segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 476, 477 - Da Exceção de Contrato não Cumprido - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 476, 477
- Da Exceção de Contrato não Cumprido - VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título V – DOS CONTRATOS EM GERAL
 (art. 421 a 480) Capítulo II – DA EXTINÇÃO DO CONTRATO
Seção III – Da Exceção de Contrato não Cumprido - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.

Assimilando os ensinamentos de Nelson Rosenvald, contratos bilaterais são aqueles em que ambas as partes possuem direitos e obrigações recíprocas, sendo contemporaneamente credores e devedores. Compra e venda e locação são exemplos de contratos em que uma das partes transfere a propriedade ou a posse de um bem em troca de um preço ajustado. As obrigações nascem unidas e assim deverão se manter durante a execução da relação contratual, preservando o contrato coo um todo incindível, no qual avulta a realização integral da relação.

Já os contratos unilaterais apenas exigem esforços de um dos contraentes, que assumirá obrigações perante o outro. Doação e comodato são contratos que ilustram a matéria. Todavia, acrescida de um encargo a doação (v.g., concedo-lhe uma casa com o encargo de gerencia um orfanato por um ano), a dita modalidade transforma o contrato em bilateral, pois o donatário assume também a realização de uma obrigação.

Apenas não se pode incidir no comum equívoco de confundir o contrato bilateral com o negócio jurídico bilateral. Qualquer contrato será um negócio bilateral, que nada mais é que um encontro de manifestações de vontades destinadas à produção de efeitos jurídicos.

Uma das consequências da distinção entre contratos unilaterais e bilaterais concerne à possibilidade de neste últimos ser facultada a uma das partes o manejo da exceptio non adimpleti contractus, pela qual cada um dos contraentes deverá respeitar o conjunto indivisível da relação a ponto de não poder reclamar a prestação do outro contratante sem que esteja disposto a executar a sua. A exceção não se aplica se no contrato bilateral houver prazos distintos para o cumprimento das obrigações (v.g., CC.491).

O fundamento do instituto reside na equidade. O sistema jurídico pretende que haja uma execução simultânea das obrigações. A boa-fé objetiva e a segurança do comércio jurídico demandam o respeito pelas obrigações assumidas de modo a unir o destino das duas obrigações, de forma que cada uma só será executada à medida que a outra também o seja. Trata-se de uma verdadeira situação de interdependência, que assegura não apenas o interesse das partes na realização da finalidade comum (função social interna), mas satisfaz a ordem social que procura pelo adimplemento como imposição de justiça comutativa (função social externa).

A aplicação da exceção é a maneira de assegurar que as obrigações recíprocas se mantenham coesas, a fim de que uma das partes só possa ser compelida a prestar seu compromisso caso a outra proceda de igual modo. Note-se que, enquanto o descumprimento for temporário, a exceptio servirá como forma de pressão, hábil a compelir o devedor a executar sua obrigação, preservando a unidade indivisível do contrato, vista de maneira complexa e global, além de servir de garantia contra as consequências de uma inexecução definitiva. Todavia, constatando-se a impossibilidade total de cumprimento, deverá o credor lesado pleitear a resolução contratual pelo inadimplemento, desvinculando-se da relação obrigacional (CC. 475).

Essa distinção entre a exceptio e a resolução demonstra a impropriedade de incluir aquele instituto no capítulo relativo à extinção do contrato (CC. 472), pois a exceção de contrato não cumprido não é uma forma de desconstituição da obrigação, mas um modo de oposição temporária à exigibilidade do cumprimento da prestação.

Outrossim, a exceptio produz extensão de eficácia a terceiros, alcançando todos aqueles que no contrato substituam qualquer das partes (v.g., cessionário e credores). Vale dizer que se o objetivo contemporâneo do direito das obrigações é proteger a relação de forma global e sistêmica, a exceptio seria debilitada caso apenas pudesse ser invocada ao parceiro, mas não contra terceiros que penetram na relação sinalagmática.

Discutem-se atualmente os limites do exercício da exceptio. Em sede constitucional urge sempre precisar a proporcionalidade entre a inexecução da contraparte e o exercício da exceção. Será caracterizada como abuso do direito e, portanto, ato ilícito (CC. 187) a conduta daquele que se recusa a cumprir sua obrigação em razão de um inadimplemento mínimo praticado pela contraparte. Assim, a alegação da exceptio acaba se convertendo em uma escusa indevida ao cumprimento do contrato.

O princípio da boa-fé objetiva pretende limitar o exercício de pretensões excessivas, não sendo razoável a recusa total da prestação diante de uma falta sem maior gravidade e desprezível do pondo de vista da economia do negócio jurídico. Portanto, se A deveria entregar cinco veículos a B, mas deixa de cumprir com a remessa de um dos automóveis, não pode B se recusar a pagar o todo, amparado na inexecução de um quinto da obrigação. Justo seria a recusa do pagamento na medida proporcional.

Cuida-se de uma demonstração normativa da aplicação da máxima tu quoque – não faça aos outros aquilo que não queira que façam a ti -, regra de ouro que impede a constituição desleal de direitos subjetivos. Com base na justiça contratual, será inadmissível o exercício de uma posição jurídica que não guarde proporcionalidade com o descumprimento anterior.

Enfim, a exceptio non rite adimpleti contractus (exceção de cumprimento parcial ou defeituoso) só se encontrará justificada perante um incumprimento relativo, no qual não se poderá compelir alguém a executar totalmente a sua obrigação quando não obtém o seu crédito de forma cabal. A saída está na mais perfeita adequação entre o que se cumpre e o que se pode exigir do outro contratante.

Ao contrário do ordenamento civil de Portugal, que dispõe como norma de ordem pública a impossibilidade de renúncia antecipada ao exercício da exceção (CC. 428 português), o direito pátrio não se manifesta sobre a viabilidade de as partes inserirem nas relações civis a cláusula solve et repete.

Portanto, o legislador permite que as partes possam dispor contratualmente da renúncia à exceptio mediante a inclusão da aludida cláusula em contratos paritários. Todavia, em sede de contratos de adesão, o CC. 424 é taxativo ao impedir a elaboração de cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio – como a exceção de contrato não cumprido, ínsita aos contratos bilaterais (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 545 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Acompanhando a doutrina apresentada pelo relator Ricardo Fiuza onde aponta que o princípio exceptio non adimpleti contractus, decorrente da dependência recíproca das relações obrigacionais assumidas pelas partes, é exercido pelo contratante cobrado, recusando à sua exigibilidade (satisfazer a sua obrigação) por via da exceção do contrato não cumprido; quando a ela instado, invoca o inadimplemento da obrigação do outro. O princípio tem incidência quando ocorre uma interdependência, pela simultaneidade temporal de cumprimento (termos comuns ao adimplemento) entre as obrigações das partes, ou seja, as obrigações devem ser recíprocas e contemporâneas. Humberto Theodoro Júnior refere-se à necessidade de uma “conexidade causal entre a prestação cobrada e aquela que o excipiente invoca como não cumprida”. Maria Helena Diniz leciona o exemplo do contrato de compra e venda à vista, “onde o dever de pagar o preço e o de entregar a coisa estão ligados”.

Quando houver sido pactuada a cláusula solve et repete, opera-se a renúncia ao emprego da exceptio non adimpleti contractus.

Cumpre verificar a imprecisão técnica cometida no tratamento dado à exceptio non adimpleti contractus, incluída como causa determinante de extinção do contrato. Em verdade, constitui apenas uma oposição temporária do devedor à exigibilidade do cumprimento de sua obrigação enquanto não cumprida a contraprestação do credor. Humberto Theodoro Júnior alude, com segurança, não se tratar de “uma defesa voltada para resolver o vínculo obrigacional e isentar o réu-excipiente do dever de cumprir a prestação emergente do contrato bilateral”. Muito ao revés, reconhece, uma vez procedente, constituir mero procedimento dilatório ou, mais precisamente, “provisória condição de inexigibilidade”. Como não se preta o instituto à extinção do contrato, melhor afigura-se ter lugar próprio como seção do capitulo anterior, que cuida das Disposições Gerais, renumerando-se os artigos do presente Capítulo (II – Da Extinção do Contrato). De ver, afinal, que o artigo seguinte, da mesma seção, versa sobre hipótese não extintiva do contrato, posto que, à semelhança do presente artigo, é caso típico de exceção dilatória. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 254-255, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha o dispositivo cuida da exceptio non adimpleti contractus, que é a exceção do contrato não cumprido. O termo exceção significa, neste contexto, defesa. A regra é um modo e defesa dos interesses de um contratante em relação ao inadimplemento da obrigação de sua contraparte. É evidente, portanto, que uma tal exceção somente é possível em contratos que estabeleçam obrigações para ambas as partes, ou seja, nos contratos bilaterais.

A regra é de natureza supletiva, i. é, admite que as partes disponham de modo diverso. Assim, se o contrato prevê que uma das partes deve cumprir sua obrigação em momento anterior ao do cumprimento da obrigação da contraparte, esta poderá exigir o cumprimento ainda que não tenha ainda realizado sua prestação. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 24.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se às prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.

Segundo a visão de Nelson Rosenvald, em princípio, aquele que deve cumprir a sua prestação primordialmente não pode alegar a exceptio, eis que inexiste o requisito de simultaneidade temporal. Assim, na promessa de compra e venda, o promissário comprador somente poderá pleitear a outorga da escritura definitiva do promitente vendedor quando pagar integralmente as prestações.

Todavia, tendo em vista a necessidade de manutenção da justiça contratual e a tutela da obrigação como um todo indivisível, poderá o contratante recusar a sua prestação primária em caso de insolvência ou redução das garantias de cumprimento pela contraparte. Certamente, incumbirá ao contratante inocente a demonstração da fragilidade da posição econômica da contraparte.

Com efeito, a redução da posição patrimonial do contratante impõe o vencimento antecipado das suas obrigações perante outros credores (CC. 333) e praticamente inviabiliza as garantias daquele que teme praticar a sua prestação sem que possa no futuro receber a contraprestação. A saída para o impasse será a substituição ou reforço das garantias reais (hipoteca, penhor) ou pessoais (aval, fiança), restaurando-se o sinalagma rompido pelo risco do inadimplemento antecipado.

O dispositivo tangencia a chamada quebra antecipada do contrato, ou inadimplemento antecipado. Consiste na evidência de um dos contratantes implicitamente demonstrar, por meio de sua situação patrimonial, que descumprirá futuramente a prestação que lhe incumbe. Ou seja, a prestação a ser inadimplida ainda não é exigível pelo credor, mas provavelmente não será realizada ao seu tempo. O rompimento antecipado poderá ser pleiteado caso o contratante fragilizado não obtenha as novas garantias que lhe são exigidas. Poderá o credor, imediatamente, ajuizar ação de resolução com pedido de indenização ou executar a prestação da contraparte antes do prazo previsto, mediante a tutela específica das obrigações de dar, fazer ou não fazer (art. 461 do CPC/1973, correspondência no art. 537 do CPC/2015) (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 545-546 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sob o foco de Ricardo Fiuza, o permissivo legal de exceção assegura ao devedor subtrair-se à obrigação que lhe cabe, em primeiro lugar, quando a outra sofrer diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou. E o caso do vendedor que se recusa a entregar a mercadoria vendida por sobrevir redução patrimonial do comprador, tornando duvidoso o pagamento do preço quando exibível, autorizado aquele reclamar o preço de imediato ou garantia suficiente ao adimplemento da obrigação. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 255, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão do mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha o artigo 477, embora situado na sessão dedicada à exceptio non adimpleti contractus, não diz respeito a ela. É igualmente uma defesa, porém é uma defesa conta os efeitos da insolvência da contraparte e não requer que esta tenha descumprido sua obrigação. Ao contrário, o dispositivo aplica-se principalmente aos casos em que a parte que o invoca deve realizar suas prestações antes do momento em que sua contraparte realizará a prestação dela. Justifica-se para modificar a ordem do cumprimento das obrigações, a fim de evitar prejuízo a uma das partes em razão da diminuição patrimonial da outra. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 24.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 474, 475 - Da Cláusula Resolutiva - VARGAS, Paulo S. R.


 Direito Civil Comentado - Art. 474, 475
- Da Cláusula Resolutiva - VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título V – DOS CONTRATOS EM GERAL
 (art. 421 a 480) Capítulo II – DA EXTINÇÃO DO CONTRATO
Seção II – Da Cláusula Resolutiva - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 474.  A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.

Na palavra de Nelson Rosenvald, o remédio resolutório é consequente do inadimplemento contratual de uma das partes. O contrato nasce perfeitamente equilibrado – há o sinalagma genético ao tempo de sua formação -, mas um evento ulterior introduz um desequilíbrio que gera a perda da situação de equivalência originária e implica desfazimento do negócio jurídico.

A resolução se prende aos contratos bilaterais, em que surge uma interdependência entre as prestações, pois toda a dinâmica da relação pressupõe a reciprocidade entre a prestação de uma parte e a contraprestação de outra. A importância da resolução consiste na possibilidade de corrigir o desequilíbrio superveniente, mediante o direito potestativo ao desfazimento da relação jurídica e o retorno à situação originária.

O art. 474 alude a duas espécies de resolução contratual: a cláusula resolutiva expressa e a cláusula resolutiva tácita.

A cláusula resolutiva expressa concerne a uma previsão contratual de imediata resolução em caso de inadimplemento da parte. Trata-se de direito negocial à resolução, contido na própria avença ou em documento posterior, que emana da inexecução de uma ou mais prestações.

A vantagem da inserção de tal cláusula reside na prévia estipulação do alcance da resolução quanto às prestações pretéritas, como no desfazimento imediato do contrato diante do inadimplemento, sem que necessite o lesado demonstrar em juízo a inutilidade da prestação (CC. 395, parágrafo único). Cumprirá ao inadimplente o ônus de ingressar em juízo para provar que não houve o alegado descumprimento ou que a extinção se deu de forma abusiva.

Em regra, a resolução dissolve o contrato e retroage os contratantes ao status quo, com efeitos ex tunc, como se o contrato jamais tivesse sido realizado. Mas nos casos de contratos de execução continuada ou periódica seria desaconselhável a ampla retroatividade. Daí a advertência do CC. 128, no sentido da manutenção da eficácia dos atos anteriores à resolução, preservando-se as situações pregressas já consolidadas de forma eficiente para ambas as partes, a não ser que elas, expressamente, tenham previsto a retroatividade dos efeitos.

Todavia, mesmo diante de uma cláusula resolutiva expressa, a parte inocente deverá demandar judicialmente o devedor para a obtenção de perdas e danos – ou a execução de cláusula penal compensatória (CC. 410), pois a demanda indenizatória surge de pretensão independente e a acessória à resolução, sendo certo que muitas vezes o lesado não fará jus a ela – como nas hipóteses de fortuito em que o descumprimento não será imputável ao devedor.

Não tendo sido estipulada a cláusula resolutiva expressa, subentende-se a existência de cláusula resolutiva implícita nos contratos bilaterais. Aqui, deverá o lesado inicialmente interpelar o devedor para que seja constituído em mora. Posteriormente, propugnará pela resolução contratual, eventualmente acrescida de perdas e danos. Em suma, o desfazimento do contrato é decorrente do trânsito em julgado da sentença.

Aliás, ao não repetir a redação do art. 119, parágrafo único, do Código de 1916, que fazia alusão à condição resolutiva tácita, o legislador do Código Civil de 2002 evolui tecnicamente ao adotar a expressão cláusula resolutiva tácita. Ora, se houvesse uma condição, a superveniência do evento acarretaria a resolução automática do contrato, dispensando a intervenção do magistrado.

Por fim, vale lembrar que o art. 54, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor permite a estipulação de cláusula resolutiva expressa nas relações de consumo, mas apenas como cláusula alternativa, cabendo a escolha ao consumidor. Em outras palavras, na prática a opção entre a resolução e a manutenção do contrato caberá ao consumidor, sendo abusiva a cláusula que implique renúncia a esse direito (CDC, 51, I) (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 541-542 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o contrato se resolve pela cláusula resolutiva expressa, diante de obrigação não adimplida de acordo com o modo determinado. A cláusula expressa promove a rescisão de pleno direito do contrato em face do inadimplemento. Aplica-se, segundo a doutrina, o princípio dies interpellat pro homine.

Quando não houver sido expressa a cláusula resolutiva, o contratante prejudicado deverá notificar a parte inadimplente acerca da sua decisão de resolver o contrato em face da inadimplência do outro. E ínsita a todo pacto bilateral a cláusula resolutória tácita (RT, 752/287).
 O Código Civil de 2002, neste dispositivo, trata de “cláusula” e não de “condição”, corrigindo a imprecisão técnico-jurídica contida no parágrafo único do art. 119 do CC de 1916, como realça, percuciente, Carlos Alberto Dabus Maluf, enaltecendo: “Foi de grande sabedoria tal modificação, pois, assim, a jurisprudência, nas hipóteses de resolução dos contratos, não terá mais de falar em condição resolutiva”.

Direito Comparado: Código Civil italiano, art. 1.453. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 253-254, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 22/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, Resolução é a rescisão do contrato por iniciativa de uma das partes em razão do descumprimento do outro contratante.

A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito e a tácita mediante interpelação judicial.

A cláusula resolutiva tácita é implícita em todos os contratos bilaterais, i.é, decorre da lei (CC. 475).

A cláusula resolutiva expressa (pacto comissório) é uma condição resolutiva e, tal como qualquer condição, independe de pronunciamento judicial.

Nos contratos de execução sucessiva, não se restituem as prestações efetuadas.

Diferenças de efeitos das cláusulas resolutivas tácita e expressa: a) a sentença que reconhece a resolução expressa é declaratória (efeitos ex tunc); b) a mora do devedor somente autoriza a resolução se a prestação se tornar inútil (CC, 395, parágrafo único). O pacto comissório retira do devedor a possibilidade de purgar a mora, por se presumir inútil a prestação (AGOSTINHO ALVIM, Da Inexecução das Obrigações, n. 128, p. 161).

A resolução pode ocorrer por violação positiva do contrato. Violação positiva do contrato é o descumprimento de deveres anexos, decorrentes do alargamento do conteúdo do contrato pela boa-fé objetiva que confere à parte lesada a pretensão reparatória ou o direito de requerer a resolução do contrato. Exemplos: médico emprega técnica extremamente dolorosa no tratamento do paciente, no lugar de meios alternativos para se alcançar o mesmo resultado sem dor; empresa contratada para a publicidade de produtos instala outdoors em locais de difícil acesso, iluminação e visualização; cavalo valioso chega ao adquirente em péssimo estado de saúde em razão do transporte.

A resolução do contrato não pode ser requerida quando há adimplemento substancial, i. é, quando a parte inadimplente executou a quase totalidade do contrato. Neste caso, a resolução configuraria abuso do direito. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 22.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

No foco de Nelson Rosenvald, o artigo em comento concede ao contratante fiel duas opções: poderá desconstituir a relação contratual por meio da ação resolutória ou insistir na tutela específica, postulando o cumprimento da prestação. Não há hierarquia entre as opções, cabendo a opção à parte lesada de acordo com os seus interesses. Todavia, não se tratando a resolução de matéria de ordem pública, poderão as partes contratualmente estipular a exclusão da eventual demanda de cumprimento ou a renúncia prévia à resolução, elidindo assim a alternatividade ora exposta.

Caso o inadimplente propugne pela tutela específica, poderá se servir do art. 461 do CPC/1973, (correspondência no CPC/2015, art. 537), para insistir no cumprimento de contratos consubstanciados em obrigações de fazer e não fazer, bem como do art. 461-A (introduzido pela Lei n. 10.444/2002 – com correspondência no art. 498 do CPC/2015) para a determinação das obrigações de dar coisa certa ou coisa incerta. Nas obrigações em dinheiro, as medidas poderão variar desde a execução por cumprimento da sentença (art. 475, I, do CPC/1973, correspondendo o art. 496 do CPC/2015), ou por título extrajudicial (art. 585 do CPC/1973, correspondente no CPC/2015 no art. 784), passando pela ação monitoria (art. 1.102-A do CPC/1973, correspondência no CPC/2015, art. 700) até a ação de cobrança, de acordo com a natureza do título que detém o credor.

Com efeito, cabe à parte lesada julgar se o inadimplemento gerou a inutilidade da prestação ou se, não obstante o descumprimento, ela ainda lhe é interessante. No primeiro caso, diante do inadimplemento absoluto restará apenas a demanda resolutória (CC. 395, parágrafo único). Mas, se a prestação ainda for viável ao credor, a hipótese ainda é de mora, o que justifica a manutenção da relação contratual.

Aliás, esse é o significado do CC.410, ao asseverar que a estipulação da cláusula penal compensatória é apenas uma alternativa em benefício do credor. Com efeito, além da resolução contratual cumulada com o pedido sucessivo de multa contratual (nos casos de inadimplemento imputável ao devedor), nada impedirá a adoção da opção pela ação de cumprimento, subsistindo o interesse na prestação.

É possível a cumulação das lides de cumprimento e de resolução de forma subsidiária. Caso a tutela específica se afigure inútil pelo fato de o réu não atender à condenação ou surgir o inadimplemento absoluto de forma superveniente, poderá o credor recorrer ao pedido subsidiário resolutório (CPC/1973, art. 289, com correspondência no CPC/2015, art. 326). Em princípio, não admitimos o inverso, ou seja, o ingresso da ação de resolução com subsidiariedade de cumprimento, eis que na ação principal o autor revela o desinteresse na prestação e a desconstituição da relação.

Tradicionalmente a doutrina não discutia a possibilidade de imposição de limites ao exercício de direitos subjetivos e potestativos. Porém, a doutrina do abuso do direito demonstra a que o exercício do direito pode manifestar motivações ilegítimas e ofensivas à função para a qual ele fora concedido pelo ordenamento (CC. 187). O inadimplemento mínimo impede a adoção do remédio resolutório em situações caracterizadas pelo cumprimento de substancial parcela do contrato pelo devedor que não tenha suportado adimplir pequena parcela da obrigação. O desfazimento do contrato acarretaria sacrifício desproporcional comparativamente à sua manutenção, sendo coerente que o credor procure a tutela adequada à percepção das prestações inadimplidas. Destarte, em tais situações de lesão ao princípio da boa-fé objetiva, é possível atender ao pedido subsidiário de cumprimento, evitando o sacrifício excessivo do devedor em face do pequeno vulto do débito.

A outro giro, discute-se hoje a teoria do inadimplemento antecipado. Em determinados contratos as partes fixam o momento para o cumprimento das prestações, mas as condutas praticadas por uma das partes revelam que fatalmente não será adimplente ao tempo convencionado. Nesses casos, adianta-se o remédio resolutório como uma espécie de antecipação do inadimplemento, concedendo ao prejudicado a possibilidade imediata de desconstituição da relação, em vez de aguardar pelo desenlace avisado e sofrer prejuízos ainda mais amplos.

Apesar de a parte final do artigo dispor acerca da incidência das perdas e danos em qualquer das duas opções, não podemos olvidar da autonomia entre o pleito resolutório e a demanda indenizatória. A primeira se prende à impossibilidade da prestação para o credor, já as perdas e danos resultam da conduta culposa do devedor (CC. 393 e 396). O inadimplemento não imputável ao devedor – como na hipótese do caso fortuito – afasta a indenização, excluindo da ação de resolução toda discussão acerca de danos emergentes e lucros cessantes, ou mesmo de cláusula penal prefixada pelas partes. Há uma tendência irrefreável de abolição da discussão de culpa na resolução contratual. A sua incidência se localiza nas demandas indenizatórias sucessivas.

Por último, cumpre ampliar o espectro de incidência da resolução contratual diante dos demais anexos oriundos da imposição do princípio da boa-fé (CC. Art. 422). A lesão aos deveres de proteção, cooperação e informação induz à chamada violação positiva do contrato, como modalidade autônoma de inadimplemento obrigacional, uma espécie de tertium genus ao lado da mora e do inadimplemento absoluto. Também conhecida como adimplemento ruim, sua incidência é autônoma à questão do cumprimento da obrigação principal, pois mesmo diante do adimplemento da prestação poderá uma das partes violar a confiança do parceiro, frustrando os interesses gerais da relação. O descumprimento desses deveres oriundos da boa-fé provoca inadimplemento e o consequente acesso do prejudicado ao direito potestativo de resolução contratual.

Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio, capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a parte, a quem incumbe fazer a prestação em primeiro lugar, recusar-se a esta, até que a outra satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 542-543 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a doutrina apresentada por Fiuza, o contratante cumpridor de suas obrigações tem, no dispositivo, duas alternativas para opor-se ao inadimplemento do outro: resolver o contrato ou exigir-lhe o cumprimento contratual, uma vez cabível a execução coativa mediante a tutela específica. Em qualquer dos casos, haverá a indenização por perdas e danos, o que difere da simples conversão da obrigação insatisfeita em indenização tratada pelo art. 633, caput, no CPC/1973, com correspondência no art. 816 do CPC/2015 e condicionada ao descumprimento do preceito (RT. 716/165). Mesmo implementada a obrigação, cumulam-se as perdas e danos, o que constitui inovação saudável. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 254, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo o mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha o inadimplemento deixa ao lesado o direito de requerer a execução forçada do contrato. Somente não terá esse direito se a natureza da obrigação não o permitir, como no caso de uma obrigação de fazer infungível. Se o inadimplemento for grave, i. é, se o inadimplemento levar o credor a perder o interesse pelo negócio, este poderá optar pela resolução do contrato. Em ambas as situações, poderá o credor cumular o pedido com o de indenização por perdas e danos. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 23.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 472, 473 - Da Extinção do Contrato – Distrato - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 472, 473
- Da Extinção do Contrato – Distrato - VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título V – DOS CONTRATOS EM GERAL
 (art. 421 a 480) Capítulo II – DA EXTINÇÃO DO CONTRATO
Seção I – Do Distrato - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 472. O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.

Seguindo os ensinamentos do mestre Nelson Rosenvald, tem-se que o Capítulo II, do Título V, do Livro “Do Direito das Obrigações” trata da extinção do contrato em suas variadas formas. A relação jurídica originária pode ser suprimida por meio de distrato, resilição e resolução.

Em comum, as três situações se prendem a circunstâncias supervenientes à contratação, manifestando-se no bojo de relações constituídas sem desvios ou patologias. Difere portanto, das hipóteses de invalidade do contrato – por nulidade ou anulabilidade -, que violam o negócio jurídico em seu nascedouro, nos termos do CC. 104. Enfim, na tricotomia do negócio jurídico, a extinção do contrato não se localiza no campo da validade, mas sim da eficácia, pois acarreta a ineficácia superveniente de uma relação válida.

Por isso, o Código Civil de 2002 reserva o termo rescisão apenas para a desconstituição da obrigação por vício inerente ao próprio objeto da relação obrigacional, em relações jurídicas que nascem, portanto, de um vício material (vício redibitório) ou jurídico (evicção) em sua prestação. Assim, como a invalidade, a rescisão se localiza na gênese da relação obrigacional – sem que com aquela se confunda -, enquanto a resolução, resilição e o distrato acometem uma relação originariamente perfeita, cuja perda de eficácia é superveniente. Isso explica a razão pela qual o legislador excluiu a rescisão quando do exame da extinção do contrato.

O art. 472 cuida do distrato. É negócio jurídico bilateral destinado à extinção contratual. De comum acordo as partes deliberam pelo término das relações obrigacionais. O distrato também pode ser considerado uma resilição bilateral, na qual as partes se valem da autonomia privada, retratando-se do acordo inicial. O distrato opera efeitos ex nunc, não se confundindo com a resolução, como veremos a seguir.

Há a necessidade de atender à mesma forma que a lei exigiu para a celebração do contrato. Portanto, tendo sido ele celebrado por instrumento público, assim se realizará o distrato, sob pena de invalidade (CC. 166, IV). Outrossim, sendo realizado pela forma escrita, não haverá distrato oral. Porém, nada impede que, mesmo sendo celebrado o contrato sem solenidade, queiram as partes inseri-la por ocasião do distrato. Ressalte-se ser possível a inserção de cláusula penal no distrato, com o objetivo de prevenir eventual infração às obrigações nele consubstanciadas (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 539 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Corroborando com o enunciado de Rosenvald acima, Ricardo Fiuza afirma ser o distrato negócio jurídico que objetiva a desconstituição do contrato, extinguindo os seus efeitos.  E o desfazimento do acordo de vontades, da relação jurídica existente, através da manifestação recíproca dos contratantes (resilição bilateral), quando ainda não tenha sido executado o contrato. Os seus efeitos operam-se sem retroatividade (efeito ex nunc).

A forma do distrato submete-se à mesma forma exigida por lei para o contrato para ter a sua validade. Não obrigatória a forma, o distrato é feito por qualquer modo, independente de forma diversa pela qual se realizou o contrato desfeito. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 252, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como aponta Marco Túlio de Carvalho Rocha, as causas de extinção das obrigações, extinguem, igualmente os contratos: a) invalidação (CC. 138 a 184); adimplemento (CC. 304 a 355); c) dação em pagamento (CC. 356 a 359); d) novação (CC. 360 a 367); e) compensação (CC. 368 a 380); f) confusão (CC. 381 a 384); g) remissão (CC. 385 a 388) e h) perda do objeto (CC. 393).

A dizer do distrato, ou resilição bilateral, é o acordo das partes para pôr fim ao contrato. Deve ocorrer antes de completada a execução do contrato.

O art. 472 exige que o distrato seja feito pela mesma forma que a lei exige para o contrato. Não é relevante se as partes utilizaram forma mais rígida na contratação, i.e, se a lei exige que o contrato seja feito mediante escrito particular e as partes optaram por realiza-lo por meio de escritura pública, o distrato poderá ser feito por escrito particular (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 21.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.

Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.

Como ensina Nelson Rosenvald, consiste a resilição unilateral no direito potestativo de um dos contratantes impor a extinção do contrato, sem que o outro possa a isso se opor, eis que esteja situado em posição de sujeição.

Não obstante a existência de dissenso doutrinário, o legislador adotou o vocábulo denúncia como sinônimo de resilição unilateral e procedimento pelo qual ela se comunica à outra parte. A nomenclatura legal será o ponto de partido do aplicador do modelo jurídico.

O direito à resilição é concretizado convencionalmente – mediante cláusula contratual -, inclusive com imposição de prazos decadenciais ao seu exercício (CC. 211). Mas, em certos casos, a própria lei veicula o acesso à denúncia contratual, como na revogação do mandato pelo mandante (CC. 682) ou em sua renúncia pelo mandatário (CC. 688).

Nos contratos sem prazo, a denúncia é inerente aos pactos. No comodato, caso o comodatário seja interpelado e constituído em mora, a reintegração de posse poderá ser ajuizada, caso seja superado o prazo concedido pelo comodante sem que aquele tenha se retirado do imóvel. Na prestação de serviços, o CC. 599 utiliza inadequadamente o termo resolver, quando seria o caso de resilição unilateral na falta de prazo estipulado em tais convenções. Nas relações trabalhistas, a resilição unilateral é vislumbrada na concessão de aviso prévio ao empregado.

Interessante repositório de normas alusivas à resilição unilateral é a lei de locações. Os arts. 4º, 6º, 7º e 8º da Lei 8.245/91 apresentam hipóteses de denúncia, seja por iniciativa própria do locatário (art. 4º), seja de ambos os contratantes (art. 6º, seja de terceiros estranhos inicialmente ao contrato (arts. 7º e 8º). Assim, diante da indeterminação temporal, o locador terá a ação de despejo, caso a denúncia seja recusada pelo locatário. Porém, se a iniciativa do rompimento partir do próprio locatário, bastará o aviso por escrito, sob pena de consignação judicial das chaves em caso de resistência do locador.

Nas relações de consumo também é permitida a inserção de cláusula de denúncia ou cancelamento unilateral pelo fornecedor em contratos de adesão, desde que igual direito seja conferido ao consumidor (CDC. 51, XI). Interessante hipótese de resilição unilateral é franqueada em favor do consumidor no prazo decadencial de sete dias a contar do recebimento de produtos ou serviços decorrentes de contratos praticados fora do estabelecimento do fornecedor. Trata-se de prazo de reflexão concedido ao consumidor, diante da pressão psicológica decorrente de meios de comunicação que interferem em sua privacidade (compra por telefone, fax, internet e outros meios).

O parágrafo único do art. 473 suspende a eficácia da resilição unilateral nas hipóteses em que uma das partes tenha efetuado investimentos consideráveis por acreditar na estabilidade da relação contratual.

Aqui, há uma perceptível aplicação da teoria do abuso do direito, limitando o exercício ilegítimo de direitos potestativos (CC. 187). Uma das funções do princípio da boa-fé objetiva é frear o exercício de condutas formalmente lícitas, mas materialmente antijurídicas, quando ultrapassem os limites éticos do sistema. Se, em princípio, ao contratante é franqueado o livre exercício do direito potestativo de resilição unilateral, o ordenamento jurídico não pode permitir que tal atuação lese a legítima expectativa e a confiança da outra parte que acreditou na consistência da relação jurídica, a ponto de efetuar razoável dispêndio. Portanto, a denúncia surtirá efeitos a partir do momento em que seja ultrapassado o período mínimo para adequação da natureza do contrato ao importe dos investimentos.

Por fim, urge ressaltar que os efeitos do parágrafo único deste artigo repercutir-se-ão na seara do direito administrativo também, mormente pelo fato de estarem abarcadas no Código Civil normas de abrangência sobre todo o ordenamento jurídico.

É trivial à administração pública conferir, a título de permissão, obras que demandariam numerosos investimentos financeiros e operacionais por parte do prestador do serviço público, incompatíveis com o caráter de precariedade inerente à permissão. Em virtude do montante dos investimentos, o permissionário necessitaria do transcurso de um tempo razoável, a fim de reaver o capital investido e obter lucro com a atividade. Ocorre que, valendo-se propositalmente da precariedade da permissão, característica que a diferencia do contrato de concessão, a administração pública pode, atendendo a interesses sociais, revogar unilateralmente a permissão, sem necessidade de indenizar o permissionário. Essa nefasta prática, já criticada com vigor por Celso Antônio Bandeira de Melo, esbarra agora no substrato legal do artigo em comento, esculpido sob os auspícios da boa-fé objetiva, a tutelar a justa expectativa incutida no permissionário. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 539-540 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo apontamentos de Ricardo Fiuza, referente a este art. 473, não há artigo correspondente no CC. 1916. Segundo a doutrina, a resilição unilateral é meio de extinção da relação contratual, admitida por ato de vontade de uma das partes, em face da natureza do negócio celebrado, terminando o vínculo existente por denúncia do contrato, mediante notificação. É permitida nos contratos em que a lei expressa ou implicitamente a reconhece, a exemplo do mandato (CC. 682, I), onde a resilição efetua-se por revogação do mandante (CC. 686 e 687) ou por renúncia do mandatário (CC. 688), do comodato, do depósito e dos contratos de execução continuada por tempo indeterminado, como sucede por denúncia imotivada nos contratos de locação.

A resilição unilateral pode ter seus efeitos postergados quando, protraindo o desfazimento do negócio, condiciona-se a prazo, nos casos em que uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, ou seja, os seus efeitos apenas serão produzidos depois de transcorrido lapso temporal compatível com a natureza e o vulto daqueles investimentos realizados. Equivale ao aviso prévio contratual, como medida legal de proteção, preventiva de consequências, ante o eventual exercício de direito potestativo à ruptura abrupta do contrato, garantindo-se prazo compatível ao proveito dos investimentos consideráveis feitos para a execução do contrato, atendidos o vulto e a natureza deles. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 253, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

O mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha aponta a resilição como a extinção do contrato por ato de vontade de um só dos contratantes e ocorre mediante denúncia motivada (denúncia cheia) ou motivada (denúncia vazia).

A resilição unilateral é causa característica de extinção de contratos de execução por prazo indeterminado, embora a lei a admita durante a vigência de prazo determinado, em certos casos (ex.: Lei n. 8.245/92, art. 4º, caput e parágrafo único).

O princípio da boa-fé objetiva impõe a observância de prazo razoável para a efetiva extinção do contrato a fim de evitar prejuízos ao contratante que não tem a iniciativa da resilição. O parágrafo único esclarece que em caso de realização de investimentos consideráveis o prazo razoável é o necessário para que a parte tenha o retorno do investimento feito.

Em alguns casos a lei fixa prazo para o aviso prévio, por exemplo: mútuo (CC. 592); prestação de serviço (CC. 599); agência e distribuição (CC. 720, parágrafo único) (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 21.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).