quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 481, 482, 483 - Continua - Da compra e Venda - Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 481, 482, 483 - Continua
- Da compra e Venda - Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R. 

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção I – Disposições Gerais –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.

Clareando a mente com Nelson Rosenvald, aprende-se que com a edição do Código Civil de 2002, não houve alteração na sistemática do contrato de compra e venda. Reiterando o art. 1.122 do CC/1916 mantemo-nos filiados à concepção obrigacional da compra e venda, pela qual o acordo de vontades entre os contraentes não é suficiente para transmitir a propriedade, sendo necessária a tradição para a constituição de direitos reais sobre bens móveis (CC. 1.267) e o registro para o aperfeiçoamento de direitos reais imobiliários (CC. 1.245).

Nosso sistema seria uma espécie intermediária entre o sistema franco-italiano e o alemão. Aquele concebe a compra e venda coo acordo translativo de propriedade, sendo suficiente o consenso. A fórmula germânica requer dois contratos autônomos e sucessivos: o primeiro estabelecendo obrigações intersubjetivas; o segundo, um negócio abstrato, dotado de eficácia real, aperfeiçoado perante o registro com a finalidade de expurgar os vícios do contrato originário, além de gerar propriedade. No Brasil, de forma eclética, o contrato consubstancia o consenso, porém será integrado pela tradição ou registro.

Certamente, mantém-se acesa grande polêmica instaurada pelo genial Darcy Bessone ao discordar da compra e venda como mera obrigação de dar. Para o insigne doutrinador, o registrador apenas conclui o ato complexo de formação progressiva pela qual toda manifestação de transmissão do direito real já se exauriu no negócio jurídico. Vale dizer que o registro apenas concederia eficácia real à compra e venda, pois é desnecessária uma segunda manifestação de vontade do alienante, ao contrário do que se sucede no direito alemão. Com efeito, a obrigação demanda uma futura atuação do devedor, todavia, com a emissão da escritura de compra e venda, o alienante não precisará praticar uma nova conduta, eis que toda a carga recairá sobre o adquirente, no sentido de promover unilateralmente o registro do título, concluindo o ato complexo com a chancela estatal.

Nada obstante, a doutrina pátria mantém a tese obrigacional da compra e venda como negócio jurídico bilateral, no qual a obrigação do alienante consiste na entrega da coisa, enquanto a prestação do adquirente se traduz no pagamento de um preço. Assim como a troca e a doação, trata-se de contrato translativo, funcionando como título ou causa, enquanto a tradição e o registro são os modos de transmissão. Portanto, se o alienante promover sucessivas vendas e o primeiro comprador não cuidar de promover o registro, aquele que levar o título ao cartório do registro imobiliário será o proprietário, cabendo ao comprador primitivo o mero ajuizamento de ação indenizatória perante o alienante.

A coisa, o preço e o consenso são pressupostos de existência do negócio, sem os quais não haverá a hipótese de incidência para que a compra e venda penetre no mundo jurídico. Há uma troca de bens por dinheiro – aliás, o que distingue a venda da permuta -, que em regra dispensa solenidades, excepcionando-se a imposição de forma pública para alienação de imóveis de valor superior a trinta salários-mínimos (CC. 108).

Além da bilateralidade, a compra e venda é caracterizada como contrato oneroso, sendo de sua natureza a configuração de vantagens e sacrifícios recíprocos. Da onerosidade não decorre necessariamente a sua comutatividade, pois eventualmente se perfaz como contrato aleatório, em que ao menos uma das prestações é incerta ao tempo da contratação (CC. 458). Mesmo nas relações civis, admite-se a forma da contratação pela adesão (CC. 423), sendo passível de elaboração como contrato instantâneo – pagamento imediato (v.g., aquisição de chocolate em padaria) – ou como contrato de duração, com pactuação de pagamento diferido ou mediante execução sucessiva de diversas prestações periódicas. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 549-550 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Nos ensinamentos liberados por Ricardo Fiuza em sua Doutrina, tem-se o contrato de compra e venda como contrato bilateral, consensual, oneroso, comutativo ou aleatório, e, de modo geral, não solene (a depender do objeto), de efeitos meramente obrigacionais (obrigação ad tradendum) que serve como título de aquisição de coisa determinada mediante o pagamento do preço, definido e em dinheiro, obrigado o vendedor a transferir a propriedade do bem em favor do comprador. O sistema adotado acompanha o alemão (BGB, art. 433). A translatividade dominial se aperfeiçoa somente pela tradição (se o bem for móvel) ou pelo registro imobiliário (se o bem for imóvel).

A forma não será livre quando a validade da declaração de vontade depender de forma especial exigida por lei (CC. 108), como ocorre com a exigência de escritura pública, essencial à validade do negócio jurídico, na compra e venda de imóveis, de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País (CC.108) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 259-260, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em seu comentário ao artigo 481, Marco Túlio de Carvalho Rocha conceitua compra e venda. Para ele encontram-se os elementos essenciais desse negócio: a coisa (res), o acordo de vontade (consensus) e o preço (pretium).

Outro elemento importante deste conceito, segundo ele, é a explicitação dos principais efeitos deste contrato: obrigar o vendedor a transferir o domínio da coisa ao comprador; obrigar o comprador a pagar o preço ao vendedor. Desse modo, resta claro que a compra e venda não produz, por si só, a transferência da propriedade, que ocorre pela tradição: o registro em nome do comprador se se tratar de bem imóvel; a transferência da posse com o ânimo de transferir a propriedade, no caso de bem móvel.

O contrato de compra e venda é um contrato bilateral, consensual (em alguns casos, formal), oneroso: comutativo ou aleatório, de execução instantânea: imediata ou diferida.

Quanto às artes: a) capacidade: as partes podem ser capazes ou incapazes. Os incapazes devem ser devidamente assistidos ou representados.

Legitimação objetiva do vendedor: b) o vendedor deve ser o proprietário da coisa ou adquirir-lhe a propriedade até o momento da tradição. A venda a non domino pode configurar crime de estelionato, se houver dolo, nulidade absoluta por ilicitude do objeto, anulabilidade por dolo ou por erro ou descumprimento contratual se fosse do conhecimento do comprador que o bem pertencia a terceiro. a venda a non domino é ineficaz em relação ao vero domino.

Legitimação subjetiva do vendedor: c) um cônjuge não pode vender bens imóveis sem a anuência do outro sob pena de anulabilidade (CC. 1.649), exceto no regime da separação absoluta (CC. 1.647, I); no da participação final dos aquestos, se autorizada a livre disposição do pacto antenupcial (CC. 1.656); cônjuges não podem vender, uma para o outro, bens comuns (CC. 499); ascendentes devem obter a anuência de descendentes na venda a algum deles (CC. 496); a ação prescreve em 20 anos a contar do ato (Súmula 494 do STF), contudo, o CC. 179 reduziu o prazo para 2 anos a contar do ato); condômino de coisa indivisível tem direito de preferencia na venda de quinhão pertencente a outro condômino (CC. 504); direito de preferencia (CC. 513 a 520); o locatário de bem imóvel tem direito de preferencia para a aquisição do bem que aluga (Lei n. 8.245, art. 27); menores sujeitos a poder familiar dependem de autorização judicial para a venda de imóveis (CC. 1.691); demais incapazes dependem de autorização judicial na venda de móveis e de imóveis (CC. 1.748, IV, cc 1.774); os bens do falido somente podem ser vendidos com autorização do juiz da falência.

Existe legitimação objetiva e subjetiva do comprador: tutores, curadores, testamenteiros e administradores não podem adquirir bens, respectivamente, de seus pupilos, curatelados, que forem objeto do testamento ou que estejam sob sua administração (CC. 497, I e 1.749); mandatários não podem adquirir para si bens mediante a utilização do próprio mandato, salvo se houver autorização expressa para tanto (CC. 117 e Súmula 165, STF); servidores públicos não podem adquirir bens do ente público a que prestem serviços (CC. 497, II); Juízes, serventuários e auxiliares da justiça não podem adquirir que sejam objeto de feito em tramitação no local em que prestam serviços (art. 497, III); leiloeiros não podem adquirir bens que estejam leiloando (CC. 497, IV).

O preço da compra e venda consiste em dinheiro ou equivalente. No tocante ao poder liberatório os títulos de crédito são, em regra, pro soluto:

“Se, na ocasião de pagar, o devedor quer pagar com cheque, ou o credor recusa o cheque, e incorre em mora o devedor, ou o credor aceita o cheque, e não se pode pensar em mora: a responsabilidade pelo cheque, que nada tem com o negócio jurídico de que se irradiara a obrigação de pagar” (Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, t. XXXVII, p. 229).

Caráter pro soluto do pagamento com cartão de crédito: REsp n. 1.133.410-RS, Min. Massami Uyeda, 3ª T., j. 16/3/2012.

Contra:

“o pagamento só poderá efetuar-se em apólices federais, estaduais ou municipais, se nisso convier o credor, ou tiver sido estipulado no contato. O mesmo sucederá no tocante ao pagamento mediante cheque, que é recebido pro solvendo e não pro soluto; se não houver provisão, o pagamento é ineficaz.” (Monteiro, Washington de Barros. Curso de direito civil, 4º v, p. 254, no mesmo sentido: Carvalho Santos, J. M. Código civil brasileiro interpretado, v. XII, p. 177. REsp n. 1.023.648-ES, 3ª T. Min. Humberto gomes de Barros, j. 17.03.2008).

O preço vil ou fictício torna a venda nula ou anulável se caracterizar: a) lesão (CC. 157; MP n. 2.172-32, de 23/8/01; b) estado de perigo (CC. 156); c) simulação (CC. 167); d) prática proibida (CC. 166, VII, ex.: “Lavagem de dinheiro”, Lei n. 9.613/98, “usura pecuniária ou real”, Lei n. a521/51, art. 4º, b, “concorrência desleal” Lei n. 884/94, art. 21, XVIII).

Se a contraprestação pela alienação do bem não for dinheiro o negócio não será de compra e venda. Se a contraprestação for dinheiro e uma coisa fica caracterizada a troca. Se for um serviço, o contrato será inominado. Se a contraprestação for composta de dinheiro e de uma coisa, o contrato poderá ser caracterizado como troca ou como compra e venda. Há dois critérios que podem ser utilizados para fazer essa distinção: o critério subjetivo e o objetivo. Pelo critério subjetivo, deve-se observar se o intuito de contratar daquele que recebe dinheiro e coisa é direcionado ao primeiro ou ao segundo, ou seja, qual dos dois bens, dinheiro ou coisa, o motivam a contratar. Se for a coisa, o negócio será compra e venda. Pelo critério objetivo, observa-se qual é o componente mais valioso, se o dinheiro ou a coisa que o acompanha. A escolha do critério a ser utilizado fica a cargo do intérprete, que deve verificar qual, no caso concreto, realiza a solução mais justa. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 29.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 482. A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço.

Seguindo a esteira de Nelson Rosenvald, como exposto no tópico anterior, consenso, preço e coisa são os elementos constitutivos da compra e venda, quando constituída como negócio jurídico puro. Vale dizer: se pela autonomia privada as partes impõem a modalidade da condição (em princípio elemento acidental do negócio), a compra e venda se subordinará a um evento futuro e incerto. Tratando-se de condição suspensiva, enquanto não ocorrer o evento, há que cogitar apenas de um direito eventual, cuja eficácia é subordinada ao implemento da condição (CC. 125). Contudo, cuidando-se de condição resolutiva (v.g., propriedade resolúvel), o evento futuro suprimirá a eficácia do negócio jurídico, preservando-se as situações constituídas quando se tratar de contrato de duração (CC. 128).

a)   Com relação ao objeto, podemos considera-lo como bem ou coisa nos contratos
de compra e venda? A relação entre bem e coisa é de gênero e espécie. O termo bem abrange objetos corpóreos e incorpóreos, suscetíveis de apropriação, abrangendo qualquer utilidade de material ou ideal. Já a coisa é o bem economicamente apreciável e tangível, posto que é suscetível de apropriação pelo homem. Daí nossa preferência pela utilização do termo bem.

O bem móvel ou imóvel e passível de alienação é todo aquele que não se encontre fora do comércio, seja ele corpóreo ou incorpóreo, apenas com a ressalva de se empregar o termo cessão para a definição do contrato transmissivo de propriedade imaterial e intangível. Certamente, há que tomar cuidado quanto aos requisitos de validade de qualquer negócio jurídico (CC. 104), nulificando-se a venda em que o objeto seja indeterminado, ilícito ou impossível (CC. 166, II). Exemplo típico de ilicitude seria a venda de herança de pessoa viva (CC. 426), em que se cancelaria a própria unilateralidade, característica ínsita aos negócios jurídicos testamentários de transmissão de propriedade mortis causa.

b) O preço será necessariamente clausulado no contrato de compra e venda, traduzindo uma soma em dinheiro. Poderá inclusive o valor ser determinado por terceiro (CC. 485). Não necessariamente precisa ser determinado, sendo bastante a sua determinabilidade, mediante parâmetros.

Fundamental para a precisa caracterização da compra e venda é a justiça do preço. O sinalagma genético, demanda que ao tempo da constituição do contrato as prestações possuam um sentido de equivalência, sob pena de possível desconstituição, por anulabilidade, do negócio jurídico pela lesão (CC. 171). Tratando-se a expressão “prestação manifestamente desproporcional” (CC. 157) de conceito jurídico indeterminado, caberá ao magistrado preencher o desenho da norma, estipulando, nas circunstâncias do caso, qual é o sentido de desequilíbrio contratual frontalmente contrário ao princípio constitucional da proporcionalidade.

Mesmo que ao tempo da gênese do contrato o preço respeito o princípio da justiça contratual, poderá eventualmente ocorrer o fenômeno da onerosidade excessiva (DD. 478), com súbito sacrifício de uma das partes em razão da elevação imprevista do preço, estipulando o legislador a resolução contratual. Em outra passagem, observamos que a mobilidade das cláusulas gerais da função social (CC.421) e da boa-fé objetiva (CC. 422) permite que se afirme o princípio da conservação do negócio jurídico. Ou seja, a compra e venda poderá ser preservada pela modificação da cláusula com adequação do preço originário, no caso de lesão, ou pela revisão contratual mediante alteração do preço, tratando-se de onerosidade excessiva.

Observa-se que o legislador impôs como causa de invalidação do negócio dispositivo a inserção de cláusula que estipule o pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, eis que o adimplemento se dará em moeda corrente (CC. 315 e 318). Ou seja, nada impede que a obrigação contratual seja fixada em moeda estrangeira, desde que convertida para a moeda nacional ao momento do pagamento.

c) Por fim, o consenso está embutido na expressão “as partes acordarem no objeto e no preço”. Quando do estudo da formação do contrato, percebemos que o acordo resulta da aceitação da proposta pelo oblato, ou da aquiescência, por qualquer um, da oferta ao público (CC. 429). Do consenso resulta a obrigação do vendedor de transferir a propriedade do bem em contraposição à obrigação do comprador de entregar determinada soa em dinheiro.

O consentimento exige que cada um dos contraentes possua a capacidade de fato ou negocial, ou seja, a aptidão para contrair obrigações de per si. Não se olvide de que certas hipóteses de compra e venda exigem, além do pressuposto subjetivo da capacidade de gozo, a legitimação específica. Ou seja, na venda de ascendentes a descendentes, de condôminos a estranhos ao condomínio, ou de um dos cônjuges a terceiros, não é bastante a capacidade plena, sendo necessária a integração de terceiros ao negócio (demais descendentes, condôminos e outro cônjuge), a fim de que se conceda poder de disposição e a compra e venda se constitua validamente. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 550-551 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina apresentada por Ricardo Fiuza comenta sobre a compra e venda pura produzir efeitos imediatos, diversa da realizada a termo ou dependente de condição. Deflui da consensualidade, elemento essencial do contrato, quando ajustado o objeto do negócio e fixado o preço (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 260, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo enfatiza a natureza informal e obrigacional do contrato de compra e venda. Basta o acordo de vontades visando à alienação do bem por determinado preço para que o contrato se aperfeiçoe. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 29.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 483. A compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Neste caso, ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes era de concluir contrato aleatório.

No pensar de Nelson Rosenvald, o bem do negociado poderá ser de existência atual ou futura. É bastante usual a alienação de imóveis em construção. Nos contratos aleatórios, é da própria essência do risco assumido por uma das partes a imposição de prestações que dependerão do acaso, seja pela sua exigibilidade (CC. 458), seja pela própria quantidade da coisa, como na venda de coisa futura (v.g., compra de safra ou de mercadorias em bolsa com preço fixo).

Aliás, a parte final do dispositivo enuncia a ineficácia superveniente do negócio jurídico pela inexistência da coisa adquirida, com ressalva do contrato aleatório. No particular, caberá distinguir entre a emptio spei (CC. 458) e a emptio rei speratae CC. 459). Caso a venda diga respeito à própria incerteza quanto à existência da coisa em si, o contrato é válido e o alienante receberá tudo aquilo que lhe fora prometido. Contudo, tratando-se de negócio aleatório referente á quantidade esperada (v.g., adquiro o que vier na sua rede de pescaria pelo valor X), caso nada venha, tratar-se-á de hipótese evidente de inexistência do negócio jurídico, com restituição de eventual adiantamento, na dicção do parágrafo único do CC. 459.

No mais, concedendo-se amplitude à letra da norma, pode-se ainda entender como coisa futura aquela que não é de titularidade do alienante ao tempo da conclusão do negócio jurídico, mas que, posteriormente adquirida pelo alienante, empresta eficácia superveniente ao negócio, como se o adquirente de boa-fé se convertesse em proprietário desde a data da tradição (CC. 1.268, § 1º). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 552 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Quanto sob a visão de Ricardo Fiuza, a compra e venda tem por objeto, suscetível da translatividade do domínio (efeitos do art. 481), coisa atual, o que quer dizer existente ou de existência potencial dizendo respeito à coisa futura, sejam elas corpóreas ou incorpóreas. Neste último caso, o negócio jurídico ficará sem efeito, não vindo a existir a coisa, ressalvada a hipótese de o contrato ser aleatório, nos termos do CC. 458 e artigos subsequentes. A validade do negócio, diante de contrato aleatório, é trazida no novo texto, como inovação conveniente, útil e benéfica, considerando a intenção das partes. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 260, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo a orientação de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o fato de o bem não existir não impede o contrato de compra e venda. A venda de bem futuro ocorre frequentemente quando o vendedor dependa da especificação de pedido para que venha a fabricar o bem. Se o bem não vier a existir na época acordada para a sua entrega, sem que haja culpa por parte do vendedor, o contrato é extinto pela perda do objeto. Se, contudo, a inexistência do bem decorrer de culpa do vendedor, o caso será de descumprimento contratual e o submeterá ao pagamento de perdas e danos.

Nos contratos aleatórios, i. é, nos contratos em que as partes prevejam a possibilidade de a coisa vir ou não a existir, é válida a cláusula que obriga o comprador ao pagamento do preço mesmo que a coisa não venha a existir, por ter assumido este risco. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 29.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 478, 479, 480, 480-A, 480-B - Da Resolução por Onerosidade Excessiva - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 478, 479, 480, 480-A, 480-B
- Da Resolução por Onerosidade Excessiva - VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título V – DOS CONTRATOS EM GERAL
 (art. 421 a 480) Capítulo II – DA EXTINÇÃO DO CONTRATO
Seção IV – Da Resolução por Onerosidade Excessiva - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Segundo o mestre Nelson Rosenvald, a teoria contratual contemporânea é alicerçada em quatro princípios: autonomia privada, boa-fé objetiva, função social do contrato e justiça contratual. A inserção no Código Civil da resolução por onerosidade excessiva atende ao princípio da justiça contratual, que impõe o equilíbrio das prestações nos contratos comutativos, a fim de que os benefícios de cada contratante sejam proporcionais aos seus sacrifícios.

Podemos vislumbrar grande carga de justiça contratual em dois momentos: a) ao tempo da celebração do contrato, pela preservação do sinalagma genético da relação obrigacional, adotando-se o instituto da lesão (CC.157) como forma de combate à elevada desproporção entre as prestações; b) ao tempo da execução do contrato, assegurando-se o sinalagma funcional, que pode ser perturbado por acontecimentos extraordinários, que minam a correspectividade das obrigações, instalando um dos contratantes em posição de onerosidade excessiva. O art. 478 cuida justamente dessa forma de intervenção do princípio da justiça contratual.

O Código Civil de 1916 não cogitava da onerosidade excessiva. Seguimos o modelo oitocentista do pacta sunt servanda, pelo qual as convenções eram leis entre as partes (art. 1.134 do Código Francês de 1804) e o conteúdo contratual era intangível, exceto pelo mesmo consenso que a ela dera origem. Todavia, o Código Civil de 2002 mitiga a rigidez contratual ao adotar a teoria da imprevisão, desenvolvida na França após a I Guerra Mundial, com o ressurgimento da cláusula medieval rebus sic stantibus.

A resolução contratual pela onerosidade excessiva requer a coexistência de três pressupostos: a) Estipulação de um contrato de duração. Trata-se de contrato de execução continuada ou diferida no tempo. Na execução sucessiva as prestações se fracionam em periodicidade regular (v.g., arrendamento mercantil, empreitada, promessa de compra e venda). Destarte, não se aplica a teoria da imprevisão aos contratos instantâneos, nos quais há uma coincidência cronológica entre o tempo de celebração e a sua imediata execução (v.g., compra de alimentos em mercado); b) Superveniência de acontecimento extraordinário que gere onerosidade excessiva para uma das partes. O contrato iniciou com respeito ao sinalagma genético, porém uma situação de desequilíbrio econômico irrompeu, transformando drasticamente o panorama contratual.

Perceba-se que não se trata de pequenas alterações – que já se inserem nos riscos ordinários das partes -, afinal em toda relação obrigacional pequenas perdas são naturais e se inserem na álea ordinária das partes. O fundamental é que o fato superveniente remeta um dos contratantes ao chamado limite do sacrifício, que corresponde a um brutal rompimento da equivalência originária do pacto.

A onerosidade excessiva é restrita ao campo dos contratos comutativos, consubstanciados no prévio conhecimento mútuo das prestações que serão executadas. Assim, afasta-se a sua incidência nos contratos aleatórios (CC. 458 e 459), em que incide uma incerteza quanto às prestações das partes – ou sobre a sua quantidade -, não sendo possível prever sobre qual delas recairá a álea; c) O acontecimento extraordinário será qualificado por sua imprevisibilidade. A teoria da imprevisão é de cunho subjetivo, na medida em que a admissão da resolução contratual é condicionada à demonstração de que ao tempo da contratação havia total impossibilidade de as partes anteverem o evento extraordinário que conduziria uma delas à onerosidade excessiva, frustrando a justa expectativa no êxito do programa contratual.

Com efeito, a imprevisibilidade remete à teoria da vontade, pela qual o aspecto psicológico do declarante – e não o teor da declaração – determinará se o evento poderia ou não ser previsto e, assim, será determinado se o fato superveniente for fruto de sua negligência ou merecer intervenção do ordenamento jurídico.

Porém, o artigo em comento vai além da teoria da imprevisão. Para a resolução contratual exige-se que o fato superveniente acarrete não só enorme desvantagem para uma das partes como ainda extrema vantagem para a outra. A inclusão desse conceito jurídico indeterminado dificulta a aplicação do modelo jurídico, pois não é raro que a desgraça de uma das partes não corresponda ao enriquecimento injustificado da outra. Vale dizer que é frequente ouvir que um dos contratantes se arruinou em decorrência da onerosidade excessiva e a outra parte se manteve na mesma situação – ou até mesmo experimentou pequenas perdas -, mas é difícil que tenha obtido um ganho inversamente proporcional às perdas do parceiro contratual. Aliás, mesmo havendo ganho injustificado, há que lembrar a dificuldade da obtenção de provas em tal sentido.

Em sentido diverso, o Código de Defesa do Consumidor adotou a teoria da base objetiva do negócio jurídico, dispensando a discussão sobre a previsibilidade do evento, sendo suficiente a alteração das circunstâncias mínimas que representam a finalidade do contrato.

Em efeito, o CDC, 6º, V, requer para a revisão contratual de relações alicerçadas em ofertas de produtos e serviços simplesmente a circunstância da onerosidade excessiva em detrimento do aspecto subjetivo da vontade do declarante. Nas relações consumeristas é suficiente a constatação pelo juiz do desaparecimento dos fatores sociais e econômicos existente ao tempo da contratação e indispensáveis à economia do negócio jurídico.

Por fim, andou bem a norma ao retroagir os efeitos da sentença à data da citação e não à da própria celebração do contrato, tendo em vista a ausência de motivação para que o desfazimento da obrigação alcance as finalidades comuns obtidas na época em que ainda não havia se manifestado a onerosidade excessiva. Ademais, há o ônus do interessado em promover a demanda resolutória, pois enquanto não o fizer, por mais que evidenciada a situação aflitiva, não será esse período de inércia coberto pelos efeitos retroativos da sentença desconstitutiva. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 546-547 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

O histórico apresentado por Ricardo Fiuza, afirma o dispositivo haver sofrido alteração na tramitação final do projeto, suprimindo-se o parágrafo único, cujo texto foi anexado ao caput, com a substituição da expressão “a resolução do contrato” pelo pronome “a”. Não há artigo correspondente no CC de 1916.

Seguindo a doutrina de Fiuza, o dispositivo introduz no Código Civil a fórmula rebus sic stantibus (“enquanto as coisas estão assim”), sob inspiração do art. 1.467 do Código Civil Italiano, referindo-se aos contratos de execução continuada ou diferida (de trato sucessivo ou a termo) em que é possível aplicar-se a teoria da imprevisão, limitadora do pacta sunt servanda, princípio que rege a força obrigatória dos contratos.

Diz-se onerosidade excessiva o evento que embaraça e torna dificultoso o adimplemento da obrigação de uma das partes, proveniente ou não de imprevisibilidade da alteração circunstancial (evento extraordinário e imprevisível), impondo manifesta desproporcionalidade entre a prestação e a contraprestação, com dano significativo para uma parte e consequente vantagem excessiva (enriquecimento sem causa) para a outra, em detrimento daquela, a comprometer, destarte, a execução equitativa do contrato.

O estado de perito (art. 156) e a lesão (art. 157) é instituto trazido ao Código Civil, assecuratório de justiça contratual, onde a onerosidade excessiva ocorre independentemente de causa superveniente.

A teoria da imprevisão serve de mecanismo de efetivo reequilíbrio contratual, quer recompondo o status quo ante que animou o contrato ao tempo de sua formação (efeito da teoria da condição implícita, a implied condition do direito inglês), que o ajustando à realidade superveniente por modificações equitativas, e, como tal, deve representar, em princípio, pressuposto necessário da revisão contratual e não de resolução do contrato, ficando esta última como exceção. Assim é que a Lei Inquilinária n. 8.245/91 dispõe sobre a revisão judicial do aluguel a fim de ajustá-lo ao preço de mercado (art. 19) e o Código de Defesa do Consumidor prevê, expressamente, a revisão das cláusulas contratuais (e não a resolução do contrato) “em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (Lei n. 8.078/90, art. 62, V), ou a nulidade delas (art. 51,, e § I~, III). O CC/2002, ao eleger a cláusula, inverte, todavia, a equação, utilizando a teoria para o pedido resolutivo como regra. A propósito, Regina Beatriz Tavares da Silva, em estudo aprofundado sobre a teoria da imprevisão, ao defender necessária e permanentemente a sua devida normalização, a não depender da interpretação de julgados ou de legislação dirigida a casos específicos, esboçou, com maestria, sugestão legislativa para a adoção da revisibilidade contratual como regra e da resolutibilidade como exceção, observa, com notável lucidez, caracterizar-se a teoria da imprevisão “principalmente pela necessidade de extinção das obrigações, pois a pane que sofre o desequilíbrio do contrato deseja cumprir as suas obrigações e não extingui-las, não conseguindo fazê-lo sem graves prejuízos em sua economia privada. Dessa forma – aponta -, “solução mais acenada deverá ser a de facultar à parte prejudicada, pela alteração no equilíbrio do contrato, o pedido das res respectivas prestações e à parte contrária a proposição de resolução contratual, por não lhe interessar, ou melhor, por lhe causar prejuízos a modificação no cumprimento das obrigações, cabendo ao órgão julgador optar pela decisão mais justa e equitativa”. Por sua vez, Frederico Ricardo de Almeida Neves, aplicado ao tema, destaca: “... o art. 4.372 do Código Civil português utiliza-se da conjunção alternativa ‘ou’ para possibilitar que a pane prejudicada – a quem é exigido o cumprimento da prestação imprevisível e extraordinariamente alterada, com ofensa aos princípios da boa-fé – provoque o aparelhamento jurisdicional, optando entre a formulação do pedido resolutivo ou modificativo. Na espécie, verifica-se um concurso eletivo de ações, a coexistência de ações (resolutiva ou modificativa) à disposição e escolha da parte para fazer valer o seu direito em Juízo (...)”.

Como visto, o dispositivo, por não priorizar a conservação do contrato, destacando a aplicação da cláusula rebus sic standibus para resolvê-lo, merece modificação significativa. De ver, aliás, a própria nominação dada ao Capítulo II do Título V do Livro I da Parte Especial: “Da Extinção do contrato”, apesar de conter dispositivos acerca da revisão contratual (CC. 479 e 480), cumprindo-se-lhe renominá-lo: “Da Revisão e da Extinção do Contrato”. Torna-se indispensável incluir seção própria acerca da Revisão, precedendo, por correta sistemática, as demais, incluir seção própria acerca da Revisão, precedendo, por correta sistemática, as demais, para melhor disciplinar o emprego da teoria da imprevisão, adotando-se em primazia o esboço de Regina Beatriz Tavares da Silva, atento, inclusive, às regras de grande alcance do Código Civil português, a exemplo da do art. 438, quando dispõe:

“A pane lesada não goza do direito de resolução ou modificação do contrato, se estava em mora no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou”. 2. Demais disso, deve ser acolhida a ponderação de Frederico Ricardo Almeida Neves, em análise do art. 437 do CC português: “...nada impede – antes aconselha – que a pane deduza, em juízo, pedidos cumulados, na forma alternativa, oportunizando, assim, o exame do que venta a ser mais justo para o caso concreto” por admitir poder resultar a resolução uma situação de injustiça maior do que a provocada pela revisão do contrato, o que toma oportuna a sua introdução em parágrafo ao novo art. 478 adiante sugerido. 3. Assim, já assentados, em artigo específico, consoante proposição abaixo, os pressupostos da aplicação da teoria da imprevisão, a atual redação dada ao art. 478 ora em comento, torna-se impertinente, inclusive por eleger a resolutibilidade do contrato como regra; convindo reconhecer, ainda, albergar o reportado dispositivo um sério equivoco doutrinário. A onerosidade excessiva da prestação de uma das partes acha-se vinculada ratio legis, ao resultado de extrema vantagem para a outra, para tipificar o desequilíbrio contratual. Regina Beatriz, com elevada atenção ao tema, discorda: “Casos há em que a onerosidade excessiva para uma das partes não implica em lucro excessivo para a outra, mas, sim, até em algum prejuízo, por sofrer também as consequências da alteração das circunstâncias”, enfatizando preponderar a finalidade principal da teoria da imprevisão, a de socorrer o contratante que será lesado pelo desequilíbrio contratual. Sua discordância é escorreita. De fato, não se deve configurar a onerosidade excessiva, na dependência do contraponto de um grau de extrema vantagem. Isso significaria atenuar o instituto, sopesado por uma compreensão menor Desinfluente ao tema, quando já fora de propósito, o atual art. 478 deve ser redirecionado ao tratamento da revisibilidade dos contratos, em presença da teoria da imprevisão. 4. No mais, o atual CC. 480, por se referir à revisão contratual, deve ser deslocado para a seção adequada, figurando como § 2º do dispositivo matriz de revisão do contrato. 5. Por fim, o presente capítulo haverá de receber nova numeração de seus amigos e seções, por força de proposta legislativa anterior no tocante aos atuais CC. 476 e 477. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 256-258, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Aprende-se com Marco Túlio de Carvalho Rocha que, fundada no princípio do equilíbrio contratual, a resolução por onerosidade excessiva é o desfazimento judicial do contrato por iniciativa da parte que se vê prejudicada por ter a obrigação a seu cargo se tornado excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra parte, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 27.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

Na esteira de Nelson Rosenvald, o Código Civil remeteu ao credor a opção pela revisão contratual, como forma de impedir a resolução contratual pela onerosidade excessiva.

A solução não nos parece a mais adequada. O princípio da conservação do negócio jurídico demanda que o ordenamento produza normas hábeis a preservar as relações obrigacionais e apenas em última instância desfazê-las. A resolução, portanto, deveria ser cogitada como segunda opção, aplicável às hipóteses em que o magistrado perceba a impossibilidade de reconstrução da justiça contratual, até mesmo quando o credor demonstre ser ele o prejudicado pela revisão.

No Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, V), a revisão contratual é regra, não exceção. A necessidade de proteção da parte vulnerável, mediante imposição de normas de ordem pública, requer rígida intervenção do sistema com o objetivo de resgate da comutatividade originária da relação de consumo.

Todavia, entendemos que a barreira imposta à imediata revisão contratual não é intransponível. As cláusulas gerais da função social do contrato e da boa-fé objetiva (CC. 421 e 422) recepcionam o princípio constitucional da solidariedade (art. 3º, I), indicando a inafastável cooperação nas relações privadas, para que o contrato possa alcançar a finalidade para a qual foi desenhado e não simplesmente resolvido.

Nosso sistema civil é móvel, o que possibilitará o ingresso das cláusulas gerais em outros setores do Código, oxigenando-o a partir de uma atividade integrativa judicial, que aplicará os valores constitucionais mais adequados à solução do caso. Assim, a rigidez das consequências dos CC. 478 e 479 será mitigada pela criação da solução que mais atenda à determinação das cláusulas gerais na concretude do evento. Doravante, o magistrado poderá rever a cláusula contratual, ajustando o seu conteúdo aos novos fatos, ou, se impraticável a correção, desconstituir a relação obrigacional que não se afigure passível de reequilíbrio.

Esse raciocínio também se aplica, em nosso juízo, à questão relativa à imprevisibilidade do evento gerador da onerosidade excessiva. Partindo da premissa contemporânea da obrigação como processo, envolvendo um conjunto de atos coordenados cuja finalidade e o adimplemento, é impraticável que se queira depositar na vontade inaugural do contrato todo o desenvolvimento futuro e progressivo da relação.

Mesmo os fatos previsíveis provocam desagregação na condução dos objetivos do contrato. Para tanto, a boa-fé objetiva indicará a necessidade do ajuste do pacto com a nova realidade econômica, assim como a função social do contrato demandará o resgate do equilíbrio das obrigações (função social interna), como forma de preservação de trocas úteis e justas no tecido social (função social externa). Tudo isso induz a uma aplicação retificadora dos referidos princípios e cláusulas gerais sobre a rigidez da teoria da imprevisão.

Já o CC. 317 permite a correção do valor do pagamento também pela teoria da imprevisão, em face de desproporção manifesta com o valor da coisa adquirida, quando da execução da obrigação. Apesar de o dispositivo privilegiar a revisão, não se deve estabelecer relação de contradição com o art. 479. Em uma visão topográfica do CC, o art. 319 se localiza no título do adimplemento das obrigações em geral, cabendo a sua aplicação a qualquer relação obrigacional que não tenha origem em relação contratual. A título de ilustração, citam-se a revisão de alimentos fixados em sentença ou a de lucros cessantes arbitrados como indenização por responsabilidade civil aquiliana. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 548 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Nos ensinamentos de Ricardo Fiuza, o dispositivo repete a inteligência da parte final do art. 1.467 do Código Civil Italiano: “A parte contra a qual for pedida a resolução poderá evita-la oferecendo modificações equitativas das condições do contrato”. O art. 4.372, 2, do CC português também reza: “Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior”. Permite dar solução diversa ao problema da onerosidade excessiva, por iniciativa do réu, inibindo a resolução do contrato. Serve de efetividade ao princípio da boa-fé que deve acompanhar a execução dos contratos, em desproveito do enriquecimento sem causa pela parte que recepciona, supervenientemente, vantagem excessiva. A modificação será feita segundo juízos de equidade. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 259, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

A parte contra quem se ajuíza a ação pode impedir a resolução, oferecendo-se para modificar equitativamente as condições do contrato (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 27.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

Na esteira de Nelson Rosenvald, o presente dispositivo acatou a revisão sobre contratos unilaterais. Trata-se de contratos cujas obrigações recaiam apenas sobre uma das partes. Apenas um dos contratantes e credor e o outro devedor. Como exemplo há os contratos de doação, mútuo, depósito e comodato.

Portanto, mesmo não existindo a figura do sinalagma, será permitido ao único contratante que assumiu obrigações a via da redução de sua prestação, com restabelecimento da justiça contratual. Com efeito, aquele que é onerado pelo contrato, sem que para tanto receba uma contraprestação, deverá contar com a pronta alteração do conteúdo contratual, excluindo-se a onerosidade excessiva.

Segundo a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o emprego do dispositivo diz respeito à possibilidade da revisão contratual decorrente de pleito daquele detentor das obrigações do contrato, no sentido de reduzir a sua prestação ou alterar o modo de executá-la, em garantia do equilíbrio contratual (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 259, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

A resolução por onerosidade excessiva aplica-se a contratos gratuitos para efeito de reduzir a obrigação. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 27.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


Art. 480-A. Nas relações interempresariais, é lícito às partes contratantes estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação de requisitos de revisão ou de resolução do pacto contratual.

Segundo artigo de Anderson Schreiber, publicado por Flávio Tartuce em 10/07/2019, além das modificações implementadas em dispositivos já existentes, a MP 881/2019 acrescentou dois artigos ao Código Civil, aplicáveis às chamadas relações interempresariais. Dispõe o novo art. 480-A: “Nas relações interempresariais, é lícito às partes contratantes estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação de requisitos de revisão ou de resolução do pacto contratual”. A norma, como alguns outros acréscimos promovidos pela MP, representa inovação de pouca ou nenhuma utilidade prática: os contratantes sempre puderam, no exercício de sua autonomia privada, estabelecer parâmetros objetivos (ou subjetivos) para a interpretação dos requisitos de revisão ou resolução do contrato, nas relações interempresariais ou de qualquer outra natureza. Tal faculdade, já há muito reconhecida pela doutrina, não exclui a necessidade de um juízo concreto de merecimento de tutela para determinar, em cada caso, a compatibilidade dos parâmetros contratualmente estabelecidos com a ordem jurídica brasileira, atentando especialmente para a impossibilidade de afastamento do princípio do equilíbrio contratual. A fixação convencional de parâmetros para interpretação dos requisitos instituídos em lei não pode, a toda evidência, conduzir à supressão dos referidos requisitos. (Artigo de Anderson Schreiber, publicado por Flávio Tartuce, 10.07.2019 aqui reproduzido, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)) existe uma Medida Provisória em Abril/2019 da MP 881/2019, com alterações ao Código Civil – Parte 1) – Enviado por (Academia Edu – Novo código civil comentado – via email em 24.07.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 480-B Nas relações interempresariais, deve-se presumir a simetria dos contratantes e observar a alocação de riscos por eles definida.

 A norma é insólita. A simetria entre os contratantes é presumida em qualquer relação contratual, e não apenas em relações interempresariais. A caracterização da vulnerabilidade de um dos contratantes é que afasta tal presunção, sempre relativa.

Também a parte final do dispositivo que determina seja observada a alocação de risco estabelecida pelos contratantes parece fora de lugar: tal alocação deve ser observada em qualquer espécie de relação contratual, e não apenas nas relações interempresariais. O novo art. 480-B é ruim, pois, se interpretado a contrario sensu, poderia levar à conclusão de que, fora das relações interempresariais, a simetria não se presume e a alocação convencional de riscos deve ser ignorada, bem ao contrário do que deveria pretender uma assim chamada Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. Merece crítica, ademais, a tentativa de estabelecer, pela introdução de normas não constantes da redação original da codificação civil, uma espécie de microssistema das relações interempresariais, incompatível com um código que, ao revés, unificou as relações civis e empresariais, contemplando expressamente o direito de empresa. Encerra-se, assim, a análise das alterações realizadas pela MP 881/2019 na Parte Geral e na Teoria Geral dos contratos (Artigo de Anderson Schreiber, publicado por Flávio Tartuce, 10.07.2019 aqui reproduzido, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)) existe uma Medida Provisória em Abril/2019 da MP 881/2019, com alterações ao Código Civil – Parte 1) – Enviado por (Academia Edu – Novo código civil comentado – via email em 24.07.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).