quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 645, 646 - Do Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 645, 646
- Do Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo IX – Do Depósito -
(art. 627 a 652) Seção I – Do Depósito voluntário –
vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 645. O depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se-á pelo disposto acerca do mútuo.

Para Rosenvald, o depósito voluntario é o negócio jurídico resultante da autonomia privada, sendo dividido em duas espécies: regular ou ordinário, e irregular. Até agora examinamos o depósito regular, cujo objeto é coisa infungível, perfeitamente individualizada. Nada obstante, é possível que as partes convencionem um contato de depósito sobre coisas fungíveis, que podem ser substituídas por outras da mesma espécie, qualidade e quantidade (CC 85).

No contrato de depósito irregular, poderá o depositário dispor da coisa fungível, sendo exonerado da obrigação de restituir a mesma coisa que recebeu, pois ao termo do contrato, ou quando lhe for solicitada a devolução (nos contratos sem termo), simplesmente entregará coisa equivalente.

O legislador fez questão de afirmar que tal modalidade de depósito voluntário será regida pelas normas relativas do contrato de mútuo (CC 586 a 592), em razão da grande aproximação entre os dois modelos, eis que o depositário não será um guardião por excelência da coisa, pois poderá alienar ou consumir o que recebeu, sendo fundamental a devolução de igual quantidade e qualidade. Contudo, extrai-se a diferença da própria teleologia dos institutos. O mútuo é realizado no interesse do mutuário e o depósito no interesse do depositante. Enquanto o mutuário tem o seu patrimônio acrescido pelo empréstimo, com a obrigação de restituir no prazo contratado ou, supletivamente no termo legal (CC 592), o depositário não poderá incluir os bens fungíveis em seu ativo, pois deverá restituir a qualquer tempo, mantendo o equivalente permanentemente à disposição do depositante (CC 633).

Tradicional exemplo de depósito irregular pode ser extraído do depósito bancário, no qual a instituição financeira é depositária de quantia em dinheiro (bem fungível), utilizando-a em suas transações, podendo o depositante retirar ou movimentar os valores depositados a qualquer tempo. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 670 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, grassa no Direito. É certo que o depósito é o contrato pelo qual uma pessoa (depositário) recebe de uma outra (depositante) um bem necessariamente móvel, fungível ou infungível, para guarda provisória. Assim, tendo em conta a fungibilidade, o depósito poderá ser regular ou irregular, disciplinados um e outro por disposições específicas.

Nesse passo, afirma o eminente Silvio Rodrigues: “a doutrina chama de irregular o depósito de coisas fungíveis, no qual o depositário não precisa devolver exatamente a coisa que lhe foi confiada, podendo restituir coisas da mesma espécie, quantidade e qualidade” (Direito civil, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3 – Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 268).

Pela semelhança com o contrato de mútuo, o depósito irregular será regulado pelas disposições aplicáveis àquele; porém, jamais poderá ser chamado de empréstimo, “pois visa assegurar a disponibilidade da coisa”; o depositário, ao guardá-la, não aumentará o seu patrimônio, visto que do seu ativo sempre será excluído o valor representativo do quantum depositado, sujeito a restituição a qualquer momento, o que não ocorrerá com o empréstimo, uma vez que o bem mutuado se incorporará ao patrimônio do devedor” (Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, 16. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3 – Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 294).

A recusa do depositário a restituir em substituição à coisa fungível objeto do depósito irregular, coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade, quando reclamada pelo depositante, autoriza que este último promova em face daquele a competente ação de cobrança. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 345 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Para o entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha objetos do contrato de depósito são, exclusivamente, bens móveis. O depósito de coisas fungíveis é conhecido como “depósito irregular”. Embora seja depósito, por ter como finalidade a atribuição da guarda de um bem ao depositário, rege-se pelas regras do mútuo. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 04.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 646. O depósito voluntário provar-se-á por escrito.

Segundo Rosenvald, a redação da norma não deixa dúvidas. A forma escrita é necessária ad probationem, mas não é solenidade essencial, a ponto de influir na validade do contrato de depósito voluntário (CC 104, III). Outrossim, admite-se as formas pública e particular, independentemente de valor.

É interessante que as partes reduzam o contrato a escrito, pois será possível demonstrar sua onerosidade (CC 628), bem como a fixação de um termo para a restituição (CC 633). Porém, tratando-se de contrato real, a prova testemunhal será admitida com cautelas pelo magistrado para atestar o ato físico da entrega do objeto, observando-se o CC 227.

Ademais, para o ajuizamento de ação de depósito, a inicial será instruída com a prova literal da relação jurídica (CC 902), o que abrange tanto o contrato escrito – mesmo que essa forma não seja da essência do negócio jurídico – como outro documento escrito, como um tíquete ou cupom que demonstrem a ocorrência da tradição. A ausência do instrumento retira do depositante a ação especial, devendo se contentar com o rito ordinário.

O preceito ora comentado não se aplica à modalidade do depósito necessário, que será certificado por qualquer meio de prova, considerando-se a premência de sua efetivação (CC 648, parágrafo único). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 670 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina de Ricardo Fiuza, o depósito voluntário não exige, para a sua celebração, forma especial ou, mais especificamente, solenização contratual. Entretanto, em matéria de prova, a lei reclama que haja apoio em instrumento escrito.

Silvio rodrigues muito contribuiu para o esclarecimento da questão ao afirmar o seguinte: “Acho que a ideia do legislador, ao reclamar prova por escrito do depósito voluntário, foi apenas a de impedir a prova exclusivamente testemunhal, capaz de conduzir às maiores iniquidades. Assim, embora o depósito se aperfeiçoe independentemente de qualquer documento, mister se faz, para provar-se, um começo de prova escrita. Nesse sentido tem reiteradamente decidido a jurisprudência brasileira (cf. Dimas R. Almeida, Repertório de Jurisprudência, julgados n. 1.112, 1.113 e 1.114)” (Direito civil, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3 – Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 260). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 345 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob o prisma de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o depósito voluntário é contrato real (CC 627) e somente pode ser provado por escrito, que pode consistir em documento simples: “Aliás, os cartões entregues ao depositante, como é de uso, constituem prova bastante, desde que permitam a perfeita identificação do objeto depositado” (Agostinho Alvim. Direito das obrigações: exposição de motivos. Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros, 1972, n. 24, p. 70). Deve ser levado a registro para valer contra terceiros (Lei n. 6.015, art. 129, 2º) (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 04.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 642, 643, 644 - Continua - Do Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 642, 643, 644 - Continua
- Do Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo IX – Do Depósito -
(art. 627 a 652) Seção I – Do Depósito voluntário –
vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 642. O depositário não responde pelos casos de força maior; mas, para que lhe valha a escusa, terá de prova-los.

Aprendendo com Nelson Rosenvald, ao exame do CC 636, observa-se que não mais se justifica a busca por critérios distintivos entre força maior e caso fortuito, pois o CC 393 produz equiparação de consequência, qual seja exoneração do devedor pelo fato de o dano advir de um evento externo à sua atuação, de natureza inevitável.

Diante do fortuito será excluído o nexo causal entre a conduta do agente e o dano, pois a lesão resultará do imponderável e não do comportamento comissivo ou omissivo do devedor. Este alegará o tradicional brocardo res perito domino para justificar que a coisa pertence ao depositante, assumindo ele os riscos da perda no período anterior à restituição, provando o depositário que a supressão do objeto não se deveu à sua atuação, mas ao fortuito (CC 238). Isto posto, o depositário somente arcará com as perdas e danos se expressamente houver subscrito cláusula de responsabilidade pelo fortuito, conforme temos no CC 393.

Não se olvide de que nas relações de consumo o contrato de depósito se tornou uma atividade profissional comezinha nos tempos atuais. Cuida-se de prestação de serviço em que o depositário é um fornecedor que onerosamente providencia a guarda de bens do consumidor (depositante), na forma do CDC 3º, § 2º. É patente que serão desconsideradas as cláusulas que excluam ou limitem a responsabilidade do fornecedor pela perda ou destruição da coisa (CDC 25), pois o equilíbrio contratual nas relações de consumo requer a responsabilização por todo e qualquer defeito do serviço que acarrete danos ao depositante.

Mesmo que inexista remuneração, não é raro percebermos que o depósito nada mais é que uma forma de estimular o consumidor a realizar outras formas de relações de consumo. É o caso do depósito gratuito dos pertences nos estabelecimentos noturnos e o depósito gratuito dos pertences nos estabelecimentos noturnos e o depósito de veículos em estacionamentos de shoppings e estabelecimentos comerciais. Os serviços são aparentemente gratuitos, pois a remuneração é indireta, traduzida na conquista da confiança da clientela e nas vantagens secundárias de uma suposta liberalidade para com o cliente.

Em qualquer caso, acreditamos que a resposta poderá ser encontrada na distinção entre o fortuito interno e o externo. Caso o evento lesivo ao patrimônio do depositante seja um fato externo à atividade do depositário, não será este obrigado a indenizar, pela inevitabilidade e imprevisibilidade da situação. Assim, não será lógico impor ao depositário de veículos a obrigação de indenizar os seus proprietários em razão de um tremor de terra que danifique os automóveis.

Contudo, existem situações em que a lesão aos bens do depositante é praticada por um evento externo à conduta do agente, mas que se relaciona imediatamente à atividade do depositário. Seria o caso do tão popular furto de veículos. Quem realiza o depósito de tais bens já conta com a previsibilidade de tais riscos, sendo possível evita-los com algumas medidas de segurança. Caso fique provado que o depositário não adotou as medidas mínimas de cautela, será responsabilizado, eis que a “força maior” será agora um fortuito interno, relacionado às atividades ordinárias de diligência do depositário. Certamente haverá a necessidade de aplicar o princípio da proporcionalidade – a diretriz da concretude de Miguel Reale -, para apanhar cada situação em seu contexto e verificar os riscos inseridos pela própria atividade empresarial e aqueles a ela excedentes, que não podem ser imputados ao depositário.

Agostinho Alvim, artífice do Livro do Direito das Obrigações, sempre ponderou que o caso fortuito é um impedimento relacionado à pessoa do devedor ou à sua empresa, enquanto a força maior é um acontecimento externo. E assim deverá ser lido esse dispositivo, o depositário não responde pela força maior (fortuito externo), mas apenas pelo caso fortuito (fortuito interno).

Por fim, é sempre bom lembrar que as obrigações são complexas. Compõem-se da autonomia privada acrescida da boa-fé objetiva. Aquela ao tempo da formação do negócio jurídico, determinando a obrigação principal e as prestações das partes; a boa-fé, imposta pelo sistema, com a função integrativa de produzir deveres instrumentais, laterais ou anexos que objetivam conduzir a relação jurídica ao adimplemento (CC 422). Para tanto, os contratantes observarão deveres de proteção, cooperação e informação, evitando que os interesses do contrato sejam sacrificados. O dever de proteção implica a tutela da integridade fisicopsíquica e o patrimônio do parceiro contatual. Qualquer lesão aos bens do depositário que possa ser associada à frustração da legítima expectativa de segurança que lhe fora prometida será considerada uma violação à sua confiança e, portanto, passível de indenização. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 667-668 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na esteira da Doutrina de Ricardo Fiuza, impõe-se afirmar que, efetivamente, “os riscos no Contrato de depósito correm à conta do depositante que é e continua sendo proprietário e res perito domino” (Caio Mário da Silva Pereira – p.  322). E assim suportados por relevante o fato de o depósito voluntario ser efetuado em atenção exclusiva dos interesses do depositante. O depositário responderá pelos riscos de convenção houver nesse sentido (RT 15 1/655).

Quando, porém, o dano advier de força maior, torna-se imperativo por dicção legal que o depositário comprove a ocorrência de tal evento para, então forrar-se da responsabilidade pelo ocorrido. Adversamente, não feita tal prova, não valerá a escusa, outorgando-se ao depositante, por consequência, cobrar do depositário os prejuízos advindos do dano.

Jurisprudência: 1. “Precedente da 21 Seção, REsp 169.293/SP, Relatora a Senhora Ministra Nancy Andrighi, julgado em sessão de 09/05/01, consolidando a jurisprudência da Cone, assentou que, verificada a impossibilidade justificada da restituição do bem pela ocorrência de caso fortuito ou força maior, pode o credor, reconhecido o crédito, promover nos próprios autos a execução contra o devedor, valendo a sentença como título judicial, afastada a possibilidade da prisão civil” (REsp 247.671-SP); 2. “O estabelecimento comercial que recebe o veículo para reparo em suas instalações é responsável pela sua guarda com integridade e segurança, não se configurando como excludente da obrigação de indenizar a ocorrência de roubo mediante constrangimento por armas de fogo, por se cuidar de fato previsível em negócio dessa espécie, que implica na manutenção de loja de acesso fácil, onde se acham automóveis e equipamentos de valor” (STJ. 4~ T., REsp 218.470-SP, rel. mm Aldir Passarinho Júnior, DJ de 20-8-2001); 3. “Sempre que se verificar a impossibilidade justificada da restituição da coisa depositada objeto da alienação fiduciária em garantia pela ocorrência do caso fortuito ou força maior (por roubo ou furto, v.g.), a sentença que a reconhecer deverá afastar a infidelidade do depositário e a possibilidade de prisão civil. Contudo, como o intuito satisfativo do credor, na alienação fiduciária, é o de receber o valor da dívida, e não o próprio bem objeto do depósito, desde que reconhecido o crédito, pode o credor promover, nos próprios autos, a subsequente execução contra o devedor, valendo a sentença que o fixar como título executivo judicial, prestigiando-se os princípios da economia, da celeridade e da efetividade processuais” (STJ, 4’T., REsp 156.965-SP, rel. Mm Cesar Asfor Rocha, DI de 3-5-1999).

A omissão da norma no tocante aos danos originados de casos fortuitos deve ser enfatizada, porquanto também não deverá responder o depositário em face de tais imprevistos. Pondera a respeito Ari Peneira de Queiroz: “os efeitos são sempre os mesmos, variando apenas a causa, pois, força maior é evento humano, enquanto caso fortuito é evento da natureza. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 343 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na pauta de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a regra geral res perito domino vigora relativamente aos riscos do depósito: se a coisa se perder por caso fortuito ou por força maior, o prejuízo recai sobre o depositante. O dispositivo atribui ao depositário o ônus da prova da ocorrência do caso fortuito ou da força maior. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 03.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 643. O depositante é obrigado a pagar ao depositário as despesas feitas com a coisa, e os prejuízos que do depósito provierem.

Lecionando Nelson Rosenvald, aqui temos outra consequência direta da natureza do contrato de depósito. Sendo o negócio jurídico realizado em proveito do depositante, todo o dever de zelo e diligencia do depositário implica a satisfação daquele. Assim, nada mais natural que responsabilizar o depositante pelas despesas realizadas com a coisa em seu exclusivo benefício, bem como pelos prejuízos provenientes do depósito.

Sob pena de enriquecimento injustificado, deverá o depositante restituir todas as despesas com materiais e trabalho empregados pelo devedor na conservação e custódia da coisa, como se fossem benfeitorias necessárias introduzidas pelo depositário. Aliás, mesmo benfeitorias úteis, por ele providenciadas de boa-fé, serão objeto de indenização, pois o dispositivo não explicita qual o tipo de despesa será paga pelo depositário, encaminhando o leitor para a regra geral do CC 242.

Caso se negue o depositante a arcar com as despesas e/ou prejuízos do depositário, este exercitará o direito de retenção, a ser referido nos comentários do próximo artigo.

Lembre-se de que no contrato de comodato o legislador acertadamente distribuiu os deveres de conservação da coisa de forma diversa, imputando-os ao comodatário (CC 584). Com efeito, o comodato é realizado no interesse do comodatário, sendo ele quem efetivará a exploração do bem concedido em empréstimo gratuito, auferindo vantagens econômicas. Assim, justifica-se a distinção dos efeitos com o contrato de depósito. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 668 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A Doutrina de Ricardo Fiuza explica que, divergente do contrato de comodato, que favorece unicamente o comodatário com o uso e gozo da coisa emprestada, procede-se ao depósito em proveito do depositante. Ao depositário, apenas, cumpre com zelo, a coisa alheia. Assim, inadmissível seria igualar o comodatário ao depositário e deste último exigir-se assumisse os gastos provenientes da guarda e conservação do objeto depositado. Nesse sentido, permanece a lição modelar de Washington de Barros Monteiro: “É que eles aproveitam ao depositante, são feitos no interesse deste; isentá-lo do respectivo pagamento seria possibilitar seu injusto locupletamento à custa do depositário. Esse direito só desaparece se a este se concedeu a faculdade de utilizar da coisa depositada” (Curso de direito civil. 4. ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2 – Direito das obrigações, p. 238).

De igual modo, a lei garante ao depositário o direito de ser reparado pelos prejuízos sobrevindos do contrato de depósito, “como acontece na hipótese de ser a coisa portadora de vícios ou defeito que possa causar danos a outras coisas depositadas ou ao próprio local” (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, 4. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1978, v. 3, p. 318), e de cujo vício ou defeito não tenha sido oportunamente advertido. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 344 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o depósito visa à guarda de bens. Se o bem depositado necessitar de manutenção, as despesas necessárias a ela são de responsabilidade do depositante. Se o depositário arcar com essas despesas poderá reavê-las do depositante. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 03.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 644.  O depositário poderá reter o depósito até que se lhe pague a retribuição devida, o líquido valor das despesas, ou dos prejuízos a que se refere o artigo anterior, provando imediatamente esses prejuízos ou essas despesas.

Parágrafo único. Se essas dívidas, despesas ou prejuízos não forem provados suficientemente, ou forem ilíquidos, o depositário poderá exigir caução idônea do depositante ou, na falta desta, a remoção da coisa para o Depósito Público, até que se liquidem.

Lecionando com Nelson Rosenvald, o direito de retenção é o mecanismo de defesa que assiste ao possuidor de boa-fé e lhe possibilita constranger o devedor a indenizá-lo, manterá o poder imediato sobre a coisa, mesmo que exista sentença concedendo a restituição do bem ao depositante, se tal decisão também condicionou a devolução ao pagamento das despesas provadas pelo depositário nos autos.

O CC/2002 aperfeiçoou a redação da norma, pois de agora e diante o direito de retenção se justificará não só como modo coercitivo para o depositário reaver as despesas descritas no CC 643 como ainda para obter a própria “retribuição devida”, nos casos em que o depositário for oneroso, por terem as partes avençado uma remuneração em favor do depositário, que não é paga pelo depositante.

Ressalva o parágrafo único que o exercício do direito de retenção é condicionado à liquidez dos débitos reclamados pelo depositário. Dívida líquida é aquela cujo valor pode ser extraído de mera análise da prova documental do depositário, dispensando-se provas testemunhal e pericial.

Em tais casos, o depositário se contentará em pleitear caução real (v.g., hipoteca) ou pessoal (v.g., fiança) por parte do depositante, para se acautelar diante de eventual inadimplemento. Impossibilitada a caução, subsidiariamente a saída será a remoção da coisa para o depósito público – determinada por ordem judicial – até a liquidação do débito. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 669 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina exposta por Ricardo Fiuza, pelo comando do CC/1916, art. 1.219, ao depositário era reconhecido, tão-somente, direito de retenção pelas despesas e prejuízos decorrentes do contrato de depósito, não, porém, pela remuneração devida pelo depositante. Com o CC/2002, passou-se a admitir o exercício pelo depositário dojus retentionis em caso de o depositante não se prestar a satisfazer o valor ressarcitório ou o quantum da indenização.

Nas hipóteses de o depositante recusar-se a pagar a remuneração por ele devida (CC 628), ou o valor líquido das despesas efetuadas ou dos prejuízos decorrentes do depósito (CC 643), desde que provados com imediatidade e de forma satisfatória, a lei faculta do depositário a retenção do bem objeto do depósito até que lhe seja paga a quantia correspondente.

É necessário, porém, “que a prova seja suficiente, e líquido o valor dessas despesas ou prejuízos” (José Lopes de Oliveira, Contratos, 1. ed., Recife, Livrotécnica, 1978, p. 172). Caso contrário, “faculta-se ao depositário exigir do depositante, caução idônea ou, na falta da mesma, a remição da coisa para o depósito público até liquidação do débito” (Arnoldo Wald, Curso de direito civil brasileiro¸ 14. ed., São Paulo, Revista dos tribunais, 2000, v. 2 – Obrigações e contratos, p. 450). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 344 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a principal obrigação que decorre do contrato de depósito para o depositante é a de restituir a coisa ao depositante. Excepcionalmente, fica o depositante isento dessa obrigação. Uma das exceções refere-se ao direito de retenção de que é titular o próprio depositário pelas despesas que lhe devam ser pagas pelo depositário em razão do contrato. O dispositivo exige que os créditos sejam líquidos para que o depositário possa exercer o direito de retenção e permite que o depositante dele exija caução ou a transferência da coisa ao depósito público até que o crédito seja liquidado. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 03.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 639, 640, 641 - Continua - Do Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 639, 640, 641 - Continua
- Do Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo IX – Do Depósito -
(art. 627 a 652) Seção I – Do Depósito voluntário –
vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 639. Sendo dois ou mais depositantes, e divisível a coisa, a cada um só entregará o depositário a respectiva parte, salvo se houver entre eles solidariedade.

No dizer de Nelson Rosenvald, a regra é desnecessária, pois as suas conclusões emanam de diretrizes da Teoria Geral das Obrigações, sem que exista nenhuma adaptação que justifique disciplina pormenorizada no contrato de depósito.

Destarte, quando o objeto do depósito for divisível por natureza, i.é, aquele que possa ser fracionado sem perda da substância ou do valor, o depositário restituirá a respectiva parte a cada um dos depositantes. Por mais que o artigo adote a expressão “e divisível a coisa”, não é possível restringir a dicção do texto aos casos de indivisibilidade por natureza, pois deverá o depositário atentar às hipóteses de indivisibilidade em razão da lei ou da convenção (CC 88), fatos que impedirão o fracionamento do débito.

Há que recordar que em qualquer hipótese de indivisibilidade da obrigação, com pluralidade de credores (depositantes), o devedor não poderá entregar o objeto a um só – pois poderá ser novamente cobrado pelos demais -, mas a todos conjuntamente, exceto se aquele que recebeu oferecer caução de ratificação dos outros credores (CC 260).

Caso exista a solidariedade, seja por convenção, seja por imposição da norma, o devedor somente se exonerará se restituir a integralidade da coisa a um só, ou conjuntamente. Não se esqueça de que na dúvida sobre o significado de cláusulas contratuais inexiste solidariedade, pois ela não se presume, já que impõe um agravamento de responsabilidade do devedor (CC 265). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 665 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Apresenta-se na doutrina de Ricardo Fiuza, segundo Naúfel, existindo pluralidade de depositantes e podendo a coisa depositada “partir-se em porções reais e distintas formando cada qual um todo perfeito (José Naúfel. Novo dicionário jurídico brasileiro, 7. ed., São Paulo, Parma, 1984, p. 485), o depositário terá a obrigação de restituir a cada um dos credores a respectiva cota, “salvo se houver entre eles solidariedade (...) ~ segundo a qual cada um dos credores solidários tem direito a exigir do devedor o cumprimento da prestação, por inteiro” (José Lopes de Oliveira. Contratos, 1. ed., Recife, Livrotécnica. 1978, p. 111).

O artigo trata de coisa divisível. Se, porém, indivisível for a coisa depositada, leciona, ainda, Lopes de Oliveira, no sentido de que os depositantes devem acordar no modo de recebe-la e, não havendo acordo, defere-se a solução do juiz” (ob. cit., p. 171). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 342 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, no caso de duas ou mais pessoas realizarem depósito de bem divisível, em consonância com o CC 257, presume-se a obrigação de restituir dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os depositantes, salvo se entre estes houver solidariedade, o que depende de cláusula expressa. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 02.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 640. Sob pena de responder por perdas e danos, não poderá o depositário, sem licença expressa do depositante, servir-se da coisa depositada, nem a dar em depósito a outrem.

Parágrafo único. Se o depositário, devidamente autorizado, confiar a coisa em depósito a terceiro, será responsável se agiu com culpa na escolha deste.

Complementando o enunciado do CC 627, na visão de Nelson Rosenvald, temos aqui uma especificação da própria natureza desse negócio jurídico. Não se confunda custódia com exploração econômica. Ao contrário do comodato e da locação, no depósito o possuidor recebe a coisa para guardar e não para usar e fruir, sob pena de responsabilidade contratual (CC 389). Naqueles contratos, a relação jurídica é estabelecida no interesse precípuo de quem recebe a coisa, portanto a guarda da coisa é pressuposto para a sua utilização; já no depósito o interesse é do credor, que exige cuidados de proteção e conservação da coisa. A guarda não é um meio, mas a própria finalidade do negócio jurídico.

Todavia, se houver licença expressa do depositante, permite-se ao depositário a fruição da coisa e mesmo a possibilidade de estipulação (espaço excedente) de subcontratação com terceiro, sem que se desnature o depósito. Cuida-se de medida excepcional, eis que desafia a natureza intuitu personae inerente à relação de confiança que justificou a realização do contrato com a pessoa do depositário.

Como adverte o parágrafo único, tanto os danos causados ao objeto pelo terceiro como a sua recusa em restituir a coisa implicarão responsabilidade do depositário. De fato, pune-se a lesão à legítima expectativa e à confiança do depositante quanto à diligência do depositário ao incumbir a guarda da coisa a quem não oferecia condições para tanto. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 665-666 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a percepção na doutrina do Ricardo Fiuza, diversamente do contrato de comodato, pelo qual móvel ou imóvel infungível, para que dele se utilize temporariamente, o contrato de depósito caracteriza-se simplesmente pela entrega de certo objeto móvel pelo depositante ao depositário, para que este temporariamente o guarde e o conserve.

De tal ordem, a norma impede ao depositário o uso e gozo da coisa depositada, salvo prévia e expressa autorização do depositante. Essa licença, todavia, não desnatura a sua qualidade de depositário. Afrontando o caráter volitivo negativo do depositante, responderá o depositário por perdas e danos oriundos de seu ato de servir-se do depósito.

É vedado ao depositário dar a coisa depositada em depósito a terceiro. o contrato de depósito voluntário é intuitu personae, i.é fundado na confiança de que o depositante confere a certo depositário, e disso decorre o óbice legal. Porém, permitindo expressamente o depositante, poderá o depositário confiar a coisa a outrem, ficando responsável, entretanto, se agiu com culpa na escolha deste. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 342 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o contrato de depósito de coisa infungível visa à guarda da coisa. A guarda não inclui o direito de uso. A utilização da coisa infungível pelo depositário depende de autorização expressa do depositante.

O contrato de depósito é intuitu personae, pois pressupõe a confiança do depositante no depositário. Não pode, por isso, o depositário se fazer substituir por terceiro, salvo autorização expressa do depositante. Se for autorizado a confiar a guarda da coisa a terceiro, ficará responsável o depositário por culpa in elegendo, i.é, se escolher mal a pessoa a quem confiou a guarda da coisa. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 02.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 641. Se o depositário se tornar incapaz, a pessoa que lhe assumir a administração dos bens diligenciará imediatamente restituir a coisa depositada e, não querendo ou não podendo o depositante recebe-la, recolhê-la-á ao Depósito Público ou promoverá nomeação de outro depositário.

Na esteira de Nelson Rosenvald, cuida a norma em epigrafe da incapacidade superveniente do depositário. Caso ele seja absoluta, ou relativamente incapaz (CC 3º e 4º) ao tempo da contratação, a sanção será a invalidade do negócio jurídico, por nulidade ou anulabilidade, conforme o grau de incapacidade (CC 104).

Pelo fato de não existir no ordenamento a figura da “invalidade superveniente” – pois a validade do negócio é aferida ao tempo de sua origem -, a perda da capacidade pelo depositário acarretará a resolução do negócio jurídico, afetando o plano de eficácia da relação contratual, eis que haverá a ineficácia superveniente do negócio jurídico.

Sendo a capacidade a regra e a incapacidade a exceção, haverá necessidade de prolação de sentença em processo de interdição, com imposição de curatela, a teor do CC 1.767. por mais que os limites da curatela sejam variáveis em função da concretude do caso (CC 1.772), a norma em comento não opera nenhuma distinção entre a extinção do contrato pelo maior ou menor grau da interdição, pois ambos conduzem à resolução.

Quanto aos efeitos do contrato produzidos antes da interdição, parece-nos que apenas serão cancelados se o depositante já sabia do estado do interditado e este sofreu prejuízo com o negócio jurídico. Explico: a sentença de interdição é constitutiva, pois não é ela que cria a doença, mas altera o status da pessoa. Assim, para evitar insegurança jurídica, só operará efeitos retroativos quando da leitura das cláusulas contratuais for possível observar que o contratante agiu de má-fé para tirar proveito da especial situação da outra parte.

A consequência da interdição para o presente contrato será a imediata restituição da coisa ao depositante pelo curador do depositário, pois a função deste é personalíssima e não poderá ser exercitada pela pessoa nomeada pelo magistrado para administrar o seu patrimônio. Porém, sendo inviável a restituição, pela impossibilidade voluntária ou fática do depositante de aceitar a coisa antes do prazo, não haverá outra saída a não ser a consignação em pagamento, mediante recolhimento da coisa ao depósito público ou, se não houver, a nomeação judicial de depositário.

Contudo, abre-se ainda ao curador do interditado a opção de nomear um novo depositário. I.é, detém o curador o direito potestativo de desconstituir a relação jurídica mediante devolução do objeto ou a possibilidade de eleição de uma pessoa capacitada a assumir o contrato, com as consequências dispostas na parte final do parágrafo único do CC 640, mesmo que não necessite o curador de autorização do depositante para designar o sucessor do incapaz. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 666 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No comentário de Ricardo Fiuza, pela norma prevista, se durante a vigência do contrato de depósito, o depositário se tornar incapaz, cumprirá ao administrador dos seus interesses restituir, imediatamente, a coisa ao depositante. Darcy Arruda Miranda, comentando o artigo, afirma que “a incapacidade superveniente resolve o contrato de depósito” (Anotações ao Código Civil brasileiro. 4. <1. São Paulo, Saraiva, 1995, v. 3, p. 365). É que, sobrevindo-lhe a incapacidade, o depositário incapaz não mais poderá “responder como o depósito” (Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil, 4. ed., São Paulo Saraiva, 1965, v. 2 – Direito das obrigações, p. 237). Ademais, assiste tal determinação o fato de ser o depósito voluntário intuitu personae.

Numa variante, diante da recusa do depositante em receber a coisa, por não querer ou por não poder, competirá ao administrador dos bens providenciar o seu imediato recolhimento ao Depósito Público ou a nomeação de outro depositário. Vale considerar, no segundo caso, que não há previsão de culpa do depositário, na hipótese aqui versada, diferentemente do ato de confiar a coisa em depósito a terceiro, por licença expressa do depositante, conforme estabelece o parágrafo único do CC 640. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 342 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como leciona Marco Túlio de Carvalho Rocha, por ser contrato personalíssimo, o intuitu personae, a incapacidade ou a morte do depositário extinguem o contrato, devendo a coisa ser restituída ao depositante. Se este não puder ou não quiser recebê-la, o representante ou sucessor do depositário a recolherá ao depósito público ou promoverá a nomeação de outro depositário. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 02.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 636, 637, 638 - Continua - Do Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 636, 637, 638 - Continua
Do Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo IX – Do Depósito -
(art. 627 a 652) Seção I – Do Depósito voluntário –
vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 636. O depositário, que por força maior houver perdido a coisa depositada e recebido outra em seu lugar, é obrigado a entregar a segunda ao depositante, e ceder-lhe as ações que no caso tiver contra o terceiro responsável pela restituição da primeira.

Na escola de Nelson Rosenvald, o depositário não responderá pelos casos de força maior, quando o fato for devidamente comprovado (CC 642). Aqui, segue-se a regra geral do direito das obrigações pela qual o devedor se exonerará de tal responsabilidade, exceto quando expressamente tenha convencionado que assumiria os riscos de evento a ele inimputável (CC 393).

Força maior é o evento externo ao agente, de caráter inevitável. Não mais avulta a distinção com o fortuito, pois o parágrafo único do CC 393, assemelha-os em suas consequências, na diretriz da operabilidade. A título ilustrativo, haveria força maior na perda do objeto depositado em razão de uma catástrofe natural; de uma patologia incontrolável ou de uma guerra.

Ocorrendo perda da coisa em virtude do imponderável, caso tenha sido entregue outro objeto em reposição – quando for possível -, obviamente caberá ao depositário o dever de guarda e diligência ordinários com a obrigação de restituir ao tempo avençado.

Mas não é só. Segundo a parte final do dispositivo, confere-se ao depositante a posição de sub-rogado nos créditos obtidos pelo depositário em face de terceiros responsáveis pela restituição dos valores relacionados ao objeto originário, que se perdeu.

Portanto, traçando um paralelo com as hipóteses formuladas para a perda do objeto no usufruto (CC 1.407 a 1.409), temos que o depositante fará jus ao valor do seguro contratado pelo depositário, bem como à quantia consequente à desapropriação do bem depositado e à indenização paga pelo terceiro que culposamente destruiu o objeto. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 663 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Com o apoio de alguns nomes no Direito Civil, a doutrina de Ricardo Fiuza cita que apoiado na regra do CC 642, que isenta o depositário de responder pelos casos de força maior, o artigo sob exame prevê que, se “a coisa depositada se perdeu por fato inimputável ao depositário” (Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, 16. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, 3 – Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 296, este é obrigado a entregar a segunda ao depositante, “pois que não pode locupletar-se com a sua retenção indevida” (Caio Mário da Silva Pereira), Instituições de direito civil, 10. ed., Rio de Janeiro, forense, 1996, v. 3, p. 232). * Lembrar que a lei obriga depositário “entregar ao depositante aquilo que (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 340 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o fato de terceiro, inevitável e imprevisível que leva à perda da coisa é considerado fato de força maior. Pode ser furto, roubo, acidente. Em qualquer desses casos, pode o depositário receber outra coisa em caráter indenizatório, notadamente dinheiro, como ocorre se o evento estiver acobertado por contrato de seguro. Qualquer que seja o evento e a coisa dada em substituição à que havia sido depositada, faz jus o depositante a recebê-la. o recebimento da coisa dada em substituição não exonera nem o terceiro nem o depositário pelos prejuízos sofridos pelo depositante, para cuja apuração deve-se levar em conta o valor do bem que recebeu em substituição. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 29.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 637. O herdeiro do depositário, que de boa-fé vendeu a coisa depositada, é obrigado a assistir o depositante na reivindicação, e a restituir ao comprador o preço recebido.

Seguindo na pauta de Rosenvald, a morte acarreta a transmissão do patrimônio do de cujus (CC 1.784), provocando a assunção pelos herdeiros de todas as obrigações que não detenham caráter intuitu personae. Assim, por mais que o contrato de depósito possua origem personalíssima, a obrigação de restituir recai sobre os herdeiros do depositário. Raciocínio contrário esvaziaria o instituto, com total aniquilação do princípio da segurança jurídica e lesão à confiança e legítima expectativa do depositante, além de implicar apropriação indébita.

Todavia, muitas vezes o depósito poderá ser celebrado sem publicidade ou apenas verbalmente, não havendo possibilidade de o herdeiro saber que a coisa que lhe fora transmitida a título de sucessão era proveniente do referido contrato. Em tais casos, qualquer alienação que realize será pautada pela boa-fé – aqui em sua acepção subjetiva -, posto ser ela praticada na ignorância quanto à real titularidade da coisa negociada.

Como saída para o impasse criado entre a lesão ao patrimônio do depositante e a tutela da boa-fé do herdeiro alienante, o legislador propõe uma solução intermédia que não penalize excessivamente o alienante e possibilite ao depositante a recuperação da coisa.

Assim, o herdeiro do depositário deverá assistir o depositante no processo de reivindicação da coisa perante o terceiro. nessa modalidade de intervenção de terceiros (CPC 119), o assistente (herdeiro) terá interesse jurídico em que o assistido (depositante) vença a demanda, pois a relação jurídica da qual aquele é parte (compra e venda com o réu) será atingida pela sentença que vier a ser proferida entre o assistido e a parte contrária. O assistente produzirá provas e praticará atos processuais que sejam benéficos ao assistido.

Se a presumida boa-fé objetiva não for elidida pelo depositante, será o herdeiro apenas compelido a restituir ao adquirente o preço que este pagou pelo bem alheio, pois a coisa foi recuperada pelo real proprietário e o ordenamento não admite o enriquecimento injustificado. Apesar da omissão do Código Civil, provada a má-fé do herdeiro, ou seja, se sabia que a coisa era alheia e mesmo assim a negociou com terceiro, será responsabilizado eventualmente por perdas e danos, tanto pelo depositante como perante o adquirente, além de eventualmente sofrer as sanções do depositário infiel.

Tendo o herdeiro doado o bem ao terceiro, constatada a sua boa-fé, nada indenizará ao adquirente, lembrando-se de que não se pode reclamar a evicção nos contratos gratuitos (CC 447), pois o donatário não sofre prejuízo, mas apenas deixa de obter uma vantagem.

Por fim, caso o bem alienado tenha se perdido ou inutilizado, sem culpa do terceiro adquirente, caberá ao herdeiro indenizar o depositante pelo seu valor. Evidentemente, conhecendo o adquirente a real situação do bem, também se responsabilizará pela indenização. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 664 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na Doutrina apresentada por Fiuza, sucedendo o falecimento do depositário, é transmitida aos seus herdeiros a obrigação de restituir a coisa depositada quando reclamada pelo depositante. Entretanto, se qualquer deles, estando de boa-fé, alienar a coisa a terceiro, será aquele obrigado a assistir o depositante na ação demandada contra o adquirente, além de restituir a este o preço por ela pago, ‘o que é evidente, pois não lhe pertencendo bem alisado, não há justificativa para conservar o preço” (Silvio Rodrigues, Direito civil, 27 .ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3. Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 263.

O dispositivo tem incidência sobre o herdeiro de boa-fé, que agiu sem qualquer intenção de prejudicar o depositante, porquanto unicamente a ele se refere. Logo, se o ato praticado estiver eivado de má-fé, além de assistir ao depositante na ação judicial restituir o preço acolhido, o herdeiro do depositário responderá pelas perdas e danos decorrentes da alienação por ele efetuada.’

Finalmente, “se a coisa depositada já não mais existe, por ter sido consumida de boa-fé pelo comprador, o herdeiro indenizará o depositante, o mesmo ocorrendo-se a tiver consumido em seu uso pessoal” (José Lopes de Oliveira, Contratos, 1. ed., Recife, Livrotécnica, 1978, p. 172). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 341 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo cuida da venda a non domino feita de boa-fé pelo herdeiro do depositário que, sem ter conhecimento de que o bem é objeto de contrato de depósito, julga que o mesmo é parte de sua herança e o aliena a terceiro o negócio é, a princípio, nulo. Deve-se observar, no entanto, o Caput do CC 1.268, que valida a tradição a adquirente de boa-fé que se segue à oferta pública de acordo coma teoria da aparência.

Assim, desde que a venda a non domino da coisa depositada não esteja acobertada pela teoria da aparência, deve o alienante de boa-fé assistir o depositante na reivindicação e restituir do comprador o preço que recebeu pela alienação. Por ter agido de boa-fé na alienação e sendo o erro escusável, não estará o herdeiro obrigado ao pagamento de outros prejuízos do depositante. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 29.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 638. Salvo os casos previstos nos arts. 633 e 634, não poderá o depositário furtar-se à restituição do depósito, alegando não pertencer a coisa ao depositante, ou opondo compensação, exceto se noutro depósito se fundar.

No diapasão de Nelson Rosenvald, quando cogitamos dos requisitos subjetivos para dar ou receber em depósito, devemos pensar na capacidade de fato ara a prática de negócios jurídicos, ou na superação da incapacidade, pelos institutos da representação e assistência. Todavia, não se exige do depositante a qualidade de proprietário da coisa dada em depósito, sendo suficiente que a sus posse seja legítima.

Portanto, um locatário, comodatário ou usufrutuário são pessoas legitimadas a realizar o contrato de depósito, quando necessitem que o bem recebido em razão de uma relação e direito obrigacional ou real seja custodiado por um depositário. Em tais situações, haverá uma ampliação no desdobramento da posse, na medida em que o depositário será o possuidor direito e o depositante e o proprietário serão possuidores indiretos.

Sendo assim não poderá o depositário negar a restituição a pretexto da eventual falta de titularidade sobre a coisa por parte do depositante. O dispositivo abre exceção para as hipóteses em que o depositário tenha conhecimento da pendencia de execução sobre a coisa ou for ela judicialmente embargada. Certamente, são situações em que não seria aconselhável a restituição, sob pena de ser responsabilizado pelo credor do depositante (CC 312).

Outrossim, não poderá o depositário elidir a obrigação de restituir sob o argumento da existência de um crédito que lhe é devido pelo depositante, insinuando o instituto da compensação. Ora, o CC 373, II, é explícito ao vedar a compensação quando um dos débitos seja proveniente de contrato de depósito. De fato, justifica-se a inadmissibilidade da compensação por ser fundamental que o depositário restitua a coisa, além do que inexiste aqui a fungibilidade das dívidas – não só fungíveis, individualmente, mas entre si -, requisito para qualquer compensação, a teor do CC 369. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 665 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na Doutrina de Ricardo Fiuza, uma vez reclamado o depósito, deverá o depositário restitui-lo ao depositante. As exceções a este comando encontram-se expressa e taxativamente previstas no CC 633, de modo que nenhum outro motivo permitirá ao depositário recusar-se a devolver o bem.

Desse modo, a lei proíbe ao depositário subtrair-se à restituição da coisa, pelas razões enunciadas: 1. Não pode isentar-se pela escusa de não pertencer o bem ao depositante “porque ele não tem poderes para defender direitos de terceiros” (Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil, 4. ed., São Paulo. Saraiva, 1965, v. 2 – Direito das obrigações, p. 235). Porém, se o depositário tiver motivos razoáveis para suspeitar de que a coisa depositada foi dolosamente obtida pelo depositante, pertencendo a outrem, não será obrigado a restituí-la, como observado pelo CC 633, infine. 2 (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 341 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo o mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha, o depositante não precisa ser o proprietário da coisa, por esta razão, não pode o depositário recusar-se a devolver-lhe o bem somente por não ser ele o proprietário ou sob a alegação de compensação  por eventuais créditos que possuir junto ao depositante, exceto se os referidos créditos sejam relativos ao depósito, quando ele, depositário, passa a ter o direito de retenção (CC 644). O direito de retenção pode ser exercido por dívidas do mesmo depositante relativas a outro objeto. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 29.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).