quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 493, 494, 495 - Continua - Da compra e Venda - Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 493, 494, 495 - Continua
- Da compra e Venda - Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção I – Disposições Gerais –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 493. A tradição da coisa vendida, na falta de estipulação expressa, dar-se-á no lugar onde ela se encontrava, ao tempo de venda.

Na perspectiva de Nelson Rosenvald, trata-se de mais uma norma dispositiva concebida pelo legislador de 2002. Caso as partes nada tenham ajustado no tocante ao local da tradição do bem móvel, a transmissão da propriedade se verificará no local em que o bem se encontrava quando da contratação. Assim, comprador e vendedor podem ajustar o locar de pagamento (tradição), gerando uma obrigação quesível (tradição no domicílio do devedor) ou portável (tradição no domicílio do credor), conforme determine a autonomia privada.

Evidentemente a norma não se aplica aos bens imóveis – pois sempre se encontram no mesmo local -, não havendo possibilidade de pactuar local de cumprimento diverso, além da imposição do CC. 328: “se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, ou em prestações relativas a imóvel, far-se-á no lugar onde está situado o bem”. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 558 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A Doutrina apontada por Fiuza, a tradição é o ato da entrega da coisa vendida, a permitir a transferência dominial ao comprador. Preceitua o CC. 1.237: “A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição”. Ela é real pela efetiva entrega material da coisa; simbólica, quando por entrega representativa (v.g., chaves) e quando o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório. É modo de aquisição da propriedade móvel. No caso de bens imóveis, a aquisição da propriedade móvel com o registro do título aquisitivo no Registro Imobiliário competente. O novo dispositivo regula a tradição, preceituando o seu exercício no lugar onde a coisa se encontrava ao tempo da venda, desde que não pactuado pelos contratantes outro lugar, ou seja, a entrega será feita no lugar onde a coisa se achava no momento da compra e venda. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 264, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como ensina Marco Túlio de Carvalho Rocha, as obrigações são, em regra, quesíveis, i.é, são cumpridas no domicílio do devedor, devendo o credor se dirigir a ele para receber o pagamento. O dispositivo excepciona essa regra relativamente à entrega da coisa vendida, ao estabelecer que a entrega se faça no local em que a coisa se encontra no momento da venda se diferentemente não dispuserem as partes.

A prática empresarial consagrou o uso dos inconterms (Internacional Comercial Terms) “CIF” e “FOB” para expressar a responsabilidade das partes sobre o custo e o risco do transporte de mercadorias.

Se no contrato constar a cláusula CIF (cost, insurance and freight), o vendedor assume o custo do transporte e o pagamento do seguro, uma vez que a tradição se fará com a entrega da mercadoria ao comprador.

Se no contrato constar a cláusula FOB (free on board), o vendedor deverá entregar a mercadoria no porto de embarque designado pelo comprador. A partir de então, o comprador assume os riscos e o custo do transporte, pois a entrega ao transportador configura a tradição. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 05.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 494. Se a coisa for expedida para lugar diverso, por ordem do comprador, por sua conta correrão os riscos, uma vez entregue a quem haja de transportá-la, salvo se das instruções dele se afastar o vendedor.

A partir do momento em que o dispositivo responsabiliza o comprador pelos riscos da coisa quando entregue por ordem dele em local diverso, surge a presunção de que já houve a tradição do objeto, excepcionando-se a regra geral do caput do art. 492. Caso contrário, os riscos continuariam a recair sobre o alienante, como ensina Nelson Rosenvald.

Segundo ele o bem será entregue ao transportador a ser indicado pelo comprador, que seguirá as suas instruções. Caso o vendedor não respeite as aludidas instruções, remanescerá a sua responsabilidade, pois se tornou uma espécie de mandatário do comprador.

Aliás, mesmo que não existam instruções e o transportador seja designado pelo próprio vendedor, o comprador se responsabilizará pelo perecimento pelo simples fato de expedir ordem para entrega em local diverso -, exceto se comprovada a má-fé do vendedor.

Há que enfatizar a responsabilidade do transportador pelos riscos da perda da coisa, conforme a disciplina dos arts. CC. 743 a 756, especialmente o CC. 750, ao dispor que “a responsabilidade do transportador, limitada ao valor constante do conhecimento, começa no momento em que ele, ou seus prepostos, recebem a coisa; termina quando é entregue ao destinatário, ou depositada em juízo, se aquele não for encontrado”. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 559 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Ratificando a fala de Nelson Rosenvald, a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza afirma que a norma excepciona o caput do art. 492. Ocorre a assunção do risco, pelo comprador, se este ordenar a expedição da coisa para lugar diferente do ajustado, ou seja, o da execução da obrigação salvo se o vendedor transgredir as instruções dele recebidas. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 264, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Arrazoando Marco Túlio de Carvalho Rocha, afirma que a regra é aparentemente simples, mas conjugada com os demais critérios, torna a solução dos casos confusa. O que significa “por ordem do comprador” e “a quem haja de transportá-la”?

Se o transporte da coisa foi acertado entre as partes, obrigando-se o vendedor a entrega-la ao comprador, somente no momento da entrega ocorrerá a tradição e, portanto, de acordo com o CC 492, os riscos de transporte correrão por conta do vendedor.

Uma vez ser o transporte da coisa feito por pessoa contratada pelo comprador, a tradição ocorre quando da entrega da coisa ao comprador.

Como se vê, o artigo 494 não excepciona a regra do CC. 492, tampouco serve para clarear seu sentido. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 05.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 495. Não obstante o prazo ajustado para o pagamento, se antes da tradição o comprador cair em insolvência, poderá o vendedor sobrestar na entrega da coisa, até que o comprador lhe dê caução de pagar no tempo ajustado.

Na esfera patrimonial, os dois grandes riscos à incolumidade financeira do credor são o inadimplemento e a insolvência, leciona Nelson Rosenvald. O risco do inadimplemento pode ser prevenido mediante a imposição de cláusula penal ou arras. Quanto à insolvência – passivo superando ativo do devedor -, deverá o credor se cercar de garantias reais (v.g., hipoteca, penhor) ou pessoais (aval, fiança) hábeis à diluição dos efeitos deletérios decorrentes da situação débil do devedor.

O CC. 495 prevê para as vendas a crédito a suspensão da entrega da coisa na hipótese de insolvência do devedor, até que eventual caução real ou pessoal seja concedida como garantia de pagamento. Note-se que a insolvência aqui aludida não é aquela decorrente de decisão judicial, mas da constatação efetiva da realidade patrimonial do devedor (art. 478 do CPC/1973, sem alteração no CPC/2015).

Não havia necessidade dessa norma, pois o já aludido art. 477 faculta ao vendedor a exceptio non adimpleti. O dispositivo tangencia a chamada quebra antecipada do contrato, ou inadimplemento antecipado. Consiste na evidência de um dos contratantes implicitamente demonstrar, por meio de sua situação patrimonial, que descumprirá futuramente a prestação que lhe incumbe. Ou seja, a prestação a ser inadimplida ainda não e exigível pelo vendedor, mas provavelmente não será realizada a seu tempo. O rompimento antecipado poderá ser pleiteado caso o contratante fragilizado não obtenha as novas garantias que lhe são exigidas. Enquanto isso não ocorre, caberá unicamente ao vendedor sobrestar na entrega da coisa. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 559 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Conforme aponta a doutrina de Fiuza, o dispositivo tem identidade com o art. 477. Na venda a crédito, o vendedor poderá sustar a entrega da coisa, para forrar-se de garantia ao adimplemento da obrigação assumida pelo comprador então insolvente, não obstante já atendida prestação inicial ensejadora da espera entrega. Uma vez oportunizada a caução, levanta-se a suspensão da execução do contrato, retomando o vendedor a sua obrigação na entrega da coisa. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 264, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Repetindo todo o comentário feito Marco Túlio de Carvalho Rocha o art. 477 prever que uma das partes pode recusar-se a realizar sua prestação se, depois de concluído o contrato, sobrevier à sua contraparte diminuição patrimonial capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou.

O art. 495 é aplicação dessa regra na compra e venda em benefício do vendedor. O comprador pode, simetricamente, recusar-se ao pagamento do preço diante de sinais de insolvência do vendedor com base no artigo 477 do Código Civil que é amplo. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 05.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 490, 491, 492 - Continua - Da compra e Venda - Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 490, 491, 492 - Continua
- Da compra e Venda - Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção I – Disposições Gerais –
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Art. 490. Salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição.

Como alerta Nelson Rosenvald, quando nada dispuserem as partes a respeito das despesas inerentes à compra e venda, o Código supletivamente distribui as mesmas entre o alienante e o adquirente da seguinte maneira: as despesas de escrituração e registro incumbem ao comprador. Cuidando-se de bem imóvel, tais gastos são acrescidos de certidões, emolumentos e do ITBI. As despesas do vendedor serão logicamente restritas à tradição de bens móveis, no que concerne aos gastos com embalagem e transporte da coisa. Todavia, se o comprador determinar que a coisa seja levada a lugar diverso, o transporte será convencionado de outra forma.

Nos contratos típicos, as prestações principais são aquelas que definem o tipo da relação. Na compra e venda: a entrega da coisa vendida, por parte do vendedor, e a entrega do preço pelo comprador. O dispositivo, todavia, enumera alguns dos chamados deveres secundários ou acessórios da prestação principal, os quais se destinam a assegurar a perfeita realização da compra e venda, sendo visualizados de forma mais intensa naqueles contratos em que a coisa não é imediatamente entregue ao comprador. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 556 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

É do entendimento de Ricardo Fiuza que, não existindo convecção pelos contratantes atinente às despesas do negócio, as de escritura e registro são da responsabilidade do comprador e adquirente, ficando reservadas ao vendedor as da Tradição, como ocorre com as do transporte da coisa móvel para a efetiva transferência da propriedade do bem objeto da compra e venda.

As despesas relativas aos tributos da transmissão também ficam a cargo do comprador, salvo cláusula em contrário. Tenha-se, ainda, presente, a responsabilidade do promitente-comprador sobre as despesas condominiais impagas, ainda que não registrado no Cartório de Imóveis o compromisso de compra e venda (511, 3~ T., REsp 211.116-SP, Rel. Mm. Eduardo Ribeiro, DJ de 18.9.2000). nesse sentido: REsp 240.280, 195.629, 164.774, 122.924, 119.624, 76.275, 74.495 e 40.263 (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 263, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o registro é o modo de tradição de bens imóveis. O dispositivo incumbe ao vendedor o pagamento das despesas de tradição, mas atribui ao comprador as despesas de escritura e de registro. A rigor, ao estabelecer o local e o momento em que a tradição deva ocorrer, as partes, implicitamente, distribuem os ônus da tradição, pois antes do referido momento as despesas incumbem ao alienante e depois ao adquirente. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 04.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 491. Não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço.

De acordo com Nelson Rosenvald, o dispositivo em comento concerne ao plano de eficácia dos contratos de compra e venda, subordinando a sua execução a consequências distintas, à medida que a venda se der nas modalidades à vista ou a crédito.

Nas vendas a crédito primeiramente se verifica a entrega da coisa e sucessivamente o pagamento do preço. Essa e a prática no comércio, sendo apenas executada quando for da própria natureza a tradição do bem após o adimplemento integral como no contrato de compra e venda com reserva de domínio ou nas hipóteses em que seja temerária a entrega da coisa pelo fato de o comprador cair em insolvência (CC. 495).

Porém, nas compras à vista, as prestações do vendedor e comprador são interligadas e concomitantes. Daí, como derivação da exceptio non adimpleti contractus, a entrega da coisa sobeja condicionada ao pagamento. Aliás, na venda de bens imóveis a quitação é concedida no próprio instrumento.

Conforme já abordado em passagem anterior, o fundamento da exceção do contato não cumprido reside na equidade. O ordenamento deseja a execução simultânea das obrigações. A boa-fé objetiva e a segurança do comércio jurídico requerem fidelidade às prestações assumidas de modo a unir o destino das duas obrigações, de forma que cada uma só será executada à medida que a outra também o seja. Isso assegura não somente o interesse das partes na realização da finalidade comum (função social interna) como também satisfaz a ordem social que procura pelo adimplemento como imposição de justiça comutativa (função social externa). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 557 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo o histórico, esse dispositivo não constava do texto do projeto e foi acrescentado através de emenda do Deputado Tancredo Neves, no período inicial de tramitação. Trata-se de artigo que constava do anteprojeto inicial do Relator, Prof. Agostinho Alvim, e que, por lapso, não integrou o texto definitivo, quando de sua elaboração. Repete integralmente o art. 1.130 do CC de 1916.

Sob a luz de Ricardo Fiuza, na compra e venda à vista, a entrega da coisa está condicionada ao pagamento imediato do preço. E da essência do negócio o cumprimento concomitante das obrigações recíprocas. Razão assistirá ao vendedor reter a coisa, enquanto não recebido o preço. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 263, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

A regra é supletiva, segundo Marco Túlio de Carvalho Rocha, pois as partes podem dispor de modo diverso. Fixa a ordem do cumprimento das obrigações se o contrato nada dispuser a esse respeito e as prestações não puderem ser entregues simultaneamente. A norma tem relevo para efeito da exceção do contrato não cumprido, que permite a uma parte recusar sua prestação enquanto não receber a do outro que deve prestar primeiro. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 04.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 492. Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador.

§1º. Todavia, os casos fortuitos, ocorrentes no ato de contar, marcar ou assinalar coisas, que comumente se recebem, contando, pesando, medindo ou assinalando, e que já tiverem sido postas à disposição do comprador, correrão por conta deste.

§ 2º. Correrão também por conta do comprador os riscos das referidas coisas, se estiver em mora de as receber, quando postas à sua disposição no tempo, lugar e pelo modo ajustados.

 Na visão de Nelson Rosenvald, o artigo trata da distribuição dos riscos pela perda ou deterioração da coisa. Sabemos que, em nosso ordenamento, a transferência da propriedade mobiliária requer a tradição (CC. 1.267), enquanto a passagem da propriedade imobiliária demanda o registro (CC. 1245). Assim, no intervalo que separa a contratação da tradição – disponibilização da coisa ao comprador -, o negócio jurídico opera efeitos de ordem meramente obrigacionais e os riscos da coisa serão imputados ao alienante pelo fato de ainda manter a condição de proprietário, aplicando-se o brocardo res perit domino. Já o comprador suportará os riscos do preço em relação ao bem alienado.

A regra em enfoque é de grande relevo para a compreensão de todos os fenômenos ligados à perda total ou parcial do bem na compra e venda, apreciados no estudo das obrigações de dar coisa certa (CC. 233 a 242). Aliás, é enfático o art. 237 ao dispor que “até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos”.

Se a passagem dos riscos para o comprador só ocorre no momento em que o bem é colocado à sua disposição, tratando-se de bens que se recebem pesando, mediando ou assinalando, no momento em que forem postos a serviço do adquirente, transferem-se os riscos pelo fortuito (§ 1º).

O § 2º do art. 492 evidencia o agravamento da responsabilidade do credor pelo fato de incorrer em mora quanto ao recebimento do bem. A mora do credor se aperfeiçoa quando injustificadamente se recusa a receber o objeto no tempo, lugar e modo, convencionados (CC. 394). Destarte, a imotivada rejeição gera para ele a assunção dos riscos pelo perecimento da coisa. O devedor não mais responde pela integridade do objeto e, se ocorre a sua impossibilidade, por ela não mais responde. A norma reitera o exposto no CC. 400, que, na mora accipiendi, subtrais ao devedor (alienante) isento de dolo a responsabilidade pela conservação da coisa.

Como o dispositivo nada menciona acerca da mora do vendedor no sentido de se recusar a entregar a coisa nas condições pactuadas, devemos aplicar o VV. 399, que estende a responsabilidade do vendedor para os casos do fortuito, excluindo-se os casos em que o dano à coisa sobreviria mesmo se a obrigação fosse tempestivamente cumprida. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 558 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, os riscos da coisa são do vendedor enquanto não a estregue, e os do pagamento correm à conta do comprador. O vendedor obrigação à entrega da coisa e igual estado do seu tempo de venda, assumindo os riscos de perda ou deterioração da coisa. O comprador responderá pelos riscos do pagamento, em face do preço; pelos riscos da coisa posta à sua disposição em bloco, diante dos casos fortuitos ocorrentes no ato de contar, marcar ou assinalar as coisas compradas e, ainda, quando em disponibilidade oportuna delas, ou seja, no tempo, lugar e pelo modo ajustados, se achar em mora de as receber. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 264, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, os riscos dizem respeito ao estabelecimento da parte que deve suportar as consequências do caso fortuito ou de foça maior (CC. 393, parágrafo único), i.é, quando a obrigação se torna impossível sem culpa de qualquer das partes. Se houver culpa, responde a parte responsável (CC. 389).

Deve-se observar sobre os riscos o princípio res perit domino, conforme o caput do artigo comentado. A coisa perece para o vendedor até o momento da tradição, porque ele é o proprietário dela; perece para o comprador após a tradição, porque a propriedade já lhe foi conferida.

Se a coisa perecer antes da tradição, o vendedor não poderá exigir o preço (CC. 234). O dispositivo indica solução, igualmente, para os casos de risco sobre o preço. Em regra, o preço não se perde, pois é obrigação de gênero e gêneros não perecem (genus non perit). Uma possibilidade de todo um gênero monetário desaparecer seria o desaparecimento de um Estado, em razão de anexação por outro Estado ou por revolução, com a extinção do padrão ao monetário vigente que deixasse de ser reconhecido na nova ordem. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 04.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 487, 488, 489 - Continua - Da compra e Venda - Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.


  Direito Civil Comentado - Art. 487, 488, 489 - Continua
- Da compra e Venda - Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção I – Disposições Gerais –
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Art. 487. É lícito às partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação.

Na visão de Nelson Rosenvald, a inovação do Código Civil é facilmente explicada pela massificação do comércio jurídico e pela necessidade de setores da economia empregarem determinados índices que possam fielmente espelhar as alterações do cenário econômico, algo impensável no modelo recepcionado pelo Código Beviláqua no início do século XX.

Hoje, os parâmetros fornecidos pelo governo federal, como o índice nacional de preços ao consumidor, são utilizados de forma corriqueira, respeitando-se prazos mínimos de variação de preços impostos pelas normas que disciplinam o Plano Real.

Aliás, o CC. 316 defere às partes a previsão de aumento progressivo de prestações sucessivas nos contratos de execução sucessiva. As dívidas de valor que se atualizam permanentemente são objeto de cláusula de escala móvel.

Outra forma de fixação de preços em função de parâmetros é o tarifamento, no qual o poder público delimita valores com base em níveis de utilização de produtos ou serviços, ou mesmo em políticas públicas de abastecimento de gêneros de primeira necessidade.

Enfatize-se, por necessário, que é vedada pela Constituição Federal a contratação de índice vinculado ao salário-mínimo (art. 7º, IV), principalmente em se tratando de compra e venda formalizada por adesão, acarretando desvantagem excessiva ao contratante. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 555 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Observa Ricardo Fiuza as partes poderem eleger novo e terceiro critério para a fixação do preço, ao lado da sua estimativa feita por terceiro ou do deixado ~ taxa do mercado ou da bolsa, cai dia e lugar certo e determinado. A fixação será obtida em função de índices ou parâmetros desde que aptos a decidir, de forma plena, efetiva e imediata, o quantum do preço. O critério consagra uma nova dinâmica de mercado, adaptando-se a essa realidade. Sublinha o eminente Prof. Miguel Reale em sua Exposição de Motivos do Anteprojeto (16-1-1975): “No tocante à questão do preço, foi dada, por exemplo, maior flexibilidade aos preceitos, prevendo-se, tal como ocorre no plano do Direito Administrativo, a sua fixação mediante parâmetros. Não é indispensável que o preço seja sempre predeterminado, bastando que seja garantidamente determinável, de conformidade com as crescentes exigências da vida contemporânea. Tal modo de ver se impõe, aliás, pela unidade da disciplina das atividades privadas, assente como base da codificação”. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 262, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Estende-se Marco Túlio de Carvalho Rocha sobre o longo período inflacionário da economia brasileira entre o final da década de 1970 e o início da década de 1990 havendo tornado comum a utilização de índices de correção monetária na fixação do preço.

O Código Civil de 1916 não continha qualquer restrição à fixação do preço em moeda estrangeira. O Dec. N. 23.501/33 estabeleceu o curso forçado da moeda, obrigando o pagamento em moeda corrente nacional (no mesmo sentido: Dec. Lei n. 857/69, art. 1º). A Lei n. 10.192/2001, no entanto, proibiu a fixação de preço em quantidade de ouro, moeda estrangeira, ou unidade monetária de conta de qualquer natureza (art. 1º, parágrafo único, I e II), regra repetida no CC. 318, salvo nos seguintes casos:

a)    Contratos de importação ou de exportação (Dec. Lei n. 857/69, art. 2º, I);
b)    Contrato de câmbio (Dec. Lei n. 857/69, art. 2º, III).

A Lei n. 10.192/2001 proibiu a correção monetária com periodicidade inferior a um ano (art. 2º). A Lei n. 10.931/04, permitiu a correção monetária mensal na venda de imóvel com prazo mínimo de 36 meses (art. 46).

A violação de tais proibições nulifica a cláusula e o próprio contrato, pois a cláusula de preço é essencial ao contrato de compra e venda. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 02.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 488. Convencionada a venda sem fixação de preço ou de critérios para a sua determinação, se não houver tabelamento oficial, entende-se que as partes se sujeitaram ao preço corrente nas vendas habituais do vendedor.

Parágrafo único. Na falta de acordo, por ter havido diversidade de preço, prevalecerá o termo médio.

Discorre o mestre Nelson Rosenvald, sobre o dispositivo estar intimamente ligado ao princípio da conservação do negócio jurídico. Em princípio, o contrato de compra e venda desprovido de preço é tido como inexistente. Porém, o legislador se preocupa com a função social dos contratos e com a finalidade de estímulo do tráfego jurídico, prescrevendo que as partes se sujeitarão ao preço corrente nas vendas habituais do vendedor caso não exista tabelamento oficial do bem alienado.

Ou seja, três soluções sucessivas são possíveis: a) a fixação de preço ou possibilidade de sua determinação; b) tabelamento oficial; e c) verificação do preço com base nos padrões negociais do vendedor.

A nosso viso, a aplicação da terceira solução finalidade da norma será somente viabilizada no caso de o alienante ser um tradicional fornecedor daquele bem, sob pena de não se encontrarem parâmetros razoáveis para a estipulação do preço. Outrossim, para além da habitualidade do comércio, há que verificar se o bem é normalmente comercializado no mercado ou se se trata de bem de natureza especial (v.g., carro antigo, obra de arte), casos em que a norma não será aplicada, pois o cálculo do valor é agregado por aspectos existenciais dos contratantes.

Porém, superadas tais premissas, havendo diversidade de juízos dos contratantes sobre o valor ideal, dispõe o parágrafo único que de forma salomônica prevalecerá o preço médio. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 555 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como reza a doutrina divulgada por Ricardo Fiuza, a sujeição ao preço corrente nas vendas habituais do vendedor, entendida com tal diante da compra e venda sem a sua fixação imediata ou da escolha de critérios objetivos que a determine, não implica, por sua natureza, que o preço fique deixado ao arbítrio exclusivo de quem vende. Esta presunção legal impõe que o preço seja o geralmente admitido como certo, usualmente praticado pelo vendedor, não podendo ser majorado ou reduzido. Quando oscilante, dentro da prática correntia das vendas, este será apurado pelo valor médio exercido. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 262, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

A nova regra, introduzida no direito brasileiro pelo Código Civil de 2002, como expõe Marco Túlio de Carvalho Rocha, permite, em caráter excepcional, que o contrato de venda seja realizado sem a expressa menção a preço no caso de haver tabela oficial ou no de ser o vendedor pessoa que realize vendas com habitualidade, hipótese em que o preço que serve de base a seus negócios pode ser utilizado como base. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 02.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 489. Nulo é o contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do preço.

Em amplo comentário, explica Nelson Rosenvald ser a norma do art. 489 mais uma das emanações da tutela da boa-fé e do princípio que impede o enriquecimento injustificado. Uma das características do preço é a sua certeza. Portanto, será taxado de inválido por nulidade aquele contrato em que se incluir cláusula de direito potestativo de fixação unilateral de preço.

Indubitavelmente, reveste-se de pura arbitrariedade a cláusula que determina expressões como “o preço será fixado conforme o interesse do comprador”, ou “o alienante determinará o valor a ser pago”, sob pena de aperfeiçoamento de contrato com valores excessivos ou aviltantes (aliás, no preço irrisório nem há propriamente uma venda), dependendo de quem seja o titular do direito potestativo.

O abuso do exercício do direito potestativo na determinação do preço é também um ato ilícito (CC. 187), ofendendo manifestamente a própria função social para a qual a compra e venda foi realizada.

Aliás, o CC. 122 inclui entre as condições proibidas “as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes”.

Porém, quando o policitante (ofertante) impõe um valor para a sua oferta, não há que cogitar de arbitrariedade. Caso o oblato manifeste a sua aceitação (expressa ou tácita), formando-se o consentimento, vincula-se o vendedor aos termos da proposta (CC. Arts. 427e 429), tornando-se aquele preço uma determinação conjunta dos contratantes, não mais uma simples oferta. Aperfeiçoado o contrato, torna-0se impraticável a alteração unilateral do preço, exceto nas já comentadas hipóteses de lesão e onerosidade excessiva pela quebra do princípio da justiça contratual. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 556 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Existe um histórico para o dispositivo, lembrado por Ricardo Fiuza. A redação original do dispositivo tal como se apresentava no projeto era nos seguintes termos: “Art. 489. Nulo é o contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a taxação do preço”. Com as alterações implementadas pelo Senador Josaphat Marinho revestiu-se da composição atual. Objetivo procurado pela emenda foi o de melhorar a linguagem do texto, apenas substituindo o termo “taxação” por “fixação “, o que, além de conferir mais clareza e precisão ao dispositivo, como justificou o Senador Josaphat, mantém no projeto a expressão já constante dos arts. 1.123 e 1.124 do CC de 1916. Demais disto, a substituição vem a compatibilizar a redação do art. 489 com os arts. 485, 486, 487 e 488 fo próprio projeto que utilizam sempre o termo “fixação”. Sem falar que taxação é expressão mais afeita à seara do Direito Público. Corresponde ao art. 1.125 do CC de 1916.

Segundo a doutrina apresentada por Fiuza, a estipulação arbitrária do preço por um dos contratantes fere a consensualidade do contrato, que o aperfeiçoa por disposição comum de vontades recíprocas. Esse acordo quanto ao preço é elemento essencial, na forma do CC. 481 de 2002. A fixação unilateral induz a nulidade do contrato. É do consentimento de ambos os contratantes que são gerados os seus efeitos obrigacionais. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 263, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como leciona Marco Túlio de Carvalho Rocha é leonina a cláusula que subordina o contrato inteiramente à vontade de uma das partes. No contrato de compra e venda, uma parte ficaria inteiramente subordinada à outra se esta tivesse poderes para fixar livremente o preço da compra e venda. A condição meramente potestativa que diz respeito a cláusula essência, como é a cláusula de preço no contrato de compra e venda, nulifica o contrato (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 02.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).