sexta-feira, 11 de outubro de 2019


Direito Civil Comentado - Art. 565, continua
- Da Locação de Coisas – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo V – Da Locação de Coisas
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 565. Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.

Na ilustração de Nelson Rosenvald, no Direito Romano eram conhecidas três formas de locação: locatio conductio rei (locação de coisa); locatio conductio operarum (locação de trabalho humano); e locatio conductio operis (locação de obra).

Nesse sentido, o Código Civil de 1916, sob a rubrica “Da locação”, cuidava das três modalidades milenares de locação. Mas, com terminologia própria e adequada, o Código Civil de 2002 afasta as duas primeiras espécies de locação, convertendo-as aos contratos de prestação de serviço e empreitada.

Ademais, houve a unificação das locações civil e mercantil – esta anteriormente situada no Código Comercial de 1850 -, pois toda a matéria é agora versada no Capítulo V, do Título VI, do Livro “Do Direito das Obrigações”, relativo às várias espécies contratuais.

Significativa e a advertência do CC 2.036: “A locação de prédio urbano, que esteja sujeita à lei especial, por esta continua a ser regida”. Nesse ponto, há uma curiosidade. A norma geral remete à lei especial e esta, novamente, conduz ao Código Civil. Basta perceber que a locação de imóveis urbanos é tratada na Lei n. 8.245/91, sendo que logo em seu art. 1º, parágrafo único, adverte acerca das modalidades de locação que serão regidas pelo Código Civil e leis especiais (norma de reenvio).

Destarte, o Código Civil regula a locação de vagas autônomas de garagem; espaços destinados à publicidade; locação de apart-hotéis, hotéis-residência ou equiparados (além da aplicação de normas do CDC); e formas de locação que não tenham sido objeto de regulamentação por legislação própria.

Além de estabelecer normas genéricas para o tratamento de espaços legislativos olvidados por microssistemas – sobretudo quanto à locação de bens móveis em que não exista relação de consumo -, não se olvide de que subsidiariamente a lei civil também será aplicada àqueles casos de omissão na norma de regência específica.

Outrossim, excluem-se do Código Civil as locações de imóveis rurais (arrendamento rural, Lei n. 4.504/64 – Estatuto da Terra); locação de bens públicos (Decreto-lei n. 9.760/46); e o arrendamento mercantil (leasing), posto que é submetido à Lei n. 6.099/74 e resoluções do Banco Central.

Contudo, o Código Civil cuidou de delimitar o prazo prescricional trienal para o exercício da pretensão relativa ao pagamento de alugueis de prédios rústicos ou urbanos (CC 206, § 3º, I). Afastando-se da acepção ampla de locação tanto a prestação de serviço como a empreitada, restou conceituada no presente dispositivo a locação como o contrato pelo qual uma das partes, mediante contraprestação, concede à outra em caráter temporário o uso e gozo de coisa infungível.

Trata-se de contrato bilateral, gerando obrigações para ambas as partes (uso e gozo do bem em troca de retribuição pecuniária); oneroso, eis que os sacrifícios e vantagens são recíprocos; comutativo, sendo as prestações conhecidas e pré-estimadas pelas partes; e consensual, aperfeiçoando-se com o acordo de vontades, na medida em que a entrega da coisa não é pressuposto de existência, e sim fase de execução. Por fim, é contrato de duração, com execução sucessiva e renovada de prestações de dar quantia certa a cada período.

Como pressupostos de existência da locação temos: consenso dos sujeitos, coisa, temporariedade, remuneração, consensum, res, tempum pretium.

Os sujeitos do contrato são o locador (senhorio) e o locatário (inquilino). Em regra, o proprietário transmite a posse direta do bem ao locatário, reservando-se a posse indireta em razão da relação de direito obrigacional. Necessariamente não há coincidência entre a posição de locador e a de proprietário, pois mesmo um não proprietário poderá ceder o ouso e gozo da coisa em locação (sublocação) se não houver proibição contratual. Nesse caso, a posse será tripartida, cabendo a posse direta ao sublocatário e a posse indireta ao proprietário e àquele que cedeu a posse (v.g., usufrutuário que cede o exercício do usufruto a um terceiro – CC 1.393).

No condomínio, nenhum dos condôminos isoladamente poderá locar a coisa comum para terceiros sem o consenso dos outros (CC 1.314, parágrafo único). A restrição é coerente com a natureza do modelo jurídico: cada comproprietário detém uma fração ideal da coisa, que permite a sua disposição com exclusividade, mas a posse comum é de fruição de todos os condôminos, daí a necessidade do consentimento geral.

Cuidando-se de contrato consensual, é suficiente o acordo de vontades no tradicional esquema proposta/aceitação, sendo a tradição da coisa uma obrigação de coisa certa que recai sobre a pessoa do locador. Já no comodato, mútuo e depósito, a entrega da coisa é elemento de formação do negócio jurídico, tratando-se de contratos reais.

O objeto do contrato de locação será um bem móvel ou imóvel, consistente em coisa infungível e inconsumível, tendo em vista a necessidade de sua restituição ao locador, ao término do contato, com a manutenção de sua substância, preservando-se a essência. Ora, sendo os bens fungíveis e consumíveis passiveis de exaurimento, a sua cessão descaracterizaria a locação, conforme a acepção a eles conferida pelos CC 85 e 86.

A locação será contratada por prazo ou sem prazo. Em qualquer dos casos, a temporiedade é fundamental, pois a perpetuidade conduziria a uma espécie de enfiteuse, que não pode mais ser constituída a partir de 11 de janeiro de 2003 (CC 2.038)

O preço é um dos elementos essenciais da locação. Ao contrário da compra e venda, a vontade das partes quanto ao preço não importa em transmissão da propriedade, mas em cessão de posse. O aluguel é a contraprestação fundamental do locatário, a mais importante de suas obrigações. Se não houvesse a onerosidade, instalar-se-ia o comodato. A retribuição é explicada como compensação pecuniária ao proprietário que é privado da posse imediata da coisa e da percepção de seus frutos naturais e industriais. Daí servirem os pagamentos em dinheiro ou bem de outra espécie – como frutos civis, pouco importando se o locatário utiliza a coisa efetivamente ou não. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 612/613 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 11/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sob magistério de Ricardo Fiuza, tem-se o contrato de locação no CC/2002, em suas modalidades básicas, ser agora tratado, na espécie, em capítulos próprios. Versa o presente sobre o da locação de coisas – locatio rerum – CC 565 a 578. No tocante ao de serviços – locotio operarwn – (CC de 1.916, arts. 1.216 a 1.235), passou este constituir novo contrato nominado, o de prestação de serviços (CC 593 a 609), e o de execução de trabalho determinado, locação de obra ou empreitada, tem sua disciplina nos CC 610 a 626.

A locação predial urbana é regida pela Lei n. 8.245/91 (Lei do Inquilinato). A de prédios rústicos é regulada pelo Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/64, arts. 92 e ss.). O Decreto-lei n. 9.760/46 disciplina a locação dos próprios nacionais.

Pelo contrato de locação de coisas, uma parte transfere a posse do bem à outra, por prazo certo ou indeterminado, mediante retribuição ajustada. Trata-se de contrato oneroso, de relação continuativa, não exigindo forma solene.

Coisa não fungível ou infungível é aquela que não pode ser substituída por outra, ainda que da mesma espécie, qualidade e quantidade, a exemplo de uma obra artística. A retribuição ou remuneração, certa e determinada, pelo uso e gozo da coisa cedida é chamada de aluguel ou aluguer. As partes que integram o contrato são denominadas locador ou locutor (o que cede a coisa) e locatário ou conductor (o que usa e usufrui). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 301 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 11/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Pegando carona com Marco Túlio de Carvalho Rocha, segundo Orlando Gomes “Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante contraprestação em dinheiro, a conceder à outa, temporariamente, o uso e gozo de coisa não fungível” (Contratos, n. 210, p. 305).

A locação do direito romano deu origem aos seguintes contratos típicos, além da locação de coisas: a) prestação de serviços (CC 593 a 609); b) empreitada (CC 610 a 626); c) contrato de trabalho (Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT); d) transporte (CC 730 a 756).

Atualmente, o termo é utilizado para designar, exclusivamente, a locação de coisas: a) moveis (CC 565 a 578); b) imóveis urbanos (Lei n. 8.245/91); c) imóveis rústicos ou rurais (Lei n. 4.504/64 – Estatuto da Terra, art. 95).

Locação é contrato bilateral, oneroso, consensual, impessoal, de duração. As regras sobre o contrato de locação, estabelecidas no Código Civil, valem, na íntegra, para a locação de bens móveis. Com relação a bens imóveis, as referidas regras valem em caráter supletivo, i.é, vigoram na ausência de disciplina diversa na legislação especial.

Partes na locação são o locador e locatário (nas locações de imóveis urbanos empregam-se, igualmente, senhorio e inquilino). O locador não precisa ser proprietário da coisa, basta que seja possuidor, com direitos de uso e gozo.

O adquirente da coisa, por ato inter vivos só é obrigado a respeita a locação se houver previsão contratual e se o contrato tiver sido levado a registro (CC 576, § 1º). A locação por prazo determinado transmite-se aos herdeiros das partes (CC 577) (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 11.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 561, 562, 563, 564 - Da Revogação da Doação – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 561, 562, 563, 564
- Da Revogação da Doação – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo IV – Da Doação
Seção II – Da Revogação da Doação
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 561. No caso de homicídio doloso do doador, a ação caberá aos seus herdeiros, exceto se aquele houver perdoado.

No entendimento de Nelson Rosenvald, em boa hora foi corrigida uma histórica omissão. Enquanto na tentativa de homicídio o doador sobrevivente poderia ajuizar ação revocatória, no crime consumado doloso, no qual o donatário alcançava o seu intento, poder-se-ia cogitar do delito perfeito, pois o ordenamento não permitia a transmissão do direito de demandar aos herdeiros do doador falecido.

Essa perplexidade é sanada pelo presente dispositivo – em conexão com o acréscimo da parte final do art. 557, I -, permitindo que os herdeiros do de cujus promovam em nome próprio a ação de revogação da doação, preservando o interesse moral da família em compensar de alguma forma a violação aos seus direitos da personalidade. Por isso, é possível a cumulação do pleito desconstitutivo com a reparação pelo dano moral.

Pelo fato de a lide não assumir contornos patrimoniais, não apenas os herdeiros chamados à sucessão imediatamente poderão ajuizar a demanda contra donatário como também outros sucessíveis mais distantes, diante da omissão dos mais próximos.

Abre-se exceção no final do dispositivo, nos casos em que, antes de falecer como consequência do crime, o doador perdoa o donatário por escrito ou através de declaração testemunhada por pessoas próximas. Caberá ao donatário demonstrar a existência do aludido perdão com base na distribuição dos ônus probatórios (CPC/1973 art. 333, com correspondência no CPC/2015 art. 373) (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 609 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entendimento de Ricardo Fiuza, a regra decorre do inciso I do art. 557 (ver comentário). A impossibilidade material de o doador exercitar a ação faz transferir aos seus herdeiros a inciativa, certo que agora autorizada, com bastante lucidez. O homicídio frustro (tentativa) serve de causa revocatória, mas o exitoso não era previsto para a revogação, sob o pálio do direito personalíssimo do doador assassinado. O perdão do doador, todavia, elide a admissibilidade da demanda. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 299 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD

Na orientação de Marco Túlio de Carvalho Rocha, ao possibilitar a revogação da doação em razão de homicídio consumado do doador, cometido pelo donatário, previu o Código Civil de 2002 que os herdeiros do doador possam ajuizar a ação, mas se o doador tiver perdoado o donatário no interregno entre o fim dos atos de execução do crime e a superveniência da morte do doador, os herdeiros não poderão revoga-la. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 562. A doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo, se o donatário incorrer em mora. Não havendo prazo para o cumprimento, o doador poderá notificar judicialmente o donatário, assinando-lhe prazo razoável para que cumpra a obrigação assumida.

Do jeito como entende Rosenvald, o artigo trata do pressuposto para a revogação da doação onerosa na espécie com encargo. Existem outras espécies de doações onerosas (v.g., doação remuneratória), mas elas não se revogam por ingratidão, conforme ressalta o CC 564.

Se o doador fixou um prazo para o cumprimento do encargo pelo donatário, a mora é automática – mora ex re -, aplicando-se o brocardo dies interpelat pro homine, pois é dispensada qualquer forma de interpelação (CC 397).

Todavia, inexistindo termo, a mora é ex persona, sendo necessária a notificação judicial do donatário para que, dentro de prazo razoável, cumpra a obrigação. A locução “prazo razoável” será aferida pelas circunstâncias. Assim, um prazo de dez dias é suficiente para que o donatário realize a pintura de um apartamento, mas não é razoável para que ministre um curso de inglês ao filho do doador.

Na mora para os encargos sem termo assinalado não se aplicará o parágrafo único do CC 397, que permite ainda a constituição em mora pela via extrajudicial. A regra geral será afastada pela especialidade do preceito em comento.

Por fim, é sempre bom lembrar que a mora é a inexecução da obrigação no tempo, local ou forma ajustados (CC 393). Apesar de a dicção do artigo sugerir que na doação com encargo ela será apenas apreciada no aspecto temporal, prevalece a visão abrangente do instituto, possibilitando o ajuizamento da ação quando, Exemplificadamente, o donatário construir um cômodo de pequenas dimensões, quando o doador havia ajustado que o quarto seria amplo. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 609 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como explica a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a regra decorre da parte final do CC 555. Incorrendo em mora o donatário, sujeita-se ao desfazimento integral da doação, pronunciado judicialmente, não cabendo a revogação fora de juízo, por ato unilateral do doador.

A mora do donatário onerado opera-se pelo simples vencimento do prazo para o cumprimento, facultando ao doador a ação de resolução do contrato. Não existindo prazo clausulado, o donatário incidirá em mora, quando assinalando-lhe o doador prazo razoável para o adimplemento do encargo, este escoar sem que a obrigação seja cumprida. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 299 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Aprende-se com Marco Túlio de Carvalho Rocha que, se o contrato de doação estabelece prazo para o cumprimento do encargo, uma vez que este tenha sido atingido sem que o donatário tenha realizado a prestação que assumiu, fica caracterizada a mora segundo a regra dies interpelat pro homine. Não havendo prazo, deve o doador notificar o donatário, concedendo-lhe tempo razoável para cumprir o ônus. Embora o dispositivo faça referência à notificação judicial, considera-se válida a realizada por outros meios idôneos.

Caracterizada a mora do donatário para cumprimento do encargo, qual é o prazo para o doador requerer que a doação seja revogada? O CC 559 que fixa o prazo de 1 ano estabelece que o referido prazo refere-se a “qualquer desses motivos”. O Superior Tribunal de Justiça, interpretando o art. 1.184 do Código Civil de 1916, estabeleceu que os motivos a que se referia o dispositivo eram apenas os enumerados nos artigos antecedentes, ou seja, os motivos relacionados à revogação por ingratidão. Desse modo, a revogação por descumprimento de encargo restaria sem prazo e, portanto, a ela deveria ser aplicado o prazo geral de prescrição de 20 anos. O mesmo raciocínio, aplicado ao Código Civil de 2002, leva ao prazo de 10 anos para a revogação da doação por descumprimento de encargo, por ser este o prazo geral de prescrição previsto no CC vigente, embora a hipótese seja propriamente, de decadência (STJ, 3ª T., REsp 27.019-8-SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 14/6/93 (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 563. A revogação por ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por terceiros, nem obriga o donatário a restituir os frutos percebidos antes da citação válida; mas sujeita-o a pagar os posteriores, e, quando não possa restituir em espécie as coisas doadas, a indenizá-la pelo meio termo do seu valor.

Raciocinando na esteira de Nelson Rosenvald, quando se afirma que a revogação por ingratidão não prejudicará os direitos adquiridos por terceiros, não estamos apenas diante de uma opção legislativa pela tutela da aparência e da boa-fé dos terceiros que praticaram negócios jurídicos com aquele que ostentava a posição de proprietário.

Com efeito, tanto a revogação por ingratidão como a praticada por inexecução do encargo representam situações que se verificam na fase de execução contratual, não em sua gênese. Representam o inadimplemento de uma doação pelo descumprimento da obrigação principal do devedor (encargo), como pelo dever anexo de proteção (ingratidão), ofendendo o princípio da boa-fé objetiva.

Assim, ambas as formas de revogação representam a ineficácia superveniente de um negócio jurídico válido. Daí que serão preservados todos os direitos adquiridos por terceiros, na medida em que não se nulifica ou anula um negócio jurídico que é válido na origem. De fato, apenas a anulação do negócio restitui as partes ao estado em que se encontravam primitivamente (CC 182).

Ademais, o CC 1.360 consagra a propriedade ad tempus, diferenciando-a da propriedade resolúvel do CC 1.359. Naquela, a propriedade não está sujeita a termo ou condição, mas é potencialmente revogável em razão de evento superveniente (v.g., ingratidão e inexecução do encargo). Assim, o terceiro que a adquiriu “será considerado proprietário perfeito, restando à pessoa, em cujo benefício houve a resolução, ação contra aquele cuja propriedade se resolveu para haver a própria coisa ou o seu valor” (CC 1.360).

Quanto aos frutos recebidos pelo donatário, aplica-se à temática a mesma estrutura da divisão dos frutos conforme a boa-fé ou má-fé do possuidor (CC 1.214 a 1.216). Assim, antes da citação válida, o possuidor desconhece a demanda e mantém a boa-fé, sedo todos os frutos colhidos de sua propriedade. Porém, os frutos posteriores serão considerados pendentes e, portanto, devolvidos ao final da lide, caso julgada procedente a pretensão do doador.

A parte final do dispositivo esclarece que, na impossibilidade de restituição do bem in natura, por destruição, perda ou alienação, ficará obrigado o donatário a arcar com a indenização representativa de meio-termo do seu valor, como uma espécie de valor razoável entre o valor máximo e o mínimo encontrados no mercado no período em que o bem esteve com o donatário. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 610 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina de Ricardo Fiuza mostra que os direitos adquiridos por terceiros não são prejudicados, porquanto os efeitos da revogação não retroagem (ex nunc). O donatário é obrigado ao pagar os frutos percebidos, uma vez litigiosa a coisa pela citação válida (CPC/1972, art. 219, com correspondência no CPC/2015, art. 240), dispensando de restituir os anteriores àquele ato processual. O CC/2002 inova bem a matéria, obrigado o donatário a partir de quando formada a relação jurídico-processual e não mais quando instalada a lide pela contestação deste, como refere, com desacerto o CC de 1916.

Dar-se-á a indenização em caso de impossível restituição em espécie, como sucede por não prejudicar direitos de terceiros, apurando-se o quantum indenizatório pela média do valor que a coisa doada experimentou ao longo do período compreendido entre a liberalidade prestada e a revogação da doação. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 299 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o artigo aponta para a segurança das relações jurídicas e visando à proteção da boa-fé objetiva, não permitindo a lei que terceiros a quem o bem doado tenha sido transferido seja atingido por eventual revogação da doação. Não fica isento, no entanto, o donatário que tiver alienado o bem, pois fica obrigado a pagar ao doador o valor da coisa. O donatário fica obrigado, igualmente, a devolver os frutos percebidos após sua citação válida. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 564. Não se revogam por ingratidão:

I – as doações puramente remuneratórias;
II – as oneradas com encargo já cumprido;
III – as que se fizerem em cumprimento de obrigação natural;
IV -  as feitas para determinado casamento.

Na esteira de pensamento de Nelson Rosenvald, a norma prevê situações em que a doação não poderá ser revogada, não obstante tenha o donatário praticado uma das condutas vislumbradas no CC 557. A solução da lei se justifica, uma vez que as quatro hipóteses selecionadas retratam doações vinculadas a determinados objetivos do doador, ao contrário do que ocorre na doação pura.

Mas o fato de a norma vedar a revogação da doação nas referidas situações não implica total isenção de responsabilidade do donatário. Além de eventual sanção penal, poderá o doador – ou seus familiares quando vítimas ou sucessores – ajuizar ação de reparação pelo dano moral consequente à ofensa aos direitos da personalidade, além da indenização pelos danos materiais por prejuízos causados na órbita econômica.

As doações puramente remuneratórias são aquelas relacionadas a uma compensação ao donatário em virtude de serviços por ele realizados, sem que exista uma contraprestação exigível (CC 540). O dever moral – não o jurídico – impele o doador a realizar a doação. Contudo, se a remuneração ultrapassar o custo normal do serviço, o excedente não será configurado como doação onerosa e será passível de revogação por ingratidão. Assim, se entrego uma joia avaliada em R$ 3.000,00 para compensar um médico por um tratamento habitualmente remunerado em R$ 500,00, eventual ingratidão poderá ser revogada no limite de R$ 2.500,00.

As doações com encargo ou modo impõem ao devedor a realização de determinadas obrigações, sob pena de revogação por seu inadimplemento (CC 562). Mas, tendo sido o encargo comprovadamente cumprido no tempo, locar e forma devidos, a doação adquire o traço da irrevogabilidade.

A outro giro, quando a doação é efetivada em cumprimento de obrigação natural, também é incabível a adoção da ação revocatória. Lembre-se de que as obrigações civis são compostas de dois elementos: débito e responsabilidade. Nas obrigações naturais há um débito desprovido de responsabilidade, pois não há exigibilidade da prestação para o credor. O seu direito subjetivo violado não é dotado de pretensão, portanto não pode agir contra o devedor no sentido de constrange-lo a pagar. Porém, se houver o pagamento voluntário, ele será irrepetível (CC 882), pois havia um débito, seja ele jurídico (dívida prescrita), seja moral (dívida de jogo não legalizado). Portanto, se alguém utilizar a forma da doação para pagar obrigação natural, certamente não poderá revoga-la por ingratidão.

No mais, a doação feita em contemplação de determinado casamento não poderá ser revogada, pois a lei não quer criar embaraços para os cônjuges, preservando o matrimonio. Entendemos que esse inciso é inócuo e não reflete a atualidade do direito de família, que se preocupa com a preservação das pessoas e não de instituições. Em outras palavras, a ingratidão de um cônjuge a outro eventualmente propicia separação judicial, reparação por danos materiais e morais e ação penal. Qual a razão de afastar a revogação da doação, quando já não mais existe o afeto que a provocou? (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 610/611 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

São insuscetíveis de revogação por ingratidão, no magistério de Ricardo Fiuza, as doações puramente remuneratórias, i.é, aquelas que remuneram um serviço prestado pelo donatário, no que não exceder ao valor de tal serviço (CC 264, I)

Refere o CC 264, II, às doações com encargo já cumprido, ou seja, com a condição satisfeita, diferentemente ao mesmo inciso incluído em artigo no Código anterior que as aponta na espécie, tenha ou não sido cumprida a incumbência. É evidente a importância do acréscimo. Cumprindo o encargo, a exemplo daquele importo a benefício de terceiro ou do interesse social, não há de se revogar a doação.

A doação decorrente da liberalidade feita para atendimento de obrigação não exigível (v.g., dívida de jogo ou dívida prescrita) também não pode ser revogada por ingratidão (CC 264, III).

No caso de doação feita em contemplação de casamento (casamento futuro), ela se torna irrevogável, com a celebração deste, tendo alcançado o fim a que se propôs (CC 264, IV) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 299 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Em explicação sucinta Marco Túlio de Carvalho Rocha expõe que a regra é ter o doador o direito de revogar a doação por ingratidão. As exceções são as enumeradas no presente artigo e têm comum o fato de o donatário ter realizado ato relevante que motivou a doação. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 558, 559, 560 - continua - Da Revogação da Doação – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 558, 559, 560 - continua
- Da Revogação da Doação – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo IV – Da Doação
Seção II – Da Revogação da Doação
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Art. 558. Pode ocorrer também a revogação quando o ofendido, nos casos do artigo anterior, for o cônjuge, ascendente, descendente, ainda que adotivo, ou irmão do doador.

Para a sinopse de Nelson Rosenvald, é elogiável a inovação do Código Civil, pretendendo afirmar a diretriz da socialidade através da lente da função social da família. O individualismo jurídico que permeou o Código de 1916 restringia a discussão acerca da revogação da doação entre os participes da relação patrimonial. Agora, procura-se enfatizar o fundamental papel da família e dos laços afetivos que envolvem as pessoas que a compõem.

O vínculo existencial entre os membros da entidade familiar justifica que a lesão a um deles tenha a mesma carga de significado que a ofensa ao próprio doador. De certa maneira, o legislador despatrimonializa a discussão e afirma que todo ato de doação envolve um laço espiritual com o donatário, que será traído quando um cônjuge, ascendente ou descendente sofrer as ofensas aludidas no artigo pregresso.

Todavia, houve uma omissão gravíssima no dispositivo. O legislador olvidou-se de trazer os companheiros para a mesma situação dos demais familiares elencados. Todavia, em uma interpretação conforme a Constituição, devemos abranger o conceito de cônjuge para incluir o companheiro, evitando qualquer forma de discriminação por parte do legislador subalterno. Aliás, o mesmo equivoco não foi cometido no CC 1.814 ao tratar o Código da extensão dos sujeitos passivos de hipóteses que autorizam a exclusão do sucessor por indignidade. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 607 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Contrapondo-se a Rosenvald, o histórico de Ricardo Fiuza mostra que o presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. O texto sofrer apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por parte da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. -Não- há artigo correspondente no CC de 1916.

Em sua doutrina, Ricardo Fiuza aponta o que tenha sido a omissão do legislador, de cuidar de extensão análoga, com semelhante identidade de razões, no que tange aos atos praticados pelo filho ou cônjuge do donatário, mesmo que beneficiários direitos ou indiretos da liberalidade e, como tais, sujeitos aos mesmos deveres éticos, por uma conduta humana suscetível de representante a elevação do espírito em comunhão de vida familiar. O dever de gratidão, nesses casos, deveria, a nosso sentir, alcançar o cônjuge ou descendentes do donatário, desde que os efeitos da liberalidade irradiem vantagens a terceiro(s) e autor(es) da ofensa. Exemplifica-se com o imóvel doado intuitu familiae que serve de residência ao donatário e sua família. Há quem sustente, porém, incabível a hipótese, mesmo assim, porque a pena não pode passar além da pessoa do culpado, e o donatário favorecido não teria, em princípio, culpa pela ofensa. Nessa linha, não se admitiu a revogação contra a viúva do donatário, por ingratidão dela (RI’, 497/51). De qualquer modo, a extensão cogitada, peculiar a atípica, deve ser compreendida em consonância com os mais elevados interesses sociais, ordenando valores éticos inderrogáveis. O dispositivo merece, pois, ser revisto, no intuito de melhor preservar os interesses sociais, conclui Fiuza (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 297 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sugestão legislativa: Pelos fundamentos acima expostos, apresentou-se ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão para alteração deste artigo, inclusive com a introdução de parágrafo único, que passaria a redigir-se:

Art. 558. Pode ocorrer também a revogação quando o ofendido for o cônjuge, ascendente, descendente ou irmão do doador.

Parágrafo único. Os atos praticados pelo filho ou cônjuge do donatário, quando beneficiários diretos ou indiretos da liberalidade, ofensivos ao doador- são suscetíveis, conforme as circunstâncias, de ensejar a revogação.

As sugestões acima incorporam o depoimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, mencionados quando os graves atos que caracterizam a ingratidão justificarem a revogação da doação quer tenham sido dirigidos ao próprio doador, quer atinjam seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 09.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 559. A revogação por qualquer desses motivos deverá ser pleiteada dentro de um ano, a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a autorizar, e de ter sido o donatário o seu autor.

Conforme comentado por Rosenvald, a ação de revogação da doação está sujeita ao prazo decadencial de um ano, seja por ingratidão do donatário, seja pela inexecução do encargo. Cuida-se de prazo fatal para e exercício do direito potestativo à desconstituição do negócio jurídico, seguindo a lógica do Código Civil de reservar os artigos 205 e 206 para sediar prazos prescricionais e dos demais setores do Código que topicamente enfatizam prazos decadenciais.

Quanto à revogação de doação por ingratidão, o termo a quo para o ajuizamento da demanda será aquele em que o doador tiver a convicção de que o donatário praticou um dos fatos arrolados no CC 557. A inclusão da expressão “e de ter sido o donatário o seu autor” ao final do dispositivo poderá ser útil nos casos em que o ofendido seja um parente ou cônjuge do doador, havendo a necessidade de apuração da autoria.

Nas hipóteses em que houver ação criminal contra o donatário, não poderá o doador se aproveitar do CC 200 para iniciar a contagem do prazo da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, pois a norma é privativa para as hipóteses de prescrição, não sendo aplicável à decadência conforme informa o CC 207.

Pautando à revogação da doação por descumprimento do encargo, muitas vezes o fato não chegará imediatamente ao conhecimento do doador, eis que o modo fora estipulado para beneficiar terceiro. a ciência do descumprimento será determinante para o início da contagem. Outrossim, não tendo sido assinalado prazo para o início do cumprimento do encargo, o doador provará que o donatário foi regularmente constituído em mora (CC 398) e não agiu no prazo assinalado pela interpelação.

Frise-se que o prazo decadencial de um ano será determinante para a resolução contratual, com extinção da relação contratual. Todavia, caso deseje o doador a tutela específica da obrigação de dar ou fazer, há que adotar o prazo prescricional de dez anos para o exercício da pretensão condenatória (CC 205).

Ao questionamento de se o donatário agiu como mero partícipe, mas não como autor, o Código Civil abrange a hipótese da participação, pois o legislador civil não utilizou o termo “autor” na acepção técnica. A mens legis foi no sentido de resguardar a lealdade do doador e, por absurdo, não se admitiria desconstituir a liberalidade apenas no caso extremo da autoria propriamente dita, exonerando-se da sanção aquele que contribuiu material ou moralmente para a prática delituosa de terceiro (v.g., donatário que, desejando a morte do doador, abre a porta da casa para um terceiro execute o fato). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 608 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Aos comentários de Ricardo Fiuza, atêm-se um histórico, onde o presente dispositivo deve a sua redação à emenda do Deputado Henrique Alves, apresentada no período inicial de tramitação do projeto e decorreu de oportuna sugestão feita pelo Prof. Mário Moacyr Porto. Defendeu ele a seguinte posição: se o donatário atentar contra a vida do doador, e a autoria do crime permanecer desconhecida, não é correto que, vindo a conhecer esta autoria depois de um ano, não possa ser pleiteada a revogação da doação, por ingratidão. Para que o crime não aproveite ao criminoso. O exemplo se aplica às demais hipóteses previstas no projeto para revogação da doação. Restaura-se, assim, a orientação do Código vigente. Trata-se de mera repetição do art. 1.184 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.

O termo inicial do prazo decadencial para a revogação judicial da doação é apurado do conhecimento do doador quanto ao fato da ingratidão que a autorizar. Com a regra, assegura-se ao doador a efetividade da revocatória, prejudicada que estaria com o conhecimento tardio, se o prazo tivesse em conta a data do evento.

Sugestão legislativa: em decorrência de proposta anterior (art. 558), encaminhou-se ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão no sentido de incluir como autores o cônjuge ou descendente do donatário, nos seguintes termos:

Art. 559. A revogação por qualquer desses motivos deverá ser pleiteada em um ano, a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a autorizar, e de ter sido o donatário, seu cônjuge ou descendente, o autor da ofensa. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 297-298 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Acessando o raciocínio de Marco Túlio de Carvalho Rocha, temos que, visando à segurança jurídica, a lei estabelece o prazo decadencial de um ano, a contar do conhecimento do fato e de sua autoria, para que o doador ou seus herdeiros proponham a ação revocatória da doação. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 09.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 560. O direito de revogar a doação não se transmite aos herdeiros do doador, nem prejudica os do donatário. Mas aqueles podem prosseguir na ação iniciada pelo doador, continuando-a contra os herdeiros do donatário, se este falecer depois de ajuizada a lide.

Conforme estende Nelson Rosenvald, aqui é enfatizado o caráter intuitu personae de revogação de doação. A ação revocatória não será transmitida aos herdeiros do doador, falecendo com ele, mas, excepcionalmente, o art. 561 permite que em caso de homicídio doloso os herdeiros do doador ajuízem a lide, naturalmente pela impossibilidade da vítima de agir.

Contudo, se o doador já havia ajuizado a demanda, os seus herdeiros poderão ocupar a sua posição no processo em caso de falecimento do autor. A pretensão de direito material ainda é do doador. Os herdeiros apenas conduzirão o processo a seu destino.

Aliás, enquanto o Código Civil de 1916 se referia à contestação do donatário como termo inicial para permitir o prosseguimento da lide pelos sucessores do doador, o Código Civil de 2002 se refere ao óbito já ao tempo do ajuizamento da lide. A alteração é equitativa, pois a simples distribuição da demanda (CPC/1973 art. 263, com correspondência no art. 312 do CPC/2015) dentro do prazo decadencial é suficiente para demonstrar o interesse do doador de revogar a liberalidade, permitindo que seus herdeiros prossigam em seu intento, sem depender da iniciativa do réu em oferecer a contestação.

Caso o falecimento do donatário ocorra antes do ajuizamento da lide, não poderão ser os seus herdeiros colocados no polo passivo da lide, em razão de o fato ser personalíssimo. Todavia, se já havia ação revocatória em andamento contra o donatário quando de seu falecimento, não poderão os herdeiros responder por forças superiores às da herança (CC 1.997), prestigiando-se a autonomia patrimonial entre o donatário e os sucessores. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 608 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como aponta a redação de Ricardo Fiuza, o direito de o doador revogar a doação é personalíssimo e, como tal, não se transmite aos herdeiros. Entretanto, havendo o doador promovido a demanda, cabe aos seus herdeiros continua-la, inclusive os herdeiros do donatário, se este falecer depois da propositura da ação contra si intentada. O CC/2002 reconhece em prol do doador-autor os efeitos internos da distribuição do feito ao empregar a expressão “depois de ajuizada a lide”, enquanto o CC de 1916 apenas admite a possibilidade, quando faleça o donatário, “depois de contestada a lide”. De fato irrelevante, tenha respondido ou não o donatário ou, ainda, tenha sido ou não formada a relação processual, preponderando como decisivo o ajuizamento da ação.

Uma exceção é a do próximo artigo 561, conferindo legitimidade aos herdeiros para a demanda revocatória, no caso de homicídio doloso do doador praticado pelo donatário, já consagrada em jurisprudência (RI’, 524/65).

Jurisprudência: “A disposição do CC 1.185, atente para a data, estabelecendo que personalíssimo o direito de pedir a revogação da doação, só se aplica quando isso se pleitear em virtude de ingratidão do donatário e não quando o pedido se fundar em descumprimento de encargo” (STJ, VT., REsp 95.309/SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 15-6-1998). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 298 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Conforme aduz Marco Túlio de Carvalho Rocha, a revogação é personalíssima: somente o próprio doador pode, em princípio, requerê-la (a exceção é disciplinada no CC 561); somente contra o donatário pode ser requerida. Se o bem doado tiver sua propriedade transferida a terceiro por ato inter vivos ou causa mortis, contra este não poderá ser proposta a ação. Uma vez iniciada a ação pelo doador contra o donatário, ela pode prosseguir com seus herdeiros caso eles venham a falecer no curso do processo. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 09.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).