quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 499, 500, 501 - Continua - Da compra e Venda - Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.


 Direito Civil Comentado - Art. 499, 500, 501 - Continua
- Da compra e Venda - Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção I – Disposições Gerais –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 499. É lícita a compra e venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos da comunhão.

Vivenciando com Nelson Rosenvald, a partir do instante em que se rompe com o sistema privado patriarcal no qual a esposa era hipossuficiente e relativamente incapaz (até a edição do Estatuto da Mulher Casada de 1962), nada impede que duas pessoas iguais em direitos e obrigações possam manejar a sua autonomia privada e praticar o negócio jurídico de compra e venda com relação a todos os bens excluídos da comunhão.

Destarte, no regime da comunhão universal de bens não se cogitará em regra da compra e venda, pois, sendo o patrimônio total comum, não poderia o cônjuge adquirir aquilo que já lhe pertencesse em frações abstratas, nas quais cada comunheiro já poderia agir sobre o todo. Excepcionalmente, é possível a aquisição dos bens elencados no CC. 1.668. a título ilustrativo, o marido pode comprar da esposa os bens que ela recebeu da herança paterna com cláusula de incomunicabilidade.

No regime legal da comunhão parcial, a aquisição é possível sobre todos os bens que não se incluam nos aquestos. Estes são os bens adquiridos a título oneroso após o matrimonio (CC. 1.658). será livre a aquisição onerosa por qualquer dos cônjuges dos bens excluídos do acervo comum.

Já no regime de separação de bens há absoluta liberdade de aquisição de patrimônio pelos cônjuges, como se denota da leitura do CC. 1687.

No novel regime da participação final nos aquestos, um cônjuge não poderá adquirir do outro todos aqueles bens que foram obtidos pelo esforço do casal após o matrimonio (CC. 1.672). Já aqueles adquiridos isoladamente por qualquer dos cônjuges, mesmo que a título oneroso, pertencem ao patrimônio particular do cônjuge e podem ser objeto de alienação ao outro cônjuge (CC. 1673). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 563 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo Ricardo Fiuza, o dispositivo põe termo à antiga controvérsia doutrinária, originada da omissão do CC de 1916 a respeito da possibilidade da venda entre cônjuges. Excetuado o regime de comunhão universal de bens (Art. 1.667), pela obviedade do acervo comum, a demonstrá-la desarrazoada e sem qualquer préstimo, a lei considera lícita a venda, com a identidade de razões que de há muito admitiu a sociedade comercial entre os cônjuges. A crítica formulada por Caio Mário da silva Pereira fundou-se na circunstância de se constituir tal venda uma transgressão ao princípio leal da imutabilidade do regime de bens, hoje, aliás, atenuada pelo CC 1.639, § 2º) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 267, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Estudando com Marco Túlio de Carvalho Rocha, bens comuns somente existem no regime da comunhão universal e no da comunhão parcial de bens. No regime da separação de bens, cada cônjuge conserva seu patrimônio e, portanto, estão autorizados a vender e comprar bens um do outro. No regime da participação final nos aquestos, igualmente, cada cônjuge conserva seu próprio patrimônio até a dissolução da sociedade conjugal, quando se faz a apuração dos valores a serem pagos por um ao outro como compensação pelas aquisições que obteve durante o matrimonio. Neste regime, portanto, não há bens comuns e os cônjuges estão autorizados a vender e a comprar bens um do outro.

A estrutura patrimonial de ambos os regimes de comunhão é a mesma: tanto na comunhão universal quanto na comunhão parcial, os cônjuges conservam um acervo patrimonial próprio, incomunicável. Entre os dois acervos patrimoniais privativos de cada cônjuge há uma interseção em que se localizam os bens comuns. O dispositivo refere-se a esses bens. Somente eles não podem ser objeto de compra venda entre os cônjuges, uma vez que pertencem em igualdade de condições a ambos. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato, ou abatimento proporcional ao preço.

§ 1º. Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.

§ 2º. Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso.

§ 3º. Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus.

No frescor da sabedoria de Nelson Rosenvald o caput do artigo se refere à alienação onerosa de bens imóveis – terrenos – pela sua medida de extensão, com precisa determinação da área vendida. Trata-se da venda ad mensuram (conforme medida). Caso a medida real seja inferior àquela noticiada pelo vendedor quando da contratação, poderá o comprador exigir a complementação da área, a fim de obter a diferença entre o que lhe fora prometido e o efetivamente alienado. A actio empto é uma ação real que segue o rito comum.

Todavia, em certas circunstâncias a complementação não será viabilizada, eis que a área do imóvel terminou ou o excedente é de titularidade de outra pessoa. Nesses casos, abrem-se duas alternativas subsidiárias ao comprador: poderá exercitar o direito potestativo à resolução contratual com a devolução de todas as quantias pagas, além de indenização pelos danos decorrentes do negócio, ou então pleitear o abatimento proporcional no preço, mantendo o negócio jurídico sobre a área a menor.

Porém, se a falta de adequação entre as medidas originárias e a medição realizada posteriormente concluir pelo excesso de área do terreno, sendo provado que o equivoco foi proveniente de ignorância acerca do tamanho real do terreno, surgirão duas medidas alternativas ao alvedrio do comprador: poderá complementar o preço ou devolver o excesso. Ou seja, não se cogita de invalidação por erro, pois o ordenamento jurídico deseja a preservação do negócio. Cuida-se de inovação significativa, eis que no regime anterior o vendedor nada recebia, prevalecendo o enriquecimento injustificado.

Prosseguindo, o § 3º trata da venda ad corpus (de corpo inteiro). Aqui a metragem é dada de forma meramente enunciativa, pois o bem lhe foi vendido como área certa e precisamente individualizada por marcos geográficos e confrontações. Exemplificando: A vende uma fazenda a B anunciando que se trata de uma “área de 300 alqueires, confrontando os terrenos do Sr. Pedro da Silva e o córrego dos Macacos”. As confrontações sinalizadas demonstram o que se quis realmente alienar. Portanto, caberá ao magistrado interpretar as cláusulas dúbias com recurso aos métodos do CC 112 e 113.

Voltando à venda ad mensuram, preservando-se o que já expressava o Código Civil de 1916, o legislador entendeu que uma diferença de medição que acuse uma área menor de no máximo um vinte avos da área total não será motivo para a adoção das medidas expostas no caput, presumindo-se que a menção à metragem no corpo do contrato foi meramente enunciativa. Assim, se A vende a B uma área de 500 hectares e a real dimensão do terreno é de 475 hectares, o inadimplemento mínimo não justificaria a adoção de medidas judiciais desproporcionais.

De qualquer forma, é nítido que a diferença inferior a 5% da área total gere uma presunção de que a venda foi ad corpus. Todavia, inovando com relação ao Código Beviláqua, a presunção não é mais absoluta, e sim, relativa. Com efeito, poderá o comprador provar que, se fosse devidamente informado sobre a área do terreno, não teria realizado o negócio jurídico. Parece-nos que a solução é sábia, haja vista acautelar a boa-fé do comprador que precisava de uma área específica para realizar determinado investimento e possui condições de provar que mesmo uma pequena diferença é fundamental naquela situação. O legislador, mais uma vez, adotou a diretriz da concretude, para retratar a pessoa em suas circunstâncias, buscando considera-la em seu contexto e realidade específica.

O art. 500, tanto no que tange à venda ad mensuram como à ad corpus, não se aplica às alienações em hasta pública. De acordo com a doutrina, a garantia em arrematações e adjudicações seria restrita ao fenômeno da evicção (CC 477), pois nas vendas de terrenos com alterações de dimensões incidiria regime semelhante ao dos vícios redibitórios, mas normatizado por disciplina especial.

Todavia, poderíamos indagar se o art. 500 aplicar-se-ia às alienações em hasta pública. Entendemos que sim, a despeito da larga publicidade existente ao redor da hasta pública, permitindo ao interessado, inclusive, a feitura de um minucioso exame do bem antes da venda, diminuindo consideravelmente a possibilidade de o vício do imóvel permanecer oculto. Não obstante o silêncio do legislador no que tange ao CC 447, aduzindo tão somente a evicção, a imperiosa se faz uma interpretação ampliativa, a fim de abarcarmos o vício redibitório. De fato, justamente em virtude da ampla publicidade da hasta pública, existe uma presunção de conhecimento do comprador quanto às reais dimensões do imóvel. Mas trata-se de uma presunção relativa. Ao adquirente, no caso concreto, incumbe o ônus probatório do desconhecimento das dimensões do terreno. É da alçada do poder público, tendo como norte os princípios da legalidade, publicidade e moralidade, praticar atos condizentes com a realidade, a fim de preservar a segurança das relações jurídica realizada com particulares. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 563 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Buscando na doutrina de Ricardo Fiuza, encontra-se que o dispositivo cuida da compra e venda de imóveis, na modalidade ad mensuram ou seja, quando o preço é fixado por medida de extensão ou se determinada a respectiva área. Há uma relação proporcional entre o preço e a dimensão atribuída ao imóvel. Verificada a inexatidão, compete ao comprador o direito de reclamar o complemento da área (ação ex empto), e, não sendo isso possível, o de promover a resolução do contrato (ação redibitória) ou requerer o abatimento proporcional ao preço (ação quanti minoris).

Excetuam-se os casos de referência às dimensões como meramente enunciativas, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ou quando o imóvel for vendido como coisa cheia e discriminada, mesmo não constando, de modo expresso, ter sido a venda realizada ad corpus ( ~ P e 32). A primeira exceção é presunção juris tantum e não valerá se o comprador provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio, operando-se a regra geral (caput do artigo). A segunda tem o escopo da lucidez de Augusto Zenun, quando refere ser inadmissível entender-se como venda ad mensuram aquela em que o preço não for unitário, a compreender o seu resultado final, a quantidade, optando-se pela venda ad corpus quando contenha o contrato as divisas e confrontações do imóvel (ou seja, coisa ceia e discriminada).

Diversamente, a venda ad corpus é aquela que para a fixação do preço considera o imóvel em sua totalidade (corpus), um todo concebido por suas confrontações ou limites, sem o concurso influente do significado de sua extensão.

O § 2º é inovação relevante, sob inspiração do CC italiano, suprimindo a omissão do CC de 1916, a considerar o excesso de área e a não-ciência do vendedor sobre a medida exata da área vendida. Como elementos fáticos autorizadores para a completude do preço ou da devolução do excesso, a inibir, assim, o enriquecimento sem causa, como elementos fáticos autorizadores para a completude do preço ou da devolução do excesso, a inibir, assim, o enriquecimento sem causa do adquirente. Vence, por igual, a dissensão doutrinária, repelindo a tese de o comprador não obrigar-se a repor o preço correspondente, diante de a declaração de quantidade constituir garantia para o comprador (ad utilitatem emptoris) e não para o vendedor, defendida por Washington de Barros Monteiro. (Augusto Zenun. Da compra e venda e da troca. Rio de Janeiro, Forense, 2001 (p. 34-5) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 268, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na relevância de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a venda de imóvel se faz em uma das duas modalidades: ad corpus ou ad mensuram conforme a relevância que se dê à sua área.

Na venda ad corpus o imóvel é vendido segundo suas características, confrontações ou denominação. A referência às dimensões não descaracteriza a venda ad corpus se não tem a função de condicionar o preço (referência meramente enunciativa – art. 500, §§ 1º e 3º).

Na venda a mensura: a área do imóvel é o elemento determinante do preço. Exemplos: venda de área determinada de terreno; contrato no qual o preço é proporcional às dimensões do terreno vendido (ex.: R$ 100,00 por metro quadrado).

Interesse prático da diferenciação: na venda ad corpus a diferença entre as dimensões reais do imóvel e as que o comprador presumiu que ele tivesse não lhe conferem direito de ação, salvo se configurado erro ou lesão. Na venda ad mensuram, se a diferença for superior a 1/20 (art. 500, § 1º), o comprador tem as seguintes alternativas: a) resolver o contrato; b) exigir o complemento da área; c) pedir o abatimento proporcional do preço (art. 500, caput). Se, ao invés de falta, houver excesso de área, o comprador deverá completar o preço ou devolver a parte excedente (art. 500, § 2º). (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Art. 501. Decai do direito de propor as ações previstas no artigo antecedente o vendedor ou o comprador que não o fizer no prazo de um ano, a contar do registro do título.

Parágrafo único. Se houver atraso na imissão de posse no imóvel, atribuível ao alienante, a partir dela fluirá o prazo de decadência.

Na esteira de Nelson Rosenvald, respeitando a diretriz da operabilidade, em que se apresentam os prazos de prescrição situados nos CC 205 e 206 e os prazos decadenciais espalhados por todo o corpo do diploma, o legislador enfoca um novo prazo de decadência: um ano a contar do registro de compra e venda. Trata-se da perda pelo comprador do direito potestativo de exigir a complementação da área, da resolução contratual e do abatimento do preço. O mesmo prazo de caducidade é fatal para o comprador optar entre a complementação do preço e a devolução do excesso nas hipóteses de aquisição ad mensuram a maior.

O parágrafo único disciplina que o início da contagem do prazo decadencial será transferido para a data da imissão de posse pelo comprador quando o vendedor for o responsável pela demora na entrega da coisa àquele que adquiriu e já havia registrado a propriedade. Cuida-se de hipótese de impedimento ao curso da decadência (CC. 207), de claro cunho eticizante, pois o proprietário só poderá conhecer as reais dimensões do imóvel a partir do momento em que ingressar em sua posse. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 566 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 11/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Há um histórico apresentado por Ricardo Fiuza. Diz que o presente dispositivo foi objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados no período inicial de tramitação do projeto para inclusão do parágrafo único, ausente na redação do anteprojeto elaborado pelo professor Agostinho de Arruda Alvim. Os prazos de decadência devem ser contados, em regra, a partir de fatos ou atos determinados ou facilmente determináveis no tempo. O registro preenche esse requisito, razão pela qual é a partir dele que o dispositivo faz fluir o prazo de decadência, enquanto que a imissão de posse pode estar sujeita a dúvidas, gerando dificuldades ao aplicador da norma.

Na apresentação de sua doutrina, expõe Fiuza ser o prazo decadencial o estabelecido para as ações referidas no artigo antecedente. Bem assinalou o Prof. Miguel Reale, em sua Exposição de Motivos do Anteprojeto (16.1.1975): “Prescrição e decadência não se extremam segundo rigorosos critérios lógico-formais, dependendo sua distinção, não raro, de motivos de conveniência e utilidade social, reconhecidos pela política legislativa. Para pôr cobro a uma situação deveras desconcertante, optou a Comissão por uma fórmula que espanca quaisquer dúvidas. Prazos de prescrição, no sistema do Projeto, passam a ser, apenas e exclusivamente, os taxativamente discriminados na Parte Geral. Título IV, Cap. I, sendo de decadência todos os demais, estabelecidos, em cada caso, i. é, como complemento de cada amigo que rege a matéria, tanto na Parte Geral como na Especial”. A propósito, o presente artigo, ao estabelecer o prazo decadencial de um ano, rompe o sistema antigo do CC de 1916, que tratava da matéria em sede do art. 177 (prazo prescricional das ações pessoais em vinte anos).

O parágrafo único constitui exceção ao prazo decadencial contado a partir do registro do título. Tem lugar a exceção, quando, por inexecução da obrigação ou por qualquer atraso da parte do alienante, demorar o comprador a imitir-se na posse no imóvel, situação fática comprometedora daquele prazo apurado pelo registro do título aquisitivo. Regra-se, desse modo, o cômputo do prazo decadencial, a partir da imissão de posse no imóvel. Miguel Reale, O Projeto do Novo Código Civil, 2. ed. rev. e atual., São Paulo, Saraiva, 1999 (p. 67). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 268, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 11/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Os comentários de Marco Túlio, recaem, exclusivamente sobre o artigo anterior, art. 500, onde o prazo para o exercício das ações previstas é de um ano, a contar do registro do título, salvo se houver atraso da imissão da posse atribuível ao alienante. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 11.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 10 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 497, 498 - Continua - Da compra e Venda - Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 497, 498 - Continua
- Da compra e Venda - Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção I – Disposições Gerais –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública:

I – pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração;

II – pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem ou que estejam sob sua administração direta ou indireta;

III – pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua autoridade;

IV – pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam encarregados.

Parágrafo único. As proibições deste artigo estendem-se à cessão de crédito.

Na visão de Nelson Rosenvald, o artigo em exame enuncia cinco situações em que o negócio jurídico compra e venda será sancionado como nulo pela ausência de legitimação para a sua prática.

A capacidade de fato é o elemento tradicional de validade para a prática de negócios jurídicos em sentido genérico. Permite-se adquirir direitos e contrair obrigações pessoalmente, sem a necessidade de interposição de uma terceira pessoa (curador ou tutor).

Nada obstante, para a prática de determinados negócios, a capacidade de gozo é insuficiente à validade do ato, sendo necessária uma especial legitimação para que o titular possua poder de disposição sobre os interesses em jogo. Normalmente, o legislador demanda a legitimação para proibir a prática de negócios jurídicos entre determinadas pessoas, com a finalidade de proteger os próprios contratantes e terceiros.

Especificamente no contrato de compra e venda, certas pessoas são livres para praticar negócios jurídicos com qualquer um na sociedade, exceto com determinadas pessoas cujos interesses éticos ou patrimoniais podem ser conflitantes. A autonomia privada é limitada em razão de interesses funcionalizados à ordem pública.

Nas hipóteses que serão examinadas a seguir, a proibição de compra e venda abrange as aquisições em hasta pública. Apesar de a arrematação de bens em execução não ser considerada propriamente uma alienação, mas um ato de expropriação estatal, é nela que se verificariam as hipóteses mais comuns de desrespeito à necessária isenção que se demanda de todos aqueles a quem se refere o dispositivo.

O inciso I veda a aquisição por tutores, curadores, testamenteiros e administradores de bens confiados à sua guarda ou administração. Seria constrangedor que o sistema permitisse que os bens de incapazes fossem adquiridos por seus representantes, sob pena de vulneração da própria essência de tais institutos protetivos. A vedação é inferida ainda do CC. 1.749, I e 1.781. a situação se estende para todos aqueles que têm bens administrados por terceiros, mesmo capazes, pois há uma evidente colisão de interesses em qualquer forma de compra e venda do patrimônio que se propôs o representante a acautelar. Contudo, não se aplica o dispositivo a uma eventual compra e venda entre mandante e mandatário, tratando-se de representação convencional, a teor da Súmula n. 165, do Supremo Tribunal Federal.

Os incisos II e III retratam hipóteses semelhantes, quais sejam os servidores públicos de qualquer dos poderes, inclusive do Judiciário, além dos magistrados, que não poderão adquirir bens que estejam sob a sua esfera administrativa imediata. Qualquer entendimento contrário macularia a tutela da res pública e colocaria sob suspeita a necessária isenção que se exige de todos os agentes que exercem atividades públicas, em qualquer nível.

O inciso IV revela salutar inovação ao coibir a aquisição por leiloeiros e prepostos dos bens de cuja venda estejam encarregados. Essas pessoas são colaboradores da atividade judiciária, determinando a diretriz da eticidade que lhes sejam estendidas as mesmas vedações que atingem aqueles arrolados nos dois incisos anteriores.

Todas as proibições enfatizadas nos quatro incisos se estendem à cessão de crédito (parágrafo único). Não há dificuldades em compreender a correção da norma. A cessão se aproxima da compra e venda, pois o cedente transfere onerosa (venda) ou gratuitamente (doação) o seu crédito contra o cedido, tornando-se o cessionário o novo proprietário do crédito. Aqui se aplica o CC. 286, que impede a cessão quando assim o opuser a lei. Exemplificando: é impraticável a cessão de direitos hereditários pelo juiz com relação a um processo de inventário que está em tramitação na vara que preside.

Tendo em vista o nítido interesse de preservação da segurança jurídica que justifica a edição da norma, não podemos concordar com a restrição das hipóteses ao numerus clusus, com base em interpretação restritiva. Nossa interpretação é extensiva, alcançando a vedação qualquer forma de aquisição que envolva bens confiados à guarda e à administração de terceiros.

Por fim, todo o cuidado será pouco para a prevenção de condutas simulatórias que pretendam atingir vantagens econômicas por meio da prática dos aludidos negócios por pessoas interpostas oferecendo-se uma aparência que não corresponde à verdade. Não raramente surge a pessoa do testa-de-ferro para substituir na compra venda aquele que é privado da prática do referido negócio jurídico. A nulidade é a sanção para tais condutas (CC. 167, § 1º). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 562- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, as restrições legais impostas decorrem de preceitos éticos nas relações jurídicas, por razoes de ofício ou de profissão e, ainda, em face do princípio constitucional da moralidade na Administração Pública e, uma vez transgredidas, tornam o ato nulo pleno jure. Pondera, com maestria, Darcy Arruda Miranda: “A proibição se assenta em princípio de ordem moral, no sentido de resguardar a intangibilidade daquelas delicadas funções, visando, sobretudo, o interesse social. Previnem-se, com isso, possíveis abusos e tentações. É uma forma de incapacidade especial” v. § P do art. 690 do CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, arts. 892 e 895. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 266, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob o enfoque de Marco Túlio de Carvalho Rocha o dispositivo enumera situações que deslegitimam pessoas que se encontram em certas situações de participarem do contrato de compra e venda na qualidade de compradoras. São situações que conferem dever de guarda ou de conservação dos bens de terceiros e que, por isso, tornaria suspeitos negócios realizados por tais pessoas em seu próprio benefício. A sanção civil para tais negócios é a de nulidade absoluta. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 498. A proibição contida no inciso III do artigo antecedente, não compreende os casos de compra e venda ou cessão entre coerdeiros, ou em pagamento de dívida, ou para garantia de bens já pertencentes a pessoas designadas no referido inciso.

Dando sequência à visão de Marco Túlio, o artigo 498 cuida do caso de juízes ou auxiliares da justiça possuírem interesses em disputa no local onde servirem ou a que se estender a sua autoridade, para excepciona-lo da proibição que os deslegitima a adquirir bens nesses locais, como previsto no inciso III do artigo anterior. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Viajando na orientação de Nelson Rosenvald, o objetivo da norma é afastar a rigidez do artigo precedente em determinadas situações em que a aquisição é realizada pelo servidor público da Justiça, mas sem nenhum conflito de interesses com o múnus que exercita.

Cuida-se de três hipóteses perfeitamente compreensíveis nas quais a atividade pública não contamina a defesa das prerrogativas privadas dos ditos servidores: a) casos em que o servidor do Judiciário ou o magistrado são herdeiros e desejam adquirir cotas dos demais herdeiros (cessão) ou bens individualizados (compra e venda); b) hipóteses em que os servidores são credores em processo de execução e pretendam adjudicar bens em hasta pública como forma de pagamento dos débitos, ou os recebem em dação em pagamento; e c) por fim, poderão remir execuções a fim de proteger bens dados em garantia real em favor de terceiros que se tornaram inadimplentes. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 563- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entendimento de Ricardo Fiuza, são apontadas exceções às restrições contidas no artigo anterior, nas hipóteses que menciona, traduzindo-se estas na inexistência de interesses antagônicos. Muito ao revés, os interesses são próprios e não se conflitam com as fundadas razoes de proibição. Os coerdeiros, como condôminos, possuem interesses mútuos, diante da propriedade comum, buscando protege-la. o credor assume o seu papel, realizando o seu crédito. As pessoas designadas no inciso III não se acham impedidas, diante da hipótese elencada, uma vez que a compra e venda ou a cessão são realizadas para garantia de bens que já lhes são pertencentes. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 266, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).



segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 496 - Continua - Da compra e Venda - Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 496 - Continua
- Da compra e Venda - Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção I – Disposições Gerais –
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Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.

Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.

Como ilustra Nelson Rosenvald, na vigência do CC/1916, a venda do ascendente ao descendente sem o consentimento dos demais descendentes implicava nulidade. O dispositivo em apreço considera que o ato é passível de invalidação, mas por uma sanção diversa: a anulabilidade.

Nulidade e anulabilidade são espécies do gênero invalidade: aquela, mais grave, atingindo norma cogente, acautelando interesses de ordem pública. Já a anulabilidade é uma sanção à lesão a interesses particulares, visados em normas dispositivas. A conveniência do legislador ditará quais são as hipóteses de nulidade e anulabilidade. No atual Código Civil, outras hipóteses até então sancionadas como nulas se tornaram meramente anuláveis, como a previsão do casamento celebrado por autoridade incompetente (art. 1.550, VI). A contrario sensu, casos de anulabilidade se converteram em hipóteses de nulidade, como a simulação (CC. 167).

Na espécie, parece-nos que andou bem o legislador. A alienação do ascendente a um descendente sem que exista o consentimento dos outros é uma situação que atende exclusivamente aos interesses patrimoniais da família, sendo excessiva a imposição da nulidade.

Em comparação ao negócio nulo, as consequências mais evidentes do novo regime de anulabilidade seriam as seguintes: a) possibilidade de ratificação do ato pelos familiares, por posterior assentimento (CC. 176); b) imposição de prazo decadencial de dois anos para o exercício do direito potestativo de desconstituição do negócio jurídico de compra e venda, a contar da data do contrato (CC. 179). Essa nova previsão legal retirou, inclusive, a eficácia da Súmula n. 494 do STF; c) impossibilidade de constatação do vício pelo juiz ou Ministério Público de ofício, havendo necessidade de ajuizamento de ação própria pelos interessados (demais descendentes e cônjuge) para a anulação do contrato (CC.168).

A outro giro, a finalidade da norma é o acautelamento das legítimas dos herdeiros necessários. Descendentes podem praticar negócios jurídicos de doação e compra e venda com ascendentes. A doação dispensa o consentimento dos demais descendentes, pois o controle de qualquer liberalidade apenas ocorrerá após a morte do doador por meio da colação (CC. 2003), restaurando-se a igualdade das legítimas dos herdeiros necessários.

Porém, pelo fato de a compra e venda não estar submetida à colação, faz-se necessária a autorização dos demais descendentes, justamente para que posam eles controlar eventuais artifícios e simulacros capazes de mascarar doações a um descendente em detrimento de outros.

Outra novidade é a necessidade de outorga do cônjuge do doador junto à dos descendentes. A explicação é singela: à medida que o cônjuge se converte em herdeiro necessário (CC. 1845), também não poderá ser privado da legítima, exceto por deserdação (CC. 1.961). como esclarece o parágrafo único, excepciona-se o regime da separação obrigatória, no qual o cônjuge jamais concorrerá com os descendentes em primeiro lugar na ordem de vocação hereditária. Ele sempre disputará a segunda colocação com os ascendentes (CC. 1.829).

Outra novidade é a necessidade de outorga do cônjuge do doador junto à dos descendentes. A explicação é singela: à meda que o cônjuge se converte em herdeiro necessário (CC 1.845), também não poderá ser privado da legítima, exceto por deserdação (CC.1961). como esclarece o parágrafo único, excepciona-se o regime da separação obrigatória, no qual o cônjuge jamais concorrerá com os descendentes em primeiro lugar na ordem de vocação hereditária. Ele sempre disputará a segunda colocação com os ascendentes (CC. 1.829).

Poder-se-ia indagar a razão pela qual não se dispensou também o consentimento do cônjuge no regime da separação convencional de bens, observando-se a fórmula do art. 1.687, que excluiu a necessidade de outorga no aludido regime de bens. Todavia, pensamos que o legislador foi coerente com o aspecto sucessório, no qual o cônjuge, no regime da separação convencional, sempre será herdeiro em primeiro lugar na ordem de vocação, ao lado dos descendentes (CC. 1.829, I).

Apesar da omissão do dispositivo, não raramente o ascendente procurará praticar uma compra e venda como outras pessoas ligadas ao descendente (v.g., sogro, nora). Nesses casos, parece-nos igualmente necessário o consentimento dos demais descendentes e cônjuge, sob pena de se inferir uma simulação através de venda a interposta pessoa, nos termos do CC. 167, § 1º, I.

Eventual doação a qualquer pessoa que não seja descendente ou cônjuge (CC. 544) não será tida como adiantamento de legítima, porém uma simples doação que será reputada como perfeita se não exceder a metade disponível no momento da liberalidade, caso em que haverá a nulidade do excesso (CC. 549).

O dispositivo também não enuncia as consequências da recusa da outorga pelos outros descendentes e cônjuge. Acreditamos que se aplica aqui o mesmo resultado do CC. 1.648. vale dizer que o magistrado suprirá a outorga quando a denegação for privada de motivação justificada, havendo evidencias da boa-fé dos contratantes. É uma forma de controle do abuso do direito potestativo do suprimento, preservando a função econômica e social do negócio jurídico. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 560-561 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Temos um Histórico e uma Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza. Segundo o histórico, a redação original do dispositivo tal como se apresentada no projeto era nos seguintes termos: “Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes expressamente houverem consentido”. Com as alterações implementadas por emenda substitutiva do Deputado Ernani Satyro à Emenda n. 390, revestiu-se da composição atual, com o acréscimo do parágrafo único e passando a exigir também o assentimento do cônjuge do alienante. A exigência do assentimento do cônjuge decorreu do fato dele ter sido erigido à condição de herdeiro em concorrência com os descendentes. Se o regime é o da separação obrigatória, não há direito de sucessão entre cônjuges. Mas não é só: o CC. 1.647, I, dispõe que nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta, alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis. Corresponde ao art. 1.132 do CC de 1916.

Quanto à Doutrina, o preceito objetiva, segundo observa Clóvis Beviláqua, “evitar que, sob color de venda, se façam doações, prejudicando a igualdade das legítimas”. Tal como previsto no art. 877 do Código Civil português, a alienação feita a filhos ou netos é anulável caso os outros filhos (ou netos) não a consintam, embora o diploma lusitano admita, diversamente, suscetível de suprimento judicial o consentimento quando não possa ser prestado ou recusado. No dispositivo, compreende-se a venda a descendente por interposta pessoa; também exigível a prova da simulação (STJ, 4~ T., REsp 71.545-RS, DJ de 29-11-1999).

A referência à anulabilidade da venda, faz cessar antigo dissidio jurisprudencial a respeito: Pela Sumula 404 do STF, de 3-10-1969, com origem no RE 59.417, fixou-se o entendimento da nulidade pleno jure, como decidido, ainda, pelo STJ ao REsp 10.038-MS, de 21-5-1991, por fraude à lei diante da literalidade do texto do art. 1.132, do CC de 1916, e, mais adiante, não admitida pelo REsp 977-0-1’- (DJ de 27-3-1995), com brilhante voto do Min. Sálvio de figueiredo Teixeira “(...) Sem embargo das respeitabilíssimas opiniões em contrário, na exegese do CC. 1.132 tem-se por anulável o ato da venda de bem a descendente sem o consentimento dos demais, uma vez: a) que a declaração de invalidade depende da iniciativa dos interessados; b) porque viável a sua confirmação; porque não se invalidará o ato se provado que justo e real o preço pelo descendente”. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 265, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Expandido o ensinamento, Marco Túlio de Carvalho Rocha alerta que o artigo 496 exige que o vendedor obtenha o assentimento de seu cônjuge e de seus descendentes para realizar venda a um destes.

O objetivo da regra é o de impedir que a venda seja simulada para dissimular negócio benéfico uma vez que o direito brasileiro estabelece limite para doar quando o doador possui herdeiros necessários, como forma de proteger a parte do patrimônio do doador correspondente à metade de seus bens e denominada legítima. O texto é por demais sucinto e deixa abertas muitas lacunas a serem preenchidas mediante interpretação.

A primeira diz respeito à necessidade de outorga conjugal dos cônjuges dos descendentes chamados a anuir na alienação feita pelo ascendente comum a um deles. De acordo com a literalidade do dispositivo, não, pois ele somente exige a anuência do cônjuge do alienante e de seus descendentes. A justificativa é que somente estes são herdeiros necessários. Os cônjuges dos descendentes não são herdeiros e, por isso, a concordância deles não é necessária para a validade do negócio.

Outra dúvida é quanto à incidência da regra na venda realizada por sogro a genro ou nora, principalmente quando casados com o descendente do vendedor pelo regime de comunhão universal ou parcial de bens. O elemento literal não abrange esse tipo de negócio. O caso pode vir a ser de simulação, a fim de se esquivar da restrição imposta pelo artigo 496. A resposta sobre a validade de tal negócio sem a anuência dos demais descendentes impõe que seja avaliada a ocorrência de simulação que pode haver ou não. Se o negócio é realizado a preço de mercado, por exemplo, a simulação deve ser, a princípio, excluída.

No caso de ser civilmente incapaz o descendente chamado a anuir, o consentimento deve ser prestado por seu representante legal. Não há exigência legal de autorização judicial para tanto.

O dispositivo cuida apenas da venda de ascendente a descendente; não faz qualquer restrição à venda de descendente a ascendente, que, tanto quanto aquela, pode simular negócio gratuito, benéfico, lesivo à legítima. A falta de previsão legal dispensa a necessidade de anuência de terceiros na venda de descendente a ascendente. Eventuais prejuízos à legítima podem, no entanto, ser reparados pela via da nulidade por simulação se esta configurar-se.

Embora o dispositivo mencione a necessidade de anuência de descendentes, sem qualquer restrição, o elemento teleológico, ou seja, a finalidade de se proteger a legítima, dispensa a anuência de descendentes que não sejam herdeiros do alienante no momento em que se faz a alienação. Desse modo, o neto do alienante, cujo pai seja o herdeiro direto daquele não tem de anuir à venda. De outro lado, o neto do alienante, cujo pai é falecido no momento da alienação tem de anuir à venda, pois é herdeiro direito do alienante como representante do pai pré-morto.

Outra questão que se levanta é a possibilidade de anulação do negócio pelo descendente cujo vínculo de parentesco não havia ainda sido reconhecido no momento da alienação. Neste caso, embora a ação de reconhecimento de vínculo de filiação seja declaratória, a proteção à confiança e à boa-fé impedem que o filho que não era reconhecido à época do negócio possa requerer sua anulação por ausência de assentimento com base no artigo 496. Nada impedirá de buscar a nulidade por outros fundamentos, como a simulação, se os elementos dela estiverem presentes.

Tendo-se em vista a finalidade do dispositivo, ou seja, a proteção da legítima e prevenir que negócios gratuitos sejam dissimulados na forma de compra e venda, uma vez que esta se faça pelo preço de mercado, com o efetivo pagamento do preço, o negócio deixa de ser anulável. Por isso, entende-se que a anulabilidade da venda de ascendente a descendente por falta de consentimento dos demais descendentes ou do cônjuge do alienante seja uma presunção relativa de anulabilidade, que deixa de existir mediante a prova de ausência de prejuízo. Para o mesmo fim, invoca-se o CC. 533, II, por interpretação sistemática.

O suprimento judicial da autorização de descendente que se recusa injustamente a anuir ao negócio é possível, apesar de a lei não a mencionar, tendo-se em vista a finalidade da norma, i.é, o consentimento, neste caso, não é um direito meramente potestativo do descendente; está vinculado à proteção de seus direitos hereditários e, uma vez que o negócio não os prejudique, não pode ser negado.

O prazo para a anulação do negócio é de 2 anos a contar de sua realização, nos termos do CC. 179. Relativamente a negócios firmados antes da vigência do Código Civil de 2002, o prazo é de 20 anos a contar da realização do negócio, conforme a Súmula n. 494 do Supremo Tribunal Federal. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 09.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).