domingo, 3 de fevereiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 189, 190, 191 Da Prescrição e da Decadência – Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R.



DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 189, 190, 191
Da Prescrição e da Decadência – Disposições Gerais
- VARGAS, Paulo S. R.

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 189 a 211)
Título IV – Da Prescrição e da Decadência –
Capítulo I – Da Prescrição – Seção I - Disposições gerais
- vargasdigitador.blogspot.com

Art.189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a quem aludem os arts 205 e 206 1, 2, 3, 4, 5

Conforme preleciona Roberto Gonçalves, o Código Civil trata das disposições gerais sobre a prescrição extintiva nos arts 189 a 196; e dos prazos prescricionais nos arts 205 (geral) e 206 (prazos especiais). (Direito Civil Comentado – A Parte Geral, Roberto Gonçalves, v. I, p. 510, 2010 Saraiva – São Paulo).

Seguindo com Roberto Gonçalves, desde a concepção do ser humano o tempo influi nas relações jurídicas de que o indivíduo participa. É ele o personagem principal do instituto da prescrição. Nesse campo, a interferência desse elemento é substancial, pois existe interesse da sociedade em atribuir juridicidade àquelas situações que se prolongaram no tempo. (Francisco Amaral, Direito civil, p. 555; Silvio Rodrigues, Direito civil, v. 1, p. 323, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 510 - pdf – parte geral).

O decurso do tempo tem grande influência na aquisição e na extinção de direitos. Distinguem-se, pois, duas espécies de prescrição: a extintiva e a aquisitiva, também denominada usucapião. Alguns países tratam conjuntamente dessas duas espécies em um único capítulo. O Código Civil brasileiro regulamentou a extintiva na Parte Geral, ênfase à força extintora do direito. No direito das coisas, na parte referente aos modos de aquisição do domínio, tratou da prescrição aquisitiva, em que predomina a força geradora.

Em um e outro caso, no entanto, ocorrem os dois fenômenos: alguém ganha e, em consequência, alguém perde. Como o elemento “tempo” é comum às duas espécies de prescrição, dispõe o art 1.244 do Código Civil que as causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição também se aplicam à usucapião.

O instituto da prescrição é necessário, para que haja tranquilidade na ordem jurídica, pela consolidação de todos os direitos. Dispensa a infinita conservação de todos os recibos de quitação, bem como o exame dos títulos do alienante e de todos os seus sucessores, sem limite no tempo. Com a prescrição da dívida, basta conservar os recibos até a data em que esta se consuma, ou examinar o título do alienante e os de seus predecessores imediatos, em um período de dez anos apenas.

Segundo Cunha Gonçalves, a prescrição é indispensável à estabilidade e consolidação de todos os direitos; sem ela, nada seria permanente; o proprietário jamais estaria seguro de seus direitos, e o devedor livre de pagar duas vezes a mesma dívida. (Tratado de direito civil, t. 3, p. 633, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 511 - pdf – parte geral).

Câmara Leal vai buscar na doutrina romana, na pureza cristalina de sua profunda filosofia jurídica, os fundamentos da prescrição: “o interesse público, a estabilização do direito e o castigo à negligência; representado o primeiro motivo inspirador da prescrição; o segundo, a sua finalidade objetiva; o terceiro, o meio repressivo de sua realização. Causa, fim e meio, trilogia fundamental de toda instituição, devem constituir o fundamento jurídico da prescrição” (Da prescrição e da decadência, p. 16, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 511 - pdf – parte geral).

Para distinguir prescrição de decadência, o atual Código Civil optou por uma fórmula que espanca qualquer dúvida. Prazos de prescrição são, apenas e exclusivamente, os taxativamente discriminados na Parte Geral, nos arts 205 (regra geral) e 206 (regras especiais), sendo de decadência todos os demais, estabelecidos como complemento de cada artigo que rege a matéria, tanto na Parte Geral como na Especial. Para evitar a discussão sobre se ação prescreve, ou não, adotou-se a tese da prescrição da pretensão, por ser considerada a mais condizente com o Direito Processual contemporâneo. (Direito Civil Comentado – A Parte Geral, Roberto Gonçalves, v. I, pp. 510-511, 2010 Saraiva – São Paulo).

1.        Conceito legal de prescrição

É a extinção da pretensão do titular de um direito violado que se opera pela desídia de seu titular que foi inerte durante o lapso de tempo estipulado pela lei. Acolhendo o critério proposto por Agnelo Amorim, o legislador explicitamente afirmou que o objeto da prescrição é a pretensão. A questão, entretanto, é complexa e ainda hoje gera grande divergência. O Código Civil de 2002, a exemplo do BGB alemão (§§ 194 e 198), por exemplo, afirma que o objeto da prescrição é a pretensão do titular do direito. O Código Civil italiano (art 2.934), no que é acompanhado pelo Código Civil português (art 298), por sua vez, afirma que o objeto da prescrição é o próprio direito. Por fim, o Código Civil de 1916, dizia ser a ação o objeto da prescrição (art 177). Da mesma forma a doutrina diverge quanto ao objeto da prescrição. Havendo quem siga a tradição romana, afirmando que o objeto da prescrição é a ação (Pontes de Miranda, Câmara Leal, Washington de Barros Monteiro), e quem entenda que o objeto da prescrição é o direito (Orlando Gomes, Caio Mário da Silva Pereira e Carvalho Santos).

2.        O critério científico de distinção da prescrição e da decadência de Agnelo Amorim Filho (RT 300/7 e RT 744/723)

Tal critério tem como ponto de partida a classificação dos direitos e a classificação das ações desenvolvida por Chiovenda. Segundo essa classificação, os direitos dividem-se em direitos a uma prestação, cujo elemento essencial é a obtenção de um bem da vida mediante uma ação de outrem (prestação), seja ela de dar, fazer ou não fazer, e direitos potestativos os quais conferem a seu titular o poder de influir na esfera jurídica alheia sem que seja necessária qualquer vontade ou ação do sujeito passivo. Uma vez que os direitos a uma prestação dependem necessariamente da vontade do sujeito passivo, que pode negar-se a realizar a prestação a qual está obrigado, tais direitos soa passiveis de serem lesados. Nas palavras de Chiovenda: “quando o direito a uma prestação deixar de corresponder o estado de fato, por não se haver satisfeito a prestação, diz-se lesado o direito. (...) Ao aludirmos à lesão dos direitos, tivemos presentes exclusivamente os direitos a uma prestação; e isso porque só estes podem ser lesados”. (1) Por outro lado, nos direitos potestativos não existe a obrigação a um determinado comportamento por parte do sujeito passivo. Nessa categoria dos direitos potestativos, o sujeito passivo encontra-se num estado de sujeição em relação ao titular do direito, entendendo-se esse estado de sujeição como sendo a impossibilidade de opor-se à vontade de seu titular ou aos efeitos jurídicos decorrentes dessa vontade. Por sua vez, com o desenvolvimento da ciência processual, as ações passaram a ser classificadas de acordo com a natureza do provimento judicial pleiteado, e não mais de acordo com a natureza do direito nela discutido. De acordo com essa classificação, a doutrina passou a identificar a existência de ações condenatórias, constitutivas e declaratórias. São ações condenatórias aquelas ações cujo objeto é impor ao réu o cumprimento de uma determinada prestação, uma vez que correlativo ao conceito de condenação é o conceito de prestação. As ações constitutivas, por sua vez, são aquelas em que se busca a criação, extinção ou a modificação de um estado jurídico. Tais ações, por consequência, jamais tem o condão de, por si só, impor, coercitivamente, uma obrigação ao réu. Por fim, as ações meramente declaratórias têm por objeto sanar uma crise de certeza. Ou seja, por fim a uma dúvida sobre a existência ou inexistência de um direito. A partir de tais modernas classificações das ações e dos direitos é que Agnelo Amorim construiu seu critério de distinção da prescrição e da decadência, presente no Código Civil de 2002, relacionando os direitos de prestação com as ações condenatórias e os direitos potestativos com as ações constitutivas. Descumprida a obrigação a uma prestação, poderá o titular do direito lesado pedir o adimplemento forçado dessa prestação mediante uma ação condenatória, a qual fica sujeita à prescrição, por sua vez, para a alteração de uma situação jurídico-material que alguém não deseja e pretende eliminar, é necessária a via da ação constitutiva. Nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco “é a ordem jurídica substancial que lhe confere o direito subjetivo a modificações dessa ordem, não a lei do processo. Ter direito à dissolução da sociedade conjugal, ou do vínculo material, tê-lo à aquisição do direito de propriedade sobre um imóvel que lhe foi prometido à venda, ou à anulação do contrato por vício do consentimento, ou do ato administrativo por ilegalidade ou incompetência, são puros temas de direito material. A técnica processual representada pelas sentenças constitutivas é somente um instrumental de apoio a esse direitos. (2) Tais ações, por sua vez, ficam todas sujeitas à decadência, e não à prescrição. Por fim, as ações declaratórias nada alteram e nada impõem, voltando-se apenas a sanar uma crise de certeza, não estando sujeito à prescrição, tampouco à decadência. A questão, em tais casos, deverá ser resolvida com base na verificação da existência do interesse de agir. Nesse sentido: “a ação declaratória de nulidade é imprescritível quando seu objeto se limita ao reconhecimento de determinada relação jurídica. Contudo, quando já transcorrido o prazo prescricional, carece de interesse jurídico a obtenção de declaração de nulidade, porque prescrita está a tutela condenatória decorrente da relação jurídica objeto da referida ação. Precedentes” (STJ, AgRg no Ag n. 1064.164-SP, rel. Min. Laurita Vaz, j. 30.03.09). No mesmo sentido é a doutrina: “é preciso distinguir entre o contrato nulo executado e o contrato nulo nunca executado. Se houver a execução, as pretensões dela derivadas prescrevem no prazo que lhes é próprio e, por conseguinte, não é de se admitir a tardia ação declaratória de nulidade, não porque nesta tenha incorrido em prescrição, mas porque faltará interesse á parte, e sem interesse ninguém é admitido a litigar em juízo (CPC/1973 art 3º, com correspondência no CPC/2015, art 17).” (3)

3.        Princípio da actio nata

Segundo o princípio da actio nata, começa a correr o prazo prescricional no momento em que todos os requisitos indispensáveis à propositura da ação estão reunidos. É apenas com a violação do direito que seu titular passa a ter interesse em buscar o Poder Judiciário para obter seu adimplemento forçado. Antes disso, não sendo sequer possível a propositura da ação, desídia ou inércia alguma existem que possibilitem o início do prazo prescricional. Além disso, para que se possa falar em inércia, é necessário ainda que o titular do direito tenha ciência de sua violação, sem a qual “1) O início do prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo; 2) o art 189 diz respeito a casos em que a pretensão nasce imediatamente após a violação do direito absoluto ou da obrigação de não fazer” (I Jornada de Direito Civil, enunciado 14).

4.        Demora do judiciário

É a citação válida que interrompe a prescrição, não a simples propositura da ação, a qual, entretanto, retroagirá à data da propositura da ação (CPC/1973, art 219, § 1º, com correspondência no CPC/2015, art 240, § 1º). Para que a interrupção da prescrição possa retroagir à data da propositura da ação, é necessário que o autor a promova no prazo de dez dias, não podendo, entretanto, ser prejudicado pela demora imputável exclusivamente ao judiciário (CPC/1973, art 219, §, com correspondência no CPC/2015, art 240, § 2º e STJ, súmula 106).  Todavia, concorrendo o autor para essa demora (indicando endereço errado para citação, deixando de recolher as custas etc.), a interrupção da prescrição ocorrerá apenas na data em que efetivamente ocorrer a citação, não retroagindo à data da propositura da ação. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 31.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

5.        Prescrição da execução

Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação” (STF, súmula 150).

(1)      Instituições de Direito Processual Civil, I, São Paulo, Saraiva, 1.965, pp. 17-20.
(2)      ______________________________, 2ª ed., São Paulo, Malheiros, 2002, p. 249.
(3)      Humberto Theodoro Júnior, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Comentários ao Código Civil: das pessoas, (arts 138 a 184), Vol. III, Rio de Janeiro, forense, 2010, p. 528.

Art.190. A exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão. 1

Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação” (STF, súmula 150).

1.        Prescrição da exceção

Exceção é sinônimo de defesa. A doutrina costuma classificar em exceções materiais e processuais. São exceções processuais as matérias de defesa de natureza processual invocadas pelo réu para opor-se à pretensão do autor. Inversamente, são exceções materiais as matérias de natureza substancial que o réu pode deduzir para opor-se à pretensão do autor. Em muitos casos, a matéria de direito alegada como exceção substancial também poderia ser veiculada por meio de uma pretensão autônoma. Basta imaginar no direito de credito que alguém possua contra um terceiro. Uma vez vencido, esse crédito por ser objeto de uma ação condenatória (pretensão), como pode também ser invocado como compensação em matéria de defesa. É a esse tipo de situação a que alude o presente artigo. Nesse exemplo, já prescrita a possibilidade de cobrar esse crédito, igualmente prescrita estará a possibilidade de alegar tal crédito como exceção. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 01.02.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

A justificativa apresentada pela Comissão Revisora para a manutenção da norma, que constitui inovação, segundo José Carlos Moreira Alves, é que se está suprindo uma lacuna do Código Civil, que tem dado problema na prática: “saber se a exceção prescreve (havendo quem sustente que qualquer exceção é imprescritível, já que o Código é omisso), e, em caso afirmativo, dentro de que prazo. Ambas as questões são solucionadas pelo artigo 190. O que se quer evitar é que, prescrita a pretensão, o direito com pretensão prescrita possa ser utilizado perpetuamente a título de exceção, como defesa. A referida Comissão Revisora menciona, a propósito, a seguinte observação de Hélio Tomaghi: “Quando a exceção se funda em um direito do réu (p. ex.: a compensação se baseia no crédito do réu contra o autor), prescrito este, não há mais como excepcioná-lo. Se a exceção não prescrevesse, perduraria ad infinitum..." (José Carlos Moreira Alves, A Parte Geral, cit., p. 152-153, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 517 - pdf – parte geral).

Art.191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.1

O art 191 não admite a renúncia prévia da prescrição, antes que se tenha consumado. Não se admite a renúncia prévia, nem de prescrição em curso, mas só da consumada, porque o referido instituto é de ordem pública e a renúncia tornaria a ação imprescritível por vontade da parte.

Dois são os requisitos para a validade da renúncia: a) que a prescrição já esteja consumada; b) que não prejudique terceiro. Terceiros eventualmente prejudicados são os credores, pois a renúncia à possibilidade de alegar a prescrição pode acarretar a diminuição do patrimônio do devedor. Em se tratando de ato jurídico, requer a capacidade do agente, como nos orienta Roberto Gonçalves.

Observados esses requisitos, a renúncia, i.é, a desistência do direito de arguir a prescrição, pode ser expressa ou tácita. A renúncia expressa decorre de manifestação taxativa, inequívoca, escrita ou verbal, do devedor de que dela não pretende utilizar-se. Tácita, segundo dispõe o art 191, “é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição”. Consumada a prescrição, qualquer ato de reconhecimento da dívida por parte do devedor, como o pagamento parcial ou a composição visando à solução futura do débito, será interpretado como renúncia.

Na IV Jornada de Direito Civil realizada em Brasília, em outubro de 2006, foi aprovado o Enunciado 295, com o seguinte teor: “A revogação do art 194 do Código Civil pela Lei n. 11.280/2006, que determinou ao juiz o reconhecimento de ofício da prescrição, não retira do devedor a possibilidade de renúncia admitida no art 191 do texto codificado”.

O referido enunciado tem como objetivo exatamente evitar que os juízes deixem de reconhecer a prescrição de ofício ao examinarem a inicial, postergando tal pronunciamento para fase posterior, após o decurso do prazo para a defesa, sob o argumento de que devem esperar a manifestação do réu sobre o exercício do direito de renunciá-la. (Prescrição: Arguição em razões finais. Admissibilidade. Conceito de instância tomado como grau de hierarquia judiciária que possibilita a arguição do lapso prescricional em qualquer tempo e juízo” RT, 766/236, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 518-519 - pdf – parte geral).

1.        Renúncia da prescrição

Renúncia é um ato unilateral de abandono de disposição de um direito subjetivo, do qual a parte seja titular, no caso, o direito de alegar a ocorrência da prescrição em juízo e, com isso, opor-se à pretensão do autor. Diz o artigo 191 que a renúncia da prescrição apenas poderá ser feita depois que a prescrição se consumar. É nula, portanto, a renúncia feita antes de consumada a prescrição. Além disso, a renúncia pode ser expressa ou tácita. Será expressa quando o prescribente explicitamente abrir mão da possibilidade de invocar a prescrição. Será tácita, por sua vez, quando essa sua intenção de não exercer o direito de invocar a prescrição puder ser inferida por meio de outros atos praticados pelo interessado, como, por exemplo, o ato de pagar, transacionar, ou negociar uma dívida. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 01.02.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

sábado, 2 de fevereiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 186, 187, 188 Dos Atos Lícitos - VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 186, 187, 188
Dos Atos Lícitos - VARGAS, Paulo S. R.

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 186 a 188)
Título III – Dos Atos Lícitos –
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Art.186.  Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 1.

1.        Ato ilícito

Ato ilícito é o ato de vontade de um agente contrário à ordem jurídica que viola o direito subjetivo de um terceiro cansando-lhe um dano. Sempre que o agente causar um dano ilícito a alguém terá o dever de indenizar esse dano, recompondo ou reparando o patrimônio material ou imaterial do lesado na exata proporção do dano causado (CC, art 944). São elementos do ato ilícito: (a) um ato voluntário do agente, (b) um dano causado ao terceiro e (c) um nexo de causalidade entre o ato voluntário do agente e o dano sofrido pela vítima. É necessário que a ação ou a omissão do agente seja voluntária. Correndo o risco de tentar explicar o óbvio, não pratica ato ilícito quem não praticou ato algum. Assim, por exemplo, num engarrafamento, o motorista de um veículo que foi lançado ao veículo da frente ao ser atingido na traseira por outro veículo não praticou ato voluntário algum. Por essa razão, mesmo tendo atingido o veículo da frente não terá praticado nenhum ato ilícito. Como regra geral, exige o legislador que a ação ou a omissão do agente causador do dano tenha sido culposa para a caracterização do ato ilícito. Apenas excepcionalmente é que admite o legislador a existência de responsabilidade sem culpa (objetiva). Caracteriza-se a culpa do agente quando tenha ele agido com imperícia, imprudência ou negligência. Além disso, é necessário que o ato ilícito tenha causado um dano ao terceiro. Não existe responsabilidade civil sem dano. Toda a responsabilidade civil é permeada pela preocupação em indenizar os danos injustamente causados. Não havendo dano, nada haverá a ser reparado. Por fim, é necessário que exista um nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano causado. Costuma-se entender o nexo de causalidade como sendo a relação lógica de causa e efeito entre a conduta e o dano. Todavia, para evitar-se indevidamente responsabilizar terceiros que apenas circunstancialmente possam ter concorrido para o evento danoso, é necessário certo temperamento nesse conceito. É o que propõe a teoria da causalidade adequada, que apenas considera juridicamente relevante o nexo de causalidade que existe entre a ação cuja natureza ordinariamente se mostra apropriada e condizente com o tipo de dano causado. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 30.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).


Art 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 1, 2

1.        Abuso de direito

É verdade que alguns dos princípios informativos da teoria do abuso de direito encontram suas raízes no direito romano, mas a sua transformação em doutrina autônoma deve-se exclusivamente aos esforços dos juristas do século XX, preocupados em transplantar para o direito civil o princípio da solidariedade, substituindo a liberdade como fundamento dos direitos subjetivos. (1) Inicialmente, a teoria do abuso do direito não conseguiu sensibilizar a opinião de muitos civilistas contemporâneos, que consideravam incompatível com a ideia de direito a sua utilização abusiva, dizendo que ou o ato era lícito, porque amparado por um direito, ou o ato era ilícito, pois praticado sem o suporte do direito, sendo impossível que um mesmo ato fosse, a um só tempo, lícito e ilícito. Resposta definitiva a essas críticas veio mais tarde formulada por Louis Josserand que, ao separar os conceitos de direito objetivo e de direito subjetivo, demonstrou que um ato poderia ser estar abstratamente em conformidade com seus contornos determinados pelo direito (dito objetivo), mas que, quando esse direito subjetivo fosse exercido de forma contrária aos preceitos gerais do direito, seu titular extrapolava os limites subjetivos admitidos para seu exercício. Passou-se a entender, a partir da pacificação desse embate, que os direitos subjetivos têm caráter relativo, ou seja, devem ser exercidos de acordo com os fins perseguidos pelo ordenamento jurídico. O próprio Josserand discorreu acerca do abuso de direito dizendo que “as prerrogativas, mesmo as mais individuais e as mais egoísticas, são ainda produtos sociais, seja na forma, seja no fundo: seria inconcebível que elas pudessem, ao grado de seus titulares, se livrar da marca característica original e ser empregadas para todas as necessidades, mesmo fossem elas inconciliáveis com sua filiação e com os interesses os mais urgentes, os mais certos, da comunidade que as concedeu”. (2) Não há, atualmente, dúvida acerca da ilicitude de um direito que é exercido em desacordo com a finalidade que lhe é imposta pelo direito, tendo o Código Civil de 2002 consagrado essa ilicitude em seu art 187 ao dizer que exerce abusivamente um direito aquele que “excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 30.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

(1)      Pedro Batista Martins, Abuso do direito e o ato ilícito, 3ª ed., Rio de Janeiro, forense, 1997, p. 11.
(2)      De l’espirit des droit et de leur relativitè, p. 320, apud Cláudio Luiz Bueno de Godoy, Função Social do Contrato, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 112.
2.        O exercício regular e o abuso de direito

Entre os romanos havia um princípio – Nemine laedit qui jure suo utitur (aquele que age dentro de seu direito a ninguém prejudica) – de caráter individualista e que, durante muitos anos, foi utilizado como justificador dos excessos e abusos de direito.

Entretanto, tal princípio, por se mostrar injusto em certos casos em que era evidente o animus laedendi, embora não ultrapassasse o agente os limites de seu direito subjetivo, passou a ser substituído por outros princípios universalmente aceitos: o nemine laedere e o summum jus, summa injuria, pois é norma fundamental de toda a sociedade civilizada o dever de não prejudicar a outrem.

Aguiar Dias ressalta que “o reconhecimento do erro de fato ou legítima defesa putativa, que isenta de pena o réu na esfera do direito criminal, não exclui a responsabilidade civil de reparar danos causados sem ter havido agressão do ofendido” (RF, 200/151).

“Reconhecida a legítima defesa própria pela decisão que transitou em julgado, não é possível reabrir a discussão sobre essa excludente de criminalidade, na jurisdição civil. Art 65 do CPP” (STF, STJ, 83/649) (Aguiar Dias, Da responsabilidade, 4 ed., cit., p. 526, n. 184, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 478-479 - pdf – parte geral).

A doutrina do abuso do direito não exige, para que o agente seja obrigado a indenizar o dano causado, que venha a infringir culposamente um dever preexistente. Mesmo agindo dentro do seu direito, pode, não obstante, em alguns casos, ser responsabilizado.

Prevalece na doutrina, hoje, o entendimento de que o abuso de direito prescinde da ideia de culpa. O abuso de direito ocorre quando o agente, atuando dentro dos limites da lei, deixa de considerar a finalidade social de seu direito subjetivo e o exorbita, ao exercê-lo, causando prejuízo a outrem. Embora não haja, em geral, violação aos limites objetos da lei, o agente desvia-se dos fins sociais a que esta se destina.

O Código civil de 1916, admitiu a ideia do abuso de direito no art 160, I, embora não o tenha feito de forma expressa. Sustentava-se a existência da teoria em nosso direito positivo, mediante interpretação a contrario sensu do aludido dispositivo. Se ali estava escrito não constituir ato ilícito o praticado no exercício regular de um direito reconhecido, era intuitivo que constituía ato ilícito aquele praticado no exercício irregular de um direito.

Era dessa forma que se encontrava fundamento legal para coibir o exercício anormal do direito em muitas hipóteses. Uma das mais comuns enfrentadas por nossos tribunais era a reiterada purgação da mora pelo inquilino, que passou a ser considerada abusiva pela jurisprudência, até ser limitada pela própria Lei do Inquilinato.

O Código civil de 2002 expressamente considera ato ilícito o abuso de direito, aos dispor, no art 187: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Também serve de fundamento para a aplicação, entre nós, da referida teoria, o art 5º da lei de Introdução ao Código Civil, que determina ao juiz, na aplicação da lei, o atendimento aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. É que a ilicitude do ato abusivo se caracteriza sempre que o titular do direito se desvia da finalidade social para a qual o direito subjetivo foi concedido.

Observa-se que a jurisprudência, em regra, e já há muito tempo, considera como abuso de direito o ato que constitui o exercício egoístico, anormal do direito, sem motivos legítimos, nocivos a outrem, contrários ao destino econômico e social do direito em geral.

Vários dispositivos legais demonstram que no direito brasileiro há uma reação contra o exercício irregular de direitos subjetivos. O art 1.277 do Código Civil, inserido no capítulo “Dos direitos de vizinhança”, permite que se reprima o exercício abusivo do direito de propriedade que perturbe o sossego, a segurança ou a saúde do vizinho. Constantes são os conflitos relativos a perturbação do sossego alegada contra clubes de dança, boates, oficinas mecânicas, terreiros de umbandismo etc.

Podem ser mencionados, ainda, como exemplos, os arts 939 e 940 do Código civil, que estabelecem sanções ao credor que, abusivamente demanda o devedor antes do vencimento da dívida ou por dívida já paga. E os arts 1.637 e 1.638 igualmente preveem sanções contra abusos no exercício do poder familiar, como a suspensão e a perda desse direito.

O Código de Processo civil também reprime o abuso de direito, nos arts 14 a 18, referência CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, artigos 77 a 88, e ainda no processo de execução (arts 574 e 598).

Observa-se que o instituto do abuso de direito tem aplicação em quase todos os campos do direito, como instrumento destinado a reprimir o exercício antissocial dos direitos subjetivos. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 506-507 - pdf – parte geral).

Art.188. Não constituem atos ilícitos: 1

I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

1.        Excludentes de ilicitude

Nem todo ato lesivo será também um ato ilícito. Como regra geral, todo ato danoso acaba sendo também um ato ilícito na medida em que acarreta a violação a um direito subjetivo (de propriedade, de integridade física ou moral, por exemplo). Contudo, em alguns casos excepcionais, seja porque o dano é inevitável, seja porque é legítimo, o legislador retira a ilicitude desse evento danoso. São os chamados atos lícitos lesivos. Em tais casos, mesmo tendo sido causado um dano a alguém, não surgirá para o agente causador o dever de indenizar. É o que ocorre com os atos praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido (inciso I). Quem inscreve o nome do devedor nos serviços de proteção   ao crédito causa-lhe um inegável dano moral. Tal ato lesivo, contudo, será lícito se a inscrição estiver respaldada na existência de um débito reconhecido, situação em que assumirá os contornos de exercício regular de um direito do credor. Por outro lado, quem age moderadamente para afastar uma agressão injusta e iminente também não pratica ilícito algum. Como regra, toda ameaça a um direito deve ser levada ao Poder Judiciário, sendo ilícita a justiça de mão própria. Alguns casos urgentes, contudo, tornam essa iniciativa inviável, permitindo que a própria vítima use os meios necessários para repelir a agressão, agindo em legítima defesa. O mesmo ocorre com a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente (inciso II). Quem arromba um prédio para salvar uma pessoa em seu interior, ou quem fere ou mesmo mata um animal que estava atacando uma pessoa não comete ilícito algum, não tendo, pois, nenhum dever de indenizar. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 30.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

De acordo com a redação de Roberto Gonçalves, o título referente aos atos ilícitos, no Código Civil, contém apenas três artigos: o 186, o 187 e o 188. Mas a verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelos arts 924 a 943 (“Da obrigação de indenizar”) e 944 a 954 (“Da indenização”).

Conceito. Ato ilícito é o praticado com infração ao dever legal de não lesar a outrem. Tal dever é imposto a todos no art 186, que prescreve: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Também o comete aquele que pratica abuso de direito, ou seja, “o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” art 187). Em consequência, o autor do dano fica obrigado a repará-lo (art 927).

Ato ilícito é, portanto, fonte de obrigação: a de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado. É praticado com infração a um dever de conduta, por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente, das quais resulta dano para outrem.

O Código Civil de 2002 aperfeiçoou o conceito de ato ilícito, ao dizer que o pratica quem “violar direito e causar dano a outrem” (art 186), substituindo o “ou” (“violar direito ou causar dano a outrem”), que constava do art 159 do diploma anterior (CC, 1916). Com efeito, o elemento subjetivo da culpa é o dever violado. A responsabilidade é uma reação provocada pela infração a um dever preexistente. No entanto, ainda mesmo que haja violação de um dever jurídico e que tenha havido culpa, e até mesmo dolo, por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez que não se tenha verificado prejuízo.

Se, por exemplo, o motorista comete várias infrações de trânsito, mas não atropela nenhuma pessoa nem colide com outro veículo, nenhuma indenização será devida, malgrado a ilicitude de sua conduta. A obrigação de indenizar decorre, pois, da existência da violação de direito e do dano, concomitantemente.

Pondera Sérgio Cavalieri Filho que o ato ilícito, tal como o lícito, é também uma manifestação de vontade, uma conduta humana voluntária, só que contraria à ordem jurídica. Observa que, todavia, enquanto os atos jurídicos podem se restringir a meras declarações de vontade, como, por exemplo, prometer fazer ou contratar etc., o ato ilícito é sempre uma condução voluntária. Se é ato, nunca o ato ilícito consistirá num simples declaração de vontade. Importa dizer que ninguém pratica ato ilícito simplesmente porque promete a outrem causar-lhe um prejuízo.

E prossegue o mencionado autor: “Em apertada síntese, ato ilícito é ato voluntário e consciente do ser humano que transgride um dever jurídico. Ato praticado sem consciência do que se está fazendo não pode constituir ato ilícito”. (Programa de responsabilidade civil, p. 23, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 493 - pdf – parte geral).

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 185 Dos Atos Jurídicos Lícitos VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 185
Dos Atos Jurídicos Lícitos
VARGAS, Paulo S. R. 

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 232)
Título II – Dos Atos Jurídicos Lícitos –
- vargasdigitador.blogspot.com

Art 185. Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior. 1

1.        Atos jurídicos lícitos

O Código Civil acolheu a classificação dos atos jurídicos em atos jurídicos em sentido estrito e em negócios jurídicos. Enquanto que nos negócios jurídicos o sujeito pratica o ato querendo a produção de determinados efeitos jurídicos, os atos jurídicos em sentido estrito são praticados pelo sujeito com indiferença quanto ás suas consequências jurídicas. Tanto os atos jurídicos em sentido estrito quanto os negócios jurídicos são, portanto, espécies do gênero atos jurídicos lícitos. Apesar das inegáveis particularidades que os distinguem, não há dúvidas de sua semelhante natureza. Ambos são atos de vontade, merecendo, pois, a mesma disciplina jurídica no que se refere a esses pontos comuns. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 30.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Moreira Alves, discorrendo sobre o aludido dispositivo, que constitui inovação, observa que não se pode negar a existência de atos jurídicos a que os preceitos que regulam a vontade negocial não têm inteira aplicação.

Atento a essa circunstância, aduz: “O Projeto de Código Civil brasileiro, no Livro III de sua Parte Geral, substituiu a expressão genérica ato jurídico, que se encontra no Código em vigor (refere-se ao Código de 1916), pela designação específica negócio jurídico, pois é a este, e não necessariamente àquele, que se aplicam todos os preceitos ali constante. E, no tocante aos atos jurídicos lícitos que não são negócios jurídicos, abriu-lhes um título, com artigo único, em que se determina que se lhes apliquem, no que couber, as disposições disciplinadoras de negócio jurídico. Seguiu-se, nesse terreno, a orientação adotada, a propósito, no art 195º do Código Civil português de 1967”. (A Parte Geral do Projeto de Código Civil brasileiro, p. 97-98 apud Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 489 - pdf – parte geral).

No diapasão de Roberto Gonçalves, entendemos os atos jurídicos em geral como ações humanas lícitas ou ilícitas. Lícitos são os atos humanos a que a lei defere os efeitos almejados pelo agente. Praticados em conformidade com o ordenamento jurídico, produzem efeitos jurídicos voluntários, queridos pelo agente. Os ilícitos, por serem praticados em desacordo com o prescrito no ordenamento jurídico, embora repercutam na esfera do direito, produzem efeitos jurídicos involuntários, mas impostos por esse ordenamento. Em vez de direitos, criam deveres. Hoje se admite que os atos ilícitos integram a categoria dos atos jurídicos, pelos efeitos que produzem (geram a obrigação de reparar o prejuízo – CC, arts 186, 187 e 927). (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 490 - pdf – parte geral).

Ainda na linha de raciocínio de Roberto Gonçalves, os atos jurídicos lícitos dividem-se em: ato jurídico em sentido estrito, negócio jurídico e ato-fato jurídico. Como as ações humanas que produzem efeitos jurídicos demandam disciplina diversa, conforme a lei lhes atribua consequências, com base no maior ou menor relevo que confira à vontade de quem as pratica, o Código Civil de 2002 adotou a técnica moderna de distinguir, de um lado, o negócio jurídico, que exige vontade qualificada (contrato de compra e venda, p. ex.), e, de outro, os demais atos jurídicos lícitos (v. Livro III, Título I, Capítulo IV, n. 24, retro): o ato jurídico em sentido estrito ocupação decorrente da pesca, p. ex., em que basta a simples intenção de tornar-se proprietário da res nullius, que é o peixe) e o ato-fato jurídico (encontro de tesouro, que demanda apenas o ato material de achar, independentemente da vontade ou consciência do inventor). Aos dois últimos manda o Código aplicar, apenas no que couber (não se pode falar em fraude contra credores em matéria de ocupação, p. ex.), os princípios disciplinadores do negócio jurídico. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 490-491 - pdf – parte geral).

Esclarecimento: Foi apresentada na Câmara dos Deputados, emenda supressiva do atual art 185 do Código de 2002, a de n. 237, sob a alegação de que, além de não ter sentido prático na contextura do Código Civil - a distinção entre negócios jurídicos e atos jurídicos em sentido estrito é controvertida na doutrina, razão por que o artigo seria dispensável. Na doutrina, José Paulo Cavalcanti, em candente crítica, disse, entre outras coisas, que “cumpria ao Projeto estabelecer a disciplina da figura supostamente autônoma, o que não fez” (Sobre o Projeto do Código Civil: Exposição ao Instituto dos Advogados Brasileiros, Recife, 1978, p. 32, s.). A esses argumentos, respondeu a Comissão Revisora: “Disciplinando-se uma das espécies de ato jurídico, ou seja, o negócio jurídico (que é a mais importante delas), é necessário dizer que, no que couber, essas regras se aplicam às demais espécies de atos jurídicos que não sejam negócios jurídicos. Como, pois, dizer-se que a regra não tem sentido prático? E o fato de ser controvertida – como acentua a justificativa – a distinção entre negócio jurídico e ato jurídico em sentido estrito só é verdadeiro na medida em que uns raros autores atacam a distinção, que hoje domina francamente, e já foi acolhida pelo novíssimo Código Civil português. Se a renitência de uns poucos for empecilho para que a ciência avance, esta jamais progredirá. Ocupação é ato jurídico; contra é ato jurídico – haverá quem pretenda que ambos se disciplinem exatamente pelos mesmos princípios? É Cabível, por exemplo, falar-se em fraude contra credores em matéria de ocupação? Um menor de 16 anos que pesca, não se torna dono do peixe? Ou alguém pretenderá que o ato de apoderamento é nulo, como seria o contrato celebrado por esse menor? Que a distinção entre os atos jurídicos existe, não há dúvida de que existe, embora nem sempre seja fácil classificar um determinado ato nesta ou naquela categoria. Mas, ninguém nega a diferença entre direito real e direito pessoal, embora haja entre eles uma zona cinzenta” (José Carlos Moreira Alves, A parte geral, cit., pp. 149-150, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 489-490 - pdf – parte geral).

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 181, 182, 183, 184 - Da Anulabilidade do Negócio Jurídico, VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 181, 182, 183, 184 -
Da Anulabilidade do Negócio Jurídico,
VARGAS, Paulo S. R.

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo V –
Da Invalidade do Negócio Jurídico
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Art 181. Ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga. 1

1.        Irrepetibilidade das quantias pagas aos incapazes

Como forma de proteger os incapazes do oportunismo daqueles que queiram tirar alguma vantagem realizando negócios jurídicos com essas pessoas presumidamente inexperientes, estipulou o legislador que ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz. Afasta-se, com isso, a regra expressa segundo a qual a anulação dos negócios jurídicos deve levar as partes ao status quo ante (CC, art 182), como forma de desencorajar esse tipo de iniciativa. Contudo, diante da regra que veda o enriquecimento sem causa, provando-se que a quantia paga reverteu em proveito do menor, poderá a outra parte reaver o que pagou em caso de anulação do negócio jurídico celebrado. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 29.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Segundo o entendimento de Roberto Gonçalves, o Código abre exceção em favor dos incapazes, ao dispor que “ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga” (art 181). As obrigações contraídas com absolutamente incapazes são nulas; e anuláveis, se a incapacidade for relativa. Cabe ao incapaz, protegido pela lei, e não a quem com ele contratou, o direito de pedir a anulação do negócio.

Os efeitos por este produzidos ficam vedados a partir da anulação. Provado, porém, que o pagamento nulo reverteu em proveito do incapaz, determina-se a restituição, porque ninguém pode locupletar-se à custa alheia. Sem tal prova, mantém-se inalterada a situação. O ônus da prova incumbe a quem pagou. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 478-479 - pdf – parte geral).

Art 182. Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente. 1, 2

1.        Retorno ao status quo ante

Diferentemente do que defende parte da doutrina, ainda que com certo respaldo da jurisprudência, anulado um negócio jurídico, devem as partes retornar ao estado em que se encontravam antes dele. Ou seja, tanto a anulação do negócio jurídico quanto à declaração de sua nulidade tem a mesma eficácia retroativa (ex tunc). O artigo 182 do Código Civil é expresso quanto a isso. Deve-se, portanto, entender que a anulabilidade referida pelo presente artigo é empregada em seu sentido genérico, compreendendo tanto a nulidade quanto a anulabilidade.

2.        Impossibilidade de retorno ao status quo ante

Nem sempre, contudo, será possível devolver às partes ao estado em que se encontravam antes da realização do negócio jurídico. Basta imaginar num negócio jurídico anulado cujo objeto fosse a transferência de um bem infungível que veio a ser destruído. É evidente que em tais casos mostra-se absolutamente impossível restituir as partes ao estado em que se encontravam antes do negócio jurídico. Em tal caso, a única solução será a conversão dessa obrigação de retorno ao estado anterior em indenização equivalente. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 29.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

No mesmo entendimento Roberto Gonçalves: Tratando dos efeitos da invalidação do negócio jurídico, dispõe o art 182 do Código Civil que, “anulado o negócio jurídico” (havendo nulidade ou anulabilidade), “restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se acharem, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas, com o equivalente”. A parte final aplica-se às hipóteses e que a coisa não mais existe ou foi alienada a terceiro de boa-fé. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 478 - pdf – parte geral).

Art 183. A invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico sempre que este puder provar-se por outro meio. 1

1.        Invalidade do instrumento

Não se pode confundir o negócio jurídico com o instrumento que o materializa. Negócio jurídico é a manifestação de vontade dirigida à realização de determinados efeitos jurídicos. O instrumento, por sua vez, é o meio utilizado pelo agente para externar essa vontade. Nos casos em que a lei não exige forma especial para a prática do negócio jurídico, o instrumento valerá tão somente como prova da realização do negócio. O negócio será válido e sua existência e seu conteúdo poderão ser provados por qualquer outro meio. Todavia, nos negócios jurídicos em que lei exige forma especial, o instrumento é da substância do ato e sua nulidade implicará na nulidade do negócio jurídico. Nada impede, entretanto, que diante da nulidade do negócio jurídico formal por defeito no instrumento, haja a conversão formal do negócio jurídico inválido em outro negócio válido (vide comentários ao artigo 170.) (1). (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 29.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

(1)       Conversão do negócio jurídico nulo

Por meio da conversão do negócio jurídico, permite-se que seja atribuída uma nova qualificação jurídica válida ao suporte fático existente, em substituição à qualificação jurídica nula. Não se trata de convalidar o negócio jurídico nulo. O que há é a mera substituição do negócio jurídico nulo por outro válido. Para que isso possa ocorrer, entretanto, é necessário que (a) o negócio jurídico nulo contenha todos os requisitos de outro, (b) que esses requisitos sejam todos válidos, de modo a permitir a formação de outro negócio jurídico, válido em sua inteireza e que (c) se possa supor que, no momento da celebração do negócio jurídico nulo, as partes teriam querido celebra o negócio jurídico em que se pretende converter o negócio nulo se houvessem previsto a nulidade. Como se pode antever, a maior dificuldade será a de caracterizar a presença desse terceiro requisito. Isso porque a conversão do negócio jurídico não poderá interferir na vontade das partes, levando-as a se vincular a um negócio jurídico que não iriam querer, tão somente porque é possível enquadrar o suporte fático nesse diferente negócio jurídico. É o que ocorreria, por exemplo, com uma tentativa de converter uma compra e venda em um contrato de doação diante da nulidade de uma cláusula que estipule o pagamento em moeda estrangeira. É necessário que se preserve a finalidade econômica, ou seja, os resultados úteis almejados pelas partes. Exemplo bastante feliz em que se permite aplicar a conversão dos negócios jurídicos nulos, dado por Nestor Duarte, é a da conversão do contrato de compra e venda de imóvel de valor superior a trinta salários mínimos por instrumento particular. Apesar da nulidade absoluta dessa compra e venda por inobservância da forma prescrita em lei (escritura pública – CC, arts 108 e 166, IV), é possível preservar a finalidade econômica pretendida pelas partes convertendo esse negócio jurídico em uma promessa de compra e venda de bem imóvel, para o qual o Código Civil não exige forma especial (CC, art 462). (1) (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 26.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Em suas disposições especiais, Roberto Gonçalves comenta que “A inviabilidade do instrumento não induz a do negócio jurídico sempre que este puder provar-se por outro meio” (CC, art 183). Assim, por exemplo, a nulidade da escritura de mútuo de pequeno valor não invalida o contrato, porque pode ser provado por testemunhas. Mas será diferente se a escritura pública for da substância do ato, como no contrato de mútuo com garantia hipotecária. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 478 - pdf – parte geral).

Art 184. Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal. 1, 2

1.        Nulidade parcial do negócio jurídico

O artigo 184 do Código Civil consagra a regra da conservação do negócio jurídico, que determina seja preservado o negócio jurídico sempre que possível. Ou seja, sempre que sua manutenção não contrariar a vontade das partes. Para tanto, entende-se necessário que a conservação do negócio jurídico não implique na produção de efeitos distintos daqueles perseguidos pela própria realização do negócio jurídico. É necessária, portanto, a preservação do núcleo do negócio jurídico assim entendido como sendo sua própria causa ensejadora. Para que a conservação do negócio jurídico tenha lugar, portanto, é necessário que se possa identificar no negócio jurídico partes autônomas e que a preservação dessas partes autônomas não venha a contraria o escopo negocial nuclear perseguido pelas partes ao celebra o negócio jurídico. Nesse sentido é a jurisprudência do superior Tribunal de Justiça: “Nos termos do art 184 do CC/02, a nulidade parcial do contrato não alcança a parte válida, desde que essa possa subsistir autonomamente. Haverá nulidade parcial sempre que o vício invalidante não atingir o núcleo do negócio jurídico. Ficando demonstrado que o negócio tem caráter unitário, que as partes só teriam celebrado se válido fosse em seu conjunto, sem possibilidade de divisão ou fracionamento, não se pode cogitar de redução e a invalidade é total. O princípio da conservação do negócio jurídico não deve afetar sua causa ensejadora, interferindo na vontade das partes quanto à própria existência da transação (STJ, REsp n. 981.750-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 13.04.10).

2.        Nulidade parcial do negócio jurídico no âmbito dos contratos complexos e dos contratos conexos

O princípio da conservação dos negócios jurídicos pressupõe que os contratantes teriam celebrado o contrato em análise, mesmo se ele tivesse como objeto apenas a parte que restou válida. Diante dessa exigência, parte da doutrina entende que é impossível a incidência do princípio da conservação do negócio jurídico no âmbito da conexão contratual a qual pressupõe exatamente a intenção das partes de criar um vínculo de dependência entre os diferentes contratos. Anulado, portanto, um desses contratos, restando apenas o outro, sequer haveria conexão contratual é exatamente isso o que diz Francisco Paulo de Crescenzo Marino, que afasta expressamente a incidência da regra da conservação dos negócios jurídicos às situações de conexão contratual, dizendo que “os autores que aplicam a regra da invalidade parcial à coligação contratual acabam por sustentar que, neste âmbito, parte-se sempre da “insensibilidade dos negócios”, salvo vontade contrária das partes – proposição absolutamente contraditória com a noção de coligação contratual -, ou, então, esvaziam a referida regra de seu conteúdo originário”. (1) Não é isso, contudo, o que tem prevalecido. A aplicação do princípio da conservação dos negócios jurídicos depende apenas de uma análise da forma com que a anulação de um contrato inserido num contexto de conexão irá impactar na economia global da transação. Se a anulação de um dos contratos tiver aptidão de frustrar a realização da economia global da operação econômica idealizada pela estrutura de conexão será, de fato, o caso de permitir que a resolução de um contrato leva à resolução do outro. Nos demais casos, porém, em que a anulação de um dos contratos não impedir, por si só a realização dessa operação econômica deve prevalecer a regra utile per inutile non vitiatur, mantendo-se a validade e a eficácia do contrato remanescente. Deve-se, compreender, contudo, que quando as partes decidem estruturar determinada operação econômica por meio de um contrato complexo e não por meio de dois contratos conexos, manifestam claramente sua vontade negocial de estreitar a dependência entre tais diferentes conteúdos. Inversamente, ao estruturarem seus interesses em dois ou mais contratos distintos, porém conexos, há uma evidente vontade em manter uma maior distância e autonomia entre tais disposições. Uma vez que a conservação do negócio jurídico apenas tem lugar entre tais disposições. Uma vez que a conservação do negócio jurídico apenas tem lugar nos casos em que a vontade das partes permitir inferir que elas iriam querer manter válida apenas parte do conteúdo obrigacional, tais indícios da vontade das partes (de realizar um só contrato complexo ou vários contratos conexos) não podem ser desconsiderados. Parece acertada, portanto, a parte da doutrina ver em tais circunstâncias ora um indicativo da vontade das partes em conservar parte do conjunto negocial e ora um indicativo de reconhecer a nulidade de todo o seu conjunto. Assim, estando o intérprete diante de um caso de conexão contratual, a presunção (relativa) é a de que a nulidade ou a anulabilidade de um contrato não interfere na eficácia do outro, cabendo àquele que tem interesse na resolução do conjunto contratual provar a impossibilidade de atingir o fim contratual idealizado pelas partes. Por outro lado, tratando-se de um caso de contrato complexo, a presunção (sempre relativa) é a de que a nulidade ou a anulabilidade parcial do contrato levaria à resolução de todo o conjunto, cabendo a quem tiver interesse na conservação de parte do contrato provar sua viabilidade. (2) (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 29.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

(1)      Contratos coligados no direito brasileiro, p. 191.
(2)      Negozi collegati in funzioni di scambio (su alcuni problemi del collegamento negoziale e dela forma giuridica dele operazioni econimiche di scambio), pp. 420-423

Segundo Roberto Gonçalves nos ilustra, dispõe o art 184, primeira parte, que, “respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável”. Trata-se de aplicação do princípio utile per inutile non vitiatur. Assim, por exemplo, se o testador, ao mesmo tempo em que dispôs de seus bens para depois de sua morte, aproveitou a cédula testamentária para reconhecer filho havido fora do casamento, invalidada esta por inobservância das formalidades legais, não será prejudicado o referido reconhecimento, que pode ser feito até por instrumento particular, sem formalidades (CC, art 1.609, II). A invalidade da hipoteca também, por falta de outorga uxória, impede a constituição do ônus real, mas é aproveitável como confissão de dívida.

O referido art 184 ainda prescreve, na segunda parte, que “a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal”. A regra consiste em aplicação do princípio acessorium sequitur suum principale, acolhido pelo Código Civil. Assim, a nulidade da obrigação principal acarreta a nulidade da cláusula penal e da dívida contratada acarreta a da hipoteca, Mas a nulidade da obrigação acessória não importa a da obrigação principal. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 479 - pdf – parte geral).

A teoria das nulidades do negócio jurídico sofre algumas exceções, quando aplicada ao casamento. Assim, embora os negócios nulos não produzam efeitos, o casamento putativo produz alguns. Malgrado a nulidade deva ser decretada de ofício pelo juiz, a decretação de nulidade do casamento do enformo mental que não tenha o necessário discernimento, e do celebrado com infringência a impedimento, pode ser promovida mediante ação direita, por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público (CC, art 1.549).