terça-feira, 3 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 487, 488, 489 - Continua - Da compra e Venda - Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.


  Direito Civil Comentado - Art. 487, 488, 489 - Continua
- Da compra e Venda - Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção I – Disposições Gerais –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 487. É lícito às partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação.

Na visão de Nelson Rosenvald, a inovação do Código Civil é facilmente explicada pela massificação do comércio jurídico e pela necessidade de setores da economia empregarem determinados índices que possam fielmente espelhar as alterações do cenário econômico, algo impensável no modelo recepcionado pelo Código Beviláqua no início do século XX.

Hoje, os parâmetros fornecidos pelo governo federal, como o índice nacional de preços ao consumidor, são utilizados de forma corriqueira, respeitando-se prazos mínimos de variação de preços impostos pelas normas que disciplinam o Plano Real.

Aliás, o CC. 316 defere às partes a previsão de aumento progressivo de prestações sucessivas nos contratos de execução sucessiva. As dívidas de valor que se atualizam permanentemente são objeto de cláusula de escala móvel.

Outra forma de fixação de preços em função de parâmetros é o tarifamento, no qual o poder público delimita valores com base em níveis de utilização de produtos ou serviços, ou mesmo em políticas públicas de abastecimento de gêneros de primeira necessidade.

Enfatize-se, por necessário, que é vedada pela Constituição Federal a contratação de índice vinculado ao salário-mínimo (art. 7º, IV), principalmente em se tratando de compra e venda formalizada por adesão, acarretando desvantagem excessiva ao contratante. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 555 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Observa Ricardo Fiuza as partes poderem eleger novo e terceiro critério para a fixação do preço, ao lado da sua estimativa feita por terceiro ou do deixado ~ taxa do mercado ou da bolsa, cai dia e lugar certo e determinado. A fixação será obtida em função de índices ou parâmetros desde que aptos a decidir, de forma plena, efetiva e imediata, o quantum do preço. O critério consagra uma nova dinâmica de mercado, adaptando-se a essa realidade. Sublinha o eminente Prof. Miguel Reale em sua Exposição de Motivos do Anteprojeto (16-1-1975): “No tocante à questão do preço, foi dada, por exemplo, maior flexibilidade aos preceitos, prevendo-se, tal como ocorre no plano do Direito Administrativo, a sua fixação mediante parâmetros. Não é indispensável que o preço seja sempre predeterminado, bastando que seja garantidamente determinável, de conformidade com as crescentes exigências da vida contemporânea. Tal modo de ver se impõe, aliás, pela unidade da disciplina das atividades privadas, assente como base da codificação”. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 262, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Estende-se Marco Túlio de Carvalho Rocha sobre o longo período inflacionário da economia brasileira entre o final da década de 1970 e o início da década de 1990 havendo tornado comum a utilização de índices de correção monetária na fixação do preço.

O Código Civil de 1916 não continha qualquer restrição à fixação do preço em moeda estrangeira. O Dec. N. 23.501/33 estabeleceu o curso forçado da moeda, obrigando o pagamento em moeda corrente nacional (no mesmo sentido: Dec. Lei n. 857/69, art. 1º). A Lei n. 10.192/2001, no entanto, proibiu a fixação de preço em quantidade de ouro, moeda estrangeira, ou unidade monetária de conta de qualquer natureza (art. 1º, parágrafo único, I e II), regra repetida no CC. 318, salvo nos seguintes casos:

a)    Contratos de importação ou de exportação (Dec. Lei n. 857/69, art. 2º, I);
b)    Contrato de câmbio (Dec. Lei n. 857/69, art. 2º, III).

A Lei n. 10.192/2001 proibiu a correção monetária com periodicidade inferior a um ano (art. 2º). A Lei n. 10.931/04, permitiu a correção monetária mensal na venda de imóvel com prazo mínimo de 36 meses (art. 46).

A violação de tais proibições nulifica a cláusula e o próprio contrato, pois a cláusula de preço é essencial ao contrato de compra e venda. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 02.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 488. Convencionada a venda sem fixação de preço ou de critérios para a sua determinação, se não houver tabelamento oficial, entende-se que as partes se sujeitaram ao preço corrente nas vendas habituais do vendedor.

Parágrafo único. Na falta de acordo, por ter havido diversidade de preço, prevalecerá o termo médio.

Discorre o mestre Nelson Rosenvald, sobre o dispositivo estar intimamente ligado ao princípio da conservação do negócio jurídico. Em princípio, o contrato de compra e venda desprovido de preço é tido como inexistente. Porém, o legislador se preocupa com a função social dos contratos e com a finalidade de estímulo do tráfego jurídico, prescrevendo que as partes se sujeitarão ao preço corrente nas vendas habituais do vendedor caso não exista tabelamento oficial do bem alienado.

Ou seja, três soluções sucessivas são possíveis: a) a fixação de preço ou possibilidade de sua determinação; b) tabelamento oficial; e c) verificação do preço com base nos padrões negociais do vendedor.

A nosso viso, a aplicação da terceira solução finalidade da norma será somente viabilizada no caso de o alienante ser um tradicional fornecedor daquele bem, sob pena de não se encontrarem parâmetros razoáveis para a estipulação do preço. Outrossim, para além da habitualidade do comércio, há que verificar se o bem é normalmente comercializado no mercado ou se se trata de bem de natureza especial (v.g., carro antigo, obra de arte), casos em que a norma não será aplicada, pois o cálculo do valor é agregado por aspectos existenciais dos contratantes.

Porém, superadas tais premissas, havendo diversidade de juízos dos contratantes sobre o valor ideal, dispõe o parágrafo único que de forma salomônica prevalecerá o preço médio. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 555 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como reza a doutrina divulgada por Ricardo Fiuza, a sujeição ao preço corrente nas vendas habituais do vendedor, entendida com tal diante da compra e venda sem a sua fixação imediata ou da escolha de critérios objetivos que a determine, não implica, por sua natureza, que o preço fique deixado ao arbítrio exclusivo de quem vende. Esta presunção legal impõe que o preço seja o geralmente admitido como certo, usualmente praticado pelo vendedor, não podendo ser majorado ou reduzido. Quando oscilante, dentro da prática correntia das vendas, este será apurado pelo valor médio exercido. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 262, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

A nova regra, introduzida no direito brasileiro pelo Código Civil de 2002, como expõe Marco Túlio de Carvalho Rocha, permite, em caráter excepcional, que o contrato de venda seja realizado sem a expressa menção a preço no caso de haver tabela oficial ou no de ser o vendedor pessoa que realize vendas com habitualidade, hipótese em que o preço que serve de base a seus negócios pode ser utilizado como base. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 02.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 489. Nulo é o contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do preço.

Em amplo comentário, explica Nelson Rosenvald ser a norma do art. 489 mais uma das emanações da tutela da boa-fé e do princípio que impede o enriquecimento injustificado. Uma das características do preço é a sua certeza. Portanto, será taxado de inválido por nulidade aquele contrato em que se incluir cláusula de direito potestativo de fixação unilateral de preço.

Indubitavelmente, reveste-se de pura arbitrariedade a cláusula que determina expressões como “o preço será fixado conforme o interesse do comprador”, ou “o alienante determinará o valor a ser pago”, sob pena de aperfeiçoamento de contrato com valores excessivos ou aviltantes (aliás, no preço irrisório nem há propriamente uma venda), dependendo de quem seja o titular do direito potestativo.

O abuso do exercício do direito potestativo na determinação do preço é também um ato ilícito (CC. 187), ofendendo manifestamente a própria função social para a qual a compra e venda foi realizada.

Aliás, o CC. 122 inclui entre as condições proibidas “as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes”.

Porém, quando o policitante (ofertante) impõe um valor para a sua oferta, não há que cogitar de arbitrariedade. Caso o oblato manifeste a sua aceitação (expressa ou tácita), formando-se o consentimento, vincula-se o vendedor aos termos da proposta (CC. Arts. 427e 429), tornando-se aquele preço uma determinação conjunta dos contratantes, não mais uma simples oferta. Aperfeiçoado o contrato, torna-0se impraticável a alteração unilateral do preço, exceto nas já comentadas hipóteses de lesão e onerosidade excessiva pela quebra do princípio da justiça contratual. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 556 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Existe um histórico para o dispositivo, lembrado por Ricardo Fiuza. A redação original do dispositivo tal como se apresentava no projeto era nos seguintes termos: “Art. 489. Nulo é o contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a taxação do preço”. Com as alterações implementadas pelo Senador Josaphat Marinho revestiu-se da composição atual. Objetivo procurado pela emenda foi o de melhorar a linguagem do texto, apenas substituindo o termo “taxação” por “fixação “, o que, além de conferir mais clareza e precisão ao dispositivo, como justificou o Senador Josaphat, mantém no projeto a expressão já constante dos arts. 1.123 e 1.124 do CC de 1916. Demais disto, a substituição vem a compatibilizar a redação do art. 489 com os arts. 485, 486, 487 e 488 fo próprio projeto que utilizam sempre o termo “fixação”. Sem falar que taxação é expressão mais afeita à seara do Direito Público. Corresponde ao art. 1.125 do CC de 1916.

Segundo a doutrina apresentada por Fiuza, a estipulação arbitrária do preço por um dos contratantes fere a consensualidade do contrato, que o aperfeiçoa por disposição comum de vontades recíprocas. Esse acordo quanto ao preço é elemento essencial, na forma do CC. 481 de 2002. A fixação unilateral induz a nulidade do contrato. É do consentimento de ambos os contratantes que são gerados os seus efeitos obrigacionais. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 263, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como leciona Marco Túlio de Carvalho Rocha é leonina a cláusula que subordina o contrato inteiramente à vontade de uma das partes. No contrato de compra e venda, uma parte ficaria inteiramente subordinada à outra se esta tivesse poderes para fixar livremente o preço da compra e venda. A condição meramente potestativa que diz respeito a cláusula essência, como é a cláusula de preço no contrato de compra e venda, nulifica o contrato (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 02.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 484, 485, 486 - Continua - Da compra e Venda - Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 484, 485, 486 - Continua
- Da compra e Venda - Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção I – Disposições Gerais –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 484. Se a venda se realizar à vista de amostras, protótipos ou modelos, entender-se-á que o vendedor assegura ter a coisa as qualidades que a elas correspondem.

Parágrafo único. Prevalece a amostra, o protótipo ou o modelo, se houver contradição ou diferença com a maneira pela qual se descreveu a coisa no contrato.

Este dispositivo, conforme mostra Nelson Rosenvald, trata da venda por amostragem. O Código Civil equiparou a venda à vista de amostras àquela efetuada com base na exposição de protótipos ou modelos. Enquanto a amostra é uma pequena porção daquilo que se deseja alienar (v.g., copo de suco), o protótipo é uma unidade de um bem que normalmente se encontra em exposição (v.g., aparelho de som em loja), enquanto o modelo é uma demonstração do objeto em dimensões reduzidas (v.g., módulo de armário de cozinha).

Em qualquer caso, incumbe ao alienante garantir a qualidade real do objeto correspondente às amostras, protótipos ou modelos. Trata-se de uma derivação do princípio da boa-fé objetiva, protegendo-se a confiança do adquirente e a legítima expectativa quanto às características do bem negociado. Nas relações civis, o déficit qualitativo do produto não significará vício redibitório se a insatisfação do adquirente não se ligar a um defeito da coisa capaz de torna-la inútil para o seu uso normal. Portanto, tratando-se de descompasso objetivamente apreciável de qualidade entre a amostra e o produto – normalmente de difícil constatação -, poderá o adquirente pleitear a resolução contratual com base na violação do dever anexo de cooperação (CC. 422).

Nesse sentido, feliz foi o legislador ao acrescentar o parágrafo único do art. 484, privilegiando a tutela do adquirente nas hipóteses que envolvam a contradição ou diferença entre a descrição contratual do bem e a amostra, protótipo ou modelo. Sem dúvida, o apelo visual do produto é o elemento que usualmente atrai a confiança do comprador e não as evidências técnicas, muitas vezes inacessíveis aos adquirentes leigos. Nas relações de consumo ligadas à aquisição de bens a distância, essa proteção é superior, pois o consumidor dispõe do prazo decadencial de reflexão de sete dias para exercitar o direito potestativo de resilição unilateral (CDC, 49). Muitas vezes, a decisão do consumidor é pautada pelo desnível evidente entre o que lhe foi exibido e o que realmente adquiriu.

De certa forma, há uma aproximação com o Código de Defesa do Consumidor ao tratar da inadequação do produto que apresente disparidade com as indicações constantes do recipiente ou de mensagens publicitárias (CDC, 18). Não se olvide de que toda informação ou publicidade suficientemente precisa – e aqui se inclui a oferta de amostras – obriga o fornecedor e integra o contrato (CDC, 30). Pelas letras incisivas do parágrafo único, mesmo nas relações interprivadas, o adquirente poderá exigir a tutela específica da obrigação de dar, a fim de compelir o alienante à entrega de bem que seja compatível com a amostra, protótipo ou modelo, sendo nulas as cláusulas em contratos de adesão em que os alienantes excluam qualquer possibilidade de reclamação por eventuais disparidades entre a amostra e o produto final (CC, 424). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 552-553 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua doutrina, Ricardo Fiuza aponta a venda que se realiza à vista de amostra, como venda sob condição suspensiva: obriga o vendedor a entregar a coisa com as qualidades por aquela apresentada, ou seja, em correspondência ideal com as qualidades concebidas pelo exemplar que serviu de padrão. A inexatidão entre a amostra e a mercadoria entregue produz o aliuvo pra aliud (uma coisa por outra), importando, pela desconformidade havida, o inadimplemento contratual e perdas e danos, o comprador pode optar entre a resolução do contrato ou exigir a entrega da coisa exata, com danos da mora. Augusto Zenun adverte, com perfeito apuro, haver uma expressiva diferença entre a amostra e o tipo. Naquela – acentua – “há total correspondência em tudo e por tudo, com a coisa, enquanto o tipo é indicação menos precisa sem se apresentar com rigorosa identidade da coisa”. Entende, ainda, o eminente jurista, aplicáveis á venda mediante fotografia os mesmos princípios que regem a venda realizada a vista de amostra. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 260, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como afirma Marco Túlio de Carvalho Rocha, nos negócios jurídicos o intuito das partes prevalece sobre as declarações. Assim, se é possível demonstrar que a vontade declarada não corresponde ao que as partes efetivamente desejaram quando da contratação, deve prevalecer a vontade das mesmas. Um dos meios de se aferir discrepância entre a vontade real e a vontade declarada ocorre quando a venda se faz opor amostra. O objeto que serve de amostra traz em si mais informações do que a linguagem escrita é capaz de revelar. Em razão disso, a lei determina que as qualidades da amostra devam prevalecer sobre a descrição do objeto se entre ambos houver discrepância. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 02.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 485. A fixação do preço pode ser deixada ao arbítrio de terceiro, que os contratantes logo designarem ou prometerem designar outra pessoa.

Conforme mostra Nelson Rosenvald, é possível que os contratantes designem uma terceira pessoa que arbitrará o preço da compra e venda. Cuida-se de uma espécie de mandatário das partes, representante convencional que estipulará um valor justo para o negócio, tornando-se a sua valoração impositiva para as partes.

Apesar do silêncio do Código, parece-nos que o terceiro deverá apresentar capacidade de fato, pois dificilmente um incapaz conseguirá alcançar um preço que satisfaça os interesses das partes. Ademais, o terceiro estipulará o preço com base em uma avaliação condizente com o tempo do aperfeiçoamento do contrato e não de sua execução – que poderá se dar em período posterior com grandes variações -, exceto se houver cláusula expressa no particular.

Caso o mandatário se recuse a estimar o preço, a sanção será a ineficácia do negócio jurídico, salvo deliberação das partes pela eleição de outra pessoa para a fixação do preço. A nosso viso, não havendo pessoa designada para substituir o terceiro, tratar-se-á de hipótese de inexistência do negócio jurídico, diante da ausência de pressuposto para a própria formação do contrato.

A título ilustrativo, o Código Civil adotou solução diversa nas obrigações alternativas em que as partes deliberam que a opção será exercitada por terceiro. caso o mandatário se recuse a escolher, será a eleição transferida ao próprio magistrado (CC. 252, § 4º). É possível entender a diversidade de soluções, na medida em que, formuladas as obrigações alternativas, o contrato existe e vale. A escolha é apenas fator de eficácia, não impedindo que o juiz delibere na falta do terceiro designado. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 554 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No compasso de Ricardo Fiuza, a fixação do preço, como elemento essencial da compra e venda, é convenção das partes por mútuo consenso, que logo é determinado como soma em dinheiro a ser pago pelo adquirente. Os contratantes, quando não puderem determinar o preço ou ainda se assim o preferirem poderão deixar a fixação do preço ao arbítrio de terceiro, atuando como mandatário e verdadeiro árbitro, e cuja deliberação investe-se de força obrigatória, integrando aos efeitos do contrato, salvo acontecendo, de sua parte, erro ou dolo. O contrato ficará sem efeito quando o terceiro não aceitar o encargo e o outro, em seu lugar, não for designado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 261, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 De forma clara Marco Túlio de Carvalho Rocha aponta que o preço acertado deve ser certo. Pode ser determinado ou determinável. A lei estabelece vários critérios de determinação do preço que podem ser utilizados pelas partes. O dispositivo cuida de um desses critérios: a fixação por um terceiro. as partes podem delimitar critérios que servirão à fixação do preço pelo terceiro tal como o valor de mercado do bem. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 02.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 486. Também se poderá deixar a fixação do preço à taxa de mercado ou de bolsa, em certo e determinado dia e lugar.

Comentando na esteira de Nelson Rosenvald, aqui o legislador demonstra que é desnecessária a determinação imediata do preço, posto que é possível que os valores em princípio sejam determináveis, submetida a fixação definitiva às oscilações da taxa de mercado ou da bolsa de valores.

Caso exista oscilação de cotações no dia ajustado, como medida equitativa prevalecerá o termo médio, aplicando-se analogicamente o parágrafo único do CC. 488.

Em sede de contratos aleatórios, é corriqueira a aquisição de commodities, em que os contraentes fixam os preços de mercado de determinada data como parâmetro para a aquisição de mercadorias (v.g., aquisição de x toneladas de soja, pelos valores do dia y) (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 554 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina esclarecedora de Ricardo Fiuza, o dispositivo evidencia outro critério à escolha dos contratantes para a fixação do preço na compra e venda, ficando determinável pela taxa do mercado ou da bolsa em certo e determinado dia e lugar. A taxa de dia certo e o lugar de mercado asseguram a certeza e determinação do preço a que deve corresponder a pagamento.

O § 4º do art. 947 do CC de 1916 não tem mais correspondente. Eliminada a regra, a cotação variável no mesmo dia conduzirá a um impasse na fixação do preço. A nosso sentir, a solução é dada por aplicação extensiva à regra do parágrafo único do art. 488 que reza: “Na falta de acordo, por ter havido diversidade de preço, prevalecerá o termo médio” (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 261, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Esclarece em seu entendimento Marco Túlio de Carvalho Rocha que o valor de mercado pode ser obtido por diversos meios: avaliação, preço corrente na venda de alguma das partes, preço vigente em determinado local ou em determinada época. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 02.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 481, 482, 483 - Continua - Da compra e Venda - Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 481, 482, 483 - Continua
- Da compra e Venda - Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R. 

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção I – Disposições Gerais –
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Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.

Clareando a mente com Nelson Rosenvald, aprende-se que com a edição do Código Civil de 2002, não houve alteração na sistemática do contrato de compra e venda. Reiterando o art. 1.122 do CC/1916 mantemo-nos filiados à concepção obrigacional da compra e venda, pela qual o acordo de vontades entre os contraentes não é suficiente para transmitir a propriedade, sendo necessária a tradição para a constituição de direitos reais sobre bens móveis (CC. 1.267) e o registro para o aperfeiçoamento de direitos reais imobiliários (CC. 1.245).

Nosso sistema seria uma espécie intermediária entre o sistema franco-italiano e o alemão. Aquele concebe a compra e venda coo acordo translativo de propriedade, sendo suficiente o consenso. A fórmula germânica requer dois contratos autônomos e sucessivos: o primeiro estabelecendo obrigações intersubjetivas; o segundo, um negócio abstrato, dotado de eficácia real, aperfeiçoado perante o registro com a finalidade de expurgar os vícios do contrato originário, além de gerar propriedade. No Brasil, de forma eclética, o contrato consubstancia o consenso, porém será integrado pela tradição ou registro.

Certamente, mantém-se acesa grande polêmica instaurada pelo genial Darcy Bessone ao discordar da compra e venda como mera obrigação de dar. Para o insigne doutrinador, o registrador apenas conclui o ato complexo de formação progressiva pela qual toda manifestação de transmissão do direito real já se exauriu no negócio jurídico. Vale dizer que o registro apenas concederia eficácia real à compra e venda, pois é desnecessária uma segunda manifestação de vontade do alienante, ao contrário do que se sucede no direito alemão. Com efeito, a obrigação demanda uma futura atuação do devedor, todavia, com a emissão da escritura de compra e venda, o alienante não precisará praticar uma nova conduta, eis que toda a carga recairá sobre o adquirente, no sentido de promover unilateralmente o registro do título, concluindo o ato complexo com a chancela estatal.

Nada obstante, a doutrina pátria mantém a tese obrigacional da compra e venda como negócio jurídico bilateral, no qual a obrigação do alienante consiste na entrega da coisa, enquanto a prestação do adquirente se traduz no pagamento de um preço. Assim como a troca e a doação, trata-se de contrato translativo, funcionando como título ou causa, enquanto a tradição e o registro são os modos de transmissão. Portanto, se o alienante promover sucessivas vendas e o primeiro comprador não cuidar de promover o registro, aquele que levar o título ao cartório do registro imobiliário será o proprietário, cabendo ao comprador primitivo o mero ajuizamento de ação indenizatória perante o alienante.

A coisa, o preço e o consenso são pressupostos de existência do negócio, sem os quais não haverá a hipótese de incidência para que a compra e venda penetre no mundo jurídico. Há uma troca de bens por dinheiro – aliás, o que distingue a venda da permuta -, que em regra dispensa solenidades, excepcionando-se a imposição de forma pública para alienação de imóveis de valor superior a trinta salários-mínimos (CC. 108).

Além da bilateralidade, a compra e venda é caracterizada como contrato oneroso, sendo de sua natureza a configuração de vantagens e sacrifícios recíprocos. Da onerosidade não decorre necessariamente a sua comutatividade, pois eventualmente se perfaz como contrato aleatório, em que ao menos uma das prestações é incerta ao tempo da contratação (CC. 458). Mesmo nas relações civis, admite-se a forma da contratação pela adesão (CC. 423), sendo passível de elaboração como contrato instantâneo – pagamento imediato (v.g., aquisição de chocolate em padaria) – ou como contrato de duração, com pactuação de pagamento diferido ou mediante execução sucessiva de diversas prestações periódicas. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 549-550 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Nos ensinamentos liberados por Ricardo Fiuza em sua Doutrina, tem-se o contrato de compra e venda como contrato bilateral, consensual, oneroso, comutativo ou aleatório, e, de modo geral, não solene (a depender do objeto), de efeitos meramente obrigacionais (obrigação ad tradendum) que serve como título de aquisição de coisa determinada mediante o pagamento do preço, definido e em dinheiro, obrigado o vendedor a transferir a propriedade do bem em favor do comprador. O sistema adotado acompanha o alemão (BGB, art. 433). A translatividade dominial se aperfeiçoa somente pela tradição (se o bem for móvel) ou pelo registro imobiliário (se o bem for imóvel).

A forma não será livre quando a validade da declaração de vontade depender de forma especial exigida por lei (CC. 108), como ocorre com a exigência de escritura pública, essencial à validade do negócio jurídico, na compra e venda de imóveis, de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País (CC.108) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 259-260, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em seu comentário ao artigo 481, Marco Túlio de Carvalho Rocha conceitua compra e venda. Para ele encontram-se os elementos essenciais desse negócio: a coisa (res), o acordo de vontade (consensus) e o preço (pretium).

Outro elemento importante deste conceito, segundo ele, é a explicitação dos principais efeitos deste contrato: obrigar o vendedor a transferir o domínio da coisa ao comprador; obrigar o comprador a pagar o preço ao vendedor. Desse modo, resta claro que a compra e venda não produz, por si só, a transferência da propriedade, que ocorre pela tradição: o registro em nome do comprador se se tratar de bem imóvel; a transferência da posse com o ânimo de transferir a propriedade, no caso de bem móvel.

O contrato de compra e venda é um contrato bilateral, consensual (em alguns casos, formal), oneroso: comutativo ou aleatório, de execução instantânea: imediata ou diferida.

Quanto às artes: a) capacidade: as partes podem ser capazes ou incapazes. Os incapazes devem ser devidamente assistidos ou representados.

Legitimação objetiva do vendedor: b) o vendedor deve ser o proprietário da coisa ou adquirir-lhe a propriedade até o momento da tradição. A venda a non domino pode configurar crime de estelionato, se houver dolo, nulidade absoluta por ilicitude do objeto, anulabilidade por dolo ou por erro ou descumprimento contratual se fosse do conhecimento do comprador que o bem pertencia a terceiro. a venda a non domino é ineficaz em relação ao vero domino.

Legitimação subjetiva do vendedor: c) um cônjuge não pode vender bens imóveis sem a anuência do outro sob pena de anulabilidade (CC. 1.649), exceto no regime da separação absoluta (CC. 1.647, I); no da participação final dos aquestos, se autorizada a livre disposição do pacto antenupcial (CC. 1.656); cônjuges não podem vender, uma para o outro, bens comuns (CC. 499); ascendentes devem obter a anuência de descendentes na venda a algum deles (CC. 496); a ação prescreve em 20 anos a contar do ato (Súmula 494 do STF), contudo, o CC. 179 reduziu o prazo para 2 anos a contar do ato); condômino de coisa indivisível tem direito de preferencia na venda de quinhão pertencente a outro condômino (CC. 504); direito de preferencia (CC. 513 a 520); o locatário de bem imóvel tem direito de preferencia para a aquisição do bem que aluga (Lei n. 8.245, art. 27); menores sujeitos a poder familiar dependem de autorização judicial para a venda de imóveis (CC. 1.691); demais incapazes dependem de autorização judicial na venda de móveis e de imóveis (CC. 1.748, IV, cc 1.774); os bens do falido somente podem ser vendidos com autorização do juiz da falência.

Existe legitimação objetiva e subjetiva do comprador: tutores, curadores, testamenteiros e administradores não podem adquirir bens, respectivamente, de seus pupilos, curatelados, que forem objeto do testamento ou que estejam sob sua administração (CC. 497, I e 1.749); mandatários não podem adquirir para si bens mediante a utilização do próprio mandato, salvo se houver autorização expressa para tanto (CC. 117 e Súmula 165, STF); servidores públicos não podem adquirir bens do ente público a que prestem serviços (CC. 497, II); Juízes, serventuários e auxiliares da justiça não podem adquirir que sejam objeto de feito em tramitação no local em que prestam serviços (art. 497, III); leiloeiros não podem adquirir bens que estejam leiloando (CC. 497, IV).

O preço da compra e venda consiste em dinheiro ou equivalente. No tocante ao poder liberatório os títulos de crédito são, em regra, pro soluto:

“Se, na ocasião de pagar, o devedor quer pagar com cheque, ou o credor recusa o cheque, e incorre em mora o devedor, ou o credor aceita o cheque, e não se pode pensar em mora: a responsabilidade pelo cheque, que nada tem com o negócio jurídico de que se irradiara a obrigação de pagar” (Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, t. XXXVII, p. 229).

Caráter pro soluto do pagamento com cartão de crédito: REsp n. 1.133.410-RS, Min. Massami Uyeda, 3ª T., j. 16/3/2012.

Contra:

“o pagamento só poderá efetuar-se em apólices federais, estaduais ou municipais, se nisso convier o credor, ou tiver sido estipulado no contato. O mesmo sucederá no tocante ao pagamento mediante cheque, que é recebido pro solvendo e não pro soluto; se não houver provisão, o pagamento é ineficaz.” (Monteiro, Washington de Barros. Curso de direito civil, 4º v, p. 254, no mesmo sentido: Carvalho Santos, J. M. Código civil brasileiro interpretado, v. XII, p. 177. REsp n. 1.023.648-ES, 3ª T. Min. Humberto gomes de Barros, j. 17.03.2008).

O preço vil ou fictício torna a venda nula ou anulável se caracterizar: a) lesão (CC. 157; MP n. 2.172-32, de 23/8/01; b) estado de perigo (CC. 156); c) simulação (CC. 167); d) prática proibida (CC. 166, VII, ex.: “Lavagem de dinheiro”, Lei n. 9.613/98, “usura pecuniária ou real”, Lei n. a521/51, art. 4º, b, “concorrência desleal” Lei n. 884/94, art. 21, XVIII).

Se a contraprestação pela alienação do bem não for dinheiro o negócio não será de compra e venda. Se a contraprestação for dinheiro e uma coisa fica caracterizada a troca. Se for um serviço, o contrato será inominado. Se a contraprestação for composta de dinheiro e de uma coisa, o contrato poderá ser caracterizado como troca ou como compra e venda. Há dois critérios que podem ser utilizados para fazer essa distinção: o critério subjetivo e o objetivo. Pelo critério subjetivo, deve-se observar se o intuito de contratar daquele que recebe dinheiro e coisa é direcionado ao primeiro ou ao segundo, ou seja, qual dos dois bens, dinheiro ou coisa, o motivam a contratar. Se for a coisa, o negócio será compra e venda. Pelo critério objetivo, observa-se qual é o componente mais valioso, se o dinheiro ou a coisa que o acompanha. A escolha do critério a ser utilizado fica a cargo do intérprete, que deve verificar qual, no caso concreto, realiza a solução mais justa. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 29.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 482. A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço.

Seguindo a esteira de Nelson Rosenvald, como exposto no tópico anterior, consenso, preço e coisa são os elementos constitutivos da compra e venda, quando constituída como negócio jurídico puro. Vale dizer: se pela autonomia privada as partes impõem a modalidade da condição (em princípio elemento acidental do negócio), a compra e venda se subordinará a um evento futuro e incerto. Tratando-se de condição suspensiva, enquanto não ocorrer o evento, há que cogitar apenas de um direito eventual, cuja eficácia é subordinada ao implemento da condição (CC. 125). Contudo, cuidando-se de condição resolutiva (v.g., propriedade resolúvel), o evento futuro suprimirá a eficácia do negócio jurídico, preservando-se as situações constituídas quando se tratar de contrato de duração (CC. 128).

a)   Com relação ao objeto, podemos considera-lo como bem ou coisa nos contratos
de compra e venda? A relação entre bem e coisa é de gênero e espécie. O termo bem abrange objetos corpóreos e incorpóreos, suscetíveis de apropriação, abrangendo qualquer utilidade de material ou ideal. Já a coisa é o bem economicamente apreciável e tangível, posto que é suscetível de apropriação pelo homem. Daí nossa preferência pela utilização do termo bem.

O bem móvel ou imóvel e passível de alienação é todo aquele que não se encontre fora do comércio, seja ele corpóreo ou incorpóreo, apenas com a ressalva de se empregar o termo cessão para a definição do contrato transmissivo de propriedade imaterial e intangível. Certamente, há que tomar cuidado quanto aos requisitos de validade de qualquer negócio jurídico (CC. 104), nulificando-se a venda em que o objeto seja indeterminado, ilícito ou impossível (CC. 166, II). Exemplo típico de ilicitude seria a venda de herança de pessoa viva (CC. 426), em que se cancelaria a própria unilateralidade, característica ínsita aos negócios jurídicos testamentários de transmissão de propriedade mortis causa.

b) O preço será necessariamente clausulado no contrato de compra e venda, traduzindo uma soma em dinheiro. Poderá inclusive o valor ser determinado por terceiro (CC. 485). Não necessariamente precisa ser determinado, sendo bastante a sua determinabilidade, mediante parâmetros.

Fundamental para a precisa caracterização da compra e venda é a justiça do preço. O sinalagma genético, demanda que ao tempo da constituição do contrato as prestações possuam um sentido de equivalência, sob pena de possível desconstituição, por anulabilidade, do negócio jurídico pela lesão (CC. 171). Tratando-se a expressão “prestação manifestamente desproporcional” (CC. 157) de conceito jurídico indeterminado, caberá ao magistrado preencher o desenho da norma, estipulando, nas circunstâncias do caso, qual é o sentido de desequilíbrio contratual frontalmente contrário ao princípio constitucional da proporcionalidade.

Mesmo que ao tempo da gênese do contrato o preço respeito o princípio da justiça contratual, poderá eventualmente ocorrer o fenômeno da onerosidade excessiva (DD. 478), com súbito sacrifício de uma das partes em razão da elevação imprevista do preço, estipulando o legislador a resolução contratual. Em outra passagem, observamos que a mobilidade das cláusulas gerais da função social (CC.421) e da boa-fé objetiva (CC. 422) permite que se afirme o princípio da conservação do negócio jurídico. Ou seja, a compra e venda poderá ser preservada pela modificação da cláusula com adequação do preço originário, no caso de lesão, ou pela revisão contratual mediante alteração do preço, tratando-se de onerosidade excessiva.

Observa-se que o legislador impôs como causa de invalidação do negócio dispositivo a inserção de cláusula que estipule o pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, eis que o adimplemento se dará em moeda corrente (CC. 315 e 318). Ou seja, nada impede que a obrigação contratual seja fixada em moeda estrangeira, desde que convertida para a moeda nacional ao momento do pagamento.

c) Por fim, o consenso está embutido na expressão “as partes acordarem no objeto e no preço”. Quando do estudo da formação do contrato, percebemos que o acordo resulta da aceitação da proposta pelo oblato, ou da aquiescência, por qualquer um, da oferta ao público (CC. 429). Do consenso resulta a obrigação do vendedor de transferir a propriedade do bem em contraposição à obrigação do comprador de entregar determinada soa em dinheiro.

O consentimento exige que cada um dos contraentes possua a capacidade de fato ou negocial, ou seja, a aptidão para contrair obrigações de per si. Não se olvide de que certas hipóteses de compra e venda exigem, além do pressuposto subjetivo da capacidade de gozo, a legitimação específica. Ou seja, na venda de ascendentes a descendentes, de condôminos a estranhos ao condomínio, ou de um dos cônjuges a terceiros, não é bastante a capacidade plena, sendo necessária a integração de terceiros ao negócio (demais descendentes, condôminos e outro cônjuge), a fim de que se conceda poder de disposição e a compra e venda se constitua validamente. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 550-551 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina apresentada por Ricardo Fiuza comenta sobre a compra e venda pura produzir efeitos imediatos, diversa da realizada a termo ou dependente de condição. Deflui da consensualidade, elemento essencial do contrato, quando ajustado o objeto do negócio e fixado o preço (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 260, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo enfatiza a natureza informal e obrigacional do contrato de compra e venda. Basta o acordo de vontades visando à alienação do bem por determinado preço para que o contrato se aperfeiçoe. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 29.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 483. A compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Neste caso, ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes era de concluir contrato aleatório.

No pensar de Nelson Rosenvald, o bem do negociado poderá ser de existência atual ou futura. É bastante usual a alienação de imóveis em construção. Nos contratos aleatórios, é da própria essência do risco assumido por uma das partes a imposição de prestações que dependerão do acaso, seja pela sua exigibilidade (CC. 458), seja pela própria quantidade da coisa, como na venda de coisa futura (v.g., compra de safra ou de mercadorias em bolsa com preço fixo).

Aliás, a parte final do dispositivo enuncia a ineficácia superveniente do negócio jurídico pela inexistência da coisa adquirida, com ressalva do contrato aleatório. No particular, caberá distinguir entre a emptio spei (CC. 458) e a emptio rei speratae CC. 459). Caso a venda diga respeito à própria incerteza quanto à existência da coisa em si, o contrato é válido e o alienante receberá tudo aquilo que lhe fora prometido. Contudo, tratando-se de negócio aleatório referente á quantidade esperada (v.g., adquiro o que vier na sua rede de pescaria pelo valor X), caso nada venha, tratar-se-á de hipótese evidente de inexistência do negócio jurídico, com restituição de eventual adiantamento, na dicção do parágrafo único do CC. 459.

No mais, concedendo-se amplitude à letra da norma, pode-se ainda entender como coisa futura aquela que não é de titularidade do alienante ao tempo da conclusão do negócio jurídico, mas que, posteriormente adquirida pelo alienante, empresta eficácia superveniente ao negócio, como se o adquirente de boa-fé se convertesse em proprietário desde a data da tradição (CC. 1.268, § 1º). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 552 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Quanto sob a visão de Ricardo Fiuza, a compra e venda tem por objeto, suscetível da translatividade do domínio (efeitos do art. 481), coisa atual, o que quer dizer existente ou de existência potencial dizendo respeito à coisa futura, sejam elas corpóreas ou incorpóreas. Neste último caso, o negócio jurídico ficará sem efeito, não vindo a existir a coisa, ressalvada a hipótese de o contrato ser aleatório, nos termos do CC. 458 e artigos subsequentes. A validade do negócio, diante de contrato aleatório, é trazida no novo texto, como inovação conveniente, útil e benéfica, considerando a intenção das partes. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 260, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo a orientação de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o fato de o bem não existir não impede o contrato de compra e venda. A venda de bem futuro ocorre frequentemente quando o vendedor dependa da especificação de pedido para que venha a fabricar o bem. Se o bem não vier a existir na época acordada para a sua entrega, sem que haja culpa por parte do vendedor, o contrato é extinto pela perda do objeto. Se, contudo, a inexistência do bem decorrer de culpa do vendedor, o caso será de descumprimento contratual e o submeterá ao pagamento de perdas e danos.

Nos contratos aleatórios, i. é, nos contratos em que as partes prevejam a possibilidade de a coisa vir ou não a existir, é válida a cláusula que obriga o comprador ao pagamento do preço mesmo que a coisa não venha a existir, por ter assumido este risco. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 29.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).