quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 647, 648, 649 – continua - Do Depósito Necessário - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 647, 648, 649 – continua  
- Do Depósito Necessário - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo IX – Do Depósito -
(art. 647 a 666) Seção II – Do Depósito Necessário –
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Art. 647. É depósito necessário:

I – o que se faz em desempenho de obrigação legal;

II – o que se efetua por ocasião de alguma calamidade como incêndio, a inundação, o naufrágio ou o saque.

Como leciona Nelson Rosenvald, o capítulo destinado ao estudo do contrato de depósito é dividido em duas seções, uma para cada uma de suas espécies. Até agora comentamos o depósito voluntário, igualmente denominado de ordinário ou tradicional. Já a segunda espécie, a ser tratada doravante, é denominada depósito necessário, pois se aperfeiçoa independentemente de um ato de autonomia privada, mas por opções do legislador ou de situações extremas, com origem em fatos imprevisíveis. O contrato de depósito necessário é dividido em duas espécies: a) depósito legal (CC 647, I); b) depósito miserável (CC 647, II).

O depósito legal é consequente ao desempenho de uma obrigação legal. Não podemos olvidar de que as obrigações não emanam apenas da vontade como também de outras fontes, como o ato ilícito, o risco da atividade e a lei. Neste último caso, podemos incluir o depósito público de bens litigiosos ou em poder dos que se tornam incapazes (CC 634 e CC 641). Também será a hipótese das bagagens de viajantes e hóspedes nos locais em que se encontrem.

Além das situações descritas no Código Civil, o ordenamento jurídico disciplina uma série de situações de interesse público que recomendam a apreensão de bens seguida do depósito judicial, que não deixa de ser uma forma de deposito legal. O depositário judicial é auxiliar do juiz (CPC 159) e exercerá importante função de guarda e conservação de bens penhorados, arrestados e sequestrados.

O inciso II versa sobre o depósito miserável. O nome resulta das próprias situações extraordinárias que justificam a necessidade de uma pessoa socorrer a quem se encontra em perigo, diligenciando na guarda de bens que estão na iminência de ser destruídos por uma calamidade. Aliás, as hipóteses alinhavadas no dispositivo são meramente exemplificativas. Diante da amplitude do conceito jurídico indeterminado “calamidade”, outros fatos jurídicos stricto sensu poderão resultar no dever de solidariedade. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 671 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como apresenta a doutrina de Ricardo Fiuza, diferente do contrato de depósito voluntário, o necessário ou obrigatório pressupõe a ocorrência de circunstâncias excepcionais, imprevisíveis e urgentes, razão pela qual independe da vontade das partes contratantes e abstrai a mútua confiança. A sua celebração decorre da necessária dependência acertas obrigações, sejam motivadas da lei (depósito legal), sejam de calamidade pública ocasionada pelo fortuito (depósito miserável). Exemplificam-se, em primeira espécie, nos depósitos de bagagens em hotéis pelos hóspedes e de bens determinados em hospitais pelos pacientes. Na segunda, depósito repentino e imediato por necessidade impostergável ou mais particularmente sob o estado de perigo, feito por aqueles residentes em áreas de risco e que urgentemente carecem de colocar em guarda seus bens.

Washington de Barros Monteiro bem conceitua essa espécie de depósito ao enfatizar que consiste naquele “fruto de circunstâncias imprevistas, mas imperiosas, que impõem, não só a realização do depósito propriamente dito, como também a própria designação do depositário” (Curso de direito civil, 4 ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2 – Direito das obrigações, p. 239).

Jurisprudência: 1. “Aceitando o encargo de depositário judicial, assume o devedor responsabilidade pessoal com o Estado que deve ser cumprida, não havendo constrangimento ilegal na advertência judicial que conclama o cumprimento da obrigação assumida, sob pena de prisão civil. Recurso a que se nega provimento” (STJ, 3’ T., AORHC n. 17528-SP, rel. Mm Fátima Nancy Andrighi, DJ de 8-10-2001; 2. “(...) O depósito judicial e o contrato de depósito constituem institutos jurídicos de finalidade e natureza diversas: não se aplica ao depósito judicial, em consequência, o regime civil do contrato de depósito de bens fungíveis” (STJ, 3’ T. EC n. 18903-MS, rel. mm. Fátima Nancy Andrighi, DJ de 19-11-2001); 3. Empresa. Depositário infiel. O encargo de depositário judicial não é transferível por ato de disposição da parte” (STJ, 4’ 1. HC n. 15885-SP, rel. mm Cesar Asfor Rocha, DI de 17-9-2001); 4. “Depositário Judiciário. Prisão Civil. 1 – Instado a restituir os bens objeto de penhora pelos quais ficou o depositário infiel, sujeito à pena de prisão civil. Legalidade do decreto prisional” (STJ, 3’ T., RHC n. 11 342-SR Rel. Mm Antônio de Pádua Ribeiro. DI de 25-6-2001). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 346 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha o Código Civil cuida do depósito em duas seções. Na primeira, relacionada ao depósito voluntário, cuida do contrato de depósito propriamente dito, i.é, do depósito que é estipulado mediante a manifestação e vontade das duas partes envolvidas.

Na segunda, sob o título de depósito necessário, cuida de situações em que a lei impõe a relação de depósito sem que as partes manifestem qualquer intenção nesse sentido. São situações que são tratadas pela lei como depósito, situações em que a lei determina a incidência das regras de depósito e nas quais, em virtude desse tratamento, duas partes envolvidas passam a ter direitos e deveres próprios do depositante e do depositário.

O CC 647 classifica tais situações. No inciso I trata do denominado depósito legal. São exemplos dele o que ocorre em relação à coisa achada (CC 1.233, parágrafo único) e o que se dá em relação a valores pertencentes à Fazenda Pública em razão de descontos de contribuições ou tributos (Lei n. 8.866/94).

O inciso II cuida do denominado depósito miserável. Ocorre quando alguém recebe coisas de outra pessoa em razão da necessidade de salvá-las de alguma calamidade. A relação submete-se às regras do depósito, ainda que entre as partes não haja o intuito de estabelecer o contrato.

Além desses dois casos, há outro de depósito necessário, regulado pelo CC 649; é o depósito de bagagens de hóspedes em relação àquele que o hospeda. O depósito necessário não depende de forma escrita (CC 648, parágrafo único) e se presume oneroso (CC 651). (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 05.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 648. O depósito a que se refere o inciso I do artigo antecedente, reger-se-á pela disposição da respectiva lei, e, no silêncio ou deficiência dela, pelas concernentes ao depósito voluntário.

Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se aos depósitos previstos no inciso II do artigo antecedente, podendo estes certificarem-se por qualquer meio de prova.

Então, no saber de Nelson Rosenvald, o caput da norma é singelo. No depósito legal atenderemos às imposições da legislação que cuida do tema, sobretudo as leis processuais. Porém, em tudo aquilo que ela for omissa, supletivamente será aplicado o Código Civil, na parte em que disciplina o depósito voluntário.

O parágrafo único estende a recomendação do caput ao depósito miserável e vai além, pois dispensa contrato escrito entre depositante e depositário, admitindo qualquer outro meio de prova.

Com efeito, não poderia ser diferente. Em situações emergenciais, calamitosas, desbordaria do razoável a formalização de instrumento público ou particular do depósito, pois não há tempo para negociações. Ademais, as situações excepcionais são notórias, de conhecimento geral, sendo fácil a sua comprovação por testemunhas. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 671-672 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, ao depósito necessário legal serão aplicadas, quando omissa ou lacunosa a respectiva lei, as disposições regulamentadoras do depósito voluntário; o mesmo sucedendo, por expressão da presente norma, em relação ao denominado depósito miserável.

Diferentemente do depósito voluntário legal, o depósito miserável não exige, para sua comprovação, qualquer documento escrito, bastando a prova testemunhal. O ilustre jurista Washington de Barros Monteiro bem depósito miserável, leia-se: “Justifica-se, sem dúvida, esse tratamento liberal; as condições que rodeiam o depósito tornam impossível, muitas vezes, a observância de qualquer formalidade na celebração do contrato” (Curso de direito civil, 4 ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2 – Direito das obrigações, p. 240). Ademais, como ressabido, o depósito miserável é “o que se efetua por ocasião de alguma calamidade, como o incêndio, a inundação, o naufrágio ou o saque” (CC 647, II); portanto, por fatos notórios que, de tal modo, são conhecidos por alguns ou por todos. E suma, a simples ocorrência do evento inimputável a revelar a necessidade de realização do depósito já pode ser tida como início de prova da existência do próprio depósito. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 347 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na balada de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o depósito legal, a rigor, não é contrato, pois consiste em direitos e deveres estabelecidos por lei, independentemente de qualquer manifestação de vontade das pessoas que estejam submetidas à suas regras. Por tal motivo, por ser determinado por lei, não dependem de prova escrita, conforme o parágrafo único deste dispositivo. São exemplos de depósitos legais, o que se dá em relação à coisa achada (CC 1.233) e o relativo a contribuições e tributos pertencentes à Fazenda Pública (Lei n. 8.866/94). (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 05.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 649. Aos depósitos previstos no artigo antecedente é equiparado o das bagagens dos viajantes ou hóspedes nas hospedarias onde estiverem.

Parágrafo único. Os hospedeiros responderão como depositários, assim como pelos furtos e roubos que perpetrarem as pessoas empregadas ou admitidas nos seus estabelecimentos.

Por sugestão de Nelson Rosenvald, o depósito hoteleiro é aqui equiparado ao depósito legal. Em qualquer contrato de hospedagem remunerado, o proprietário do estabelecimento é tido como depositário das bagagens e dos pertences do hóspede. Cuida-se de um acentuado dever de proteção ao patrimônio dos clientes, que se estende a qualquer espécie de pousada ou abrigo transitório capaz de acolher o público em geral.

Se o depósito é um acessório em relação à hospedagem, será a fidúcia que se estabelece entre as partes que justificará o acautelamento do patrimônio do hóspede, homenageando-se o princípio da boa-fé objetiva.

O depósito em tais situações independe da tradição real dos objetos ao depositário, sendo suficiente que as bagagens dos viajantes seja m introduzidas no estabelecimento, mesmo que pertençam ao depositante, mas obviamente não ingressem nas dependências internas do estabelecimento, como o veículo do hóspede.

Além dos riscos normais assumidos pelo depositário em razão de seus atos culposos na conservação dos bens dos hóspedes (CC 629), o parágrafo único disciplina especial situação de responsabilidade civil pelo fato de terceiro, em razão de furtos perpetrados por pessoas empregadas ou admitidas no estabelecimento.

Quando estudamos responsabilidade civil, aprendemos que a obrigação de indenizar é consequente a um comportamento lesivo – comissivo ou omissivo – que guarda nexo causal com o dano sofrido pelo lesado (CC 927). A conduta que provoca o dano será um fato próprio ou de terceiro. Consoante explicita o CC 932, o fato de terceiro será atribuído a um responsável quando houver uma relação jurídica de subordinação legal (v.g., pais, tutores e curadores por filhos, tutelados e curatelados) ou contratual (empregador pelos seus empregados).

Com o advento do CC/2002, a responsabilidade pelo fato de terceiro será objetiva, independentemente da existência de culpa do empregador na escolha do funcionário, abolindo-se a discussão a respeito da culpa in vigilando. Trata-se da teoria da substituição, pela qual a responsabilidade indireta do empregador é fruto do risco introduzido pela sua atividade.

Isso explica a responsabilidade do depositário perante os hóspedes, abrangendo todos os seus empregados e prestadores de serviços – “pessoas empregadas ou admitidas” -, tendo o depositante lesado a possibilidade de acionar alternativamente o empregador, o empregado ou ambos em litisconsórcio passivo, em virtude da solidariedade entre o autor e o responsável (CC 942, parágrafo único).

Apesar do silêncio da norma, lembramos o estudioso da menção que o CC 932, IV faz à responsabilidade do depositário pelos danos causados por outros hóspedes ou frequentadores que transitam pelo local ao patrimônio do depositante. Cuida-se de aplicação da teoria do risco proveito, pela qual aquele que aufere o proveito econômico pela pousada (bônus) assume os riscos inerentes aos danos causados aos hóspedes (ônus), seja pelos seus empregados, seja pelas demais pessoas que compartilham o mesmo espaço.

O contrato de hospedagem não admite a cláusula de exclusão de responsabilidade – cláusula de não indenizar. Será reputada como não escrita, pois a obrigação de indenizar é prevista em lei sendo inadmissível convenção em contrário. Todavia, é defensável a aposição de limites pecuniários de responsabilidade, com restrição da indenização aos bens que ordinariamente são conduzidos pelo hóspede a qualquer estabelecimento (v.g., roupas, acessórios de limpeza e quantias razoáveis). Excluem-se as joias de alto valor e as quantias que extrapolam o necessário à pousada, a não ser que seja efetuada declaração acerca da existência e do valor dos bens, sendo eles entregues ao depositário e não simplesmente mantidos com o depositante em sigilo. Assim, objetos colocados em cofre devem ser descritos antecipadamente pelo hóspede, a fim de que o hospedeiro assuma a total obrigação de indenizar. Em suma, ao dever de proteção do hospedeiro se compatibiliza o dever de informação do hóspede, pois a relação de confiança se estende aos dois polos da relação obrigacional.

Aliás, a relação de consumo efetivada entre hospedeiro e hóspede implica a responsabilidade civil pelos danos materiais e morais provenientes do defeito da prestação de serviço, como alude o CDC 14. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 672-673 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Diz o histórico, antes do comentário de Ricardo Fiuza, defrontando-se o atual texto da norma – após modificações implementadas pelo eminente Senador Josaphat Marinho – com o dispositivo originalmente proposto pela Câmara, verifica-se que houve oportuna atualização de linguagem. O relator parcial da Câmara, Deputado Vicente Arruda, propôs com o retorno do projeto à Casa de origem, que fosse suprimida do texto a expressão “viajantes”, abrangida pelo termo “hóspedes”, sendo desnecessária a sua manutenção no texto, o que não se viabilizou por óbice regimental. Corresponde ao art. 1.284 do CC de 1916.

Quanto à doutrina apresentada, os hospedeiros respondem como depositários pelas bagagens dos hóspedes, por força do depósito necessário. Desse modo, cumpre-lhes assegurar a incolumidade dos bens durante a permanência do hóspede no estabelecimento. É irrelevante a natureza dos bens, podendo ser ou não de uso próprio, porquanto todos eles são caracterizados como bagagem (RT 632/96). A doutrina, todavia, os tem reconhecido como os bens habituais em viagem. Trata-se de responsabilidade legal; por isso assume o hospedeiro a obrigação de indenizar eventuais prejuízos causados aos bens colocados sob sua guarda, dela somente isentando-se, por hipóteses, em caso “de culpa ou concorrência de culpa do hóspede” (RT 572/177). A cláusula de não indenizar apenas terá validade desde que resulte do consenso das partes, não eficaz aquela constante de mero aviso, sem a anuência prévia do hóspede.

O parágrafo único preceitua a responsabilidade do hospedeiro também em face de furtos e roubos que cometerem contra o hóspede as pessoas empregadas ou admitidas no estabelecimento. A presunção de culpa é legis ei de lege, imposta pela lei, em acepção de responsabilidade objetiva, e tem razão de ser na assunção dos atos lesivos praticados por aquelas pessoas, porque, efetivamente, o hospedeiro chama a si os riscos do negócio.

Merece atenção a questão dos bens ali recolhidos, porquanto não entregues em depósito. “A situação corresponde a um comodato ou a um aluguel, estando o cofre entregue ao hóspede, ignorando o hospedeiro o conteúdo” (Responsabilidade civil, 3. ed., Rio de Janeiro, forense, 1992, p. 97-8). Anote-se, todavia, a posição do STJ: “O fornecimento de cofres para uso dos hóspedes não pode ser considerado como uma cessão gratuita, pois se inclui nos custos da atividade, refletindo-se no preço da diária. Não se considera o roubo à mão armada como causa de força maior, pois quem fornece cofres tem consciência do risco, sendo a segurança inerente ao serviço” (STJ, 3’Ii. MIA 249825-RI, rel. mm. Eduardo Ribeiro, DI de 3-4-2000).

Jurisprudência: “Tem o hotel a responsabilidade pelos hóspedes, sua segurança, bem-estar e integridade física, devendo indenizar em caso de acidente ocorrido nas dependências do mesmo, independentemente de culpa, nos termos do CDC 14, admitindo-se a cumulação de danos morais e materiais” (RT 729/259). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 347 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na balada de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a relação de hospedagem estabelece dois vínculos legais em relação às bagagens dos hóspedes: o penhor legal (CC 1.467, I), em benefício do hospedeiro e o depósito assimilado, em benefício do hóspede, conforme este dispositivo.

Por ser considerado depositário das bagagens o hospedeiro tem o dever de entrega-las ao hóspede, sempre que este as requisitar e responde pelos furtos e roubos cometidos por seus funcionários.

A responsabilidade objetiva do hospedeiro por atos de seus prepostos deflui da regra geral do CC 932, IV. Ela é ainda mais ampla, quando conforma relação de consumo, alcançando todos os danos inerentes à prestação do serviço, nos termos do CDC 14 e 17. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 05.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 645, 646 - Do Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 645, 646
- Do Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo IX – Do Depósito -
(art. 627 a 652) Seção I – Do Depósito voluntário –
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Art. 645. O depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se-á pelo disposto acerca do mútuo.

Para Rosenvald, o depósito voluntario é o negócio jurídico resultante da autonomia privada, sendo dividido em duas espécies: regular ou ordinário, e irregular. Até agora examinamos o depósito regular, cujo objeto é coisa infungível, perfeitamente individualizada. Nada obstante, é possível que as partes convencionem um contato de depósito sobre coisas fungíveis, que podem ser substituídas por outras da mesma espécie, qualidade e quantidade (CC 85).

No contrato de depósito irregular, poderá o depositário dispor da coisa fungível, sendo exonerado da obrigação de restituir a mesma coisa que recebeu, pois ao termo do contrato, ou quando lhe for solicitada a devolução (nos contratos sem termo), simplesmente entregará coisa equivalente.

O legislador fez questão de afirmar que tal modalidade de depósito voluntário será regida pelas normas relativas do contrato de mútuo (CC 586 a 592), em razão da grande aproximação entre os dois modelos, eis que o depositário não será um guardião por excelência da coisa, pois poderá alienar ou consumir o que recebeu, sendo fundamental a devolução de igual quantidade e qualidade. Contudo, extrai-se a diferença da própria teleologia dos institutos. O mútuo é realizado no interesse do mutuário e o depósito no interesse do depositante. Enquanto o mutuário tem o seu patrimônio acrescido pelo empréstimo, com a obrigação de restituir no prazo contratado ou, supletivamente no termo legal (CC 592), o depositário não poderá incluir os bens fungíveis em seu ativo, pois deverá restituir a qualquer tempo, mantendo o equivalente permanentemente à disposição do depositante (CC 633).

Tradicional exemplo de depósito irregular pode ser extraído do depósito bancário, no qual a instituição financeira é depositária de quantia em dinheiro (bem fungível), utilizando-a em suas transações, podendo o depositante retirar ou movimentar os valores depositados a qualquer tempo. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 670 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, grassa no Direito. É certo que o depósito é o contrato pelo qual uma pessoa (depositário) recebe de uma outra (depositante) um bem necessariamente móvel, fungível ou infungível, para guarda provisória. Assim, tendo em conta a fungibilidade, o depósito poderá ser regular ou irregular, disciplinados um e outro por disposições específicas.

Nesse passo, afirma o eminente Silvio Rodrigues: “a doutrina chama de irregular o depósito de coisas fungíveis, no qual o depositário não precisa devolver exatamente a coisa que lhe foi confiada, podendo restituir coisas da mesma espécie, quantidade e qualidade” (Direito civil, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3 – Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 268).

Pela semelhança com o contrato de mútuo, o depósito irregular será regulado pelas disposições aplicáveis àquele; porém, jamais poderá ser chamado de empréstimo, “pois visa assegurar a disponibilidade da coisa”; o depositário, ao guardá-la, não aumentará o seu patrimônio, visto que do seu ativo sempre será excluído o valor representativo do quantum depositado, sujeito a restituição a qualquer momento, o que não ocorrerá com o empréstimo, uma vez que o bem mutuado se incorporará ao patrimônio do devedor” (Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, 16. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3 – Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 294).

A recusa do depositário a restituir em substituição à coisa fungível objeto do depósito irregular, coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade, quando reclamada pelo depositante, autoriza que este último promova em face daquele a competente ação de cobrança. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 345 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Para o entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha objetos do contrato de depósito são, exclusivamente, bens móveis. O depósito de coisas fungíveis é conhecido como “depósito irregular”. Embora seja depósito, por ter como finalidade a atribuição da guarda de um bem ao depositário, rege-se pelas regras do mútuo. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 04.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 646. O depósito voluntário provar-se-á por escrito.

Segundo Rosenvald, a redação da norma não deixa dúvidas. A forma escrita é necessária ad probationem, mas não é solenidade essencial, a ponto de influir na validade do contrato de depósito voluntário (CC 104, III). Outrossim, admite-se as formas pública e particular, independentemente de valor.

É interessante que as partes reduzam o contrato a escrito, pois será possível demonstrar sua onerosidade (CC 628), bem como a fixação de um termo para a restituição (CC 633). Porém, tratando-se de contrato real, a prova testemunhal será admitida com cautelas pelo magistrado para atestar o ato físico da entrega do objeto, observando-se o CC 227.

Ademais, para o ajuizamento de ação de depósito, a inicial será instruída com a prova literal da relação jurídica (CC 902), o que abrange tanto o contrato escrito – mesmo que essa forma não seja da essência do negócio jurídico – como outro documento escrito, como um tíquete ou cupom que demonstrem a ocorrência da tradição. A ausência do instrumento retira do depositante a ação especial, devendo se contentar com o rito ordinário.

O preceito ora comentado não se aplica à modalidade do depósito necessário, que será certificado por qualquer meio de prova, considerando-se a premência de sua efetivação (CC 648, parágrafo único). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 670 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina de Ricardo Fiuza, o depósito voluntário não exige, para a sua celebração, forma especial ou, mais especificamente, solenização contratual. Entretanto, em matéria de prova, a lei reclama que haja apoio em instrumento escrito.

Silvio rodrigues muito contribuiu para o esclarecimento da questão ao afirmar o seguinte: “Acho que a ideia do legislador, ao reclamar prova por escrito do depósito voluntário, foi apenas a de impedir a prova exclusivamente testemunhal, capaz de conduzir às maiores iniquidades. Assim, embora o depósito se aperfeiçoe independentemente de qualquer documento, mister se faz, para provar-se, um começo de prova escrita. Nesse sentido tem reiteradamente decidido a jurisprudência brasileira (cf. Dimas R. Almeida, Repertório de Jurisprudência, julgados n. 1.112, 1.113 e 1.114)” (Direito civil, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3 – Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 260). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 345 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob o prisma de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o depósito voluntário é contrato real (CC 627) e somente pode ser provado por escrito, que pode consistir em documento simples: “Aliás, os cartões entregues ao depositante, como é de uso, constituem prova bastante, desde que permitam a perfeita identificação do objeto depositado” (Agostinho Alvim. Direito das obrigações: exposição de motivos. Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros, 1972, n. 24, p. 70). Deve ser levado a registro para valer contra terceiros (Lei n. 6.015, art. 129, 2º) (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 04.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 642, 643, 644 - Continua - Do Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 642, 643, 644 - Continua
- Do Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo IX – Do Depósito -
(art. 627 a 652) Seção I – Do Depósito voluntário –
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Art. 642. O depositário não responde pelos casos de força maior; mas, para que lhe valha a escusa, terá de prova-los.

Aprendendo com Nelson Rosenvald, ao exame do CC 636, observa-se que não mais se justifica a busca por critérios distintivos entre força maior e caso fortuito, pois o CC 393 produz equiparação de consequência, qual seja exoneração do devedor pelo fato de o dano advir de um evento externo à sua atuação, de natureza inevitável.

Diante do fortuito será excluído o nexo causal entre a conduta do agente e o dano, pois a lesão resultará do imponderável e não do comportamento comissivo ou omissivo do devedor. Este alegará o tradicional brocardo res perito domino para justificar que a coisa pertence ao depositante, assumindo ele os riscos da perda no período anterior à restituição, provando o depositário que a supressão do objeto não se deveu à sua atuação, mas ao fortuito (CC 238). Isto posto, o depositário somente arcará com as perdas e danos se expressamente houver subscrito cláusula de responsabilidade pelo fortuito, conforme temos no CC 393.

Não se olvide de que nas relações de consumo o contrato de depósito se tornou uma atividade profissional comezinha nos tempos atuais. Cuida-se de prestação de serviço em que o depositário é um fornecedor que onerosamente providencia a guarda de bens do consumidor (depositante), na forma do CDC 3º, § 2º. É patente que serão desconsideradas as cláusulas que excluam ou limitem a responsabilidade do fornecedor pela perda ou destruição da coisa (CDC 25), pois o equilíbrio contratual nas relações de consumo requer a responsabilização por todo e qualquer defeito do serviço que acarrete danos ao depositante.

Mesmo que inexista remuneração, não é raro percebermos que o depósito nada mais é que uma forma de estimular o consumidor a realizar outras formas de relações de consumo. É o caso do depósito gratuito dos pertences nos estabelecimentos noturnos e o depósito gratuito dos pertences nos estabelecimentos noturnos e o depósito de veículos em estacionamentos de shoppings e estabelecimentos comerciais. Os serviços são aparentemente gratuitos, pois a remuneração é indireta, traduzida na conquista da confiança da clientela e nas vantagens secundárias de uma suposta liberalidade para com o cliente.

Em qualquer caso, acreditamos que a resposta poderá ser encontrada na distinção entre o fortuito interno e o externo. Caso o evento lesivo ao patrimônio do depositante seja um fato externo à atividade do depositário, não será este obrigado a indenizar, pela inevitabilidade e imprevisibilidade da situação. Assim, não será lógico impor ao depositário de veículos a obrigação de indenizar os seus proprietários em razão de um tremor de terra que danifique os automóveis.

Contudo, existem situações em que a lesão aos bens do depositante é praticada por um evento externo à conduta do agente, mas que se relaciona imediatamente à atividade do depositário. Seria o caso do tão popular furto de veículos. Quem realiza o depósito de tais bens já conta com a previsibilidade de tais riscos, sendo possível evita-los com algumas medidas de segurança. Caso fique provado que o depositário não adotou as medidas mínimas de cautela, será responsabilizado, eis que a “força maior” será agora um fortuito interno, relacionado às atividades ordinárias de diligência do depositário. Certamente haverá a necessidade de aplicar o princípio da proporcionalidade – a diretriz da concretude de Miguel Reale -, para apanhar cada situação em seu contexto e verificar os riscos inseridos pela própria atividade empresarial e aqueles a ela excedentes, que não podem ser imputados ao depositário.

Agostinho Alvim, artífice do Livro do Direito das Obrigações, sempre ponderou que o caso fortuito é um impedimento relacionado à pessoa do devedor ou à sua empresa, enquanto a força maior é um acontecimento externo. E assim deverá ser lido esse dispositivo, o depositário não responde pela força maior (fortuito externo), mas apenas pelo caso fortuito (fortuito interno).

Por fim, é sempre bom lembrar que as obrigações são complexas. Compõem-se da autonomia privada acrescida da boa-fé objetiva. Aquela ao tempo da formação do negócio jurídico, determinando a obrigação principal e as prestações das partes; a boa-fé, imposta pelo sistema, com a função integrativa de produzir deveres instrumentais, laterais ou anexos que objetivam conduzir a relação jurídica ao adimplemento (CC 422). Para tanto, os contratantes observarão deveres de proteção, cooperação e informação, evitando que os interesses do contrato sejam sacrificados. O dever de proteção implica a tutela da integridade fisicopsíquica e o patrimônio do parceiro contatual. Qualquer lesão aos bens do depositário que possa ser associada à frustração da legítima expectativa de segurança que lhe fora prometida será considerada uma violação à sua confiança e, portanto, passível de indenização. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 667-668 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na esteira da Doutrina de Ricardo Fiuza, impõe-se afirmar que, efetivamente, “os riscos no Contrato de depósito correm à conta do depositante que é e continua sendo proprietário e res perito domino” (Caio Mário da Silva Pereira – p.  322). E assim suportados por relevante o fato de o depósito voluntario ser efetuado em atenção exclusiva dos interesses do depositante. O depositário responderá pelos riscos de convenção houver nesse sentido (RT 15 1/655).

Quando, porém, o dano advier de força maior, torna-se imperativo por dicção legal que o depositário comprove a ocorrência de tal evento para, então forrar-se da responsabilidade pelo ocorrido. Adversamente, não feita tal prova, não valerá a escusa, outorgando-se ao depositante, por consequência, cobrar do depositário os prejuízos advindos do dano.

Jurisprudência: 1. “Precedente da 21 Seção, REsp 169.293/SP, Relatora a Senhora Ministra Nancy Andrighi, julgado em sessão de 09/05/01, consolidando a jurisprudência da Cone, assentou que, verificada a impossibilidade justificada da restituição do bem pela ocorrência de caso fortuito ou força maior, pode o credor, reconhecido o crédito, promover nos próprios autos a execução contra o devedor, valendo a sentença como título judicial, afastada a possibilidade da prisão civil” (REsp 247.671-SP); 2. “O estabelecimento comercial que recebe o veículo para reparo em suas instalações é responsável pela sua guarda com integridade e segurança, não se configurando como excludente da obrigação de indenizar a ocorrência de roubo mediante constrangimento por armas de fogo, por se cuidar de fato previsível em negócio dessa espécie, que implica na manutenção de loja de acesso fácil, onde se acham automóveis e equipamentos de valor” (STJ. 4~ T., REsp 218.470-SP, rel. mm Aldir Passarinho Júnior, DJ de 20-8-2001); 3. “Sempre que se verificar a impossibilidade justificada da restituição da coisa depositada objeto da alienação fiduciária em garantia pela ocorrência do caso fortuito ou força maior (por roubo ou furto, v.g.), a sentença que a reconhecer deverá afastar a infidelidade do depositário e a possibilidade de prisão civil. Contudo, como o intuito satisfativo do credor, na alienação fiduciária, é o de receber o valor da dívida, e não o próprio bem objeto do depósito, desde que reconhecido o crédito, pode o credor promover, nos próprios autos, a subsequente execução contra o devedor, valendo a sentença que o fixar como título executivo judicial, prestigiando-se os princípios da economia, da celeridade e da efetividade processuais” (STJ, 4’T., REsp 156.965-SP, rel. Mm Cesar Asfor Rocha, DI de 3-5-1999).

A omissão da norma no tocante aos danos originados de casos fortuitos deve ser enfatizada, porquanto também não deverá responder o depositário em face de tais imprevistos. Pondera a respeito Ari Peneira de Queiroz: “os efeitos são sempre os mesmos, variando apenas a causa, pois, força maior é evento humano, enquanto caso fortuito é evento da natureza. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 343 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na pauta de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a regra geral res perito domino vigora relativamente aos riscos do depósito: se a coisa se perder por caso fortuito ou por força maior, o prejuízo recai sobre o depositante. O dispositivo atribui ao depositário o ônus da prova da ocorrência do caso fortuito ou da força maior. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 03.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 643. O depositante é obrigado a pagar ao depositário as despesas feitas com a coisa, e os prejuízos que do depósito provierem.

Lecionando Nelson Rosenvald, aqui temos outra consequência direta da natureza do contrato de depósito. Sendo o negócio jurídico realizado em proveito do depositante, todo o dever de zelo e diligencia do depositário implica a satisfação daquele. Assim, nada mais natural que responsabilizar o depositante pelas despesas realizadas com a coisa em seu exclusivo benefício, bem como pelos prejuízos provenientes do depósito.

Sob pena de enriquecimento injustificado, deverá o depositante restituir todas as despesas com materiais e trabalho empregados pelo devedor na conservação e custódia da coisa, como se fossem benfeitorias necessárias introduzidas pelo depositário. Aliás, mesmo benfeitorias úteis, por ele providenciadas de boa-fé, serão objeto de indenização, pois o dispositivo não explicita qual o tipo de despesa será paga pelo depositário, encaminhando o leitor para a regra geral do CC 242.

Caso se negue o depositante a arcar com as despesas e/ou prejuízos do depositário, este exercitará o direito de retenção, a ser referido nos comentários do próximo artigo.

Lembre-se de que no contrato de comodato o legislador acertadamente distribuiu os deveres de conservação da coisa de forma diversa, imputando-os ao comodatário (CC 584). Com efeito, o comodato é realizado no interesse do comodatário, sendo ele quem efetivará a exploração do bem concedido em empréstimo gratuito, auferindo vantagens econômicas. Assim, justifica-se a distinção dos efeitos com o contrato de depósito. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 668 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A Doutrina de Ricardo Fiuza explica que, divergente do contrato de comodato, que favorece unicamente o comodatário com o uso e gozo da coisa emprestada, procede-se ao depósito em proveito do depositante. Ao depositário, apenas, cumpre com zelo, a coisa alheia. Assim, inadmissível seria igualar o comodatário ao depositário e deste último exigir-se assumisse os gastos provenientes da guarda e conservação do objeto depositado. Nesse sentido, permanece a lição modelar de Washington de Barros Monteiro: “É que eles aproveitam ao depositante, são feitos no interesse deste; isentá-lo do respectivo pagamento seria possibilitar seu injusto locupletamento à custa do depositário. Esse direito só desaparece se a este se concedeu a faculdade de utilizar da coisa depositada” (Curso de direito civil. 4. ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2 – Direito das obrigações, p. 238).

De igual modo, a lei garante ao depositário o direito de ser reparado pelos prejuízos sobrevindos do contrato de depósito, “como acontece na hipótese de ser a coisa portadora de vícios ou defeito que possa causar danos a outras coisas depositadas ou ao próprio local” (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, 4. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1978, v. 3, p. 318), e de cujo vício ou defeito não tenha sido oportunamente advertido. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 344 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o depósito visa à guarda de bens. Se o bem depositado necessitar de manutenção, as despesas necessárias a ela são de responsabilidade do depositante. Se o depositário arcar com essas despesas poderá reavê-las do depositante. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 03.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 644.  O depositário poderá reter o depósito até que se lhe pague a retribuição devida, o líquido valor das despesas, ou dos prejuízos a que se refere o artigo anterior, provando imediatamente esses prejuízos ou essas despesas.

Parágrafo único. Se essas dívidas, despesas ou prejuízos não forem provados suficientemente, ou forem ilíquidos, o depositário poderá exigir caução idônea do depositante ou, na falta desta, a remoção da coisa para o Depósito Público, até que se liquidem.

Lecionando com Nelson Rosenvald, o direito de retenção é o mecanismo de defesa que assiste ao possuidor de boa-fé e lhe possibilita constranger o devedor a indenizá-lo, manterá o poder imediato sobre a coisa, mesmo que exista sentença concedendo a restituição do bem ao depositante, se tal decisão também condicionou a devolução ao pagamento das despesas provadas pelo depositário nos autos.

O CC/2002 aperfeiçoou a redação da norma, pois de agora e diante o direito de retenção se justificará não só como modo coercitivo para o depositário reaver as despesas descritas no CC 643 como ainda para obter a própria “retribuição devida”, nos casos em que o depositário for oneroso, por terem as partes avençado uma remuneração em favor do depositário, que não é paga pelo depositante.

Ressalva o parágrafo único que o exercício do direito de retenção é condicionado à liquidez dos débitos reclamados pelo depositário. Dívida líquida é aquela cujo valor pode ser extraído de mera análise da prova documental do depositário, dispensando-se provas testemunhal e pericial.

Em tais casos, o depositário se contentará em pleitear caução real (v.g., hipoteca) ou pessoal (v.g., fiança) por parte do depositante, para se acautelar diante de eventual inadimplemento. Impossibilitada a caução, subsidiariamente a saída será a remoção da coisa para o depósito público – determinada por ordem judicial – até a liquidação do débito. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 669 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina exposta por Ricardo Fiuza, pelo comando do CC/1916, art. 1.219, ao depositário era reconhecido, tão-somente, direito de retenção pelas despesas e prejuízos decorrentes do contrato de depósito, não, porém, pela remuneração devida pelo depositante. Com o CC/2002, passou-se a admitir o exercício pelo depositário dojus retentionis em caso de o depositante não se prestar a satisfazer o valor ressarcitório ou o quantum da indenização.

Nas hipóteses de o depositante recusar-se a pagar a remuneração por ele devida (CC 628), ou o valor líquido das despesas efetuadas ou dos prejuízos decorrentes do depósito (CC 643), desde que provados com imediatidade e de forma satisfatória, a lei faculta do depositário a retenção do bem objeto do depósito até que lhe seja paga a quantia correspondente.

É necessário, porém, “que a prova seja suficiente, e líquido o valor dessas despesas ou prejuízos” (José Lopes de Oliveira, Contratos, 1. ed., Recife, Livrotécnica, 1978, p. 172). Caso contrário, “faculta-se ao depositário exigir do depositante, caução idônea ou, na falta da mesma, a remição da coisa para o depósito público até liquidação do débito” (Arnoldo Wald, Curso de direito civil brasileiro¸ 14. ed., São Paulo, Revista dos tribunais, 2000, v. 2 – Obrigações e contratos, p. 450). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 344 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a principal obrigação que decorre do contrato de depósito para o depositante é a de restituir a coisa ao depositante. Excepcionalmente, fica o depositante isento dessa obrigação. Uma das exceções refere-se ao direito de retenção de que é titular o próprio depositário pelas despesas que lhe devam ser pagas pelo depositário em razão do contrato. O dispositivo exige que os créditos sejam líquidos para que o depositário possa exercer o direito de retenção e permite que o depositante dele exija caução ou a transferência da coisa ao depósito público até que o crédito seja liquidado. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 03.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 639, 640, 641 - Continua - Do Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 639, 640, 641 - Continua
- Do Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo IX – Do Depósito -
(art. 627 a 652) Seção I – Do Depósito voluntário –
vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 639. Sendo dois ou mais depositantes, e divisível a coisa, a cada um só entregará o depositário a respectiva parte, salvo se houver entre eles solidariedade.

No dizer de Nelson Rosenvald, a regra é desnecessária, pois as suas conclusões emanam de diretrizes da Teoria Geral das Obrigações, sem que exista nenhuma adaptação que justifique disciplina pormenorizada no contrato de depósito.

Destarte, quando o objeto do depósito for divisível por natureza, i.é, aquele que possa ser fracionado sem perda da substância ou do valor, o depositário restituirá a respectiva parte a cada um dos depositantes. Por mais que o artigo adote a expressão “e divisível a coisa”, não é possível restringir a dicção do texto aos casos de indivisibilidade por natureza, pois deverá o depositário atentar às hipóteses de indivisibilidade em razão da lei ou da convenção (CC 88), fatos que impedirão o fracionamento do débito.

Há que recordar que em qualquer hipótese de indivisibilidade da obrigação, com pluralidade de credores (depositantes), o devedor não poderá entregar o objeto a um só – pois poderá ser novamente cobrado pelos demais -, mas a todos conjuntamente, exceto se aquele que recebeu oferecer caução de ratificação dos outros credores (CC 260).

Caso exista a solidariedade, seja por convenção, seja por imposição da norma, o devedor somente se exonerará se restituir a integralidade da coisa a um só, ou conjuntamente. Não se esqueça de que na dúvida sobre o significado de cláusulas contratuais inexiste solidariedade, pois ela não se presume, já que impõe um agravamento de responsabilidade do devedor (CC 265). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 665 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Apresenta-se na doutrina de Ricardo Fiuza, segundo Naúfel, existindo pluralidade de depositantes e podendo a coisa depositada “partir-se em porções reais e distintas formando cada qual um todo perfeito (José Naúfel. Novo dicionário jurídico brasileiro, 7. ed., São Paulo, Parma, 1984, p. 485), o depositário terá a obrigação de restituir a cada um dos credores a respectiva cota, “salvo se houver entre eles solidariedade (...) ~ segundo a qual cada um dos credores solidários tem direito a exigir do devedor o cumprimento da prestação, por inteiro” (José Lopes de Oliveira. Contratos, 1. ed., Recife, Livrotécnica. 1978, p. 111).

O artigo trata de coisa divisível. Se, porém, indivisível for a coisa depositada, leciona, ainda, Lopes de Oliveira, no sentido de que os depositantes devem acordar no modo de recebe-la e, não havendo acordo, defere-se a solução do juiz” (ob. cit., p. 171). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 342 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, no caso de duas ou mais pessoas realizarem depósito de bem divisível, em consonância com o CC 257, presume-se a obrigação de restituir dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os depositantes, salvo se entre estes houver solidariedade, o que depende de cláusula expressa. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 02.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 640. Sob pena de responder por perdas e danos, não poderá o depositário, sem licença expressa do depositante, servir-se da coisa depositada, nem a dar em depósito a outrem.

Parágrafo único. Se o depositário, devidamente autorizado, confiar a coisa em depósito a terceiro, será responsável se agiu com culpa na escolha deste.

Complementando o enunciado do CC 627, na visão de Nelson Rosenvald, temos aqui uma especificação da própria natureza desse negócio jurídico. Não se confunda custódia com exploração econômica. Ao contrário do comodato e da locação, no depósito o possuidor recebe a coisa para guardar e não para usar e fruir, sob pena de responsabilidade contratual (CC 389). Naqueles contratos, a relação jurídica é estabelecida no interesse precípuo de quem recebe a coisa, portanto a guarda da coisa é pressuposto para a sua utilização; já no depósito o interesse é do credor, que exige cuidados de proteção e conservação da coisa. A guarda não é um meio, mas a própria finalidade do negócio jurídico.

Todavia, se houver licença expressa do depositante, permite-se ao depositário a fruição da coisa e mesmo a possibilidade de estipulação (espaço excedente) de subcontratação com terceiro, sem que se desnature o depósito. Cuida-se de medida excepcional, eis que desafia a natureza intuitu personae inerente à relação de confiança que justificou a realização do contrato com a pessoa do depositário.

Como adverte o parágrafo único, tanto os danos causados ao objeto pelo terceiro como a sua recusa em restituir a coisa implicarão responsabilidade do depositário. De fato, pune-se a lesão à legítima expectativa e à confiança do depositante quanto à diligência do depositário ao incumbir a guarda da coisa a quem não oferecia condições para tanto. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 665-666 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a percepção na doutrina do Ricardo Fiuza, diversamente do contrato de comodato, pelo qual móvel ou imóvel infungível, para que dele se utilize temporariamente, o contrato de depósito caracteriza-se simplesmente pela entrega de certo objeto móvel pelo depositante ao depositário, para que este temporariamente o guarde e o conserve.

De tal ordem, a norma impede ao depositário o uso e gozo da coisa depositada, salvo prévia e expressa autorização do depositante. Essa licença, todavia, não desnatura a sua qualidade de depositário. Afrontando o caráter volitivo negativo do depositante, responderá o depositário por perdas e danos oriundos de seu ato de servir-se do depósito.

É vedado ao depositário dar a coisa depositada em depósito a terceiro. o contrato de depósito voluntário é intuitu personae, i.é fundado na confiança de que o depositante confere a certo depositário, e disso decorre o óbice legal. Porém, permitindo expressamente o depositante, poderá o depositário confiar a coisa a outrem, ficando responsável, entretanto, se agiu com culpa na escolha deste. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 342 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o contrato de depósito de coisa infungível visa à guarda da coisa. A guarda não inclui o direito de uso. A utilização da coisa infungível pelo depositário depende de autorização expressa do depositante.

O contrato de depósito é intuitu personae, pois pressupõe a confiança do depositante no depositário. Não pode, por isso, o depositário se fazer substituir por terceiro, salvo autorização expressa do depositante. Se for autorizado a confiar a guarda da coisa a terceiro, ficará responsável o depositário por culpa in elegendo, i.é, se escolher mal a pessoa a quem confiou a guarda da coisa. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 02.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 641. Se o depositário se tornar incapaz, a pessoa que lhe assumir a administração dos bens diligenciará imediatamente restituir a coisa depositada e, não querendo ou não podendo o depositante recebe-la, recolhê-la-á ao Depósito Público ou promoverá nomeação de outro depositário.

Na esteira de Nelson Rosenvald, cuida a norma em epigrafe da incapacidade superveniente do depositário. Caso ele seja absoluta, ou relativamente incapaz (CC 3º e 4º) ao tempo da contratação, a sanção será a invalidade do negócio jurídico, por nulidade ou anulabilidade, conforme o grau de incapacidade (CC 104).

Pelo fato de não existir no ordenamento a figura da “invalidade superveniente” – pois a validade do negócio é aferida ao tempo de sua origem -, a perda da capacidade pelo depositário acarretará a resolução do negócio jurídico, afetando o plano de eficácia da relação contratual, eis que haverá a ineficácia superveniente do negócio jurídico.

Sendo a capacidade a regra e a incapacidade a exceção, haverá necessidade de prolação de sentença em processo de interdição, com imposição de curatela, a teor do CC 1.767. por mais que os limites da curatela sejam variáveis em função da concretude do caso (CC 1.772), a norma em comento não opera nenhuma distinção entre a extinção do contrato pelo maior ou menor grau da interdição, pois ambos conduzem à resolução.

Quanto aos efeitos do contrato produzidos antes da interdição, parece-nos que apenas serão cancelados se o depositante já sabia do estado do interditado e este sofreu prejuízo com o negócio jurídico. Explico: a sentença de interdição é constitutiva, pois não é ela que cria a doença, mas altera o status da pessoa. Assim, para evitar insegurança jurídica, só operará efeitos retroativos quando da leitura das cláusulas contratuais for possível observar que o contratante agiu de má-fé para tirar proveito da especial situação da outra parte.

A consequência da interdição para o presente contrato será a imediata restituição da coisa ao depositante pelo curador do depositário, pois a função deste é personalíssima e não poderá ser exercitada pela pessoa nomeada pelo magistrado para administrar o seu patrimônio. Porém, sendo inviável a restituição, pela impossibilidade voluntária ou fática do depositante de aceitar a coisa antes do prazo, não haverá outra saída a não ser a consignação em pagamento, mediante recolhimento da coisa ao depósito público ou, se não houver, a nomeação judicial de depositário.

Contudo, abre-se ainda ao curador do interditado a opção de nomear um novo depositário. I.é, detém o curador o direito potestativo de desconstituir a relação jurídica mediante devolução do objeto ou a possibilidade de eleição de uma pessoa capacitada a assumir o contrato, com as consequências dispostas na parte final do parágrafo único do CC 640, mesmo que não necessite o curador de autorização do depositante para designar o sucessor do incapaz. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 666 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No comentário de Ricardo Fiuza, pela norma prevista, se durante a vigência do contrato de depósito, o depositário se tornar incapaz, cumprirá ao administrador dos seus interesses restituir, imediatamente, a coisa ao depositante. Darcy Arruda Miranda, comentando o artigo, afirma que “a incapacidade superveniente resolve o contrato de depósito” (Anotações ao Código Civil brasileiro. 4. <1. São Paulo, Saraiva, 1995, v. 3, p. 365). É que, sobrevindo-lhe a incapacidade, o depositário incapaz não mais poderá “responder como o depósito” (Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil, 4. ed., São Paulo Saraiva, 1965, v. 2 – Direito das obrigações, p. 237). Ademais, assiste tal determinação o fato de ser o depósito voluntário intuitu personae.

Numa variante, diante da recusa do depositante em receber a coisa, por não querer ou por não poder, competirá ao administrador dos bens providenciar o seu imediato recolhimento ao Depósito Público ou a nomeação de outro depositário. Vale considerar, no segundo caso, que não há previsão de culpa do depositário, na hipótese aqui versada, diferentemente do ato de confiar a coisa em depósito a terceiro, por licença expressa do depositante, conforme estabelece o parágrafo único do CC 640. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 342 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como leciona Marco Túlio de Carvalho Rocha, por ser contrato personalíssimo, o intuitu personae, a incapacidade ou a morte do depositário extinguem o contrato, devendo a coisa ser restituída ao depositante. Se este não puder ou não quiser recebê-la, o representante ou sucessor do depositário a recolherá ao depósito público ou promoverá a nomeação de outro depositário. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 02.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).