segunda-feira, 25 de março de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 254, 255, 256 – Das Obrigações Alternativas – VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 254, 255, 256
– Das Obrigações Alternativas
 – VARGAS, Paulo S. R. 

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título I – Das Modalidades das Obrigações (art. 233 a 285)
Capítulo IV – Das Obrigações Alternativas –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 254. Se, por culpa do devedor, não se puder cumprir nenhuma das prestações, não competindo ao credor a escolha, ficará aquele obrigado a pagar o valor da que por último se impossibilitou, mais as perdas e danos que o caso determinar.

No dizer de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, em se tratando de obrigação alternativa cuja escolha cabe ao devedor, a inexequibilidade de uma das prestações por culpa ou dolo do devedor, não lhe traz qualquer consequência adicional – além, obviamente, de torná-lo obrigado a cumprir com a prestação restante. De fato, nesse caso, há, simplesmente, uma forma particular de escolha e a obrigação torna-se pura e simples (sobre escolha, vide comentários ao artigo 252). No entanto, caso todas as prestações impossibilitem-se, por ato imputável ao devedor, ele ficará obrigado a arcar com o equivalente à prestação que se impossibilitou por último, bem como com eventuais perdas e danos que seu descumprimento tenha acarretado ao credor. O mecanismo da lei é bastante lógico; tornando-se impossível o cumprimento da primeira prestação, a obrigação concentra-se na segunda e torna-se simples e determinada. Assim, impossibilitando-se a outra prestação (agora única), surge ao credor o direito de receber o que lhe e equivalente, bem como de ser indenizado por eventuais perdas e danos decorrentes da perda da prestação que havia subsistido.

Nas obrigações facultativas, se houver culpa ou dolo do devedor, não poderá este se beneficiar de sua própria torpeza, de maneira que, nesse caso, o credor poderá tanto exigir o equivalente à prestação principal cumulada com perdas e danos como também o cumprimento da prestação facultativa. A inexequibilidade da prestação facultativa não traz qualquer alteração à prestação principal. Nesse caso, há tão somente a perda do devedor da opção de solver a obrigação por meio da prestação facultativa. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 24.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Comparando a doutrina, Ricardo Fiuza explica que se houver culpa do devedor, diante da impossibilidade de todas as prestações, e couber a ele a escolha, a solução encontrada pelo legislador foi a de obriga-lo a pagar a que por último se impossibilitou, mas perdas e danos. Como ensina Pothier, nesse caso o devedor perde o direito de escolher, porque com a extinção da primeira prestação ficou devendo obrigatoriamente a segunda, já a única devida, de modo que, tornando-se também essa impossível, só por ela deve responder o devedor (di tratado das obrigações, cit., p. 204). Sempre que houver culpa, haverá perdas e danos. Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 154, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc.16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word.

No enfoque de Bdine Jr., o art. 254 disciplina hipóteses em que as prestações não puderem ser cumpridas por culpa do devedor. No dispositivo em exame, trata-se de verificar as consequências do perecimento da prestação por culpa do devedor. Nesse caso, a escolha não é feita pelo credor, mas sim pelo próprio devedor culpado do perecimento. Por sua culpa, alguma dou algumas das alternativas se tonam impossíveis. Enquanto remanescerem alternativas será o caso de imaginar que o devedor culpado optou por elas e descartou a que pereceu por culpa sua. Caso somente uma única prestação permaneça, será esta devida ao credor, já que as demais pereceram por culpa do devedor – o que equivale a uma espécie de escolha efetuada por ele, que não foi diligente para preservar as outras. Nesse caso, portanto, cuidar-se-á de uma prestação simples, que se perde por culpa do devedor. A solução deste art. 254 é a mesma do art. 234, segunda parte. Em ambos os artigos, além de pagar o valor da própria prestação que se impossibilitou, o devedor culpado deverá indenizar as perdas e danos (art. 402 CC). Ao afirmar que essa regra se aplica aos casos em que a escolha não cabe ao credor, o legislador autoriza sua incidência quando a opção ficar a cargo de terceiro. No entanto, a interpretação não parece adequada, pois, nessa hipótese, o devedor que, culposamente, provocasse o perecimento podia apenas subtrair as alternativas oferecidas ao credor – ainda que para serem escolhidas por terceiros -, consolidando a escolha na prestação que melhor lhe conviesse. A regra, portanto, só se justifica nos casos em que a opção de escolha seja do próprio devedor, não alcançando aquelas em que o direito de optar seja do credor ou de terceiro. A questão pode ser exemplificada com determinada situação em que, ao se separar consensualmente, o casal convencionou que o marido, no período de um ano, optaria entre entregar à esposa um apartamento em construção – do qual era promitente comprador – ou uma casa de padrão médio em determinado bairro. Caso, por culpa do marido, o apartamento não puder ser entregue (porque ele deixou de pagar as prestações), considera-se que ele deve entregar à esposa a residência de padrão médio (que deve ser considerada obrigação de dar coisa incerta, regida pelo disposto nos arts. 243 a 246 do Código Civil). Se a opção, porém, foi conferida a um amigo do casal, o comportamento do ex-marido não pode impedi-lo de escolher o apartamento, remetendo-se a solução do conflito ao art. 255 deste Código. Gisela Sampaio da Cruz enfrenta a hipótese em que ambas as prestações alternativas perecem simultaneamente, por culpa do devedor com direito de escolha e conclui que, por analogia, há que se admitir que a ele se assegure o direito de pagar o valor da prestação que escolher com perdas e danos (“Obrigações alternativas e com faculdade alternativa. Obrigações de meio e de resultado”. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, coord. Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro. Renovar, 2005, p. 165). Mas a solução, nessa hipótese, caso a escolha seja do devedor, será assegurar-lhe o exercício desse direito. Ou seja, se escolhe a prestação atingida pela conduta do credor, este suporta o resultado de sua conduta; se a outra prestação for escolhida, o devedor poderá perseguir a indenização pela remanescente danificada ou que pereceu (Cruz, Gisela Sampaio da. “Obrigações alternativas e com faculdade alternativa. Obrigações de meio e de resultado”. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, coord. Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro. Renovar, 2005, p. 166). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 205-206 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 255. Quando a escolha couber ao credor e uma das prestações tornar-se impossível por culpa do devedor, o credor terá direito de exigir a prestação subsistente ou o valor da outra, com perdas e danos; se, por culpa do devedor, ambas as prestações se tornarem inexequíveis, poderá o credor reclamar o valor de qualquer das duas, além da indenização por perdas e danos.

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, caso a escolha da obrigação caiba ao credor, a solução da lei é diversa daquela prevista no artigo 254. Nessa hipótese, concede-se ao credor a faculdade de ou cobrar o valor equivalente e as respectivas perdas e danos da prestação que se impossibilitou por culpa do devedor ou de exigir o cumprimento da prestação subsistente. Se todas as prestações se perderem por culpa ou dolo do devedor, poderá o credor exigir o equivalente a qualquer uma das prestações previstas, bem como das perdas e danos que lhe tenham sido ocasionados. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 24.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No comentar de Hamid Charaf Bdine Jr, nos casos em a opção de escolha é do credor, a solução para as hipóteses em que qualquer das prestações se torna impossível por culpa do devedor, é permitir que o credor escolha entre a prestação remanescente e aquela que pereceu por culpa do devedor. Se o credor escolhe a prestação subsistente, não há prejuízo de qualquer espécie, de maneira que não haverá necessidade de regulamentar a questão em relação às perdas e danos. Contudo, se o credor optar pela prestação que pereceu, o devedor deverá indenizá-lo, pagando-lhe o valor da própria prestação além das perdas e danos. Também será o caso de obrigar o devedor a pagar o valor do bem e as perdas e danos, se ambas as prestações se tornarem inexequíveis, cumprindo ao credor optar por uma delas. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 205-206 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo o parecer de Ricardo Fiuza, o presente dispositivo não foi alvo de alteração relevante seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto. Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 99, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc., 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf. Microsoft Word.

Ainda na dicção de Fiuza, a doutrina mostra do “Desconhecimento da coação exercida por terceiro: o negócio jurídico terá validade se a coação decorrer de terceiro, sem que o contratante, com ela beneficiado, tivesse ou devesse ter dela conhecimento. No entanto, o autor da coação terá responsabilidade pelas perdas e danos sofridos pelo coacto.” Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 99, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc., 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf. Microsoft Word.

Art. 256. Se todas as prestações se tornarem impossíveis sem culpa do devedor, extinguir-se-á a obrigação.

Segundo parecer de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, conforme assinado, tornando-se uma das obrigações impossíveis, sem culpa do devedor, tanto na hipótese de escolha do devedor como do credor, a obrigação concentra-se na prestação subsistente, tornando a obrigação alternativa em simples. Assim, nessa hipótese, tornando-se a prestação remanescente, igualmente, impossível, sem culpa ou dolo do devedor, a obrigação resolve-se e as partes retornam ao estado anterior. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 24.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Bdine Jr, essa disposição decorre das anteriores. Havendo culpa do devedor nos casos em que a opção lhe pertencer, considera-se que a última prestação perdida era aquela pela qual ele optou (art. 253); se a opção era do credor e houve culpa do devedor, faculta-se a ele optar por uma delas (art. 254). No entanto, se as prestações se tornam impossíveis sem culpa do devedor, a obrigação se extingue e as partes retornam à situação em que se encontravam anteriormente (art. 254, segunda parte). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 205-206 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

sábado, 23 de março de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 252, 253 – Das Obrigações Alternativas – VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 252, 253
– Das Obrigações Alternativas
 – VARGAS, Paulo S. R. 

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título I – Das Modalidades das Obrigações (art. 233 a 285)
Capítulo IV – Das Obrigações Alternativas –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 252. Nas obrigações alternativas, a escolha cabe ao devedor, se outra coisa não se estipulou.

§ 1º. Não pode o devedor obrigar o credor a receber parte em uma prestação e parte em outra.

§ 2º. Quando a obrigação for de prestações periódicas, a faculdade de opção poderá ser exercida em cada período.

§ 3º. No caso de pluralidade de optantes, não havendo acordo unânime entre eles, decidirá o juiz, findo o prazo por este assinado para a deliberação.

§ 4º. Se o título deferir a opção a terceiro, e este não quiser, ou não puder exercê-la, caberá ao juiz a escolha se não houver acordo entre as partes.

 Em comentário bastante lúcido Hamid Charaf Bdine Jr aponta as obrigações alternativas, como aquelas em que o devedor cumpre a prestação devida se atender a uma dentre duas ou várias opções de conduta possíveis. Tal como estabelece o art. 244, que cuida da obrigação de dar coisa incerta, este dispositivo confere ao devedor a opção de escolher entre as alternativas dadas sempre que não houver disposição diversa. O § 1º veda ao devedor conjugar partes de prestações diversas para cumprir sua obrigação. As seguradoras, por exemplo, cumprem sua obrigação quando entregam ao segurado, em substituição a um automóvel furtado, outro da mesma espécie ou o valor equivalente (prestações alternativas), mas não podem obrigá-lo a receber um carro mais simples do que o que estava segurado completando o preço em dinheiro. Nos casos em que as prestações forem periódicas, a opção pode se verificar a cada período, nos termos do parágrafo segundo do presente dispositivo, que modificou o parágrafo segundo do art. 884 do Código Civil de 1916, que só se referia a prestações anuais. Essa possibilidade de a opção renovada a cada período não é consagrada apenas ao devedor, a despeito do contido no caput, mas a todos os que tiverem a opção da escolha, como observa Nelson Rosenvald (Direito das obrigações. Niterói, Impetus, 2004, p. 101). Posição diversa, porém, é adotada por Washington de Barros Monteiro (Curso de direito civil, 32. ed., atualizada por Carlos Alberto Dabus Malu. São Paulo, Saraiva, 2004, v. IV, p. 120), que considera que somente ao devedor se confere a possibilidade de fazer a opção periodicamente, o que, no entanto, não se justifica, pois não há razão para tratar as partes diversamente. Também não se pode concluir que, em virtude do que consta do caput, os parágrafos só digam respeito à opção do devedor, pois os parágrafos terceiro e quatro são claramente destinados a qualquer optante (inclusive terceiros), o que remete à conclusão de que não há motivo para restringir a incidência da regra do parágrafo segundo apenas à opção feita pelo devedor. Caso o devedor não exerça seu direito de escolha, o credor poderá se valer do disposto no art. 571 do CPC/1973, devidamente correspondida no art. 800, do CPC/2015, e aparelhar execução para compeli-lo a optar em dez dias, sob pena de devolver-se a ele o direito de optar. Os parágrafos terceiro e quarto trazem significativa inovação ao tema das obrigações alternativas ao atribuir ao juiz o dever de efetivar a escolha dentre as diversas alternativas sempre que não houver acordo unânime entre os vários optantes ou quando o terceiro a quem foi atribuída a escolha não puder ou não quiser fazê-la. O parágrafo terceiro remete a escolha ao juiz ainda que apenas um dos diversos optantes discorde da escolha, pois exige que ela seja unânime. Não se adotou o critério de admitir a escolha da maioria, como se fez na disciplina da administração do condomínio (art. 1.323 do CC). Também não se disciplinou o modo pelo qual o juiz deve proceder à escolha, parecendo que deve optar pela melhor das opções existentes, e não pela intermediária, pois essa regra só foi prevista para a obrigação de dar coisa incerta (art. 244 do CC). A distinção decorre do fato de que prestações alternativas, ao contrário do que ocorre entre coisas incertas, são certas – cada uma delas – e não estão identificadas somente pelo gênero e pela quantidade. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 203 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A obrigação alternativa, no parecer de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, (Direito Civil Comentado, apud Direito.com em 22.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD) é, no início, relativamente, indeterminada, mas se determina antes ou, simultaneamente, à execução do vínculo obrigacional. Nessa modalidade obrigacional, há apenas um vínculo obrigacional e pluralidade de prestações. O devedor libera-se da obrigação assumida cumprindo quaisquer uma das prestações previstas, à sua ou à escolha do credor, conforme estipulado pelas partes. As prestações podem ter natureza de dar, fazer ou não fazer. De se notar que a obrigação alternativa difere da obrigação genérica, na medida em que, enquanto na primeira existem duas ou mais prestações conhecidas e individuadas, na segunda há apenas a determinação de gênero. As obrigações alternativas diferem-se também daquelas denominadas facultativas. Enquanto nas obrigações alternativas, há pluralidade de prestações, que, posteriormente, são concentradas, nas obrigações facultativas, há apenas uma prestação (obrigação simples), com a convenção de que o devedor se libera do vínculo, facultativamente, executando ato diverso. Como se verá (CC, arts. 253 e 254), tais distinções são cruciais, em se tratando de inexequibilidade das prestações.


O ponto fulcral das obrigações alternativas, segundo Pontes de Miranda (Exercício de direito potestativo, Pontes de Miranda, Francisco C. Fontes, Evolução do Direito Civil Brasileiro, Rio de Janeiro: Forense, pp. 256-266), centra-se na escolha da prestação a ser executada. É por meio desse ato a ser praticado pelo devedor ou credor, que a obrigação alternativa tornar-se-á simples e determinada. A escolha é definitiva e irrevogável, exceto se as partes houverem convencionado a possibilidade de retratação. Assim, uma vez efetuada a escolha, a obrigação concentra-se. Isso quer dizer que não haverá ao credor a possibilidade de cobrar qualquer uma das prestações possíveis antes da escolha, nem mesmo ao devedor a possibilidade de se libertar do vínculo efetuando o pagamento com as alternativas existentes antes da concentração. É, justamente, nesse jaez, que o parágrafo 1º do artigo 252 veda o cumprimento da obrigação com as partes de cada uma das prestações alternativas pré-acordadas. Exemplificativamente, não pode uma seguradora obrigar o segurado a receber um veículo mais simples do que o acordado na apólice completando a diferença em dinheiro – ou ela entrega o veículo contratado, ou o equivalente em dinheiro. A escolha, vale dizer, pode ser deixada para o momento da execução da obrigação, não havendo a necessidade de que seja efetuada com longa antecedência ao cumprimento da obrigação. Nessa hipótese, vindo o devedor a descumprir a obrigação no termo afixado, o direito de escolha passa então ao credor (do mesmo modo que, não tendo o credor, quando lhe couber, efetuado a escolha no momento assinalado, tal prerrogativa transfere-se ao devedor). Nessa hipótese, o credor poderá se aparelhar do procedimento executivo (CPC/1973, art. 800, referenciado no art. 299 do CPC/2015), para compelir o devedor a efetuar a escolha ou para que ele mesmo já a efetue em petição inicial.

Em se tratando das obrigações alternativas periódicas, a concentração poderá ser realizada a cada novo período. A doutrina diverge quanto à possibilidade de qual hipótese aplique-se nas hipóteses em que a escolha for de prerrogativa do credor: Bdine Jr ((Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 252-253 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD), e Rosenval Nelson, (Direito das Obrigações, Niterói: Impetrus, 2004, p. 101), defendem sua aplicabilidade; Monteiro, no entanto, entende a questão de maneira oposta, (Monteiro, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Saraiva: São Paulo, 2001, p. 85).

Cabendo a escolha a diversos devedores ou a diversos credores, estes deverão, à unanimidade, efetuar o ato de concentração da prestação. Não o fazendo, caberá então à parte contrária assinalar prazo para que a escolha seja efetuada, findo o qual poderá, caso a providência exigida não tenha sido adotada, recorrer ao judiciário, para que este execute a concentração da obrigação alternativa. A lei não traz critérios para que o juiz efetue a escolha. Bdine Jr., no entanto, sugere que sempre se escolha pela melhor das prestações. (Bdine Jr., Hamid Charaf. Comentário ao artigo 252 do Código civil. In Peluso, Cezar (coord.). Código Civil comentado, Barueri: Manole, 2015).

Caberá também ao juiz efetuar a concentração da obrigação alternativa, na hipótese de a escolha ter sido delegada a terceiro e este não querer ou não poder efetuá-la. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 22.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 253. Se uma das duas prestações não puder ser objeto de obrigação ou se tornada inexequível, subsistirá o débito quanto à outra.

Na estrutura das obrigações alternativas, (vide comentários ao art. 252), na dicção de Bdine Jr, (Bdine Jr., Hamid Charaf. Comentário ao artigo 252 do Código civil. In Peluso, Cezar (coord.). Código Civil comentado, Barueri: Manole, 2015), tornando-se uma delas impossível, há uma concentração automática (ex re ipsa) da obrigação na que subsistir. Nesse caso, o fortuito torna a obrigação alternativa em simples e determinada. [é relevante destacar que, mesmo no caso de impossibilidade jurídica (iliciedade do objeto), a prestação alternativa exequível subsiste e a obrigação passará a nela se concentrar. Nas obrigações facultativas, só uma prestação é devida e, logo, sua inexequibilidade, sem ato imputável ao devedor, extingue o vínculo obrigacional. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 22.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Exemplifica-se na jurisprudência: “Alienação fiduciária. Obrigação de devolver o bem em 24 horas ou o equivalente em dinheiro. Veículo roubado. Uma vez perecido o bem, mantém-se a obrigação de pagamento do equivalente, nos termos do art. 904 do CPC/1973, sem correspondência no CPC/2015. Perecimento do bem não extingue a obrigação, que é alternativa” (TJSP, Apel. n. 1.088.715-0/0, Rel. Des. João Carlos Sá Moreira de Oliveira, j. 10.10.2007).

Apresentado uma versão anterior, Bdine Jr nos brinda com o comentário de que tal disposição alcança os casos em que uma das prestações perece ou não pode ser objeto da obrigação sem culpa do devedor. As hipóteses em que a impossibilidade decorre da culpa são tratadas nos artigos seguintes. Importa notar que, nesses casos, somente uma das prestações remanesce e, por isso mesmo, concentra-se nela a opção, passando a haver uma obrigação simples, e não alternativa. É possível, porém, imaginar algum caso em que a alternativa seja a essência da obrigação. Nesse caso, desaparecendo a alternativa, é de considerar resolvida a obrigação. Imagine-se que um viajante contrate prestações alternativas consistentes em ter à sua escolha, em determinado local de seu percurso, um barco ou um avião para prosseguir viagem. Essas alternativas lhe são essenciais, pois somente desse modo poderá prosseguir a viagem aventureira a que se comprometeu. No entanto, nesse local isolado, o barco que era uma de suas alternativas sofre uma pane que o impossibilita de navegar. A consolidação da obrigação na entrega do avião não atenderá às suas necessidades, pois condições climáticas inesperadas poderão acarretar sua inutilidade. Desse modo, antes mesmo de chegar ao local da entrega da prestação, poderá dar por desfeito o negócio, na medida em que a existência das alternativas é, por si mesma, fundamental ao resultado visado pelo credor. No exemplo dado, a própria alternatividade desaparece, de modo que o que se verificará será uma cláusula resolutiva – ou seja, desaparecendo uma das duas alternativas, resolve-se a obrigação. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 203 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

sexta-feira, 22 de março de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 250, 251 – Das Obrigações de Não Fazer – VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 250, 251
– Das Obrigações de Não Fazer
 – VARGAS, Paulo S. R. 

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título I – Das Modalidades das Obrigações (art. 233 a 285)
Capítulo III – Das Obrigações de Não Fazer –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 250. Extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se lhe torne impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar.

Conforme orientação de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, a obrigação de não fazer tem natureza negativa, consistindo na omissão do devedor em realizar determinado ato. Justamente por se caracterizar em postura omissiva, não há como se admitir a purgação de mora de obrigação dessa modalidade. Em geral, nesse tipo obrigacional, impõe-se ao devedor um non facere dentro de um certo período de tempo. Caso a obrigação torne-se, sem qualquer culpa do devedor, impossível de ser cumprida, o vínculo obrigacional resolve-se e as partes retornam ao statuo quo ante. Isso quer dizer que eventual valor recebido pelo devedor em troca da abstenção deverá ser devolvida ao credor. Tal restituição não tem caráter de perdas e danos, mas visa simplesmente ao retorno das partes ao estado anterior à assunção das correspectivas obrigações. Ilustrativamente, pode-se mencionar a obrigação não se demolir determinado prédio, que ficará extinta, caso o prédio se destrua devido a acontecimentos naturais. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 22.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Exemplificando-se na jurisprudência: “Direito de Vizinhança. Nunciação de obra nova. Obra de vizinho que já havia sido concluída quando do ajuizamento da ação. Ausência de prejuízo à obra do autor. Construção instável, sem condições básicas de segurança. Demolição de parte da obra pelo réu. Impossibilidade da obrigação de fazer. Conversão em perdas e danos, nos termos do art. 461, § 1º, do CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, art. 499. Indenização, porém, indevida. Demolição feita sem consentimento do proprietário ou ordem judicial em virtude do risco que representava. Urgência. Autotutela prevista no art. 251, parágrafo único, do CC. Pedido improcedente. Recurso improvido” (TJSP, 32ª Câm. Direito Privado, Apel. N. 002096-44.2009.8.26.0625, Rel. Des. Hamid Bdine, j. 31.1.2016).

Segundo a visão de Hamid Charaf Bdine Jr., a obrigação de não fazer consiste em impor a alguém uma abstenção. Na hipótese desse dispositivo, essa abstenção se torna impossível sem culpa do devedor. A consequência é a extinção da obrigação. A obrigação de não fazer pode se verificar no compromisso de não demolir determinada edificação existente em um terreno. A obrigação assumida estará extinta se a construção desmoronar em decorrência de fenômenos naturais, pois o desmoronamento tornará impossível cumprir a obrigação de não demolir. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., pp. 200-201 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 251. Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos.

Parágrafo único. Em caso de urgência, poderá o credor desfazer ou mandar desfazer, independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do ressarcimento devido.

Ora, o comentário de Hamid Charaf Bdine Jr., é que, diversamente do que ocorre no artigo
antecedente, este trata do inadimplemento culposo da obrigação de não fazer. O devedor infringe a obrigação, praticando o ato a cuja abstenção se obrigou – constrói no terreno em que havia servidão de não edificar. A solução prevista nesse dispositivo é autorizar o credor a exigir que o próprio devedor desfaça o ato, ou desfazê-lo à sua custa, e que, além disso, indeniza perdas e danos. No exemplo da construção em terreno sujeito à servidão de não construir, o credor da obrigação pode obter decisão judicial que o autorize a contratar um terceiro para demolir a obra e ainda receber indenização por perdas e danos – que, aqui, como no disposto no art. 249, não é alternativa, mas acréscimo, como registra Renan Latufo (Código Civil comentado, São Paulo, saraiva, 2003, v. II, p. 54). No parágrafo único está disciplinada a autotutela. O texto encontra equivalência no parágrafo único do art. 249. Pode ser aplicado aos casos em que não haja urgência, caracterizada pela gravidade dos danos provocados pelo inadimplemento e pela impossibilidade de obter intervenção judicial imediata. É possível identificar esse caso no exemplo seguinte: um pequeno empresário cede seu direito de manter uma barraca de pasteis em uma feira agropecuária a outro vendedor de pasteis. No instrumento de cessão de direitos, assume a obrigação de não se instalar no local com o comércio de pasteis, por isso acarretaria redução das vendas do cessionário. No único dia em que a feira se realizaria, o cessionário verifica que o cedente do direito de se instalar está montando sua barraca de pasteis para funcionar no mesmo local. Haverá urgência, pois não existirá tempo de obter intervenção judicial e os danos correspondentes a seu lucro naquele dia serão de difícil reparação, já que o vendedor de pasteis é insolvente. Assim, estarão presentes os requisitos do parágrafo único do art. 251 do Código Civil, que permitem que o credor da obrigação tome as providencias a seu alcance para impedir a infração contratual. Poderá, por exemplo, conseguir que a administração da feira agropecuária imponha a abstenção ao dono da barraca de pasteis. Vale registrar, em observação também pertinente para o parágrafo único do art. 249, que o credor que atuar sem a intervenção judicial deverá indenizar os danos que causar ao devedor, se se constatar posteriormente que por alguma razão ele não era credor da obrigação. Nesse caso, ele terá agido com infração ao dever contratual de respeito ao outro contratante, oriundo da boa-fé objetiva (art. 422 do CC) ou com abuso de direito (art. 187 do CC).  (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., pp. 200-201 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na interpretação de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, à semelhança da estrutura do artigo 249, o artigo 251 também concede ao credor a possibilidade de exigir do devedor que desfaça determinado ato ou a autorização para que tal desfazimento seja efetuado por si ou por terceiro, no caso de descumprimento da obrigação. Em ambas as situações, a parte credora estará autorizada a efetuar a cobrança de eventuais perdas e danos que o descumprimento do devedor tenha lhe gerado. Igualmente, de modo semelhante ao disposto no art. 249, permite-se que o credor, em caso de urgência, promova o desfazimento do ato executado pelo devedor, independentemente do ajuizamento de ação judicial. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 22.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 21 de março de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 247, 248, 249 – Das Obrigações de Fazer – VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 247, 248, 249
– Das Obrigações de Fazer
 – VARGAS, Paulo S. R.
 
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título I – Das Modalidades das Obrigações (art. 233 a 285)
Capítulo II – Das Obrigações de Fazer –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 247. Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exequível.

O artigo comentado, na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, trata das obrigações de fazer, cujo objeto consiste em um ato positivo do devedor, em gera relacionado a uma prestação de trabalho, com a exigência de execução material, por vezes envolvendo esforço físico. Diversamente das obrigações de dar, as obrigações de fazer têm como pressuposto conduta humana específica. Exemplificativamente, pode-se mencionar a atividade do marceneiro que produz um móvel ou de um cantor que realiza um espetáculo. No entanto, a obrigação pode envolver, outrossim, atos mais complexos, como, por exemplo, a celebração de um contrato ou de um determinado negócio jurídico – atos a partir dos quais derivam uma miríade de outros efeitos. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 21.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Caio Mário da Silva Pereira, as obrigações de fazer podem ser construídas, levando-se em consideração as características pessoais do devedor, por se tratar de qualidades essenciais ao cumprimento da prestação. Tais obrigações são qualificadas como personalíssimas (intuito personae). São ditas ainda infungíveis, em contraposição às prestações que podem ser cumpridas, independentemente, de quem seja o devedor. Ilustrativamente, tem-se o quadro pintado por um pintor famoso, hipótese em que não se visa a uma tela qualquer, mas sim a uma tela elaborada, especificamente, por um determinado artista. Em regra, todas as obrigações são fungíveis. Caso as partes desejem caracterizá-las como personalíssimas, deverão fazer estipulação expressa no título que der origem à obrigação. Pereira, no entanto, defende uma interpretação ampliativa da questão, sugerindo que, ainda que inexista convenção específica, há que se reconhecer a natureza pessoa da obrigação quando assim determinarem as circunstâncias. (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, op. cit., p. 59).

De acordo com Hamid Charaf Bdine Jr, nas obrigações de fazer, a prestação consiste em uma atividade humana (um trabalho físico, intelectual ou mesmo a prática de um ato ou negócio jurídico). Distinguem-se das obrigações de dar porque compreendem essa conduta humana como antecedente lógico de uma eventual obrigação de entrega. Nas obrigações de dar, essa entrega não é precedida de uma atividade humana consistente em fazer. A distinção, portanto, está posta no fazer, que não se identifica quando a obrigação for apenas de dar. É obrigação de fazer a de um cantor que comparece a determinado local no dia estabelecido para um espetáculo. Do mesmo modo, será de fazer a obrigação do pintor que entrega um quadro na data estabelecida. Neste último caso, a entrega do quadro pode caracterizar uma obrigação de dar, mas será de fazer em razão da atividade artística obrigatoriamente desenvolvida antes da entrega. Mas a obrigação será apenas de dar se a prestação consiste em entregar um veículo cujo preço já tenha sido recebido pelo vendedor. A inexecução da obrigação de dar coisa certa e da de fazer ou não fazer autoriza a aplicação da multa no processo de execução (arts. 621, parágrafo único, do CPC/1973 com correspondência no art. 806 do CPC/2015, e 645 do CPC/1973, com correspondência no art. 814, do CPC/2015, respectivamente, nota VD). Assim como os bens (art. 85 do CC), as obrigações de fazer também podem ser fungíveis ou infungíveis. Serão fungíveis sempre que a atividade devida puder ser efetivada por terceiro, e não pelo próprio devedor. Infungíveis, quando isso não for possível, i.é., quando aquele que se obrigou não puder ser substituído por outro que exerça atividade equivalente à sua. Fungível é a obrigação de consertar determinado veículo, pois diversos mecânicos são capazes da mesma tarefa. Mas é infungível a substituição do cantor Ney Matogrosso em um espetáculo, tendo em vista suas características individuais. Nos casos em que a obrigação é fungível, não há necessidade de converter a execução da obrigação de fazer em perdas e danos, pois será possível obter o mesmo resultado previsto originalmente. No entanto, se a obrigação é infungível – tal como são as mencionadas nesse dispositivo -, obrigatoriamente o credor deverá se satisfazer com as perdas e danos decorrentes do inadimplemento. A obrigação de outorga de escritura definitiva, ou de praticar determinado negócio jurídico, deve ser havida como obrigação fungível, pois pode ser suprida por deliberação judicial tal como especificamente previsto no art. 461-A do CPC/1973, com correspondência no art. 498, no CPC/2015. Com acerto, Gustavo Bierambaum (“Classificacão: obrigações de dar, fazer e não fazer”. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, coord. Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro. Renovar), 2005, p. 139) adverte que a conversão em perdas e danos é solução a ser evitada, pois melhor será, em geral, a obtenção da própria prestação devida, e registra que ela será a preferível sempre que “o cumprimento forçado dessa obrigação não resultar em violência à liberdade do devedor”. Vale notar, nesse aspecto, que para compelir o devedor ao cumprimento da obrigação de fazer infungível será de significativa valia a multa de que trata o art. 461, § 5º do CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, artigos 139 e 536, nota VD). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p 198 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 248. Se a prestação do fato, tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos.

A obrigação de fazer pode tornar-se impossível sem culpa do devedor, afirma Charaf Bdine Jr. Nesse caso, as partes devem ser restituídas ao estado em que se encontravam antes da impossibilidade, sem a obrigação de indenizar perdas e danos. Contudo, haverá obrigação de indenizar perdas e danos se o devedor for o culpado da impossibilidade. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p 199 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Então, tem-se que, impossibilitando-se a prestação de fazer, sem culpa do devedor, a obrigação resolve-se para ambas as partes e retorna-se ao status quo ante. De outro lado, se o devedor der causa à impossibilidade, o credor não poderá exigir dele a execução material da obrigação, mas terá a prerrogativa de cobrar as perdas e danos que tal fato lhe gerou.

Veja-se a Jurisprudência: “CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO DE CONSTRUTOR/EMPREITEIRO. NATUREZA DA OBRIGAÇÃO. MORTE DO CONSTRUTOR/EMPREITEIRO. TRANSMISSÃO DA OBRIGAÇÃO AOS HERDEIROS E SUCESSORES. DEPENDÊNCIA DO OBJETO DO CONTRATO. – Quando o que mais importa para a obra é que seja feita exclusivamente por determinado empreiteiro ou construtor, a obrigação desse é personalíssima e não se transmite aos seus herdeiros e sucessores, conforme dispunha o art. 878 do CC/1916 e agora dispõe a segunda parte do art. 626 do CC/2002. -Em regra, a obrigação do empreiteiro ou construtor não é personalíssima, porquanto a obra pode ser executada por várias pessoas, como ocorre em geral, a exemplo das obras feitas mediante concorrência pública com a participação de várias construtoras e das pequenas construções feitas mediante a escolha do empreiteiro que oferecer o menor preço. – Na presente hipótese, com a morte do construtor, a sua obrigação transmitiu-se aos seus herdeiros, pois a obra não demandava habilidades técnicas exclusivas do falecido. Recurso especial provido” (STJ, 3ª T. REsp n. 703.244-SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 15.4.2008). (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 21.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor manda-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível.

Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido.

Na avaliação de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, em se tratando de obrigação de fazer fungível, embora não se possa obrigar o devedor a prestar, efetivamente, aquilo a que se obrigou, o devedor terá a prerrogativa de ter a prestação cumprida por outrem à custa do devedor ou ainda se sub-rogar no equivalente ao valor da prestação descumprida. Importante destacar que, em ambos os casos, o credor terá o direito de ser ressarcido de eventuais perdas e danos que a inexecução da obrigação lhe gerou. Entretanto, há que se observar que, embora haja ao credor a faculdade de optar pela conversão da obrigação de fazer em perdas e danos, prerrogativa semelhante inexiste ao devedor. Em outros termos, diversamente do que há ao credor, não subsiste qualquer alternativa ao devedor na escolha entre cumprir a obrigação de fazer ou arcar com as perdas e danos decorrentes da inexecução. A conversão da obrigatio faciendi em perdas e danos dá-se apenas na medida em que seu cumprimento específico importe em alguma espécie de violência física ao devedor. Não sendo esse o caso, é a execução da obrigação de fazer que deve prevalecer. Como exemplo de tanto, pode-se mencionar a possibilidade de que o juiz supra a obrigação do devedor e emita a declaração de vontade suficiente para a celebração de determinado negócio jurídico. Nesses casos, a sentença sub-roga-se no lugar do ato devido.

E continua, referente ao parágrafo único do artigo 249, ora comentado: dado que a autotutela, em regra, não é admitida no sistema nacional, o credor terá de recorrer ao poder jurisdicional, para fazer cumprir eventual prestação de fazer a que o devedor se recuse a executar. Todavia, o parágrafo único do art. 249 excepciona essa regra geral, permitindo que o credor, em caso de urgência (i.é, quando não houver tempo suficiente para que se aguarde a prolação de uma sentença, sem prejuízo de seu direito), busque o cumprimento da prestação de fazer por si ou por terceiro, com ulterior possibilidade de cobrar perdas e danos do devedor. Note-se que, se o credor se exceder na execução de tal ato, ele poderá se apenado por abuso de direito, na forma do artigo 187 do Código Civil. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 21.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Comenta a respeito do art. 249, Bdine Jr, tratar-se este artigo das obrigações fungíveis – as que podem ser executadas por terceiro -, admitindo que a recusa ou a mora do devedor autoriza o credor a obter a prestação por intermédio da atuação de outra pessoa. A execução do serviço por terceiro haverá de ser custeada pelo que seria pago ao credor. Observe-se que, além da remuneração do terceiro, o devedor inadimplente deverá pagar a indenização das perdas e danos que provocou. Importante alteração desse artigo em relação ao seu equivalente do Código de 1916, é que neste a execução por terceiro impedia a cumulação com o pedido de perdas e danos, enquanto o dispositivo em vigor expressamente autoriza a cumulação. É preciso observar que não se autoriza o credor a postular a devolução do dinheiro pago e, além disso, a condenação do inadimplente a pagar ao terceiro; o presente artigo autoriza a indenização de outros prejuízos que o inadimplemento lhe cause – decorrentes do atraso na conclusão da obrigação de fazer, por exemplo -, mas jamais que se enriqueça à custa do inadimplente. E haveria enriquecimento se ele recebesse de volta o que pagou e ainda obrigasse o inadimplente a pagar ao terceiro o adimplemento da obrigação. Assim sendo, se o terceiro que executar a tarefa devida por ele cobrar preço superior ao que ele recebeu, a diferença correrá por sua conta, na medida em que corresponde a prejuízo do credor, que receberia o serviço pelo preço inferior acordado com o devedor inadimplente. Outra importante novidade está consagrada no parágrafo único desse dispositivo, que deve ser compreendido e interpretado com cautela, como comenta Everaldo Augusto Cambler. Cuida-se da autotutela que já era prevista no Código Civil de 1916 em relação à proteção possessória (art. 502), repetida no parágrafo primeiro do art. 1.210 do Código Civil em vigor. A autotutela é um meio de proteção de direito que dispensa a intervenção judicial. Para ser utilizado, depende da presença dos seguintes requisitos: a) que o caso justifique a urgência; b) que o credor se utilize apenas dos meios necessários indispensáveis para evitar o dano decorrente do inadimplemento do devedor; e c) que não haja condições de obter a intervenção judicial. Tais requisitos resultam da necessidade de limitar à justiça privada as hipóteses excepcionais. Dessa forma, se o cumprimento da obrigação não precisar ser imediato, ou se houver possibilidade de obter a intervenção judicial, não há razão para que o credor faça justiça por suas próprias mãos. Se o credor se exceder na execução do fato, não levando em conta que deve fazê-lo do modo menos gravoso para o devedor, poderá haver abuso de direito tal como definido no art. 187 do Código Civil (CAMBLER, Everaldo Augusto. Comentários ao Código civil brasileiro. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. III, p. 109). É possível imaginar determinadas hipóteses em que a urgência do cumprimento da prestação torne imperiosa a execução do fato imediatamente: determinado município contrata empresa para executar serviços de reparo no esgoto municipal. Contudo, embora a necessidade do reparo já fosse conhecida, a empresa contratada atrasa o cumprimento de sua tarefa e, em certo fim de semana, o agravamento do problema compromete o bairro residencial servido pela rede de esgoto a ser consertada. A urgência e a impossibilidade de intervenção judicial, bem como os danos consideráveis suportados pelos munícipes, autorizam a municipalidade a mandar outra empresa executar a tarefa devida pela empresa inadimplente, que estará obrigada a suportar o preço pago para o terceiro executor, ressarcindo a credora. Também seria adequado invocar exemplo frequente em nossos tribunais. Aquele em que determinado consumidor não é atendido pelo hospital conveniado com seu plano médico. Em decorrência da urgência do procedimento, poderá exigir tratamento de terceiros, carreando as despesas correspondentes ao administrador do plano, obrigado a lhe dar a indispensável cobertura. Dispositivo equivalente a esse será encontrado no parágrafo único do art. 251 do Código Civil, que se distingue do presente apenas porque se refere à obrigação de não fazer. A regra em exame expressamente autoriza a cumulação dos pedidos de execução e de indenização, sem utilizar a conjunção “ou” do art. 881 do Código Civil de 1916, o qual parecia indicar que as alternativas eram excludentes, isto é, ou o credor postulava a execução ou a indenização, embora seja possível que a execução forçada da obrigação não exclua eventuais prejuízos decorrentes do inadimplemento. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., pp. 200-201 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).