quinta-feira, 2 de maio de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 316, 317 Do Objeto do Pagamento e Sua Prova – VARGAS, Paulo S. R.


         DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 316, 317
                   Do Objeto do Pagamento e Sua Prova – VARGAS, Paulo S. R. 

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título III – DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
 (art. 304 a 388) Capítulo I – DO PAGAMENTO – Seção III –
Do Objeto do Pagamento e Sua Prova - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 316. É lícito convencionar o aumento progressivo de prestações sucessivas.

Na esteira de Bdine Jr., as prestações sucessivas podem ser aumentadas progressivamente, desde que haja convenção das partes nesse sentido. Este dispositivo torna possível a adoção de cláusula de correção monetária nos negócios jurídicos, o que implica reconhecimento de que a desvalorização do valor nominal da moeda será afastada mediante a adoção de um critério que preserve o valor real do dinheiro.

O processo inflacionário faz com que o valor nominal não se conserve compatível com a evolução dos preços, de modo que o que se pode comprar com R$ 100,00 em determinado mês custará mais no mês seguinte. O critério pelo qual o débito de R$ 100,00 será atualizado para a manutenção do poder de compra equivale à correção monetária.

É assente na doutrina e na jurisprudência que a correção monetária não aumenta o valor da dívida, pois representa mero mecanismo destinado a evitar o aviltamento do valor da moeda – assim, apenas atualiza e recompõe o valor -, de modo que, aparentemente, a correção monetária não seria o objeto desta regra.

No entanto, o que o presente dispositivo contempla é o valor nominal referido no artigo anterior, de maneira que o aumento deste não significa acréscimo do valor substancial da dívida em dinheiro, mas apenas seu aumento nominal, com consequente manutenção do valor real, de modo a se destinar também à correção monetária.

O artigo também contempla as hipóteses em que as partes pactuam determinado aumento real do valor da prestação, como ocorre, por exemplo, nos contratos de locação de pontos comerciais em shopping center. Esses centros de compras costumam contratar locação com cláusula que prevê aumento percentual do valor do aluguel a cada ano ao longo do prazo de duração do pacto. Trata-se de um aumento progressivo do valor da prestação.

Nada impede que legislação especial, ao disciplinar matérias relevantes e de interesse social, venha a limitar a possibilidade da cláusula de atualização monetária, bem como impor limites à por agressividade do valor das prestações. O fato de haver cláusula dessa espécie não afasta a incidência das regras dos arts. 317 e 478 do Código Civil. A denominada cláusula móvel, “pela qual o valor da prestação deve variar segundo os índices de custo de vida” é utilizada para combater os malefícios da desvalorização da moeda e não se confunde com as hipóteses dos arts. 317 e 478, que dependem de circunstâncias supervenientes à celebração do contrato, irrelevantes para a adoção e incidência da primeira.

A regra em exame, porém, não exclui a incidência geral da atualização monetária às dívidas de dinheiro, mesmo que ausente cláusula móvel de aumento progressivo do valor, pois o instituto “está ancorado na equidade e no princípio geral de Direito (agora acolhido em cláusula geral, art. 884) que veda o enriquecimento injustificado” (Martins-Costa, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V, t. I, 2003, p. 201 e ss.)  (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 301. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30.04.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Enquanto na doutrina de Ricardo Fiuza, o dispositivo permite a atualização monetária das dívidas em dinheiro e daquelas de valor, ao dispor sobre a possibilidade de as partes convencionarem o aumento progressivo das prestações sucessivas. É o que a doutrina convencionou chamar de “cláusula de escala móvel”, mediante a qual o valor da prestação será automaticamente reajustado, após determinado lapso de tempo, segundo índice escolhido pelas partes. A aplicação dessa cláusula serve também para afastar o vetusto princípio do nominalismo, segundo o qual a obrigação só poderá ser satisfeita levando-se em conta o seu valor nominal, o que em época de inflação daria azo ao enriquecimento sem causa de uma das partes. A Lei n. 10.192, de 14.02.2001, declara nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção de periodicidade inferior a um ano. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 180, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 30/04/2019, VD).

Na esteira de Guimarães e Mezzalina, em razão da obrigação de que se pague pelo valor nominal (CC, art. 315) – o que, por vezes, conduziria ao pagamento de prestação de valor menor em tempos de inflação -, o legislador permitiu às partes que convencionassem as cláusulas monetárias ou cláusulas de escala móvel.

A Lei n. 6899/81 e o Decreto n. 86.649/81 estabelecem que todas as dívidas cobradas judicialmente, deverão ser corrigidas, independentemente, de as partes haverem convencionado cláusula de escala móvel. Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina (Direito Civil Comentado, apud Direito.com em 20.04.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

No entender de Bdine Jr. podem se verificar razões imprevisíveis que desequilibrem o valor da prestação devida entre o momento em que ela foi estabelecida e o momento de seu pagamento. Nesse caso, será possível que o juiz corrija o valor da prestação, assegurando seu valor real. O dispositivo em exame estabelece os requisitos para essa intervenção? (a) os motivos devem ser imprevisíveis, mas não há exigência de que sejam extraordinários, como ocorre no art. 478; (b) a desproporção entre a prestação devida deve ser manifesta, i.é, deve ser suficientemente expressiva e estar identificada. Essa desproporção deve ser verificada levando-se em conta as prestações; ou seja, o critério é objetivo, não sendo possível a adoção de um critério puramente subjetivo, que leve em conta a desproporcionalidade e a imprevisibilidade do ponto de vista de quem está obrigado ao cumprimento da prestação, como ocorre com a hipótese prevista no art. 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor; (c) o reequilíbrio do valor da prestação deve ser postulado pela parte, sendo vedado ao juiz implementá-lo de ofício; (d) a existência de uma relação obrigacional duradoura, sucessiva ou mesmo instantânea, desde que com o adimplemento parcelado; e (e) os acontecimentos que geraram o desequilíbrio não podem ser imputáveis ao lesado. A intervenção deve restringir-se ao reequilíbrio das prestações. Este dispositivo deve ser visto em conjugação com a regra do art. 478 deste Código, que disciplina a resolução por onerosidade excessiva e não prevê a possibilidade de reequilíbrio e preservação do contrato, se o réu não se oferecer para modificar equitativamente as condições do ajuste (art. 479 do CC), salvo se a prestação couber a apenas uma das partes (art. 480 do CC). Bdine Jr., Hamid Charaf. Comentário ao artigo 317 do Código civil, In Peluso, Cezar (coord.).

A conjugação do dispositivo em exame com os ora referidos autoriza a parte prejudicada pelo desequilíbrio a ajuizar a ação com o objetivo de preservar o contrato e adequar o valor real da prestação, sem necessidade de optar pela resolução, como parece sugerir o art. 478.

Renan Lotufo registra que este artigo “adota a teoria da imprevisão e permite intervenção judicial no reequilíbrio da obrigação”, observando que o fato “passou despercebido pela maioria da doutrina” (LOTUFO, Renan. Código civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 227 e ss.).

Não há razão para considerar que o art. 317 só se aplique às obrigações de pagamento em dinheiro. Sua inclusão no capítulo do pagamento em geral, ainda que ao lado de dispositivos referentes às obrigações de pagar em dinheiro, não impede que se estenda a incidência da teoria da imprevisão nele consagrada para outras hipóteses e modalidades de obrigações (ibidem, p. 317 e ss.).

Também não se restringe aos casos de obrigação oriunda de contrato, sendo significativos os casos em que o desequilíbrio identifica-se em prestações impostas por decisão judicial – por exemplo, nas sentenças que condenam o responsável pela indenização a pagar alimentos a quem o defunto devia -, ou decorrentes da redução de capacidade de trabalho. Caso a vítima de um acidente que teve reduzida sua capacidade de trabalho, em razão de motivos imprevisíveis, retome sua capacidade plena de trabalho, é possível concluir que a desproporção manifesta entre o valor pago pelo culpado de seu acidente e a aptidão integral para a atividade profissional autorizam o reequilíbrio do valor da prestação, reduzindo-se ou eliminando-se a verba alimentar imposta pela sentença. O dispositivo não se confunde com as hipóteses de lesão e estado de perigo, na medida em que não se trata de defeito contemporâneo ao surgimento da obrigação, mas sim de fato imprevisível ocorrido entre o momento de sua constituição e o do pagamento.

Nada impede que a arbitragem seja utilizada para adequar o valor da prestação, a despeito de o dispositivo referir-se expressamente à correção feita pelo juiz. Em se tratando de obrigação de natureza contratual, a arbitragem tem previsão expressa na Lei n. 9.307/96. As partes podem convencionar sua utilização, sobretudo porque esse diploma, de natureza especial, não foi revogado pelo Código Civil, que é lei geral (art. 2º, § 2º, da LICC). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 301. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 01.05.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina mostrada por Ricardo Fiuza, aponta que o dispositivo, invocando o direito anterior, adota a teoria da imprevisão, a fim de permitir que o valor da prestação seja corrigido por decisão judicial, sempre que houver desproporção entre o que foi ajustado durante a celebração do contrato e o valor da prestação na época da execução. Para tanto, é imprescindível que a causa da desproporção tenha sido realmente imprevisível e que tenha havido pedido expresso de uma das partes, sendo vedado ao juiz determinar a correção de ofício. Na vigência do Código Civil de 1916, a ausência desse dispositivo foi compensada pela jurisprudência com a aplicação da cláusula rebus sic stantibus, do direito romano. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 180, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word).

A cláusula rebus sic stantibus, diz Regina Beatriz Lavares da Silva, “É a abreviação da fórmula contractus qui habent tractun sucessivum et depenílentiam de finura rebus sic stantibus intelliguntur, que, na Idade Média, era admitida tacitamente nos contratos com dependência do futuro e que equivalia a estarem todos os contratos sucessivos ou a termo dependentes da permanência da situação fática existente na data da celebração contratual. Como consequência do ‘individualismo’, que passou a prevalecer nas relações jurídicas, tal entendimento foi relegado ao esquecimento no decorrer do século XIX, mas ressurgiu com as novas ideias ‘solidaristas’, que começaram a ganhar vulto desde o início do presente século. Resultou, assim, da antiga cláusula rebus sic stantibus a ‘teoria da imprevisão’, com a preocupação moral e jurídica de evitar graves injustiças, ao ser exigido cumprimento de contratos que não tenham execução imediata, na forma estipulada, admitindo-se sua revisão ou resolução, por meio de intervenção judicial, se as obrigações assumidas tornarem-se excessivamente onerosas pela superveniência de fatos anormais e imprevisíveis à época da vinculação contratual” (Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Cláusula “rebus sic stantibusou teoria da imprevisão, Belém, Cejup, 1989, p. 9).

A regulamentação da cláusula rebus sic stantibus vinha sendo tentada no Brasil desde 1941, com o primeiro Anteprojeto do Código de Obrigações. O novo Código, nesse particular, tomou como modelo o Código italiano de 1942, que, sem se afastar da regra geral pacta sant servanda, previu a intervenção judicial nos contratos, sempre que houver desproporção manifesta no valor da prestação, decorrente de fato imprevisível. Sobre “Teoria da Imprevisão”, vide ainda comentários ao art. 478. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 180, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 01/05/2019, VD).

No ensinar de Azevedo, acessado no site Direito.com acesso em 01.05.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD, a leitura do artigo 317 leva à falsa impressão de que haveria uma dicotomia entre ele e o teor das regras constantes dos artigos 315 e 478. Afinal, ao se permitir a livre revisão da prestação pelo juiz para assegurar o valor real da prestação, estar-se-ia a um só tempo a ignorar o princípio nominalista e outrossim o modelo da onerosidade excessiva brasileiro. Não obstante, o que se passa é que a interpretação do  artigo 317 deve ser feita à luz dos artigos 315 e 478, de modo a se concluir que sua aplicação restringe-se às dívidas pecuniárias, com o objetivo de se promover a “reposição do poder aquisitivo da moeda como meio de pagamento”. A esse respeito, é importante lembrar que vigora no Direito Brasileiro a distinção entre dívidas pecuniárias (na e quantum debeatur já estão, previamente, fixados) e dívidas de valor (apenas o na encontra-se definido, havendo, desse modo, necessidade de se liquidar o quantum devido). Azevedo, Antônio Junqueira de. Relatório Brasileiro sobre a revisão contratual apresentado para as jornadas Brasileiras da Associação Henri Capitant. In Azevedo Junqueira. Novos Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo. Saraiva, 2004, p.187.


Defendendo a ausência de dicotomia entre o artigo 317 e o artigo 315, Pereira esclarece que, “mantendo o artigo, o policiamento das convenções que tendam a contrabalancear a diferença entre o valor da moeda nacional e o das moedas estrangeiras, excetuados os casos previstos na legislação especial, o que na verdade fez, em conjugação com os artigos 315 e 316, foi coibir a livre estipulação das cláusulas monetárias e das cláusulas econômicas, tal como constava do Projeto de Código das Obrigações de 1965 (art. 144), excetuados os casos e limites constantes de lei. Dentre as situações que cabe a estipulação de reajuste de prestações, citam-se: os contratos de empreitada, incorporação de edifícios coletivos, financiamento para aquisição de imóvel no Sistema Financeiro da Habitação, locação de prédios urbanos” (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, op. cit., p. 192)

Por fim, leciona Leães, a corroborar a inexistência de dicotomia entre os artigos 317 e 478, há que se levar em conta localização do artigo 317, no título III (“Do Adimplemento e Extinção das Obrigações”), seção III (“Do Objeto do Pagamento e Sua Prova”), a indicar que a regra aplicar-se-ia, genericamente, a todo tipo de obrigação, sendo que a disciplina do artigo 478 prevaleceria apenas no que se refere a obrigações contratuais, com exceção de prestações pecuniárias, por se tratar de regra especial. Leães também destaca que “a disciplina introduzida pelo art. 317 da nova lei civil não pode ser associada à regulação da resolução contratual por onerosidade excessiva, que mereceu tratamento específico e exaustivo do novo Código, nos seus arts. 478 a 480” (Leães, Luiz Gastão de Barros. Resolução por onerosidade excessiva. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e financeiro, 140, Ano XLIV, out.-dez., 2005 p.28).

Enunciado 17 do CEJ: “A interpretação da expressão ‘motivos imprevisíveis’ constante do art. 317 do novo Código Civil deve abarcar tanto, causas de desproporção não-previsíveis, como também causas previsíveis, mas de resultados imprevisíveis” (Direito.com acesso em 01.05.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 30 de abril de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 313, 314, 315 Do Objeto do Pagamento e Sua Prova – VARGAS, Paulo S. R.


     DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 313, 314, 315
                   Do Objeto do Pagamento e Sua Prova – VARGAS, Paulo S. R.
 
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título III – DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
 (art. 304 a 388) Capítulo I – DO PAGAMENTO – Seção III –
Do Objeto do Pagamento e Sua Prova - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe e devida, ainda que mais valiosa.

Surfando no conhecimento de Pereira, temos que a solutio para gerar o efeito de extinguir a obrigação, ela deve guardar estreita harmonia com o objeto da prestação. Assim, o pagamento deve coincidir com a coisa devida, entregando-se o bem prometido (obrigações de dar), praticando (obrigações de fazer) ou se abstendo de praticar determinado ato (obrigações de não fazer). Segundo Pereiro, o objeto do pagamento “deve reunir a identidade, a integridade e a indivisibilidade, i.é, o solvens tem de prestar o devido, todo o devido e por inteiro”. (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, op. cit., p. 183). Assim, o credor não será obrigado a aceitar coisa que não esteja em perfeita conformidade ao objeto da obrigação, ainda que de valor superior, uma vez que a entrega de objeto diverso não solve a obrigação. Nesses casos, para que se dê a quitação do débito, haverá a necessidade de concordância do credor, caso em que se dará a extinção da obrigação por dação em pagamento (CC. Arts, 356 a 359).
O pagamento de indenização em sub-rogação ao cumprimento da prestação não é pagamento em sentido técnico, dado que não guarda perfeita identidade com o objeto da obrigação. O credor tem direito à coisa devida, mas, na sua falta, tem a faculdade de receber o substitutivo (perdas e danos) (Direito.com acesso em 29.04.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Embarcando no trailer de Ricardo Fiuza, este artigo, no Código Civil de 1916, estava inserido na Seção I do Capítulo I, que tratava das obrigações de dar coisa certa. No novo Código o dispositivo foi deslocado para o Capítulo II, referente ao pagamento, posição, a nosso ver, mais adequada, uma vez que a norma se aplica às várias espécies de obrigações, e não apenas à de dar coisa certa.

O devedor só se desonera da obrigação após entregar ao credor exatamente o objeto que prometeu dar, ou realizar o ato a que se comprometeu, ou se abster da prestação, nas obrigações de não fazer. Do contrário, a obrigação converter-se-á em perdas e danos, conforme já tivemos oportunidade de explicar nos comentários anteriores. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 179, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/04/2019, VD).

Primeiramente, segundo Bdine Jr., a regra era prevista para a obrigação de coisa certa e passou a ser regra geral do pagamento; o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa. Dessa forma, seja a obrigação de dar, fazer ou não fazer, não será possível obrigar o credor a aceitar prestação que não seja a que foi objeto do ajuste.

O conceito de prestação diversa compreende tanto a quantidade quanto a qualidade. O credor não pode ser obrigado a receber uma mansão no litoral baiano, no valor de R$ l.000.000,00, se o devedor se obrigou a lhe entregar um apartamento de 50 metros quadrados em Cidade Ademar, periferia de São Paulo. O credor pode exigir a entrega deste último, a despeito da intenção do devedor em lhe entregar a casa de praia.

A entrega de uma prestação diversa daquela devida só é possível se houver anuência do credor, o que implicará dação em pagamento, hipótese de adimplemento que se examinará adiante (arts. 356 a 359). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 294. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26.04.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 314. Ainda que a obrigação tenha por objeto a prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou.

O entendimento de Bdine Jr., é que a obrigação divisível não pode ser paga de forma parcial se isso não foi convencionado. Esse dispositivo encontra paralelo no art. 313, segundo o qual ninguém é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida. Contudo, se a obrigação for fracionada entre diversos credores, não se poderá negar ao credor o direito de efetuar o pagamento proporcionalmente a cada um dos credores, como o art. 257 do Código Civil autoriza. Observe-se, contudo, que os pagamentos parciais não acarretam redução das garantias da dívida, nos termos do art. 1.241 deste Código (Pereira, Caio Mário da Silva Instituições de direito civil, 20.ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. II, p. 185).

Convém destacar, porém, que o Código de Defesa do Consumidor autoriza o consumidor a quitar seu débito antecipadamente, total ou parcialmente, nos casos do seu art. 52, § 2º, da legislação consumerista, e que a boa-fé e as hipóteses de adimplemento substancial do contrato podem permitir que se identifiquem exceções à regra consagrada nesse dispositivo (Martins-Costa, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V, t. I, p. 188). Desse modo, é possível reconhecer abuso de direito (arts. 187 do CC) na recusa do credor em receber o pagamento parcelado de contas de luz ou água em atraso, para evitar o corte de energia, pois a outra solução possível será cortar o fornecimento e cobrar a dívida. Assim, se o consumidor quer pagar os débitos vincendos e parcelar o atrasado, não se vislumbra finalidade social e econômica útil para a recusa ao recebimento parcelado, como o Egrégio Primeiro Tribunal de Alçada Civil já teve oportunidade de decidir em acórdão proferido nos autos do Agravo de Instrumento n. 1.130.350.7, rel. Juiz Rui Cascaldi, j. 16.10.2002.

No que se refere ao adimplemento substancial, vale invocar a lição de Judith Martins-Costa: “a substantial performance, ensina Couto e Silva, constitui o adimplemento tão próximo do resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo-se tão somente o pedido de indenização” (ibidem, p. 112). A ilustre autora sustenta que, nos casos de adimplemento substancial, o pagamento parcelado é de ser admitido (ibidem, p. 188).

O abuso de direito do credor poderia ser identificado nos casos em que o devedor inadimplente não dispõe de patrimônio algum, ou opõe à execução embargos que protelam por muito tempo o recebimento efetivo da dívida. Nessas hipóteses, qual a razão jurídica para que o credor recuse o parcelamento? Se não houver fundamento jurídico defensável para essa recusa, ela será abusiva, a despeito do teor do artigo em exame.

Atualmente, a possibilidade de parcelamento da dívida está prevista no art. 745-A do Código de Processo Civil/1973 (com correspondência no art. 916, do CPC/2015), que admite expressamente que o executado deposite nos autos da execução, no prazo dos embargos, 30% do valor devido, com custas e honorários, e obtenha o parcelamento do saldo em seis parcelas. Tal dispositivo dispensa o exame do prejuízo do credor com o procedimento e a verificação da possibilidade econômica do devedor. limita-se a criar uma regra genérica que parcialmente revoga o art. 314 do Código Civil. Mas o parcelamento admitido pelo Código de Processo Civil também não pode ser absoluto: identificada situação em que o parcelamento pleiteado pelo devedor é dispensável e que a demora é extremamente nociva ao credor, abre-se a possibilidade de utilizar os argumentos até aqui expostos para, agora, afastar a regra benéfica ao devedor e recusar a aplicação do art. 745-A, CPC/1973 (correspondência no art. 916, do CPC/2015) ao caso, com amparo na boa-fé objetiva e na vedação ao abuso de direito. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 297. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26.04.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina exposta por Ricardo Fiuza destaca a não inovação ao direito anterior, visto tratar-se de mera repetição do art. 889 no Código Civil de 1916, cabendo idêntico tratamento doutrinário. As prestações parciais só podem ser aceitas quando houver previsão específica no contrato ou assentimento expresso do credor. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 179, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/04/2019, VD).

No comentário retirado de Direito.com., por faltar o requisito da integralidade, o cumprimento em partes da prestação não será aceito como pagamento, se não houver convecção nesse sentido. Exceção à regra consiste nos casos em que houver diversos credores e o objeto da prestação for divisível, hipótese em que o devedor pagará pro rata aos titulares do crédito. (Direito.com acesso em 29.04.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 315. As dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subsequentes.

Segundo entendimento de Guimarães e Mezzalina, o artigo 315 é expressão do curso forçado da moeda em curso legal, obrigando o devedor a efetuar o pagamento na moeda nacional e pelo valor, nominalmente, indicado na obrigação.

Todas as obrigações, em um dado momento, podem se converter em obrigações pecuniárias. Há aquelas que, desde o surgimento, já têm a estrega de dinheiro como objeto, como o mútuo pecuniário, mas todas as demais, sejam de dar, fazer ou não fazer, podem se transformar em obrigação de entregar dinheiro, caso se impossibilitem por culpa do devedor. além delas, há ainda as obrigações decorrentes de atos ilícitos, em que o dever de reparação se liquida em dinheiro. A moeda tem três valores diversos: (i) valor intrínseco, que é aquele correspondente ao valor do material de que é produzida; (ii) valor nominal, que é o imposto pelo Estado; e (iii) valor comercial, que se traduz na estimativa da moeda como uma mercadoria e que, portanto, está sujeito às oscilações de mercado. Para maiores esclarecimentos a respeito do princípio nominalista, vide comentários ao artigo 318. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 29.04.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Às páginas 298, Bdine Jr., comenta que em se tratando de dívida em dinheiro, faz-se o pagamento por seu valor nominal em moeda corrente. O dispositivo ressalva as regras dos artigos posteriores, nos quais estão disciplinadas a teoria da imprevisão (art. 317) e a vedação do emprego do dólar como critério de correção monetária (art. 318) Bdine Jr., Hamid Charaf. Comentário ao artigo 315 do Código civil, In Peluso, Cezar (coord.). Trata-se da adoção do princípio do nominalismo, definido por Carlos Roberto Gonçalves como aquele pelo qual “se considera como valor da moeda nominal que lhe atribui o Estado” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo, Saraiva, 2004, v. II, p. 58). O autor distingue com precisão dívidas de dinheiro, disciplinadas neste artigo, e as de valor: as primeiras têm por objeto o próprio dinheiro, enquanto as últimas visam à representação do valor de algum bem. Por exemplo, dívidas de dinheiro são as de pagar débito oriundo de empréstimo de dinheiro; dívidas de valor são as que equivalem ao valor necessário ao conserto de um automóvel danificado por ato ilícito do devedor (ibidem, p. 60). Segundo Sílvio Rodrigues, “o devedor de uma importância em dinheiro se libera oferecendo a quantidade de moeda inscrita em seu título de dívida e em curso no lugar do pagamento, seja qual for a alteração no valor intrínseco da moeda” (Rodrigues, Silvio. Direito civil. São Paulo, Saraiva, v. II, 2002, p. 143) (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 301. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26.04.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em relação ao artigo 315, Dívidas em dinheiro, Ricardo Fiuza explica serem aquelas cujo objeto da prestação é a própria na moeda, ou seja, o dinheiro em si, como se dá no mútuo. Diferem das dívidas de valor, aquelas em que o dinheiro serve apenas em medir ou valorar o objeto na prestação. Exemplos típicos de dívida de valor, citados por Álvaro Villaça Azevedo, são a pensão alimentícia, na qual “o devedor deve ao credor não determinada soma de dinheiro, mas a que for necessária à subsistência do credor dessa pensão”, e a indenização devida nas desapropriações, em que será “paga ao expropriado não uma soma em dinheiro, simplesmente mas uma importância que corresponda ao valor da coisa desapropriada” (Teoria geral das obrigações, cit., p. 132) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 180, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/04/2019, VD).

segunda-feira, 29 de abril de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 311, 312 Daqueles a Quem Se Deve Pagar – VARGAS, Paulo S. R.


                  DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 311, 312
                           Daqueles a Quem Se Deve Pagar – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título III – DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
 (art. 304 a 388) Capítulo I – DO PAGAMENTO – Seção II –
Daqueles a Quem Se Deve Pagar - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 311. Considera-se autorizado a receber o pagamento o portador da quitação, salvo se as circunstâncias contrariarem a presunção daí resultante.

Atenta Ricardo Fiuza para o fato de o artigo ter sido praticamente copiado do Código Civil alemão (art. 370). A presunção é juris tantum (presume-se que o credor autorizou o portador a receber a dívida, caracterizando verdadeiro mandato tácito). O portador da quitação deve, no entanto, aparentar a qualidade pela qual se apresenta, a ponto de induzir o devedor a erro, tal qual a hipótese do credor putativo. Havendo controvérsia sobre o portador da quitação, não terá eficácia o pagamento. Caberá, no entanto, ao credor provar que o devedor sabia ou tinha motivos para saber que o portador não podia usar a quitação. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 178, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 28/04/2019, VD).

Lecionando a respeito do artigo 311, Bdine Jr alerta que o instrumento de quitação faz prova de que seu portador pode receber o pagamento, o que implica exoneração do devedor. no entanto, as situações específicas podem contrariar essa presunção. O instrumento de quitação pode ter sido furtado do escritório do credor. Caso tiver conhecimento do furto, mas sem saber que o instrumento de quitação estava entre os bens subtraídos, o devedor, ao ser procurado por um desconhecido que quiser receber o débito vencido oferecendo-lhe quitação, deve suspeitar desse comportamento, acautelando-se para não pagar a eventual autor do crime de furto. O exame das circunstâncias de cada caso concreto é que autorizará a inversão da presunção de que o portador do instrumento não está autorizado a receber. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 292. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26.04.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo Pereira, presume-se que o portador do instrumento de quitação está autorizado pelo credor (representante convencional) a receber a prestação em seu nome. Pereira fala ainda que tal presunção aplicar-se-ia outrossim às hipóteses de “forma sumária de mandato não completamente formalizado” ou mesmo àqueles que apresentem títulos cuja posse seja representativa da obrigação. (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, op. cit., p. 177).
A presunção de autorização trazida no dispositivo é relativa e admite prova em contrário, caso as circunstâncias gerem dúvidas quanto à validade da representação, ilustrativamente, poderão gerar dúvidas quanto à representação os casos de furto ou extravio do instrumento de quitação ou mesmo de notificação ao devedor cancelando a autorização.  (Direito.com acesso em 28.04.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 312. Se o devedor pagar ao credor, apesar de intimado da penhora feita sobre o crédito, ou da impugnação a ele oposta por terceiros, o pagamento não valerá contra estes, que poderão constranger o devedor a pagar de novo, ficando-lhe ressaltado o regresso contra o credor.

No entender de Guimarães e Mezzalina, nos casos em que o devedor houver sido intimado de penhora ou de impugnação oposta por terceiro sobre o crédito por ele devido, o pagamento que venha efetuar ao credor será considerado ineficaz. Em ambos os casos (penhora e impugnação), o credor tem expropriado o poder de receber o crédito, em favor do juízo. Desse modo, uma vez intimado o devedor de referidos atos, a solutio ficará condicionada à consignação em pagamento ou ao depósito perante o Juízo da execução.

Caso o devedor, por negligência ou malícia, efetue o pagamento ao credor, continuará ele obrigado pelo pagamento perante o terceiro exequente ou embargante, dado que terá efetuado pagamento a credor que, ainda que momentaneamente, não detém poder de receber e quitar e, logo, a solutio não será considerada eficaz.

A impugnação, para obstar o pagamento ao credor, deverá ser realizada pela via judicial ou por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos.

Caso o devedor seja obrigado, a despeito de pagamento realizado, diretamente, ao credor, a efetuar o pagamento a terceiro exequente ou embargante por dívida do credor, terá ele direito de regresso contra este, evitando, assim, hipótese de enriquecimento sem causa do titular original do crédito. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 28.04.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Bdine Jr., uma vez intimado de que o valor que deve ao credor foi penhorado por dívida deste último, o devedor não deve efetuar o pagamento diretamente a ele, mas sim depositá-lo em juízo, nos autos da ação movida em face do credor. Caso efetue o pagamento diretamente ao credor, estará fraudando a execução (art. 593 do CPC/1973, correspondendo ao art. 792 do CPC/2015). A regra tem equivalente no art. 298 do Código Civil, segundo o qual o devedor que desconhece a penhora e efetua o pagamento exonera-se da obrigação.

Também não é eficaz o pagamento efetuado após impugnação de terceiros. A ineficácia só é oponível aos terceiros que notificam o devedor, que poderão obriga-los a pagar novamente se o pagamento ao credor ocorrer após a notificação. Nessa hipótese, o devedor poderá postular o reembolso daquilo que pagou ao credor. Renan Lotufo pondera que essa impugnação deve ser judicial, sedo que a extrajudicial não produz o mesmo efeito (Código Civil comentado São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 211). No entanto, Caio Mário da Silva Pereira admite que a impugnação se faça por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos (Instituições de direito civil, 20.ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. II, p. 182) e Judith Martins-Costa considera suficiente o simples protesto (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, forense, 2003, v. V, t. I, p. 157). Se as impugnações forem várias, o devedor deve consignar o valor em uma das ações e comunicar os demais Juízos (art. 335, IV, do CC). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 301. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26.04.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo a esteira de Ricardo Fiuza, o artigo versa sobre a hipótese em que o pagamento é feito ao verdadeiro credor mas, mesmo assim, não tem eficácia, vez que o credor estava impedido legalmente de receber. A penhora retira o crédito da esfera de disponibilidade do credor, razão por que ele não pode recebe-lo. Se o devedor é intimado de penhora incidente sobre o crédito ou de impugnação judicial oposta por terceiros e, ainda assim, paga ao credor, estará pagando mal, e corre o risco de vir a ser compelido a pagar novamente. Em tais casos, como observa Franzen de Lima, “o exequente e o oponente substituem o credor por ação judicial e o pagamento deverá ser feito a eles no momento oportuno, ou por depósito judicial, livrando-se o devedor da obrigação” (João Frazen de Lima, Curso de direito civil brasileiro, Rio de Janeiro, forense, 1958, v. 2, p. 126).

O objetivo do dispositivo é proteger os direitos dos credores do credor, uma vez que os créditos fazem parte de seu patrimônio e este é a garantia dos credores. O devedor, ciente da penhora ou da oposição judicial que paga o débito diretamente ao credor, será cobrado novamente pelos credores daquele nada lhe restando fazer senão procurar reaver do seu credor o que havia pago. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 178, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 28/04/2019, VD).

sexta-feira, 26 de abril de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 308, 309, 310 Daqueles a Quem Se Deve Pagar – VARGAS, Paulo S. R.


                                DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 308, 309, 310
Daqueles a Quem Se Deve Pagar – VARGAS, Paulo S. R.
 
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título III – DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
 (art. 304 a 388) Capítulo I – DO PAGAMENTO – Seção II –
Daqueles a Quem Se Deve Pagar - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 308. O pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob pena de só valer depois de por ele ratificado, ou tanto quanto reverter em seu proveito.

Segundo entendimento de Bdine Jr. os pagamentos devem ser efetuados ao próprio credor ou a seu representante. Se isso não se verificar, a validade do pagamento dependerá da ratificação do credor ou da prova que reverteu em proveito dele. São hipóteses diversas. O pagamento pode ser feito ao representante do credor, desde que prove essa condição (art. 118 do CC), ou dependendo de ratificação futura, expressa ou tácita.

Também pode ser válido, independentemente da ratificação ou da prova da representação, o pagamento que reverte em proveito do credor, o que dependerá de prova a ser produzida pelo devedor, ou pelo terceiro que efetuou o adimplemento. É o exemplo do devedor que deve determinada importância ao credor e quita um débito dele. Não há hipótese de representação, mas há reversão do pagamento da dívida em proveito do credor, que obterá a quitação.

Também se verifica a situação tratada neste dispositivo quando determinada quantia é entregue pelo locatário de um imóvel a uma pessoa que conhece os dados da conta corrente do locador (antigo empregador seu). Essa pessoa efetua o depósito do valor do aluguel nessa conta, com o propósito de quitar a dívida, mas sem que exista vínculo de representação entre aquele que efetuou depósito e o credor. Porém, o pagamento terá sido feito corretamente, na medida em que reverteu em proveito do locador. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 307-8. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26.04.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A posição de Ricardo Fiuza citando Clóvis Beviláqua, é a de que o pagamento só produzirá eficácia liberatória da dívida quando feito ao próprio credor (aqui incluídos os concredores de dívida solidária, os cessionários, os portadores de título de crédito, entre outros), seus sucessores ou representantes. Essa é a regra geral. Será eficaz também se, feito a um estranho, vier a ser posteriormente ratificado pelo credor, expressa ou tacitamente. Ou ainda se converter-se em utilidade ao credor. Se o pagamento, mesmo feito a um estranho não credor, ainda assim “refletiu, favoravelmente, sobre o credor, proporcionando-se as mesmas vantagens, que poderia haurir se pessoalmente funcionasse cumprimento da prestação, é perfeitamente equitativo que se considere como realmente desacato o elo da cadeia obrigacional, que jungia o devedor (Beviláqua, Clóvis. Direito das obrigações, cit., p. 88). Cabe ao devedor provar que o pagamento verteu em benefício do credor. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 177, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 26/04/2019, VD).

Acessado o site Direito.com em 26/04/2019, tem-se que, em regra, o pagamento deve ser realizado, diretamente ao credor ou quem a ele represente. Nesses casos, o representante, vale dizer, não recebe como terceiro, mas sim na qualidade de alter ego do credor, o qual pode ser constituído, ilustrativamente, por meio de instrumento de mandato com poderes especiais para receber e quitar (representação convencional), pela gestão de negócios (representação oficiosa), por decorrência da lei (representação legal), por determinação judicial, tal qual se dá nos casos de depositário legal ou administrador designado pelo juiz, entre outros.

Eventual ratificação posterior do pagamento pelo credor, a despeito do pagamento ter sido realizado a quem não estava autorizado a receber, torna o pagamento eficaz. Será ainda eficaz o pagamento, caso o devedor prove que montante pago foi entregue ao credor, até o limite que este houver se beneficiado. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 26.04.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 309. O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda provado depois que não era credor.

Credor putativo é aquele que confere aos demais a aparência de ser o titular do crédito. Ilustrativamente, pode-se mencionar o credor primitivo se o devedor não tomou conhecimento da cessão de crédito, o portador do título de crédito, o herdeiro aparente, o legatário cujo legado não prevaleceu ou caducou. Obviamente que a análise da aparência do credor deverá ser feita casuisticamente, sempre averiguando a boa-fé do devedor e existência de uma suposição razoável da qualidade creditícia.

O pagamento feito ao credor putativo, conforme ilustração acessada no site Direito.com, em 26/04/2019, por devedor de boa-fé, é eficaz e exonera o devedor. nesses casos, o credor original não poderá exigir a prestação do devedor sequer nos casos em que tenha demonstrado em juízo sua qualidade de titular do crédito.

Conforme jurisprudência ainda em direito.com: “pagamento a credor putativo. IPTU. Impossibilidade de o Município de Bertioga exigir novo pagamento de IPTU por parte do sujeito passivo, uma vez estar efetivamente demonstrado que o contribuinte já efetuou anteriormente o recolhimento do tributo ao Município de Santos, de onde o primeiro foi desmembrado e com quem manteve disputa por limites territoriais. O sujeito passivo se encontra de boa-fé e protegido pela norma CC 309. A obrigação tributária deve ser dada por extinta, cabendo ao Município que se entende titular do crédito buscar o seu recebimento frente ao outro que realizou a tributação que reputa indevida” (JTACivSP 176/139). (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 26.04.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Bdine Jr. o artigo cuida da hipótese em que o pagamento é feito de boa-fé a alguém que se comporta de modo a fazer com que o devedor acredite ser ele o próprio credor, ou seu representante. O pagamento será válido, ainda que essa pessoa não seja o credor ou seu represente. O credor putativo é aquele que, em razão de seu comportamento, parece ser o próprio credor. Essa aparência não deve ser avaliada apenas em relação ao próprio devedor, mas em face de todos, de modo objetivo. Para admitir a putatividade do credor, não basta a convicção pessoal do devedor de que aquele é o verdadeiro credor (LOTUFO, Renan. Código civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 203).

Uma vez realizado o pagamento válido ao credor putativo, resta ao verdadeiro credor perseguir o crédito daquele que indevidamente o recebeu, pois o devedor originário está exonerado da obrigação. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 298 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26.04.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na definição de Ricardo Fiuza, Credor putativo é aquele que, não só à vista do devedor, mas nos olhos de todos, aparenta ser o verdadeiro crédito o seu legítimo representante.

Título da obrigação. Uma variante bastante interessante desse caso é a do pagamento feito ao possuidor de título litigioso, que vem posteriormente a perder a propriedade do crédito. A hipótese é descrita por Beviláqua: “o pagamento ao possuidor do crédito é válido em juízo sobre a propriedade da dívida. Aparentemente era esse o credor, e o direito lhe reconhecia e garantia essa qualidade, enquanto se não demonstrasse que, em verdade, lhe não cabia ela por lei; por isso é chamado credor putativo. Até que chegue esse momento, não há outro a quem pagar. E, feito o pagamento durante o decurso de tempo, em que o indivíduo era, juridicamente, o sujeito ativo da obrigação, sem ânimo doloso, sem outra intenção, é óbvio que o pagamento está válido e irrevogavelmente feito. Ao possuidor, porém, que assim recebeu o que se veio a verificar não lhe pertencer, cumpre restituir o que, por equívoco, lhe foi às mãos” (Beviláqua, Clóvis. Direito das obrigações, cit., p. 87). Outra situação interessante é a relatada por Sílvio Venosa: “Suponhamos o caso de alguém que, ao chegar a um estabelecimento comercial, paga a um assaltante, que naquele momento se instalou no guichê de recebimentos, ou a situação de um administrador de negócio que não tenha poderes para receber, mas aparece aos olhos de todos como efetivo gerente. Não se trata apenas de situações em que o credor se apresenta falsamente com o título ou com a situação, mas de todas aquelas situações em que se reputa o accipiens como credor” (Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil, cit., p. 170).

A condição de eficácia do pagamento feito ao credor putativo é a boa-fé do devedor, caracterizada pela existência de motivos objetivos que o levaram a acreditar tratar-se do verdadeiro credor. Não basta a crença subjetiva. Efetivado o pagamento nessas condições, fica o devedor exonerado, só cabendo ao verdadeiro credor reclamar o seu débito do credor putativo, que o recebeu indevidamente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 177-8, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 26/04/2019, VD).

Art. 310. Não vale o pagamento cientemente feito ao credor incapaz de quitar, se o devedor não provar que em benefício dele efetivamente reverteu.

A respeito, Fiuza comenta que o pagamento, como todo e qualquer ato jurídico, exige plena capacidade das partes. Se feito ao absolutamente incapaz, é nulo de pleno direito. Se feito ao relativamente incapaz, poderá ser ratificado posteriormente, quer pelo seu representante legal, quer pelo próprio incapaz, após cessada a incapacidade. Em ambos os casos, será válido o pagamento, provando o devedor que foi proveitoso ao incapaz.

O dispositivo, apesar de transplantado do Código civil de 1916, afigura-se, até certo ponto, dispensável, uma vez que suas hipóteses de incidência podem ser compreendidas como abrangidas pelo art. 308 deste Código. Se o credor é incapaz de quitar, não pode receber o pagamento, que deve ser feito ao seu representante legal. Equipara-se ao pagamento feito ao não-credor, sobre o qual já discorremos. Vide nossos comentários ao art. 308.

Se o devedor, por justificada razão, desconhecia a incapacidade do credor, aplica-se o mesmo princípio do artigo anterior, reputando-se válido o pagamento, independentemente de comprovação de que trouxe proveito ao incapaz. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 178, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 26/04/2019, VD).

Temos com Guimarães e Mezzalina, que, caso o devedor prove que eventual pagamento realizado ao incapaz ou àquele que não estava autorizado a receber reverteu em favor do credor, terá seu pagamento considerado eficaz e estará exonerado da obrigação, até o limite em que o credor houver se beneficiado. Afinal, do contrário, estar-se-ia a admitir a locupletação sem causa do devedor.

O pagamento feito a incapaz, em razão de idade, poderá ser considerado válido e eficaz, caso, após o cumprimento da prestação e sobrevindo a maioridade, haja a quitação retroativa da obrigação. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 26.04.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

A posição de Bdine Jr. é que, se o devedor tiver a consciência da incapacidade de seu credor e, apesar disso, efetuar o pagamento, sua exoneração ficará condicionada à prova de que o benefício – ou seja, o pagamento -, reverteu em proveito do credor incapaz. Sílvio Rodrigues adverte que se o devedor não tiver ciência da incapacidade, o pagamento será válido, prestigiando-se a boa-fé daquele que paga ou punindo-se a malícia do credor: “Note-se que o texto do art. 310 usa o advérbio cientemente, ao se referir ao pagamento feito ao incapaz de quitar. Beviláqua insiste no fato de ser condição de ineficácia do pagamento a ciência pelo solvens, da incapacidade do accipiens. Nesse sentido, se o devedor tinha razão suficiente para supor que tratava com pessoa incapaz, ou se, dolosamente, foi induzido a crer que desaparecera a incapacidade existente, prevalecerá o pagamento desde que se prove o erro escusável do devedor ou dolo do credor” (Rodrigues Silvio. Direito civil. São Paulo, Saraiva, v. II, 2002, p. 132).

O pagamento é ato jurídico (ou ato-fato jurídico, na lição de Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, 1.ed., atualizada por Vilson Rodrigues Alves. Campinas, Bookseller, 2003, v. XXIV, p. 114), de modo que a vontade só pode produzir um resultado: a quitação. Dessa forma, o recebimento pelo incapaz pode ser eficaz se efetivamente o beneficiou. A regra aplica-se tanto aos absolutamente quanto aos relativamente incapazes, como observa Caio Mário da Silva Pereira, ponderando, no que se refere aos primeiros, que, embora o ato praticado pelo devedor seja mulo, nada justifica que o credor enriqueça em prejuízo de quem paga, se o pagamento reverteu em seu proveito (Instituições de direito civil, 20.ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. II, p. 181). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 310-11. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26.04.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

quinta-feira, 25 de abril de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 307 Do Pagamento – VARGAS, Paulo S. R.


                                         DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 307
Do Pagamento – VARGAS, Paulo S. R. 

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título III – DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
 (art. 304 a 388) Capítulo I – DO PAGAMENTO – Seção I –
De Quem Deve Pagar - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 307. Só terá eficácia o pagamento que importar transmissão da propriedade, quando feito por quem possa alienar o objeto em que ele consistiu.

Parágrafo único. Se se der em pagamento coisa fungível, não se poderá mais reclamar do credor que, de b ao-fé, a recebeu e consumiu, ainda que o solvente não tivesse o direito de aliená-la.

Acompanhando Bdine Jr., o pagamento que acarretar a transmissão da propriedade só será eficaz quando quem o fizer tiver condições de alienar o objeto sobre o qual o negócio recai. É que o pagamento feito com o que não pode ser alienado por quem o transmite não poderá ser aperfeiçoado, de maneira que o credor não se tornará titular da propriedade e, consequentemente, não haverá adimplemento.

Porém, se o bem transmitido for fungível (art. 85 do CC) e quem o recebeu, de boa-fé, o tenha consumido, aquele que o entregou não pode mais reclamá-lo, mesmo que não tivesse o direito de aliená-lo. Nessa hipótese, o terceiro titular do bem deverá cobrar eventual prejuízo daquele que pagou indevidamente. É que, em se tratando de bem consumível, não haverá possibilidade de o terceiro reivindica-lo, o que, como se viu, é possível em relação aos bens ainda encontráveis em poder do credor.

Renan Lotufo registra que a boa-fé deve estar presente desde a recepção do bem até seu consumo (Código Civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 197). Nada impede, no entanto, que aquele que transmitiu sem estar em condições de alienar o bem venha a adquiri-lo posteriormente, convalidando o pagamento (op. cit., p. 196).

A eficácia de que trata este dispositivo depende da conjugação entre a capacidade negocial e a legitimação, ou o poder de dispor sobre o bem entregue em pagamento. Poderá haver capacidade de efetuar a entrega – obrigação de dar -, sem que haja possibilidade de transferir o domínio, hipótese em que o pagamento não será eficaz (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V, t. I, p. 123). Silvio Rodrigues menciona a hipótese de negócio validamente constituído, mas no qual o pagamento se faz ao tempo em que o devedor era incapaz, e o autor conclui que o adimplemento é válido se o credor tiver agido de boa fé e consumido o bem entregue em pagamento (Direito civil. São Paulo, Saraiva, v. II, 2002, p. 130). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 307-8. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25.04.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entendimento de Ricardo Fiuza, a única inovação relevante do dispositivo em relação ao direito anterior foi a substituição da palavra “validade” por “eficácia”. Sobre o assunto, vide nota ao art. 288.

O pagamento que importar em alienação (obrigação de dar) não terá eficácia se feito por quem não era dono da coisa (alienação a non domino). Se porém era fungível a coisa e o credor a recebeu e a consumiu de boa-fé, reputa-se eficaz o pagamento e do credor nada se poderá reclamar, cabendo ao terceiro, que era o verdadeiro proprietário, buscar as reparações cabíveis do devedor que entregou o que não lhe pertencia. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 175, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/04/2019, VD).

No entendimento de Pereira, as prestações que visarem à transferência de propriedade somente poderão ser realizadas por terceiros que tenham a capacidade para alienar determinado bem. Desse modo, se o pagamento, por exemplo, se der por terceiro que não era dono do bem, o ato será ineficaz. (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, op. cit., p. 176).

No entanto, se for dada coisa fungível e o credor já lhe houver consumido, não poderá ser-lhe requerida a restituição do produto, exceto nas hipóteses em que estiver de má-fé. Em casos tais, o prejudicado terá a prerrogativa de cobrar do terceiro solvente as perdas e danos sofridas com a disposição de bem que lhe pertencia. Todavia, caso o bem ainda não tenha sido consumido, seu real proprietário poderá reivindicar sua posse, ainda que o credor tenha o recebido de boa-fé. De acordo com Pereira, a diferença de tratamento entre a hipótese de já ter havido ou não o consumo do bem não decorre exatamente do direito do dono, mas sim da apuração de sua existência e, logo, da impossibilidade ou possibilidade de ser reavido. (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, op. cit., p. 176, apud Direito.com acessado em 25.04.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).