terça-feira, 24 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 527, 528 - Da Venda com Reserva de Domínio – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 527, 528
- Da Venda com Reserva de Domínio
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção II – Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção IV – Da Venda com Reserva de Domínio
 - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 527. Na segunda hipótese do artigo antecedente, é facultado ao vendedor reter as prestações pagas até o necessário pra cobrir a depreciação da coisa, as despesas feitas e o mais que de direito lhe for devido. O excedente será devolvido ao comprador; e o que faltar lhe será cobrado, tudo a forma da lei processual.

Aprendendo com Nelson Rosenvald, caso o vendedor delibere pela restituição do bem com a extinção da relação contratual, deverá se socorrer do Judiciário, pois a norma não permite a autoexecutoriedade nessa hipótese ao contrário do que preconiza o CC 249, parágrafo único, para as obrigações de fazer.

Admite-se a retenção de valores pagos pelo comprador, desde que suficientes para compensar o vendedor da depreciação do valor do bem restituído, acrescido das despesas enfrentadas para a recuperação do objeto, além de outros valores sugeridos pelo contrato como penalidades para o inadimplemento (v.g., cláusula penal).

Certamente, se houver valorização da coisa no período que se seguiu à tradição, tais acréscimos serão necessariamente compensados dos demais valores a que faz jus o vendedor. Após determinar todo o quantum a que correspondem os referidos valores, o magistrado precisará aquilo que será restituído ao comprador. Mas, se nada houver a restituir e os prejuízos excederem as prestações retidas, o restante do saldo devedor será obtido pela via da cobrança, variando a ação conforme a natureza do título do vendedor.

O art. 1.071 do CPC/1973, sem correspondência no CPC/2015, determina em seus quatro parágrafos o procedimento para a recuperação da coisa vendida. Nas relações de consumo, haverá o cuidado de afastar cláusulas de decaimento, que determinem a perda total das prestações pagas (CDC, 53).

Outrossim, pelo fato de a cláusula de reserva de domínio não ser impeditiva da venda da coisa pelo comprador a um terceiro, em caso de inadimplemento poderá o vendedor se voltar contra este através da ação de recuperação da coisa, diante da publicidade e oponibilidade do registro a terceiros. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 584 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

 Segundo o histórico, o presente dispositivo foi objeto de emenda por parte da Câmara dos Deputados no período inicial de tramitação do projeto. Emenda do Deputado Fernando Cunha, propondo a substituição do verbo “poderá” pela expressão “é facultado”, deu ao dispositivo a redação atual. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o dispositivo invoca a aplicação da parte final do art. 524 – correto o comprador responder pelos riscos da coisa a partir de quando lhe foi entregue. Desse modo, comprovado o desprezo da coisa, com a diminuição progressiva do seu valor, o vendedor pode usar da faculdade de reter as prestações pagas, para efeito de acerto de contas, incluindo as despesas judiciais e extrajudiciais efetuadas e o mais que de direito lhe for devido.

O acertamento é judicial, dele cuidando o § 3º do art. 1.071 do CPC/1973, que não tem correspondência no CPC/2015. Vale observar que deferida a apreensão da coisa sob reserva de domínio essa será submetida à vistoria, com arbitramento do seu valor (art. 1.071, § 1º). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 281 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a venda com reserva de domínio foi criada para favorecer a venda de bens de consumo duráveis e, portanto, nasceu no âmbito das relações de consumo nas quais prevalece o princípio da proteção do consumidor, como parte hipossuficiente da relação jurídica. Desta necessidade de proteção ao consumidor advém a regulamentação legal dos pagamentos e das restituições que devem ser feitas em caso de descumprimento e de resolução do contrato.

O dispositivo veda ao fornecedor apropriar-se dos valores pagos pelo consumidor que ultrapassarem o prejuízo sofrido por aquele, considerada a depreciação da coisa, as despesas feitas, inclusive as de publicidade, multa contratual limitada ao máximo permitido em relações de consumo, ônus sucumbenciais e demais despesas de cobrança, juros e correção monetária.

O fornecedor é obrigado a devolver o saldo e se este for negativo pode cobrar o consumidor a diferença. O comprador que tiver pago mais de 40% do preço, quando citado para a ação em que se requer a resolução contratual, pode requerer a purga da mora no prazo de 30 dias. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 24.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 528. Se o vendedor receber o pagamento à vista, ou, posteriormente, mediante financiamento de instituição do mercado de capitais, a esta caberá exercer os direitos e ações decorrentes do contrato, a benefício de qualquer outro. A operação financeira e a respectiva ciência do comprador constarão do registro do contrato.

Na esteira de Nelson Rosenvald, objetivando a expansão de reserva de domínio, a norma em comento admite a intervenção de uma instituição financeira, que adiantará o pagamento integral ao vendedor. Portanto, formam-se duas relações jurídicas concomitantes: entre vendedor e comprador; entre vendedor e instituição financeira. Esta se subrogará na posição do vendedor, a fim de cobrar as prestações do comprador, na forma do CC 347, I. Vale dizer, as garantias e os privilégios do vendedor serão transferidos à instituição financeira para que possa reaver os valores que adiantou àquele.

Note-se que o vendedor mantém a posição de proprietário sob condição suspensiva, não sendo a titularidade transferida à instituição financeira. Caso isso ocorresse, seria desvirtuada a natureza dessa modalidade de compra e venda, que se converteria em uma propriedade fiduciária, de natureza resolúvel.

Na parte final do dispositivo, alerta-se sobre a necessidade de cientificação por escrito do comprador como requisito de eficácia da sub-rogação contra ele, além da indispensável menção à operação com a instituição financeira no cartório de títulos e documentos, ou no certificado de registro do veículo. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 585 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Atente-se para o histórico do dispositivo em tela que não estava presente da redação do anteprojeto e foi acrescentado por emenda da Câmara dos Deputados no período inicial de tramitação do projeto. O responsável pela inclusão desse artigo foi o Deputado Tancredo Neves, que assim a justificou: “Para facilitar os negócios a prazo de bens duráveis, a chamada legislação financeira perfilhou a alienação fiduciária em garantia, cuja prática trouxe tais distorções, que hoje o bom senso está a indicar a sua substituição pela venda com reserva de domínio, adaptada ao mercado de capitais. Bem andou o projeto do Código Civil ao incluir em seu sistema a venda com reserva de domínio, conforme os bem-elaborados artigos 519 a 525. Resta apenas torna-la propícia ao mercado de capitais, em termos que facilitem os financiamentos regulares, para uma sadia circulação econômica dos bens de consumo duráveis. Ora, mantida a unidade negocial da venda, serão evitadas as distorções da alienação fiduciária em garantia, as suas onerosas complicações e ainda os problemas fiscais que a sua natureza pode acarretar.

Por outro lado, assegurado ao financiador o exercício eficaz do direito e ação para o resgate do financiamento, sem envolve-lo na transmissão de destino dos bens objeto da venda condicionada, as operações de crédito poderão desenvolver-se normalmente, com bom atendimento do vendedor e do comprador e sem prejuízo da instituição financeira. E o que a emenda ora apresentada visa atender, valorizando a venda com reserva de domínio, já consagrada por uma experiencia de quase quarenta anos e que bem retrata a imaginação jurídica nacional”. Não há artigo correspondente no Código de 1916.

Quanto à doutrina exposta por Ricardo Fiuza, a norma introduzida tem o escopo de garantia ao agente financiador, que fica investido na qualidade e direitos do vendedor. Faz-se ancorada no objetivo de melhor regular a evolução jurídico-comercial e em desembaraço da dinâmica dos negócios do mundo moderno. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 281 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.0’12, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Estendendo-se sobre o dispositivo Marco Túlio de Carvalho Rocha, a venda com reserva de domínio somente é possível em contrato nos quais o preço é pago em parcelas. Atentaria contra a lógica permitir ao vendedor reter o domínio da coisa móvel mesmo tendo recebido todo o preço e transmitido a posse do bem ao comprador. Faltaria causa. A compra e venda com reserva de domínio faz-se, ordinariamente, sem a intervenção de instituição financeira: é o próprio vendedor que arca com o ônus de receber o preço da coisa de forma parcelada.

Ao prever o “pagamento à vista”, o dispositivo não se refere à hipótese de o pagamento ser feito diretamente pelo consumidor, mas por instituição financeira. A rigor, o dispositivo apenas explicita que o contrato de compra e venda com reserva de domínio pode ser cedido pelo vendedor a outra instituição que venha a se sub-rogar   nos direitos daquele, mediante o pagamento das obrigações a cargo do consumidor que passa a ser devedor desta. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 24.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 524, 525, 526, continua - Da Venda com Reserva de Domínio – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 524, 525, 526, continua
- Da Venda com Reserva de Domínio
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção II – Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção IV – Da Venda com Reserva de Domínio
 - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 524. A transferência de propriedade ao comprador dá-se no momento em que o preço esteja integralmente pago. Todavia, pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de quando lhe foi entregue.

Seguindo os ensinamentos de Nelson Rosenvald, o adimplemento é o marco para a passagem da propriedade do vendedor ao comprador. Com a entrega da última prestação, transfere-se ope legis o domínio, que antes era reservado ao vendedor. Cancela-se o registro no cartório de títulos e documentos ou no órgão de trânsito à vista do instrumento de quitação.

A condição suspensiva do pagamento não impede, todavia, que desde o tempo da contratação ocorra a tradição, eis que o comprador receberá a posse direta da coisa. Com a tradição, também se transferem os riscos da coisa ao comprador, mesmo ainda não sendo o proprietário, i.é, aplica-se o CC 492 mesmo quando da tradição não decorra a aquisição do direito real sobre coisa móvel, excepcionando-se o princípio res perito domino, tradicionalmente aplicável às obrigações de dar coisa certa (CC 237). A regra se justifica pelo fato de o comprador possuir a coisa sob a condição do pagamento, daí a necessidade de preservação da integridade e do valor do objeto, sob pena de a garantia do vendedor ser inócua

Enfim, a assunção dos riscos pela perda ou deterioração da coisa pelo comprador implica o fato de manter a obrigação de pagar a integralidade do preço mesmo que a coisa se perca na fase da execução do contrato.

O dispositivo em comento se refere à transferência dos riscos materiais do objeto, alusivos à sua configuração física. Nada obstante, a eventual discussão sobre a perda jurídica do bem ficará a cargo do vendedor, não podendo o comprador ser onerado pelos riscos da evicção da coisa que não lhe pertence. Caso a titularidade seja reclamada pelo terceiro, caberá ao comprador pleitear a devolução dos valores pagos ao vendedor.

Outrossim, na hipótese de alienação irregular da coisa pelo comprador, a defesa da propriedade pelo vendedor se efetivará mediante oposição de embargos de terceiros, à luz do CPC/1973 art. 1.046, correspondendo ao art. 674 no CPC/2015 – no Capítulo VII – Dos Embargos de Terceiro. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 582- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o adquirente da coisa vendida com reserva de domínio tem a posse precária, diante da condição suspensiva do contrato, vindo somente a ter a propriedade do bem com o preço quitado, ou seja, a transferência condiciona-se ao adimplemento integral das prestações por parte do comprador. Pago o preço, obriga-se o vendedor a transferir o domínio, que se achava reservado em garantia do referido pagamento. No interregno, responde o devedor pelos riscos da coisa, a partir de sua posse, certo que, tendo-a precária à obrigação de protege-la e trata-la como se sua fosse. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 280 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, desde o momento em que o vendedor esteja entre a coisa e o comprador, e até o pagamento integral do preço, este é mero possuidor. Salvo disposição expressa, não é depositário. O comprador, em razão da posse direta sobre o bem, suporta os riscos do caso fortuito e da força maior. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 23.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 525. O vendedor somente poderá executar a cláusula de reserva de domínio após constituir o comprador em mora, mediante protesto do título ou interpelação judicial.

No diapasão de Nelson Rosenvald, tradicionalmente, nos contratos celebrados com termo, o devedor se submete à mora ex re, i.é, a mora é automática pelo simples risco do inadimplemento da obrigação na data avençada. Contudo, em determinadas hipóteses estabelecidas pelo legislador, a constituição em mora do devedor será fundamental para a obtenção de finalidades materiais e processuais pelo comprador. É o caso do contrato de alienação fiduciária, pois, segundo o art. 3º do Decreto-lei n. 911/69, a comprovação da mora é pressuposto ao ajuizamento da ação de busca e apreensão do bem.

Para a execução da cláusula de reserva de domínio, a constituição do devedor em mora é imprescindível. Perceba-se que a finalidade da norma não foi converter a mora ex re em ex persona, pois as consequências pecuniárias listadas no CC 395 são imediatas para o comprador em atraso (v.g., juros de mora), mas garantir que as pretensões exercitadas contra este sejam devidamente comprovadas pelo vendedor em seus fundamentos.

Nesse ponto contatamos sensível evolução do ordenamento, comparativamente ao antes sugerido pelo CPC/1973, art. 1.071, sem correspondência no CPC/2015. O legislador de 1973 enfatizou que somente o protesto do título executivo seria capaz de comprovar a mora. Agora, o legislador de 2002 inova substancialmente ao permitir, ao lado do protesto, a opção pela interpelação judicial, mesmo já sendo possuidor de título executivo.

Todavia, pela insegurança e precariedade do meio empregado, a interpelação extrajudicial (carta remetida pelo cartório de títulos e documentos) aqui não é permitida, em sentido contrário ao preconizado pelo parágrafo único do CC 397. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 583 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Acompanhando doutrina exposta por Ricardo Fiuza, as notificações extrajudiciais de nem sempre proporcionam certeza de uma efetiva realização. Na prática, não vêm dando resultado algum, senão confusão, discussões, para, afinal, serem desprezadas nos julgados. Com os meios de comunicação ainda precários, as notificações epistolares não trazem plena certeza de seus objetivos. Por outro lado, se a lei permite a interpelação judicial aos casos de contrato em que não se vinculem títulos cambiais, e protesto quando hajam tais títulos, logo prevê ambos os casos, sem necessidade de interpelação extrajudicial, hoje obsoleta. Trata-se de mora e esta caracteriza-se, sempre, pelo protesto, interpelação e citação.

Nesse sentido, a jurisprudência sedimenta: “I – A mora do comprador de bem com reserva de domínio prova-se com o protesto do título lavrado pelo oficial do cartório competente, inexistindo exigência de que do protesto haja sido intimado pessoalmente o devedor” STJ, 3’ T., REsp 147.584-RS, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 3-5-1999) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 280 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Acompanhando o mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha, em geral, a simples transposição do termo é suficiente para constituir o devedor em mora, com todas as consequências dela provenientes. No caso da venda com reserva de domínio, excepcionalmente, o legislador exige a interpelação prévia do comprador, antes de o vendedor executar a cláusula de reserva de domínio, i.é, antes de o vendedor ajuizar ação de busca e apreensão do bem vendido. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 23.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 526. Verificada a mora do comprador, poderá o vendedor mover contra ele a competente ação de cobrança das prestações vencidas e vincendas e o mais que lhe for devido; ou poderá recuperar a posse da coisa vendida.

Acompanhando o ensinamento de Nelson Rosenvald, o ordenamento concedeu duas vias alternativas ao exercício da pretensão de direito material do vendedor cujo direito subjetivo à prestação é resistido pelo comprador.

Constituído o comprador em mora, poderá o vendedor exercer a ação de cobrança sobre as prestações vencidas e vincendas. O art. 1.070 do CPC/1973, sem correspondência no CPC/2015, já fazia referência a ela, sendo possível o ajuizamento da ação executiva (por quantia certa art. 646 do CPC/1973, este sim com correspondência no CPC/2015, art. 824 com a seguinte redação: “A execução por quantia certa realiza-se pela expropriação de bens do executado, ressalvadas as execuções especiais.”, se o crédito for representado por título executivo judicial.

O inadimplemento provocará o vencimento antecipado do débito, sendo lícito exigir do comprador o saldo devedor em aberto, além das despesas e prestações vincendas, para fins de cancelamento da reserva de domínio e consolidação da propriedade com o comprador que purgue a mora e integralize o valor do bem. Ou seja, a mora sanciona o comprador com a perda do benefício do prazo (CC 133).

Contudo, como titular de um direito potestativo, poderá o vendedor optar pela desconstituição do negócio jurídico por meio da recuperação da coisa vendida. Será impraticável a cumulação sucessiva de pedidos, diante da evidente incompatibilidade. Porém, é lícita a cumulação subsidiária na qual o pedido principal seja, o de cobrança das prestações e, na impossibilidade, o de recuperação da coisa. Ou seja, primeiro o vendedor demanda pela tutela específica da obrigação de dar quantia certa e, frustrado o intento, promove a resolução contratual pelo inadimplemento com a devolução da coisa. Certamente, a inversão da ordem de pedidos é incompatível com o intuito da postulação primária de recuperação da coisa, pois já anuncia o credor a inutilidade da prestação em decorrência da mora, pelo inadimplemento absoluto (Parágrafo único do CC 395). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 583 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo a Doutrina de Fiuza, o vendedor tem a faculdade de optar, uma vez verificada a mora do comprador, entre reclamar seu crédito (art. 1.070 do CPC/1973, sem correspondência no CPC/2015) ou recuperar a posse da coisa vendida, mediante apreensão liminar (CPC/1973, art. 1.071, sem correspondência no CPC/2015). O CPC de 1973 não repetiu a norma inserida no estatuto processual de 1939 (art. 343, caput, permissiva do vencimento antecipado da dívida, exigindo-se, a tanto, dispor o contrato a respeito. O CC agora autoriza, expressamente, a cobrança das prestações vincendas, pelo que se deve entender desnecessária cláusula contratual conferindo a possibilidade de ser cobrada a totalidade da dívida. É faculdade do credor arregimentar as prestações vencidas e impagas e as demais, vincendas, para a ação que lhe cabe.

Na alienação com reserva de domínio, é incabível a ação de depósito prevista no CPC/1973, art. 901, (“É invalida cláusula contratual que, em caso de mora, transforma a compra e venda em depósito” (JTARS, 83/298). sem correspondência no CPC/2015. Esta ação tem por fim exigir a restituição da coisa depositada. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 01.10.1973). Por igual: “Nas vendas a crédito com reserva de domínio, o credor não tem ação de depósito contra o devedor” (JTACSP-RJ, 121/100). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 280 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, em caso de não pagamento das parcelas do preço o vendedor pode, alternativamente: a) comprar as prestações vencidas e vincendas (via ação de execução, se as prestações estiverem representadas por título executivo); b) pedir a restituição da coisa vendida, com a apreensão e depósito da mesma ((CPC/1973, art. 1.071, sem correspondência no CPC/2015). Neste caso, uma vez reintegrado na posse da coisa, pode reter dos valores pagos o suficiente para cobrir a depreciação da coisa, as despesas, e o mais que lhe for devido (juros, multa, correção monetária, despesas judiciais, honorários advocatícios etc.). A resolução implica o vencimento antecipado da dívida (CC 527). O comprador que tiver pago mais de 40% do preço, quando citado, poderá requerer a purga da mora no prazo de 30 dias (CPC/1973, art. 1.071, § 2º, sem correspondência no CPC/2015). (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 23.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 521, 522, 523, continua - Da Venda com Reserva de Domínio – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 521, 522, 523, continua
- Da Venda com Reserva de Domínio
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção II – Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção IV – Da Venda com Reserva de Domínio
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Art. 521. Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago.

Bastante esclarecedor o ensinamento de Nelson Rosenvald, quando diz que a modalidade da reserva de domínio consiste em pacto adjeto à compra e venda, em que o vendedor mantém consigo a propriedade da coisa móvel sob a condição suspensiva do pagamento integral das prestações pelo comprador.

A reserva de domínio e usualmente empregada no comércio, em vendas a prestação, nas quais o vendedor utiliza o mecanismo como garantia de adimplemento, eis que a transferência da propriedade é postergada do momento da tradição para o tempo da quitação. Nada impede, contudo, que a venda seja realizada com base em única prestação, em época posterior à contratação (v.g., compra de televisor com pagamento do preço em noventa dias após o contrato).

Estruturalmente, o aludido negócio jurídico propicia o desdobramento da posse – posse direta para o comprador e indireta para o vendedor, ainda proprietário -, bem como evidencia uma espécie de propriedade resolúvel, na qual o implemento da condição suspensiva do pagamento (evento futuro e incerto), permitirá a transferência da propriedade da coisa móvel. A condição não se prende à transferência da posse (tradição), mas da propriedade.

A reserva de domínio se aproxima do modelo da propriedade fiduciária (CC 1.361 a 1.368), como espécies de negócio fiduciário. O desdobramento da posse e a propriedade condicional são comuns a ambas, bem como o desiderato de propiciar a circulação massiva de propriedade mobiliária.

Todavia, algumas distinções são evidentes. A propriedade fiduciária gera a a imediata transferência da propriedade do fiduciante (alienante) ao credor fiduciário (adquirente), como premissa para que o vendedor possa imediatamente receber o preço e se satisfazer. Ou seja, o vendedor não integra a relação jurídica de direito real, restringindo-se o negócio fiduciário ao comprador e ao financiador, que recebe a propriedade resolúvel da coisa móvel como garantia do pagamento realizado ao vendedor. Já na reserva de domínio, a relação jurídica se circunscreve a vendedor e comprador, pois o próprio alienante realiza o financiamento da aquisição em prestações, subordinando-se a passagem da propriedade a uma condição suspensiva.

Ademais, há previsão legal de propriedade fiduciária imobiliária (Lei n. 9.514/97), sendo certo que a reserva de domínio abrange apenas os bens móveis. Se anteriormente a propriedade fiduciária era reservada a instituições financeiras, hoje o CC 1.361 não opera mais ressalvas quanto à legitimidade para o negócio, aproximando-a da reserva de domínio, aberta para qualquer pessoa física ou jurídica. Por fim, nem se cogite de qualquer discussão acerca de eventual prisão civil na venda com reserva de domínio, pois o comprador não é qualificado como depositário, excluindo-se a aplicação do CC 652 em caso de inadimplemento.

Há também certa proximidade entre a reserva de domínio e o arrendamento mercantil. O leasing consiste em um contrato misto, envolvendo as figuras da locação, mútuo e compra e venda. O arrendante loca o bem móvel ao arrendatário, exercendo este a posse direta da coisa mediante pagamento de prestações que objetivam amortizar o empréstimo para a compra do bem pelo arrendador. Ao tempo do adimplemento surgirão três opções para o arrendatário: restituir o bem, sem devolução das prestações; renovar a locação, frequentemente com substituição por outro bem móvel mais moderno; adquirir a propriedade da coisa através do pagamento de um valor residual.

Em comum com a reserva de domínio é o fato de ambos tratarem de relações envolvendo direitos obrigacionais com imediata transferência da posse direta ao comprador para fins de fruição da coisa. Porém, no leasing   a retribuição auferida pelo arrendador mantém a natureza de aluguel, enquanto na reserva de domínio o pagamento de prestações consiste em amortização da compra pelo valor do bem, o que dispensa a existência de um valor residual ao tempo da integralização do preço. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 579-580 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No diapasão da doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a cláusula de reserva de domínio é cláusula especial de reforço de garantia ao vendedor, instituída agora no CC/2002, quando, por mais de sessenta anos, teve sua regulação pelo Decreto n. 1.027, de 2-1-1039.

O instituto da compra e venda sob essa modalidade é tratada, ainda no Código de Processo Civil de 1939 (arts. 342 e 343), no CPC/1973 (arts. 1.071 e 1.072) sem correspondência no CPC/2015, e na legislação registral (Lei n. 6.015/73), que exige o registro do contrato para valer contra terceiros, como já previsto no antigo Decreto n. 4.857, de 9-11-1939 (Art. 12). Pelo pactum reservati domini, o vendedor mantém em seu favor a propriedade da coisa vendida, enquanto não efetuado o pagamento integral do preço, diferida a passagem do domínio para determinado dia, quando satisfeita a prestação final do preço. O presente artigo limita o pacto da reserva de domínio somente na venda de coisa móvel, porque apenas a ela se refere, não obstante a Lei n. 9.524, de 20-11-1997, haver instituído a alienação fiduciária de coisa imóvel, cuidando da caução e da cessão fiduciária de direitos relativos a imóveis (art. 17, II e III), acrescentando, ainda, o item 35 ao inciso II e o item 17 ao inciso II, ambos do art. 167 da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73).

Segundo leciona Amoldo Wald, “a venda a crédito em reserva de domínio só é conhecida no Direito brasileiro, em relação aos moveis, por existirem outras técnicas protetoras do vendedor nas alienações imobiliárias (promessa de compra e venda, hipoteca etc.)”. por igual, explica Jefferson Daibert: “O objeto deverá ser sempre coisa imóvel, certa, individuada e inconfundível com outras da mesma espécie, portanto, infringível”.

O instituto jurídico, em sua estrutura, exige a integração de cinco elementos, apontados por Nicolau Balbino filho e citados por Macedo de Campos, como característicos essenciais: a venda deve ser em prestações; o objeto individuado sobre o qual recai a venda deve ser infungível; a entrega ao comprador do bem negociado deve ser efetuada pelo vendedor; o pagamento do preço, definido em prestações, deve ser efetuado no prazo convencionado, e o domínio da coisa vendida, após o pagamento do preço, deve ser transmitido pelo vendedor ao comprador.

Direito comparado: A venda com cláusula de reserva da propriedade, alienação sob condição suspensiva, é tratada pelo Código civil português, nas disposições gerais dos contratos (Art. 409, I e 10) (Antonio Macedo de Campos, Comentários à Lei de Registros Públicos, 2. aI., São Paulo, Jalovi, 1981, v. 2 (p. 136-7); Amoldo Wald, Curso de direito civil brasileiro – obrigações e contratos, 10, ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992 (p. 265); Jefferson Daibert, Dos contratos – parte especial das obrigações, Rio de Janeiro, forense, 1973 (p. 207). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 277-278 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No domínio de Marco Túlio de Carvalho Rocha, contrato de compra e venda de coisa móvel, a prestação, no qual o vendedor reserva-se o domínio da coisa vendida até o momento da integralização do pagamento do preço.

A cláusula de reserva de domínio foi introduzida legislativamente pelo art. 3º do Decreto-lei n. 869/38 e visava a propiciar maior garantia ao vendedor no comércio de bens de consumo duráveis. O contrato de compra e venda não transfere a propriedade do bem vendido. A transferência da propriedade ocorre por um dos “modos” previstos na lei: o registro do título aquisitivo nas vendas de imóveis e a entrega da coisa nas vendas de bens móveis. Com a cláusula de reserva de domínio, pode o vendedor entregar a coisa ao comprador sem transferir-lhe o domínio. Essa técnica visa a permitir ao vendedor valer-se de medidas processuais rápidas para retomar a posse do bem, caso o comprador não integralize o pagamento do preço. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 20.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 522. A cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende de registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros.

Nós ensinamentos de Nelson Rosenvald, a reserva de domínio demanda formalidades. A forma escrita é requisito de validade do negócio jurídico, a teor do exposto no CC. 104, III, sob pena de nulidade contatual (CC, 166, IV). Enquanto quase toda venda de bem móvel se basta com a forma verbal seguida da tradição, a reserva de domínio requer instrumento público o particular, seja qual for o valor do bem.

Ademais, o registro no cartório de títulos e documentos (LRP, art. 129, item 5º) é fundamental para gerar eficácia da reserva de domínio perante terceiros no que concerne aos bens moveis em geral. Tratando-se de veículos, assim como se observa na propriedade fiduciária e no arrendamento mercantil, caberá a anotação do gravame no certificado de registro do veículo (CRV), sob pena de inoponibilidade do contrato perante terceiros que adquiram o bem sem que tenha sido preenchido o requisito de publicidade do contrato (Súmula n. 92 do STJ). Ou seja, a ausência do registro não opera negativamente no plano de validade, mas é fator de ineficácia relativa da relação obrigacional perante terceiros de boa-fé.

O registro também é importante para converter a coisa móvel em patrimônio em afetação. Vale dizer que, apesar de a propriedade remanescer com o vendedor até o pagamento, não servirá aos seus credores como garantia de débitos, pois a coisa já se encontra afetada ao direito eventual do comprador, que poderá exercer atos conservatórios contra terceiros que efetuem constrições sobre o bem (CC 130), desde que tenha sido promovido o registro. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 581- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo Fiuza, a norma estabelece que nas vendas a crédito ou em prestações com reserva de domínio a estipulação da cláusula contratual não prescinde, por óbvio, da forma escrita, e menciona, ainda, a necessidade de registro perante o Registro de Títulos e Documentos, já previsto pelo art. 129, item 52, da Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015/73), para surtir efeitos em relação a terceiros (511, REsp 17.546-SP).

É firme o posicionamento jurisprudencial, reconh3ecendo os direitos de terceiro de boa-fé: “Processo civil. I. Prova. Quem pensa ter adquirido a propriedade plena de veículo automotor, e se vê surpreendido pela apreensão judicial do bem, que se encontrava gravado com reserva de domínio, só precisa instruir a ação de indenização contra o Estado com o certificado de registro fornecido, sem qualquer ressalva, pelo Detran (STJ, 2’ T., REsp 21.503-SP, rel. MM Ari Pargendler, 0.1 de 2941996). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 279 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha a cláusula de reserva de domínio é oponível erga omnes. Para tanto, exige a lei que ao contrato seja dada a necessária publicidade mediante seu registro no local próprio, i.é, no registro de títulos e documentos do domicílio do comprador (Lei n. 6.015, Lei dos Registros Públicos, art. 130) (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 20.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 523. Não pode ser objeto de venda com reserva de domínio a coisa insuscetível de caracterização perfeita, para a estremá-la de outras congêneres. Na dúvida, decide-se a favor do terceiro adquirente de boa-fé.

Trilhando no caminho de Nelson Rosenvald, quando o legislador utiliza a expressão “caracterização perfeita” para qualificar o bem objeto da venda com reserva de domínio, procura ressaltar ser fundamental a natureza infungível da coisa adquirida. Ou seja, o negócio jurídico inevitavelmente será realizado com a entrega de coisa que não possa ser substituída por outa da mesma espécie, qualidade e quantidade (CC 85), devendo ser identificada e especializada em seus atributos essenciais. Excluem-se os bens consumíveis, obviamente pelo seu próprio atributo de autodestruição.

O requisito da infungibilidade é determinado por algumas razoes: a) propicia o registro do bem no cartório de títulos e documentos; b) permite a localização e recuperação da coisa em caso de inadimplemento do comprador, por causa de sua perfeita identificação; e c) facilita o tráfego jurídico do bem, pois permitirá sucessivas tradições da coisa com base em sua singularidade.

A parte derradeira do artigo em comento será de escassa aplicação, afinal dificilmente se efetivará registro de bem fungível. Nesse caso, o terceiro adquirente será beneficiado pela boa-fé diante da impossibilidade do vendedor de precisar as qualidades exatas da coisa que foi transferida ao terceiro pelo comprador. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 581- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Trilhando pelos caminhos de Nelson Rosenvald, a individualização completa e perficiente do bem é elemento essencial para a validade da cláusula de reserva. A sua caracterização perfeita é pressuposto necessário, de modo a distingui-la de outras coisas do mesmo gênero ou similares.

Essa exigência – cientifica Jefferson Daibert – é perfeitamente explicável. Aduz com clareza: “Se o comprador se tornar inadimplente, o juiz deverá determinar a apreensão da coisa e isto somente será possível diante de sua caracterização detalhada”. (Jefferson Dabert, Dos contratos – parte especial das obrigações, Rio de Janeiro, forense, 1973 (p. 207). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 279 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o direito do vendedor de se reintegrar na posse da coisa vendida mediante busca e apreensão somente pode ser exercido se a coisa for infungível, ou seja, se ela puder ser individualizada por meio de suas características. Se o bem não for suscetível de individualização e, portanto, se não puder ser identificado como aquele que foi objeto da venda, torna-se impossível ao vendedor-proprietário busca-lo junto ao comprador ou a terceiro a quem tenha sido alienado. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 20.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 519, 520 - Da Preempção ou Preferência – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 519, 520
- Da Preempção ou Preferência
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção II – Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção III – Da Preempção ou Preferência
 - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa.

Como ensina Nelson Rosenvald, aqui o Código Civil cuida do interessantíssimo tema da retrocessão. Traduz-se no dever do poder público de colocar à disposição do expropriado o imóvel que fora desapropriado, nos casos em que não se lhe concedeu a finalidade visada pela necessidade ou utilidade pública ou do interesse social.

Cuida-se de sanção dirigida à administração pública como consequência da recusa em atender à especial vinculação do bem expropriado. O bem será oferecido ao particular, a fim de que delibere acerca da recompra pelo preço atual da coisa.

Contudo, o artigo em análise é claro ao afirmar que, mesmo não tendo sido concedida a destinação originária, se ficar provada a sua utilização em qualquer obra ou serviço público, restará inviabilizada a possibilidade de retrocessão (v.g., substituir a construção da creche por um posto de saúde), pois fica mantido o motivo superior que justificou o ato. Ou seja, a retrocessão requer a tredestinção ilícita, i.é, o desvio de poder que conduz o bem a uma finalidade contrária à do interesse público ou a sua transferência a terceiro, denotando a desistência na desapropriação.

Ao contrário do disciplinado nos artigos anteriores, cuida-se de hipótese de direito de preferência legal e não convencional. Ademais, não se indeniza o prejuízo somente com perdas e danos (CC 518), mas com a própria reaquisição da propriedade em razão do desinteresse superveniente do expropriante.

Ninguém pode duvidar da manutenção da retrocessão no direito vigente. Apesar de não ser inserida na Lei de Desapropriações (Decreto-lei n. 3.365/41), mantém-se no Código Civil, que é o local adequado para tratar de um modelo do direito privado. Não se olvide de que a desapropriação é a máxima restrição ao direito de propriedade, sento apenas justificada pela função social que lhe é inerente (CF, 5º, XXII, XXIII e XXIV). Portanto, nada mais natural que a possibilidade de retorno do bem imóvel ao proprietário quando é frustrada a finalidade pública para a qual se pretendeu dirigir o bem.

A retrocessão é direito real ou obrigacional? Pela própria estrutura da retrocessão, ela não se acomoda perfeitamente nem a um nem a outro setor. Assume aspectos obrigacionais por se situar no campo do direito de preferência, matéria alusiva aos contratos, relações de cunho obrigacional. Todavia, não sendo concedida nenhuma finalidade pública ao bem, o expropriado não receberá uma indenização – o que ocorreria em sede obrigacional, mas poderá postular a ação de preferência (não a reivindicatória), reavendo a coisa para si. Porém, isso não convola a retrocessão em direito real, podendo-se admitir uma eficácia real do direito obrigacional, pois a desapropriação geraria uma espécie de propriedade resolúvel do poder público, condicionada à satisfação do interesse público. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 578/579 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como esclarece a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, ao lado da preferência voluntária ou convencional (negocial), referida pelo art.. 513, tem-se presente, no dispositivo, a preferência legal, em favor do ex proprietário da coisa expropriada, também chamada retrocessão, obrigando o Poder Público expropriante, em não a tendo destinado para a finalidade que pronunciou a desapropriação, ou não a utilizando em obras e serviços públicos, oferece-la ao seu anterior titular, recompondo o direito de propriedade afetado. A retrocessão significa, como sustenta a doutrina, o direito que o titular do bem expropriado tem de reincorpora-lo ao seu patrimônio, quando desviado inteiramente o seu uso e destinação de interesse público ou social. A sua aplicação deve-se, inclusive, à efetividade do princípio da moralidade que deve reger a administração pública (CF, 37)

A jurisprudência tem ultimamente, no tema da infringência ao CC 1.150 de 1.916, definido que “resolve-se em perdas e danos o conflito surgido com o desvio de finalidade do bem expropriado” (STJ, 4’ T., REsp 43.651-SP, rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 5-6-2000). Também assentou o STJ: “A ação de retrocessão é de natureza ‘real’, não se lhe aplicando a prescrição quinquenal prevista no Decreto n. 20.190/32. A transferência do imóvel desapropriado a terceiro (pessoa privada) constitui-se em desvio de finalidade pública, justificando o direito a retrocessão a ser postulado pelo proprietário expropriado” (REsp 62.506-PR, I’ I., Rel. Mm Demócrito Reinado, DJ de 19-6-1995). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 277 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Conforme ensina Marco Túlio de Carvalho Rocha, o artigo 519 cuida de matéria pertencente ao Direito Administrativo e que já não deveria mais ser regulada pelo Código Civil: o direito de retrocessão que toca ao desapropriado em caso de não-utilização do bem pelo expropriante (tredestinção). Sobre a matéria, confira-se a Lei das Desapropriações. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 19.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 520. O direito de preferência não se pode ceder nem passa aos herdeiros.

Como mostra Nelson Rosenvald, aqui se vê que o direito de preferência é intuitu personae e não se transmite aos herdeiros do vendedor. Ademais, não pode ser objeto de cessão por negócio jurídico inter vivos. A morte do vendedor é o termo da preempção, exceto se foi instituído em favor de duas ou mais pessoas – como na venda de bem em condomínio -, quando somente se extinguirá com a morte do último vendedor, adiante da indivisibilidade da obrigação.

Vê-se que o mesmo fenômeno não ocorre na retrovenda, pois o direito de retrato é cessível e transmissível a herdeiros e legatários do vendedor, a teor do CC 507. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 579 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo a orientação de Ricardo Fiuza, o direito de prelação é direito personalíssimo, inábil de transmissibilidade, não podendo ser objeto de cessão e tampouco os herdeiros do preemptor o sucedem no seu exercício. No seu elevado magistério, Augusto Zenun sustenta, porém, o seguinte: “(...) no tocante à herança, pode dar-se a sucessão quanto à preferência do vendedor, se há cláusula expressa nesse sentido, podendo os herdeiros suceder na preferência, diante da falta do vendedor”.

Melhor seria a solução dada pelo Código Civil Alemão (art. 514) ao efetuar o preceito quando haja estipulação em contrário ou fixação de prazo para o exercício do direito de prelação, o que importa em tratamento equivalente à disciplina da retrovenda, onde o direito de retrato é cessível e transmissível (art. 507), com prazo decadencial estabelecido. (Augusto Zenun, Da compra e venda e da troca, Rio de Janeiro, Forense, 2001 (p. 79-80); João Luiz Alves, Código Civil anotado (p. 778). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 277 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Tem-se na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, que o direito de preferência é personalíssimo: cabe apenas ao antigo proprietário que o ressalvou quando da venda do bem que lhe pertencia. Não se transfere a terceiros, nem por cessão, nem por herança. Falecido o titular do direito de preferência, este estará extinto. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 19.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).