quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 502, 503, 504 - Da compra e Venda - Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 502, 503, 504
- Da compra e Venda - Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção I – Disposições Gerais –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 502. O vendedor, salvo convecção em contrário, responde por todos os débitos que gravem a coisa até o momento da tradição.

Para Nelson Rosenvald o dispositivo é um consectário lógico da própria posição dos contratantes diante da compra e venda: antes da tradição ou do registro a propriedade é do vendedor; após, transfere-se ao comprador (CC 1.245 e 1267). Assim, é natural que todos os débitos que onerem os bens moveis e imóveis sejam de exclusiva responsabilidade do seu titular. Nada obstante, a ressalva do caput indica que os contraentes podem dispor da norma, convencionando uma forma diversa de distribuição dos débitos, capaz de melhor atender aos seus interesses particulares.

Existe uma categoria que não se enquadra perfeitamente entre os direitos reais e os direitos obrigacionais. São as obrigações propter rem ou obrigações mistas. Como diz a própria denominação, são obrigações que recaem sobre uma pessoa pelo fato de ser titular de um direito real, sendo transferidas imediatamente a quem quer que lhes suceda nessa posição. Daí também serem conhecidas como obrigações ambulatórias. Adimplir o imposto predial urbano, imposto territorial rural, imposto de propriedade de veículos e o condomínio do prédio é uma obrigação que recai sobre o titular da propriedade. Todavia, em caso de tradição do bem móvel ou registro do bem imóvel, eventuais débitos anteriores recairão sobre o novo proprietário, pois as ditas obrigações incidem sobre a coisa em si e não sobre as pessoas que contraíram os débitos. Certamente haverá o direito de regresso perante o alienante sobre os valores relativos ao período anterior à tradição.

Aliás, a nosso viso, caso o comprador entre na posse efetiva do imóvel e esse fato seja de conhecimento dos demais condôminos, assumirá os débitos condominiais mesmo que não tenha efetivado o registro. Não seria justo manter a responsabilidade do vendedor – que já transferiu todas as faculdades da propriedade ao comprador – simplesmente em razão da recusa do comprador de se desincumbir do ônus do registro. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 566 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 11/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sob o viso de Fiuza, o dispositivo torna indene o comprador quanto aos débitos que gravem a coisa, antes de recebe-la. Dissipa controvérsias jurisprudenciais, a exemplo da que admite obrigação ao promitente-comprador de imóvel no tocante às despesas condominiais preexistentes à tradição. A responsabilidade somente lhe será atribuída havendo cláusula contratual adversa. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 269, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 11/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No enfoque de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo sobre a responsabilidade dos contratantes pelo pagamento de dívidas relativas ao bem e tomada do momento da tradição como aquele que encerra a responsabilidade do vendedor é que determina o início da responsabilidade do comprador.

O referido dispositivo não tem eficácia perante terceiros, em razão do princípio da relatividade do contrato. Em razão disso, o comprador pode vir a ser cobrado por dívidas propter rem, i. é, aquelas que acompanham a coisa e que obrigam o adquirente, tais como os débitos condominiais e as dívidas tributárias relativas ao bem. Do mesmo modo, o imóvel continua a garantir dívidas que o gravem como garantia real. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 11.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 503. Nas coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma nãoautoriza a rejeição de todas.

A expressão “coisas vendidas conjuntamente”, sob o viso de Nelson Rosenvald, pode ser entendida de duas formas: isoladamente ou em conexão com o restante da norma. Vista isoladamente, traduziria a impossibilidade de aplicação do modelo do vício redibitório para qualquer situação em que uma pessoa compra vários bens conjuntamente quando singularmente poderiam ser adquiridos de forma separada. Assim, se alguém compra trinta garrafas de vinho e uma delas é visivelmente impropria para o consumo, somente aquela será rejeitada e não as demais.

A interpretação não é equivocada, até mesmo pelo fato de o vício não desvalorizar ou inutilizar os demais objetos que foram adquiridos na mesma ocasião. Contudo, parece-nos que o legislador quis se referir aos bens alienados em conjunto como universalidades.

A universalidade do direito é o complexo de relações jurídicas de uma pessoa, dotado de valor econômico (CC. 91), como a cessão de herança (CC 1.793). já a universalidade de fato é um conjunto de bens homogêneos e indivisíveis pela sua própria natureza econômica (CC. 258). Seria o caso da aquisição de um rebanho ou de uma biblioteca.

Em todos esses casos, a causa da compra e venda está ligada ao conjunto de bens e não individualmente a cada um dos objetos que compõem o acervo. A aquisição conjunta da universalidade não se deu acidentalmente, mas é a própria razão determinante do negócio jurídico, que provavelmente não se realizaria caso os objetos fossem fracionados.

Essa interpretação se coaduna com a vedação da parte final do dispositivo à reclamação pelos vícios redibitórios. Com efeito, o vendedor garantirá a existência da universalidade, mas não a qualidade jurídica ou material de cada um dos objetos que integram o conjunto, inexistindo garantia contra a evicção ou vícios redibitórios.

Contudo, se os bens defeituosos se avultam ou se o vício de um deles provoca efetivamente uma depreciação significativa do conjunto, entendemos que poderá o comprador rescindir o negócio jurídico com base na ação redibitória ou postular o abatimento do preço (ação quanti minoris) sob pena de lesão ao princípio da proporcionalidade. de fato, sendo a razão da compra a própria importância do conjunto, caso os vícios se mostrem substanciais, toda a finalidade do negócio será desvirtuada. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 567 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 11/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na posição apresentada por Ricardo Fiuza, o dispositivo complementa os preceitos do CC 441 e seguintes. O vício redibitório nas coisas vendidas em conjunto não autoriza a rejeição de todas, se apenas uma apresenta o defeito oculto, em se tratando de coisa singular e individualmente considerada. Mas se o defeito de uma comprometer o complexo das coisas que formem um todo incindível, pela interdependência entre elas (v.g., uma obra com sua unidade ideológica em vários tornos, um par de sapatos), o vendedor responderá integralmente pelo vício. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 269, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 11/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No dizer de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo cuida das vendas conjuntas, i. é, quando o objeto da venda é composto de uma multiplicidade de bens com individualidade própria. Exemplo: vários animais, produtos agrícolas, ou bens industriais. Assim, o fato de haver uma laranja estragada na venda de uma dúzia não justifica a rejeição das 11 restantes que não apresentem defeito. O comprador tem direito à resolução contratual ou ao abatimento do preço proporcionalmente ao valor do bem defeituoso em relação ao todo.

Solução diversa impõe-se no caso de vendas coletivas, que ocorrem quando as coisas vendidas constituem um todo. Exemplos: parelha de cavalos, junta de bois, par de botinas (Beviláqua, Código Civil, v. 4, p. 315). Desse modo, a falta de uma única peça de um jogo de jantar para muitas pessoas autoriza o pedido de resolução contratual, pois o defeito de uma prejudica todo o conjunto. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 11.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de centro e oitenta dias, sob pena de decadência.

Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem iguais, haverão a parte vendida aos comproprietários, que a quiserem, depositando previamente o preço.

No entendimento de Nelson Rosenvald, qualquer condômino pode alienar a sua parte ideal da propriedade, tendo em vista a sua condição de exclusiva titularidade de uma fração ideal da coisa, que lhe permite agir soberanamente. Mesmo nos bens indivisíveis, essa faculdade de disposição é preservada, eis que a propriedade sobre uma parte abstrata concede ao titular o poder de exercer todas as prerrogativas compatíveis com a indivisão, apenas com a inerente limitação quanto à posse, uso e gozo da coisa (CC 1.314, parágrafo único).

Todavia, ao conceder aos demais condôminos o direito de preferencia para o ato da venda da fração ideal, o legislador pretendeu conciliar os objetivos particulares do vendedor com os da comunidade de coproprietários. Certamente será mais cômodo manter a propriedade entre os titulares originários, evitando desentendimentos com a entrada de um estranho no grupo. Os consortes serão interpelados para o exercício da preferência.

Entretanto, vulnerado o direito de preferência, adiante da imediata alienação do bem ao terceiro adquirente, sobejará aos condôminos prejudicados o exercício do direito potestativo à adjudicação da fração alienada, sendo suficiente o depósito do valor correspondente ao preço da venda, no prazo decadencial de cento e oitenta dias. Nesse prazo a propriedade adquirida pelo terceiro terá natureza resolúvel, pois estará sujeita à atuação dos demais condôminos (CC 1.359).

Caso dois ou mais condôminos ofereçam o preço ajustado, prevalecerá a aquisição em favor daquele que preencher os requisitos sucessivos descritos no parágrafo único do artigo. Caso nenhum dos licitantes possua vantagens sobre os outros, a solução do legislador será a aquisição equitativa por todos os interessados qe realizarem o depósito, provocando a ampliação do condomínio.

O CPC/1973, art. 1.112, V, correspondendo hoje ao art. 725 no CPC/2015, regula a ação do condômino que deseja vender a sua fração ideal facultando o exercício, antes da venda, do direito de preferência. Nesse procedimento especial de jurisdição voluntária, as mesmas regras quanto ao exercício da preferência são respeitadas (CPC/1973, art. 1.118, sem correspondente no CPC/2015).

Considerando a natureza da herança de bem indivisível (CC 1.791, parágrafo único), o Código Civil de 2002 dirimiu antiga controvérsia e se posicionou abertamente pela necessidade de concessão de direito de preferência ao coerdeiro em caso de cessão de direitos hereditários, com fixação de prazo decadencial de cento e oitenta dias para o exercício do direito potestativo à desconstituição do negócio jurídico (CC 1.794 e 1795).

Por fim, insta acentuar que o Código nada especifica sobre a espécie de invalidade do ato resultante da alienação do imóvel a terceiro sem a observância do direito de preferência. A nosso aviso, cuida-se de anulabilidade, pois o negócio jurídico será objeto de ação desconstitutiva, de iniciativa exclusiva dos demais condôminos, com fixação de prazo decadencial sob pena de sanação do vício.

Contudo, há aqueles que defendem a existência de um tertium genus, intermediário entre a nulidade e anulabilidade, que seria a nulidade relativa. Com base na antiga lição de Gondim Filho, defende-se que seria ela uma infração à norma de ordem cogente, em relação à qual só estariam legitimadas para atacar o ato determinadas pessoas indicadas pela norma, em prazo decadencial fixado em lei. A lição se adaptaria à hipótese em apreço, pois temos uma norma cogente de caráter impositivo ao proprietário, que adota a expressão “não pode”. Seria algo distinto da anulabilidade, que não se refere a normas imperativas, mas somente àquelas de natureza dispositiva.

Apesar de estarmos diante de uma norma imperativa – pois o proprietário deverá seguir a exigência do legislador -, penso que não há a menor necessidade de recorrer a uma nova espécie de invalidade para qualificar situações que não se adaptem totalmente aos quadros teóricos da nulidade e da anulabilidade. Ora, utilize-se a nomenclatura nulidade relativa ou anulabilidade e as consequências serão as mesmas e sempre distintas daquelas atribuíveis à nulidade. Por isso, adotando a diretriz da operabilidade, tão cara a Miguel Reale, só haverá necessidade de construção de teorias e contribuições doutrinárias que possuam efetividade e vigor para a solução das demandas reais da sociedade. Qualquer raciocínio que se mantenha no plano das abstrações não poderá ser referendado pelo sistema. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 568 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 12/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No discorrer de Ricardo Fiuza, a regra atenta ao condomínio pro indiviso, assegura ao condômino o direito de preferência à aquisição de parte da coisa indivisível. Condomínio pro indiviso é aquele onde a coisa pertencente a mais de uma pessoa, por indivisão de direito, não é suscetível de divisão cômoda, por indivisão de fato, tendo cada condômino direito ideal e idêntico sobre a coisa, no seu todo e em cada parte. O condômino preterido em seu direito (~ P) exercerá ação de preferência ou de preempção, com depósito de valor do preço, no prazo decadencial, para anular a alienação a terceiro e alcançar a coisa para si. Resolve-se a concorrência condominial de interesses em favor do condômino que tiver benfeitorias de maior valor ou, inexistindo as daquele com maior quinhão. Possuindo os condôminos interessados quinhões iguais, todos haverão a parte vendida, depositando o valor correspondente ao preço. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 269, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 12/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Estudando com Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo cuida do direito de preferência do condômino na venda da fração ideal de condomínio comum ou ordinário. O referido direito de preferência não se aplica ao condomínio especial, extraordinário ou edilício. O direito de preferência do condômino somente existe na venda, não se aplica à doação nem à troca, sendo este um dos principais aspectos que justificam a distinção entre venda e troca.

O vendedor deve notificar os demais condôminos antes da venda a terceiro para que exerçam o direito de preferência. A notificação deve conter todos os dados do negócio, o preço e a forma de pagamento. A lei não demarca prazo para a resposta do condômino notificado. Deve lhe ser assegurado prazo razoável. Para imóveis, é costume o prazo de 30 dias. O prazo de 180 dias para o requerimento de adjudicação da fração pelo condômino preterido ou não notificado conta-se da data do negócio. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 12.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 499, 500, 501 - Continua - Da compra e Venda - Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.


 Direito Civil Comentado - Art. 499, 500, 501 - Continua
- Da compra e Venda - Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção I – Disposições Gerais –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 499. É lícita a compra e venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos da comunhão.

Vivenciando com Nelson Rosenvald, a partir do instante em que se rompe com o sistema privado patriarcal no qual a esposa era hipossuficiente e relativamente incapaz (até a edição do Estatuto da Mulher Casada de 1962), nada impede que duas pessoas iguais em direitos e obrigações possam manejar a sua autonomia privada e praticar o negócio jurídico de compra e venda com relação a todos os bens excluídos da comunhão.

Destarte, no regime da comunhão universal de bens não se cogitará em regra da compra e venda, pois, sendo o patrimônio total comum, não poderia o cônjuge adquirir aquilo que já lhe pertencesse em frações abstratas, nas quais cada comunheiro já poderia agir sobre o todo. Excepcionalmente, é possível a aquisição dos bens elencados no CC. 1.668. a título ilustrativo, o marido pode comprar da esposa os bens que ela recebeu da herança paterna com cláusula de incomunicabilidade.

No regime legal da comunhão parcial, a aquisição é possível sobre todos os bens que não se incluam nos aquestos. Estes são os bens adquiridos a título oneroso após o matrimonio (CC. 1.658). será livre a aquisição onerosa por qualquer dos cônjuges dos bens excluídos do acervo comum.

Já no regime de separação de bens há absoluta liberdade de aquisição de patrimônio pelos cônjuges, como se denota da leitura do CC. 1687.

No novel regime da participação final nos aquestos, um cônjuge não poderá adquirir do outro todos aqueles bens que foram obtidos pelo esforço do casal após o matrimonio (CC. 1.672). Já aqueles adquiridos isoladamente por qualquer dos cônjuges, mesmo que a título oneroso, pertencem ao patrimônio particular do cônjuge e podem ser objeto de alienação ao outro cônjuge (CC. 1673). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 563 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo Ricardo Fiuza, o dispositivo põe termo à antiga controvérsia doutrinária, originada da omissão do CC de 1916 a respeito da possibilidade da venda entre cônjuges. Excetuado o regime de comunhão universal de bens (Art. 1.667), pela obviedade do acervo comum, a demonstrá-la desarrazoada e sem qualquer préstimo, a lei considera lícita a venda, com a identidade de razões que de há muito admitiu a sociedade comercial entre os cônjuges. A crítica formulada por Caio Mário da silva Pereira fundou-se na circunstância de se constituir tal venda uma transgressão ao princípio leal da imutabilidade do regime de bens, hoje, aliás, atenuada pelo CC 1.639, § 2º) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 267, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Estudando com Marco Túlio de Carvalho Rocha, bens comuns somente existem no regime da comunhão universal e no da comunhão parcial de bens. No regime da separação de bens, cada cônjuge conserva seu patrimônio e, portanto, estão autorizados a vender e comprar bens um do outro. No regime da participação final nos aquestos, igualmente, cada cônjuge conserva seu próprio patrimônio até a dissolução da sociedade conjugal, quando se faz a apuração dos valores a serem pagos por um ao outro como compensação pelas aquisições que obteve durante o matrimonio. Neste regime, portanto, não há bens comuns e os cônjuges estão autorizados a vender e a comprar bens um do outro.

A estrutura patrimonial de ambos os regimes de comunhão é a mesma: tanto na comunhão universal quanto na comunhão parcial, os cônjuges conservam um acervo patrimonial próprio, incomunicável. Entre os dois acervos patrimoniais privativos de cada cônjuge há uma interseção em que se localizam os bens comuns. O dispositivo refere-se a esses bens. Somente eles não podem ser objeto de compra venda entre os cônjuges, uma vez que pertencem em igualdade de condições a ambos. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato, ou abatimento proporcional ao preço.

§ 1º. Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.

§ 2º. Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso.

§ 3º. Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus.

No frescor da sabedoria de Nelson Rosenvald o caput do artigo se refere à alienação onerosa de bens imóveis – terrenos – pela sua medida de extensão, com precisa determinação da área vendida. Trata-se da venda ad mensuram (conforme medida). Caso a medida real seja inferior àquela noticiada pelo vendedor quando da contratação, poderá o comprador exigir a complementação da área, a fim de obter a diferença entre o que lhe fora prometido e o efetivamente alienado. A actio empto é uma ação real que segue o rito comum.

Todavia, em certas circunstâncias a complementação não será viabilizada, eis que a área do imóvel terminou ou o excedente é de titularidade de outra pessoa. Nesses casos, abrem-se duas alternativas subsidiárias ao comprador: poderá exercitar o direito potestativo à resolução contratual com a devolução de todas as quantias pagas, além de indenização pelos danos decorrentes do negócio, ou então pleitear o abatimento proporcional no preço, mantendo o negócio jurídico sobre a área a menor.

Porém, se a falta de adequação entre as medidas originárias e a medição realizada posteriormente concluir pelo excesso de área do terreno, sendo provado que o equivoco foi proveniente de ignorância acerca do tamanho real do terreno, surgirão duas medidas alternativas ao alvedrio do comprador: poderá complementar o preço ou devolver o excesso. Ou seja, não se cogita de invalidação por erro, pois o ordenamento jurídico deseja a preservação do negócio. Cuida-se de inovação significativa, eis que no regime anterior o vendedor nada recebia, prevalecendo o enriquecimento injustificado.

Prosseguindo, o § 3º trata da venda ad corpus (de corpo inteiro). Aqui a metragem é dada de forma meramente enunciativa, pois o bem lhe foi vendido como área certa e precisamente individualizada por marcos geográficos e confrontações. Exemplificando: A vende uma fazenda a B anunciando que se trata de uma “área de 300 alqueires, confrontando os terrenos do Sr. Pedro da Silva e o córrego dos Macacos”. As confrontações sinalizadas demonstram o que se quis realmente alienar. Portanto, caberá ao magistrado interpretar as cláusulas dúbias com recurso aos métodos do CC 112 e 113.

Voltando à venda ad mensuram, preservando-se o que já expressava o Código Civil de 1916, o legislador entendeu que uma diferença de medição que acuse uma área menor de no máximo um vinte avos da área total não será motivo para a adoção das medidas expostas no caput, presumindo-se que a menção à metragem no corpo do contrato foi meramente enunciativa. Assim, se A vende a B uma área de 500 hectares e a real dimensão do terreno é de 475 hectares, o inadimplemento mínimo não justificaria a adoção de medidas judiciais desproporcionais.

De qualquer forma, é nítido que a diferença inferior a 5% da área total gere uma presunção de que a venda foi ad corpus. Todavia, inovando com relação ao Código Beviláqua, a presunção não é mais absoluta, e sim, relativa. Com efeito, poderá o comprador provar que, se fosse devidamente informado sobre a área do terreno, não teria realizado o negócio jurídico. Parece-nos que a solução é sábia, haja vista acautelar a boa-fé do comprador que precisava de uma área específica para realizar determinado investimento e possui condições de provar que mesmo uma pequena diferença é fundamental naquela situação. O legislador, mais uma vez, adotou a diretriz da concretude, para retratar a pessoa em suas circunstâncias, buscando considera-la em seu contexto e realidade específica.

O art. 500, tanto no que tange à venda ad mensuram como à ad corpus, não se aplica às alienações em hasta pública. De acordo com a doutrina, a garantia em arrematações e adjudicações seria restrita ao fenômeno da evicção (CC 477), pois nas vendas de terrenos com alterações de dimensões incidiria regime semelhante ao dos vícios redibitórios, mas normatizado por disciplina especial.

Todavia, poderíamos indagar se o art. 500 aplicar-se-ia às alienações em hasta pública. Entendemos que sim, a despeito da larga publicidade existente ao redor da hasta pública, permitindo ao interessado, inclusive, a feitura de um minucioso exame do bem antes da venda, diminuindo consideravelmente a possibilidade de o vício do imóvel permanecer oculto. Não obstante o silêncio do legislador no que tange ao CC 447, aduzindo tão somente a evicção, a imperiosa se faz uma interpretação ampliativa, a fim de abarcarmos o vício redibitório. De fato, justamente em virtude da ampla publicidade da hasta pública, existe uma presunção de conhecimento do comprador quanto às reais dimensões do imóvel. Mas trata-se de uma presunção relativa. Ao adquirente, no caso concreto, incumbe o ônus probatório do desconhecimento das dimensões do terreno. É da alçada do poder público, tendo como norte os princípios da legalidade, publicidade e moralidade, praticar atos condizentes com a realidade, a fim de preservar a segurança das relações jurídica realizada com particulares. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 563 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Buscando na doutrina de Ricardo Fiuza, encontra-se que o dispositivo cuida da compra e venda de imóveis, na modalidade ad mensuram ou seja, quando o preço é fixado por medida de extensão ou se determinada a respectiva área. Há uma relação proporcional entre o preço e a dimensão atribuída ao imóvel. Verificada a inexatidão, compete ao comprador o direito de reclamar o complemento da área (ação ex empto), e, não sendo isso possível, o de promover a resolução do contrato (ação redibitória) ou requerer o abatimento proporcional ao preço (ação quanti minoris).

Excetuam-se os casos de referência às dimensões como meramente enunciativas, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ou quando o imóvel for vendido como coisa cheia e discriminada, mesmo não constando, de modo expresso, ter sido a venda realizada ad corpus ( ~ P e 32). A primeira exceção é presunção juris tantum e não valerá se o comprador provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio, operando-se a regra geral (caput do artigo). A segunda tem o escopo da lucidez de Augusto Zenun, quando refere ser inadmissível entender-se como venda ad mensuram aquela em que o preço não for unitário, a compreender o seu resultado final, a quantidade, optando-se pela venda ad corpus quando contenha o contrato as divisas e confrontações do imóvel (ou seja, coisa ceia e discriminada).

Diversamente, a venda ad corpus é aquela que para a fixação do preço considera o imóvel em sua totalidade (corpus), um todo concebido por suas confrontações ou limites, sem o concurso influente do significado de sua extensão.

O § 2º é inovação relevante, sob inspiração do CC italiano, suprimindo a omissão do CC de 1916, a considerar o excesso de área e a não-ciência do vendedor sobre a medida exata da área vendida. Como elementos fáticos autorizadores para a completude do preço ou da devolução do excesso, a inibir, assim, o enriquecimento sem causa, como elementos fáticos autorizadores para a completude do preço ou da devolução do excesso, a inibir, assim, o enriquecimento sem causa do adquirente. Vence, por igual, a dissensão doutrinária, repelindo a tese de o comprador não obrigar-se a repor o preço correspondente, diante de a declaração de quantidade constituir garantia para o comprador (ad utilitatem emptoris) e não para o vendedor, defendida por Washington de Barros Monteiro. (Augusto Zenun. Da compra e venda e da troca. Rio de Janeiro, Forense, 2001 (p. 34-5) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 268, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na relevância de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a venda de imóvel se faz em uma das duas modalidades: ad corpus ou ad mensuram conforme a relevância que se dê à sua área.

Na venda ad corpus o imóvel é vendido segundo suas características, confrontações ou denominação. A referência às dimensões não descaracteriza a venda ad corpus se não tem a função de condicionar o preço (referência meramente enunciativa – art. 500, §§ 1º e 3º).

Na venda a mensura: a área do imóvel é o elemento determinante do preço. Exemplos: venda de área determinada de terreno; contrato no qual o preço é proporcional às dimensões do terreno vendido (ex.: R$ 100,00 por metro quadrado).

Interesse prático da diferenciação: na venda ad corpus a diferença entre as dimensões reais do imóvel e as que o comprador presumiu que ele tivesse não lhe conferem direito de ação, salvo se configurado erro ou lesão. Na venda ad mensuram, se a diferença for superior a 1/20 (art. 500, § 1º), o comprador tem as seguintes alternativas: a) resolver o contrato; b) exigir o complemento da área; c) pedir o abatimento proporcional do preço (art. 500, caput). Se, ao invés de falta, houver excesso de área, o comprador deverá completar o preço ou devolver a parte excedente (art. 500, § 2º). (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Art. 501. Decai do direito de propor as ações previstas no artigo antecedente o vendedor ou o comprador que não o fizer no prazo de um ano, a contar do registro do título.

Parágrafo único. Se houver atraso na imissão de posse no imóvel, atribuível ao alienante, a partir dela fluirá o prazo de decadência.

Na esteira de Nelson Rosenvald, respeitando a diretriz da operabilidade, em que se apresentam os prazos de prescrição situados nos CC 205 e 206 e os prazos decadenciais espalhados por todo o corpo do diploma, o legislador enfoca um novo prazo de decadência: um ano a contar do registro de compra e venda. Trata-se da perda pelo comprador do direito potestativo de exigir a complementação da área, da resolução contratual e do abatimento do preço. O mesmo prazo de caducidade é fatal para o comprador optar entre a complementação do preço e a devolução do excesso nas hipóteses de aquisição ad mensuram a maior.

O parágrafo único disciplina que o início da contagem do prazo decadencial será transferido para a data da imissão de posse pelo comprador quando o vendedor for o responsável pela demora na entrega da coisa àquele que adquiriu e já havia registrado a propriedade. Cuida-se de hipótese de impedimento ao curso da decadência (CC. 207), de claro cunho eticizante, pois o proprietário só poderá conhecer as reais dimensões do imóvel a partir do momento em que ingressar em sua posse. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 566 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 11/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Há um histórico apresentado por Ricardo Fiuza. Diz que o presente dispositivo foi objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados no período inicial de tramitação do projeto para inclusão do parágrafo único, ausente na redação do anteprojeto elaborado pelo professor Agostinho de Arruda Alvim. Os prazos de decadência devem ser contados, em regra, a partir de fatos ou atos determinados ou facilmente determináveis no tempo. O registro preenche esse requisito, razão pela qual é a partir dele que o dispositivo faz fluir o prazo de decadência, enquanto que a imissão de posse pode estar sujeita a dúvidas, gerando dificuldades ao aplicador da norma.

Na apresentação de sua doutrina, expõe Fiuza ser o prazo decadencial o estabelecido para as ações referidas no artigo antecedente. Bem assinalou o Prof. Miguel Reale, em sua Exposição de Motivos do Anteprojeto (16.1.1975): “Prescrição e decadência não se extremam segundo rigorosos critérios lógico-formais, dependendo sua distinção, não raro, de motivos de conveniência e utilidade social, reconhecidos pela política legislativa. Para pôr cobro a uma situação deveras desconcertante, optou a Comissão por uma fórmula que espanca quaisquer dúvidas. Prazos de prescrição, no sistema do Projeto, passam a ser, apenas e exclusivamente, os taxativamente discriminados na Parte Geral. Título IV, Cap. I, sendo de decadência todos os demais, estabelecidos, em cada caso, i. é, como complemento de cada amigo que rege a matéria, tanto na Parte Geral como na Especial”. A propósito, o presente artigo, ao estabelecer o prazo decadencial de um ano, rompe o sistema antigo do CC de 1916, que tratava da matéria em sede do art. 177 (prazo prescricional das ações pessoais em vinte anos).

O parágrafo único constitui exceção ao prazo decadencial contado a partir do registro do título. Tem lugar a exceção, quando, por inexecução da obrigação ou por qualquer atraso da parte do alienante, demorar o comprador a imitir-se na posse no imóvel, situação fática comprometedora daquele prazo apurado pelo registro do título aquisitivo. Regra-se, desse modo, o cômputo do prazo decadencial, a partir da imissão de posse no imóvel. Miguel Reale, O Projeto do Novo Código Civil, 2. ed. rev. e atual., São Paulo, Saraiva, 1999 (p. 67). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 268, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 11/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Os comentários de Marco Túlio, recaem, exclusivamente sobre o artigo anterior, art. 500, onde o prazo para o exercício das ações previstas é de um ano, a contar do registro do título, salvo se houver atraso da imissão da posse atribuível ao alienante. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 11.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 10 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 497, 498 - Continua - Da compra e Venda - Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 497, 498 - Continua
- Da compra e Venda - Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção I – Disposições Gerais –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública:

I – pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração;

II – pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem ou que estejam sob sua administração direta ou indireta;

III – pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua autoridade;

IV – pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam encarregados.

Parágrafo único. As proibições deste artigo estendem-se à cessão de crédito.

Na visão de Nelson Rosenvald, o artigo em exame enuncia cinco situações em que o negócio jurídico compra e venda será sancionado como nulo pela ausência de legitimação para a sua prática.

A capacidade de fato é o elemento tradicional de validade para a prática de negócios jurídicos em sentido genérico. Permite-se adquirir direitos e contrair obrigações pessoalmente, sem a necessidade de interposição de uma terceira pessoa (curador ou tutor).

Nada obstante, para a prática de determinados negócios, a capacidade de gozo é insuficiente à validade do ato, sendo necessária uma especial legitimação para que o titular possua poder de disposição sobre os interesses em jogo. Normalmente, o legislador demanda a legitimação para proibir a prática de negócios jurídicos entre determinadas pessoas, com a finalidade de proteger os próprios contratantes e terceiros.

Especificamente no contrato de compra e venda, certas pessoas são livres para praticar negócios jurídicos com qualquer um na sociedade, exceto com determinadas pessoas cujos interesses éticos ou patrimoniais podem ser conflitantes. A autonomia privada é limitada em razão de interesses funcionalizados à ordem pública.

Nas hipóteses que serão examinadas a seguir, a proibição de compra e venda abrange as aquisições em hasta pública. Apesar de a arrematação de bens em execução não ser considerada propriamente uma alienação, mas um ato de expropriação estatal, é nela que se verificariam as hipóteses mais comuns de desrespeito à necessária isenção que se demanda de todos aqueles a quem se refere o dispositivo.

O inciso I veda a aquisição por tutores, curadores, testamenteiros e administradores de bens confiados à sua guarda ou administração. Seria constrangedor que o sistema permitisse que os bens de incapazes fossem adquiridos por seus representantes, sob pena de vulneração da própria essência de tais institutos protetivos. A vedação é inferida ainda do CC. 1.749, I e 1.781. a situação se estende para todos aqueles que têm bens administrados por terceiros, mesmo capazes, pois há uma evidente colisão de interesses em qualquer forma de compra e venda do patrimônio que se propôs o representante a acautelar. Contudo, não se aplica o dispositivo a uma eventual compra e venda entre mandante e mandatário, tratando-se de representação convencional, a teor da Súmula n. 165, do Supremo Tribunal Federal.

Os incisos II e III retratam hipóteses semelhantes, quais sejam os servidores públicos de qualquer dos poderes, inclusive do Judiciário, além dos magistrados, que não poderão adquirir bens que estejam sob a sua esfera administrativa imediata. Qualquer entendimento contrário macularia a tutela da res pública e colocaria sob suspeita a necessária isenção que se exige de todos os agentes que exercem atividades públicas, em qualquer nível.

O inciso IV revela salutar inovação ao coibir a aquisição por leiloeiros e prepostos dos bens de cuja venda estejam encarregados. Essas pessoas são colaboradores da atividade judiciária, determinando a diretriz da eticidade que lhes sejam estendidas as mesmas vedações que atingem aqueles arrolados nos dois incisos anteriores.

Todas as proibições enfatizadas nos quatro incisos se estendem à cessão de crédito (parágrafo único). Não há dificuldades em compreender a correção da norma. A cessão se aproxima da compra e venda, pois o cedente transfere onerosa (venda) ou gratuitamente (doação) o seu crédito contra o cedido, tornando-se o cessionário o novo proprietário do crédito. Aqui se aplica o CC. 286, que impede a cessão quando assim o opuser a lei. Exemplificando: é impraticável a cessão de direitos hereditários pelo juiz com relação a um processo de inventário que está em tramitação na vara que preside.

Tendo em vista o nítido interesse de preservação da segurança jurídica que justifica a edição da norma, não podemos concordar com a restrição das hipóteses ao numerus clusus, com base em interpretação restritiva. Nossa interpretação é extensiva, alcançando a vedação qualquer forma de aquisição que envolva bens confiados à guarda e à administração de terceiros.

Por fim, todo o cuidado será pouco para a prevenção de condutas simulatórias que pretendam atingir vantagens econômicas por meio da prática dos aludidos negócios por pessoas interpostas oferecendo-se uma aparência que não corresponde à verdade. Não raramente surge a pessoa do testa-de-ferro para substituir na compra venda aquele que é privado da prática do referido negócio jurídico. A nulidade é a sanção para tais condutas (CC. 167, § 1º). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 562- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, as restrições legais impostas decorrem de preceitos éticos nas relações jurídicas, por razoes de ofício ou de profissão e, ainda, em face do princípio constitucional da moralidade na Administração Pública e, uma vez transgredidas, tornam o ato nulo pleno jure. Pondera, com maestria, Darcy Arruda Miranda: “A proibição se assenta em princípio de ordem moral, no sentido de resguardar a intangibilidade daquelas delicadas funções, visando, sobretudo, o interesse social. Previnem-se, com isso, possíveis abusos e tentações. É uma forma de incapacidade especial” v. § P do art. 690 do CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, arts. 892 e 895. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 266, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob o enfoque de Marco Túlio de Carvalho Rocha o dispositivo enumera situações que deslegitimam pessoas que se encontram em certas situações de participarem do contrato de compra e venda na qualidade de compradoras. São situações que conferem dever de guarda ou de conservação dos bens de terceiros e que, por isso, tornaria suspeitos negócios realizados por tais pessoas em seu próprio benefício. A sanção civil para tais negócios é a de nulidade absoluta. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 498. A proibição contida no inciso III do artigo antecedente, não compreende os casos de compra e venda ou cessão entre coerdeiros, ou em pagamento de dívida, ou para garantia de bens já pertencentes a pessoas designadas no referido inciso.

Dando sequência à visão de Marco Túlio, o artigo 498 cuida do caso de juízes ou auxiliares da justiça possuírem interesses em disputa no local onde servirem ou a que se estender a sua autoridade, para excepciona-lo da proibição que os deslegitima a adquirir bens nesses locais, como previsto no inciso III do artigo anterior. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Viajando na orientação de Nelson Rosenvald, o objetivo da norma é afastar a rigidez do artigo precedente em determinadas situações em que a aquisição é realizada pelo servidor público da Justiça, mas sem nenhum conflito de interesses com o múnus que exercita.

Cuida-se de três hipóteses perfeitamente compreensíveis nas quais a atividade pública não contamina a defesa das prerrogativas privadas dos ditos servidores: a) casos em que o servidor do Judiciário ou o magistrado são herdeiros e desejam adquirir cotas dos demais herdeiros (cessão) ou bens individualizados (compra e venda); b) hipóteses em que os servidores são credores em processo de execução e pretendam adjudicar bens em hasta pública como forma de pagamento dos débitos, ou os recebem em dação em pagamento; e c) por fim, poderão remir execuções a fim de proteger bens dados em garantia real em favor de terceiros que se tornaram inadimplentes. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 563- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entendimento de Ricardo Fiuza, são apontadas exceções às restrições contidas no artigo anterior, nas hipóteses que menciona, traduzindo-se estas na inexistência de interesses antagônicos. Muito ao revés, os interesses são próprios e não se conflitam com as fundadas razoes de proibição. Os coerdeiros, como condôminos, possuem interesses mútuos, diante da propriedade comum, buscando protege-la. o credor assume o seu papel, realizando o seu crédito. As pessoas designadas no inciso III não se acham impedidas, diante da hipótese elencada, uma vez que a compra e venda ou a cessão são realizadas para garantia de bens que já lhes são pertencentes. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 266, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).