir tal utensílio o motivo permanece sem relevância jurídica alguma. Mesmo que o conhecimento da loja vendedora acerca da intenção do comprador de presentear o amigo tivesse determinado alguns aspectos da contratação como, por exemplo, a inclusão de um cupom de troca, uma embalagem para presente ou ainda o compromisso de entregar no domicílio do amigo presenteado, ainda assim não se poderia caracterizar o motivo como juridicamente relevante. Esse motivo de presentear o amigo, entretanto, poderia tornar-se juridicamente relevante caso tivesse sido adquirido como presente de casamento em uma loja incumbida de elaborar uma lista de presentes para os noivos. Neste caso, tendo em vista que os vendedores incrementam suas vendas com esse tipo de serviço, a intenção de presentear acaba por influenciar o próprio vínculo sinalagmático, adquirindo, com isso, relevância jurídica. (3) Nos casos em que os motivos adquirirem relevância jurídica, sua licitude torna-se um requisito essencial de validade dos negócios e sua eventual ilicitude levará à nulidade do negócio jurídico.

5.        Inobservância de forma prevista em lei

Como regra geral, vige no direito brasileiro o princípio da liberdade das formas, a qual reputa válida todos os meios de exteriorização da vontade. Em alguns casos, porém, a lei exige determinada forma específica para a validade do ato. Em tais hipóteses, a inobservância dessa forma levará a nulidade do negócio (CC, art 166, IV).

6.        Preterição de solenidade que a lei considere essencial para a sua validade

Nem toda solenidade se refere à forma do negócio jurídico. No caso do casamento, por exemplo, exige o legislador que a cerimonia se realize em local que fique de portas abertas durante todo o ato (CC, art 1.534). Outros negócios jurídicos cuja validade dependem de solenidades específicas são os testamentos (CC, arts 1.862 e ss). Em tais casos, a inobservância de tais solenidades expressamente previstas em lei acarreta a nulidade do negócio jurídico.

7.        Negócio jurídico com objetivo de fraudar lei imperativa

Deve-se entender a expressão lei imperativa, como todo preceito legal que não possa ser afastado pela vontade das partes. Deparando-se contra uma vedação legal presente em lei imperativa, frequentemente tentam as partes desviar-se de tais vedações por meio de vias transversas. Evidentemente, entretanto, não se pode permitir que as partes firmem negócios jurídicos com esse escopo desvirtuado de fraudar lei imperativa, hipótese que naturalmente leva à nulidade dos negócios jurídicos. Tome-se, por exemplo, uma recente tentativa que algumas concessionárias de energia elétrica de doação fizeram de condicionar a prestação dos serviços de distribuição de energia elétrica para alguns proprietários de redes particulares de doação dessas redes. Diante da liberalidade que deve marcar toda doação, os tribunais passaram a entender que a imposição desse tipo de condição caracterizaria uma tentativa de fraudar essa disposição imperativa que deve qualificar as doações (TJ-SP, Apel. n. 0035586-73.2010.8.26.0576, rel. Des. Maury Bottesini, j. 3.10.12).

8.        Nulidade do negócio jurídico expressa na lei

Por fim, outros casos bastante evidentes de nulidade são as que se referem a disposições específicas em que o próprio legislador expressamente assim estabelece. É o que ocorre, por exemplo, no contrato de compra e venda em que o arbítrio do preço cabe a apenas uma das partes (CC, art 489), ou no contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro (CC, art 762). Nem sempre, contudo, o legislador expressamente mencionará a nulidade do negócio jurídico como consequência. E isso não é necessário. Basta que o legislador tenha proibido sua prática para que a nulidade seja a consequência a ser imposta. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 24.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

(1) Humberto Theodoro Júnior, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Comentários ao Código Civil: das pessoas, (arts 138 a 184) Vol. III, Rio de Janeiro, Forense, 2010, p. 422.
(2)      Enzo Roppo, O contrato, p. 199.
(3)     Francisco Paulo De Crescenzo Marino, Contratos coligados no direito brasileiro, p. 161.

Na balada de Roberto Gonçalves, a expressão “Da inviabilidade do negócio jurídico”, abrange a nulidade e a anulabilidade do negócio jurídico. É emprega para designar o negócio que não produz os efeitos desejados pelas partes, o qual será classificado pela forma supramencionada de acordo com o grau de imperfeição verificado.

O Código Civil de 2002 deixou de lado, assim, a denominação utilizada pelo diploma de 1916, que era “Das nulidades”.

O Citado Código não acolheu a distinção entre anulabilidade e rescindibilidade, sugerida pelo Professor Couto e Silva (que pretendia, nos artigos relativos ao estado de perito e lesão, a mudança da expressão anulável por rescindível), por entender o legislador que não há razão de fundo para sua adoção. Justificou Moreira Alves: “Estabelecendo o Código Civil brasileiro atual (de 1916) – princípio que foi mantido no Anteprojeto – que a fraude contra credores é vício que acarreta a anulabilidade, seria incoerente considerar a lesão e o estado de perigo – vícios da manifestação de vontade que se aproximam do dolo e da coação – causas de rescindibilidade. Preferi, portanto, não introduzir no nosso direito essa distinção, que surgiu na França por motivos históricos e em termos diversos dos atuais. (A Parte Geral do Projeto de Código Civil brasileiro, p. 118, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 470 - pdf – parte geral).

Também não seguiu o novo Código Civil a tricotomia existência-validade-eficácia do negócio jurídico, destacada particularmente por Pontes de Miranda. O ato válido, mas sujeito a termo ou condição suspensiva, não se reveste de eficácia imediata, visto que somente após o implemento do termo ou da condição terá possibilidade de produzir o efeito desejado pelas partes.

Não foram aceitas, porém as sugestões para que, após o capítulo referente aos defeitos do negócio jurídico, se abrisse um específico para a condição, termo e encargo, com a denominação “Da eficácia dos negócios jurídicos”. Optou-se por considerar tais institutos como auto limitações da vontade, disciplinando-os depois de se estabelecerem os requisitos de validade do negócio jurídico e de se tratar de dois aspectos ligados à manifestação de vontade: a interpretação do negócio jurídico e a representação. (José Carlos Moreira Alves, A Parte Geral, cit., p. 101, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 470 - pdf – parte geral).

Art 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. 1, 2

§ 1º. Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: 3

I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

§ 2º. Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.

1.        Negócio jurídico simulado

No negócio jurídico simulado, as partes fingem, encenam, aparentam realizar um negócio jurídico que, em verdade, não existe. Nele, as partes propositadamente e conscientemente manifestam a vontade de realizar um negócio jurídico cujos efeitos não são verdadeiramente queridos, mas que são manifestados apenas e tão somente para encobrir sua verdadeira intenção. São elementos essenciais da simulação (a) uma divergência intencional entre a vontade declarada e a vontade real de ambas as partes; (b) um acordo simulatório (ou contradeclaração), conhecido apenas pelas partes, por meio da qual se convenciona que o negócio jurídico simulado não as vinculará verdadeiramente, mas que servirá apenas para assim aparentar aos olhos de terceiros; (c) o escopo de enganar esses terceiros que não conheceram o verdadeiro conteúdo do negócio. É grande a inovação prática e conceitual do instituto da simulação trazida pelo Código Civil de 2002. Considerava o Código Civil de 1916 que apenas a simulação fraudulenta era causa de anulabilidade do negócio jurídico. A simulação inocente, feita sem o objetivo de fraudar a lei ou terceiros não tinha consequência alguma. A má-fé, essa intencional vontade de prejudicar terceiros ou de violar disposição de lei era requisito essencial à caracterização da simulação, não mais presente na sistemática do atual Código Civil nesse sentido é o enunciado n. 152 da III Jornada de Direito Civil: “toda simulação, inclusive a inocente, é invalidante”.

2.        Simulação absoluta e relativa

Na simulação absoluta as partes enganosamente manifestam sua vontade de realizar um negócio jurídico tão somente para enganar terceiros, não havendo intenção real de manifestar nenhum negócio jurídico válido. Costuma-se afirmar que na simulação absoluta dois são os negócios jurídicos existente. O negócio jurídico aparente, desprovido de qualquer conteúdo real e o acordo simulatório, por meio do qual as partes convencionam que esse negócio aparente verdadeiramente não produzirá efeito algum. Ao contrário, na simulação relativa, as partes fingem realizar um negócio jurídico que não querem que serve de fachada para encobrir o verdadeiro negócio jurídico desejado. Na simulação relativa, existem, portanto, três negócios jurídicos. O negócio jurídico aparente (ou simulado), desprovido de qualquer conteúdo real, o negócio jurídico real (ou dissimulado), cujo conteúdo é o verdadeiramente querido pelas partes e o acordo simulatório, por meio do qual as partes convencionam que o negócio jurídico aparente não terá eficácia verdadeira alguma e que o negócio real é que verdadeiramente obrigará as partes. A distinção mostra-se importante diante das consequências expressamente atribuídas à simulação pelo legislador. Diz o caput do artigo 167 que “é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma”. Por essa razão, na simulação relativa, apenas o negócio simulado será nulo, o negócio jurídico dissimulado, sendo válido em sua forma e substância será válido e vinculará normalmente as partes. Por sua vez, na simulação absoluta, negócio jurídico real algum haverá para que se reconheça a validade.

3.        Hipóteses de simulação

As hipóteses de simulação mencionadas pelo § 1º do artigo 167 são meramente exemplificativas, tendo sido positivadas pelo legislador apenas e tão somente por serem hipóteses bastante corriqueiras em que as partes recorrem ao artifício da simulação. É o que ocorre quando os negócios jurídicos ‘aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem” (inciso I). É o que a doutrina costuma chamar de simulação subjetiva, em que a pessoa verdadeiramente beneficiada ou obrigada pelo negócio jurídico não corresponde a real pessoa do negócio. Humberto Theodoro Júnior exemplifica com o pai que quer vender um imóvel ao filho sem o consentimento dos demais. Em razão disso, simula vender o imóvel a um terceiro que posteriormente irá vende-lo ao filho. (1)  Substancialmente (simulação objetiva), é corrente que as pessoas firmem negócios jurídicos que contêm “declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira” (Inciso II). O exemplo mais corriqueiro desse tipo de simulação ocorre em compra e venda de imóveis, em que as partes avençam um preço muito inferior, visando, com isso, lesar o fisco recolhendo impostos substancialmente inferiores. Além disso, ocorre ainda simulação objetiva quando os “instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados” (inciso III). Isso ocorre frequentemente para fraudar credores, cônjuges, ou sócios etc. Por meio de tal expediente, as partes simulam ter o negócio jurídico sido realizado fora do período em que seria devida alguma prestação de contas, meação ou haveres evitando, com isso, que esses terceiros prejudicados aufiram parte dos benefícios desse negócio jurídico. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 25.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Pegando carona com Roberto Gonçalves, vê-se que Simulação é uma declaração falsa, enganosa, da vontade, visando aparentar negócio diverso do efetivamente desejado. Ou, na definição de Clóvis, “é uma declaração enganosa da vontade, visando produzir efeito diverso do ostensivamente indicado.” (Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, 6. ed., 1940, art 102, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 481 - pdf – parte geral).

Simular significa fingir, enganar. Negócio simulado, assim, é o que tem aparência contrária à realidade. A simulação é produto de um conluio entre os contratantes, visando obter efeito diverso daquele que o negócio aparenta conferir. Não é vício do consentimento, pois não atinge a vontade em sua formação. É uma desconformidade consciente da declaração, realizada de comum acordo com a pessoa a quem se destina, com o objetivo de engar terceiros ou fraudar a lei. (Francisco Amaral, Direito civil, cit., p. 494-495, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 481 - pdf – parte geral).

Trata-se, em realidade, de vício social. A causa simulandi tem as mais diversas procedências e finalidades. Ora visa a burlar a lei, especialmente a de ordem pública, ora a fraudar o Fisco, ora a prejudicar a credores, ora até a guardar em reserva determinado negócio. A multifária gama de situações que pode abranger e os seus nefastos efeitos levaram o legislador a deslocar a simulação do capítulo concernente aos defeitos do negócio jurídico para o da invalidade, como causa de nulidade.

Como ilustra Washington de Barros Monteiro, urde-se a simulação com mais frequência do que se pensa; com ela tropeçamos a todo instante, sob as roupagens mais diferentes. Não só na vida social, como também na judicial e na extrajudicial ela é comum. Nos repertórios de jurisprudência numerosas as alusões a dívidas forjadas e a atos simulados, sobre os quais juízes e tribunais são chamados a se pronunciar.

Extrajudicialmente, aduz o mestre, testemunham-se atos como ocultação do verdadeiro preço da coisa no contrato de compra e venda, antedata de documento, realização de negócio jurídico mediante interposição de pessoa, sonegação. Como bem diz Cunha Gonçalves, “encontra-se na simulação toda a gama de motivos, desde o extremo do escrúpulo de consciência até o da absoluta falta de escrúpulos”. (Tratado de direito civil, v. 1, p. 217-218, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 482 - pdf – parte geral).

Art 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir. 1

Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.

1.        Nulidade absoluta é questão de ordem pública

Os negócios jurídicos absolutamente nulos não afrontam apenas os interesses das partes contratantes. Toda a ordem jurídica e social seria atingida se houvesse qualquer tipo de conivência ou cumplicidade do Poder Judiciário com sua realização. Por essa razão, as nulidades absolutas podem ser alegadas por qualquer interessado ou pelo próprio Ministério Público quando lhe couber intervir. Podem ainda as nulidades absolutas serem declaras pelo juiz independentemente de qualquer provocação (ex officio) das partes, interessados do Ministério Público, desde que, contudo, seja provocado a conhecer do negócio jurídico ou de seus efeitos e a nulidade se encontrar provada. Além disso, não sendo apenas os interesses das partes contratantes que se busca preservar com a declaração de nulidade dos negócios jurídicos nulos, pouco importa a vontade das partes de eventualmente preservar sua validade, sendo vedado ao juiz suprir a nulidade mesmo que a requerimento das partes. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 25.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Simulação e institutos afins

A simulação distingue-se dos demais defeitos do negócio jurídico.

No erro, o agente tem uma falsa noção do objeto da relação e se engana sozinho. Diz-se que a divergência entre a vontade declarada e o íntimo querer do agente é espontânea.

No dolo, o prejudicado é maliciosamente induzido em erro. Não bastasse, participa diretamente das negociações, enquanto na simulação participam somente os simuladores. A vítima é lesada, sem integrar a relação jurídica simulada.

Na coação, o coacto é forçado, mediante grave ameaça, a praticar o ato ou celebrar o negócio. Na simulação, todavia, há um acordo de vontades, com o escopo de enganar terceiros.

Difere ainda a simulação da reserva mental, pela fato de nesta não existir um acordo entre as partes para enganar terceiros, apenas uma declaração não conforme à sua vontade para o fim de enganar o declaratário. (Francisco Amaral, Direito civil, cit. p. 496, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 487 - pdf – parte geral).

Ressalte-se que o Código Civil português manda aplicar, quando o declaratário conhece a reserva, o regime da simulação, considerando nula a declaração. No sistema do atual Código Civil brasileiro, porém, configura-se a hipótese de ausência de vontade, considerando-se inexistente o negócio jurídico (art 110).

A simulação distingue-se também do estado de perigo, que decorre da necessidade do agente de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano, levando-o a assumir obrigação excessivamente onerosa.

Não se confunde, igualmente, com a lesão, que se configura quando alguém obtém um lucro exagerado, aproveitando-se da inexperiência ou da situação de necessidade do outro contratante. Nos dois últimos vícios do consentimento, a vítima participa diretamente do negócio, o que não sucede na simulação. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 488 - pdf – parte geral).

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 164, 165 - Da Fraude Contra Credores – Legitimidade passiva VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 164, 165 -
Da Fraude Contra Credores – Legitimidade passiva
VARGAS, Paulo S. R.
Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo IV –
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Seção VI–
Da Fraude Contra Credores - vargasdigitador.blogspot.com

Art 164. Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família. 1

1.        Presunção legal de boa-fé

Como é até mesmo intuitivo, nem todos os negócios jurídicos praticados pelo devedor insolvente terão o escopo de fraudar seus credores, da mesma forma, não se pode esperar que o devedor insolvente se abstenha completamente de continuar a realizar negócios jurídicos. Pautado nessa inafastável realidade, o legislador acertadamente presumiu coo de boa-fé os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família. À princípio, portanto, tais negócios jurídicos serão todos integralmente válidos e plenamente eficazes. Não impede, contudo, que tais negócios presumidamente realizados de boa-fé venham a ser considerados ineficazes provando-se que foram realizados em fraude. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel MezzalinaMaterial apud Direito.com em 23.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Citando Fraudes, p.306-308, Roberto Gonçalves comenta a respeito da validade dos negócios ordinários celebrados de boa-fé, pelo devedor. “Malgrado o devedor insolvente esteja inibido de alienar bens de seu patrimônio, para não agravar e ampliar a insolvência, admitem-se exceções, como na hipótese em que ele contrai novos débitos para beneficiar os próprios credores, possibilitando o funcionamento de seu estabelecimento, ou para manter-se e à sua família. (Fraudes, cit., p.306-308, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 463 - pdf – parte geral).

Dispõe, com efeito, o art 164 do Código Civil:

Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família.”

Permite-se, portanto, ao devedor insolvente, evitar a paralisação de suas atividades normais, fato este que somente agravaria a sua situação, em prejuízo dos credores, que veriam frustradas as possibilidades de receber os seus créditos.

Dessa forma, o dono de uma loja, por exemplo, não fica, só pelo fato de estar insolvente, impedido de continuar a vender as mercadorias expostas nas prateleiras de seu estabelecimento. Não poderá, todavia, alienar o próprio estabelecimento, porque não se trataria de negócio ordinário, nem destinado à manutenção de sua atividade comercial.

A novidade trazida pelo Código de 2002, no citado art 164, é que os gestos ordinários do devedor insolvente são válidos não apenas quando eles derivam da necessidade de manter os estabelecimentos mercantis, rurais ou industriais que possuem, mas também quando se destinam à subsistência daquele e de sua família. Essa inovação permite que o devedor insolvente venha a contrair novo débito, destinado apenas à própria subsistência ou à de sua família. A regra tem caráter assistencial, mas grade dose de subjetividade, e poderá, efetivamente, como afirma Silvio Rodrigues, “ampliar o campo da controvérsia” (Direito civil, cit., v. 1, p. 236, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 464 - pdf – parte geral).

Oportuna, nesse aspecto, a recomendação de Yussef Said Cahali: “Impõe-se, realmente, seja admitida a possibilidade de contraprova da presunção de boa-fé, como também se recomenda certa prudência e mesmo algum rigor do juiz na verificação desse elemento subjetivo, a fim de que se evitem certas práticas abusivas pelo devedor insolvente, ora em prejuízo de alguns, ora em detrimento de todos os credores, poupando a justiça de ser utilizada como instrumento para uma legitimação injustificável de conduta maliciosa do devedor”. (Curso, cit., v. 1, p. 231, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 464 - pdf – parte geral).

A possibilidade de o dispositivo em questão ensejar uma perigosa interpretação liberal fez com que se pretendesse, durante a tramitação do Projeto de Código Civil, a sua supressão.

Art 165. Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores. 1

Parágrafo único. Se esses negócios tinham por único objeto atribuir direitos preferenciais, mediante hipoteca, penhor ou anticrese, sua invalidade importará somente na anulação da preferência ajustada.

1.        Efeitos da ação pauliana

A anulação do negócio jurídico impõe que se restituam as partes ao estado em que se encontravam antes dele (CC, art 182). A solução ordinária, portanto, seria restituir o bem alienado ao patrimônio do devedor, que deveria restituir o preço pago ao adquirente. Não é isso, entretanto, o que ocorre na fraude contra credores. Atestando a inadequação da solução dada pelo legislador ao tratamento da fraude contra credores, o artigo 165 expressamente distancia a “anulação” do negócio jurídico fraudulento de seus ordinários efeitos dizendo que “a vantagem” do negócio jurídico fraudulento de seus ordinários efeitos dizendo que “a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores”. Com isso, o legislador acaba explicitando que o escopo do instituto da fraude contra credores nada mais é do que preservar a responsabilidade pelas dívidas do devedor sobre os bens alienados em fraude. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 23.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).


Comentando Ação pauliana ou revocatória, sob o enfoque de Roberto Gonçalves, “A ação anulatória do negócio jurídico celebrado em fraude contra os credores é chamada de revocatória ou pauliana, em atenção ao pretor Paulo, que a introduziu no direito romano. É a ação pela qual os credores impugnam os atos fraudulentos de seu devedor. (Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., v. 1, p. 231, nota 16; Francisco Amaral, Direito civil, cit., p.503; Silvio Rodrigues, Ação pauliana ou revocatória, in Enciclopédia Saraiva do 
Direito, v. 3, p. 286 e ss., apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 456 - pdf – parte geral).

Por definição, a ação pauliana visa a prevenir lesão ao direito dos credores causada pelos atos que têm por efeito a subtração da garantia geral, que lhes fornecem os bens do devedor, tornando-o insolvente.

Da natureza jurídica

O Código Civil de 2002 manteve o sistema do diploma de 1916, segundo o qual a fraude contra credores acarreta a anulabilidade do negócio jurídico. A ação pauliana, nesse caso, tem o negócio fraudulento lesivo aos credores, determinando-se o retorno do bem, sorrateira e maliciosamente alienado, ao patrimônio do devedor.

O Código de 2002 não adotou, assim a tese de que se trataria de hipótese de ineficácia relativa do negócio, defendida por ponderável parcela da doutrina, segundo a qual, demonstrada a fraude ao credor, a sentença não anulará a alienação, mas simplesmente, como nos casos de fraude à execução, declarará a ineficácia do ato fraudatório perante o credor, permanecendo o negócio válido entre os contratantes: o executado-alienante e o terceiro adquirente.

Para essa corrente, a ação pauliana tem natureza declaratória de ineficácia do negócio jurídico em face dos credores, e não desconstitutiva. Se o devedor, depois de proferida a sentença, por exemplo, conseguir levantar numerário suficiente e pagar todos eles, o ato de alienação subsistirá, visto não existirem mais credores.

Alguns autores, como Lamartine Corrêa e Humberto Theodoro Júnior, criticaram o sistema adotado pelo atual Código no tocante aos efeitos da fraude, pois preferiam, em lugar da anulabilidade, a ineficácia relativa do negócio jurídico. Para este último, o sistema adotado pelo novo Código representa um retrocesso, pois o próprio direito positivo brasileiro, após o Código de 1916, já havia dispensado a esse tipo de fenômeno o tratamento adequado da ineficácia em relação à fraude praticada no âmbito do direito falimentar e do direito processual civil.

Também Yussef Said Cahali assevera que “o efeito da sentença pauliana resulta do objetivo a que colima a ação: declaração de ineficácia jurídica do negócio fraudulento.

Durante a tramitação do Projeto do Código Civil na Câmara Federal foi apresentada uma emenda, a de n. 193, pretendendo que a fraude contra credores acarretasse a ineficácia do negócio jurídico fraudulento em relação aos credores prejudicados, e não a sua anulação. A isso respondeu a Comissão Revisora, em seu relatório:

“O Projeto segue o sistema adotado no Código Civil (de 1916), segundo o qual a fraude contra credores acarreta a anulação. Não se adotou, assim, a tese de que se trataria de hipótese de ineficácia relativa. Se adotada esta, teria de ser mudada toda a sistemática a respeito, sem qualquer vantagem prática, já que o sistema do Código (de 1916) nunca deu motivos a problemas, nesse particular. Ademais, o termo revogação, no sistema do Código Civil (de 1916) e do Projeto, é usado para a hipótese de dissolução de contrato pela vontade de uma só das partes contratantes (assim, no caso de revogação de doação, por ingratidão). E nesse caso a revogação opera apenas ex nunc, e não ex tunc. Nos sistemas jurídicos que admitem a revogação do negócio jurídico por fraude contra credores, admite-se que o credor retire a voz do devedor (revogação), ao passo que, em nosso sistema jurídico, se permite que o credor, alegando a fraude, peça a decretação da anulação do negócio entre o devedor e terceiro. São dois sistemas que se baseiam em concepções diversas, mas que atingem o mesmo resultado prático. Para que mudar? (José Lamartine Corrêa de Oliveira. A parte geral, cit., Humberto Theodoro Júnior, Negócio jurídico. Existência. Validade. Eficácia. Vícios. Fraude. Lesão. RT, 780/11. Fraudes, cit., p. 385. Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., v. 1, p. 231, nota 16; Francisco Amaral, Direito civil, cit., p.503; Silvio Rodrigues, Ação pauliana ou revocatória, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 3, p. 286 e ss., apud Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 455-456 - pdf – parte geral).

Cândido Rangel Dinamarco, por sua vez, com assento na teoria da ineficácia superveniente, afirma que o negócio fraudulento é originariamente eficaz e só uma sentença constitutiva negativa tem o poder de lhe retirar a eficácia prejudicial ao credor. (Fundamentos do processo civil moderno, v. 1, p. 567, apud Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 455-456 - pdf – parte geral).

Segundo ainda assinala Yussef Said Cahali, “a jurisprudência de nossos tribunais é pacífica no sentido de afirmar que a ação pauliana não é real, nem relativa a imóvel; é pessoal; visa à revogação de ato fraudulento e, eventualmente, pode versar sobre imóvel; seu objetivo é a restauração do estado jurídico anterior, i.é, a recomposição do patrimônio do devedor, que constitui a garantia do credor ameaçado pelo ato fraudulento. (Fraudes, cit., p. 334, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 458 - pdf – parte geral).