segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 682, 683, 684 - continua - Da Extinção do Mandato - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 682, 683, 684 - continua
- Da Extinção do Mandato - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo X – Do Mandato -
(art. 682 a 691) Seção IV – Da Extinção do Mandato –
vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 682. Cessa o mandato:

I – pela revogação ou pela renúncia;
II – pela morte ou interdição de uma das partes;
III – pela mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os poderes, ou o mandatário para os exercer;
IV – pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio.

Conforme leciona Claudio Luiz Bueno de Godoy, o Código, no artigo presente, tal como disposto pelo CC/1916 no art. 1.316, e mercê de idêntica redação, dispõe sobre as causas de extinção do contrato de mandato, a começar por duas que se podem dizer voluntárias: a revogação e a renúncia.

A revogação é ato unilateral por meio do qual o mandante exerce faculdade potestativa de destituir o mandatário do encargo que lhe havia cometido. Essa potestade é da essência do mandato, ressalvadas as hipóteses excepcionais a seguir examinadas (CC 683 a 685), se, afinal, o contrato é daqueles fiduciários, portanto baseados em confiança, a qual pode desaparecer, ademais instituído no interesse do mandante, também passível de cessação. Não há forma especial, nem mesmo aquela por que consumado o mandato, para a revogação, que pode ser total ou parcial, bem assim expressa ou tácita, como quando o mandante nomeia outro mandatário para cumprir o mesmo encargo (CC 687), ou quando ele próprio pratica o ato para o que havia outorgado poderes. A revogação deve ser comunicada ao mandatário e a terceiros (CC 686). Se existente mandato com procuração lavrada por escritura pública, a revogação deve ser averbada no mesmo instrumento e, se lavada a efeito em outras notas, deve haver comunicação ao tabelionato em que consumado o ato revogado, para a referida averbação (no Estado de São Paulo há determinação administrativa a respeito, consubstanciada nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça – Provimento CG n. 58/89, nesta parte com redação dada pelos Provimentos n. 13/94 e 21/994 -, Capítulo XIV, itens 22.1 a 22.3). os efeitos da revogação são ex nunc e, portanto, não afetam os negócios já entabulados pelo mandatário.

Havendo mais de um mandante, a revogação por um só não desfaz a relação existente com os demais, salvo se o negócio cometido ao mandatário for indivisível. Se o negócio principal não for de interesse comum dos mandantes, a revogação por um deles, da mesma forma, não afeta os demais, a rigor tratando-se de relações individualizadas, ainda que instrumentalizadas por ato único.

O mandante que revoga o mandato sujeita-se ao ressarcimento das despesas adiantadas pelo mandatário, sem prejuízo, na advertência de Caio Mário da Silva Pereira, mesmo que o mandato seja por prazo indeterminado, de indenização se, malgrado discricionária (ad nutum), sua conduta for abusiva (Instituições de direito civil, 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1999, v. III, p. 263), lembrando-se que, hoje, a teoria do abuso não se liga apenas aos atos dolosos, deliberados ou propositadamente voltados a causar danos (CC 187). Destarte, ao caso, entende-se, deve ser aplicado o mesmo princípio de solidarismo, de boa-fé objetiva que anima a previsão do CC 473, parágrafo único.

Já se o mandato for oneroso, tem-se entendido que o mandante submete-se à composição dos prejuízos causados pelo exercício da revogação, quando não se justificar por conduta culposa do mandatário (ver, por todos: De Plácido e Silva. Tratado do mandato e prática das procurações. Rio de Janeiro, Forense, 1989, v. II, p. 837), de resto como sucede no Direito italiano, em que, textualmente, se estatui obrigação indenizatória afeta ao mandante que revoga, sem justa causa, mandato oneroso, conferido por tempo determinado ou para determinado negócio, estabelecendo, mais, igual indenização quando o ajusto seja por prazo indeterminado, porém revogado sem razoável aviso prévio (CC 1.725). Tudo sem prejuízo de, ainda no mandato oneroso, se pagar a remuneração proporcional ao quanto já cumprido do ajuste, quando revogado depois de iniciada a sua execução. E sem prejuízo, ainda, da indenização que, em caso de revogação de mandato irrevogável, se prevê no artigo seguinte.

Outra causa voluntária de extinção do mandato é a renúncia, ato unilateral praticado pelo mandatário, cuja possibilidade se funda nos mesmos pressupostos que fazem da revogabilidade a regra no mandato. Mas, também aqui, excepcionalmente, pode haver a irrenunciabilidade, que se considera ocorrer nos mesmos casos em que o mandato for irrevogável (cf. De Plácido e Silva. Op. cit., p. 870-1). A renúncia não guarda exigência de forma especial, podendo-se mesmo inferir a respectiva intenção do mandatário a partir de sua conduta, como a de devolver a procuração ao mandante, todavia devendo, em qualquer hipótese, haver sempre comunicação ao outorgante, e a tempo de haver proveitosa substituição, pena de indenização, que adiante se examinará (ver CC 688). A renúncia em mandato conjunto, por um dos mandatários, extingue o contrato, eis que necessária, ao seu cumprimento, a interferência de todos os mandatários.

Já uma causa legal de extinção do mandato é a morte, e de qualquer dos contratantes, afinal não se olvidando cuidar-se de ajuste fiduciário e intuitu personae. Não só a morte natural, como também a presumida, em sentido amplo, abrangendo a ausência, deve-se entender extintiva do mandato. Da mesma forma se subsume à espécie a dissolução e liquidação da pessoa jurídica. A despeito de se tratar de causa extintiva que opera de pleno direito, portanto independentemente de qualquer notificação, se falecer o mandatário, seus herdeiros, cientes do ajuste, darão aviso ao mandante, pendente ainda o negócio principal (CC 690), certo que, ao revés, morto o mandante, serão validados os atos posteriores praticados pelo mandatário insciente do falecimento, diante de terceiros de boa-fé (CC 689, infra). Mais, e como já se examinou (CC 674), mesmo havida a morte do mandante, ou mesmo mudança de seu estado, deve o mandatário concluir negócios já iniciados, se houver perigo de demora na sua interrupção.

De modo excepcional, não se extinguirá pela morte do mandante o mandato em causa própria (CC 685) e aquele estabelecido no interesse comum, portanto também do mandatário. Outra hipótese é a de o mandante já ter quitado o mandatário de todas as suas obrigações antes do falecimento. Havendo mais de um mandatário, extingue-se com a morte de um deles o mandato conjunto. Tudo afora as hipóteses dos CC 674, 689 e 691.

Outra causa legal de cessação do mandato é a interdição do mandante ou mandatário, dada a limitação de capacidade que ela induz, mas desde quando haja sido judicialmente declarada, de resto aplicando-se lhe as mesmas regras e ressalvas válidas para a morte.

A terceira causa legal extintiva do mandato é a mudança do estado de qualquer das partes, que as inabilitem a conferir poderes ou a exercer os poderes recebidos. Aqui devem ser compreendidos não só os casos que afetem a capacidade da parte, muito mais ligados à interdição, como outros que digam com a legitimação para a prática de determinado ato. Por exemplo o casamento, que não seja no regime da separação (CC 1.647), afeta o mandato outorgado para venda, por alguém então solteiro. Da mesma forma, o mandato ad judicia cessa se o mandatário ingressa em concurso incompatível com a advocacia.

A falência do mandatário será também causa extintiva da espécie em exame, excetuada a outorga para atos estranhos ao comércio; já a falência do mandante, que antes não extinguia o mandato conferido para prática de negócios que interessassem à massa, salvo revogação pelo síndico, na forma do disposto no art. 49 do Decreto-lei n. 7.661/45, agora, nos termos do art. 120 da Lei n. 11.101/2005, faz cessar seus efeitos, ressalvado o mandato conferido para representação judicial do devedor, que continua em vigor até que seja expressamente revogado pelo administrador judicial.

Por fim, são causas naturais de extinção do mandato o término de seu prazo e a conclusão do negócio para o qual foi outorgado. O que pressupõe, no primeiro caso, tenha sido estabelecido termo ad quem, o que não é obrigatório, podendo-se pactuar o mandato por prazo indeterminado, e no segundo que o mandato tenha sido outorgado para negócio ou negócios específicos, assim esgotando-se o ajuste pela ultimação do encargo conferido. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 705-706 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No lecionar de Ricardo Fiuza, os autores costumam ainda lembrar outras extintivas, que são de caráter geral, como a impossibilidade do objeto, a nulidade do contrato, a resolução por inadimplemento, a verificação de condição resolutiva (Instituições de direito civil, 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 262-3).

Desta valiosa lição doutrinária dessume-se que a extinção do mandato compreende, a rigor, três ordens de fatores: natural (quando decorre do seu integral cumprimento, pela expiração do prazo para que se perfez ou pela feitura do negócio sobre que versava seu objeto), voluntária (por manifestação ou acordo das partes para ultimá-lo) e legal (quando a própria lei indica algum(uns) fato(s), cuja(s) ocorrência(s) invalida(m) o contrato).

Via de regra, o mandato pode, a qualquer tempo, ser revogado simplesmente porque, além de se fundar na confiança do mandante para com o mandatário, é sempre constituído no interesse do primeiro, que, exatamente por isso, pode revoga-lo a seu livre alvedrio, quando bem lhe aprouver. Deveras trata-se de faculdade que lhe assiste, a ser exercitada a qualquer momento, ensejando, sem embargo, uma espécie de resilição unilateral, prescindindo de qualquer justificativa para tanto, desde que não mais lhe convenha o negócio (revogação ad nutum). Diz-se “via de regra”, porquanto as partes podem estipular cláusula de irrevogabilidade, prevista no CC 683, a seguir.

A revogação não produz efeitos retroativos, atingindo, apenas, os atos futuros (ex nunc), em respeito aos já praticados.

Se a manifestação de vontade provier do mandatário, haverá renúncia ao mandato, a qual, a exemplo da revogação, também detém cunho unilateral, mas há de ser comunicada a tempo, embora prescinda de sua justificação, a fim de que o mandante providencie a sua substituição.

A morte do mandante, como a do mandatário, configura outra causa extintiva do mandato, haja vista se tratar de contrato intuitu personae. A interdição de mandante ou de mandatário, por seu turno, também tem o condão de aniquilar o mandato, à medida que incapacita o agente de exercê-lo, desalijando-o dos poderes necessários para continuar o contrato a si confiado. O interdito, como sabido, não pode atingir os atos da vida civil, já que declarada judicialmente a sua incapacidade.

A hipótese trazida pelo inciso III – convém salientar – atina, em verdade, aos casos de estado de pessoa, precisamente no seu aspecto civil, e não à perda de capacidade propriamente dita.

Se o mandato foi outorgado por prazo determinado, quando o próprio instrumento assim estipular, cessará o contrato de pleno direito no momento em que expirar tal período. De igual modo, conferido o mandato somente para algum ato específico, ocorrendo este ato também extinguir-se-á. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 365-366 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na ilustração de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a) revogação e renúncia são os negócios jurídicos unilaterais que cabe, respectivamente, ao mandante e ao mandatário, para resilir o mandato. O andante extingue o mandato mediante a revogação dos poderes que concedeu ao mandatário; o mandatário pode, igualmente, extinguir o mandato mediante a renúncia dos poderes que recebeu. São atos unilaterais e, portanto, dependem da manifestação de vontade de apenas uma das partes. São, no entanto, negócios receptícios: para tornarem-se eficazes é necessário que deles tenham conhecimento os respectivos destinatários; b) Morte ou interdição de uma das partes. A morte do mandante ou do mandatário extingue o contrato imediatamente, mesmo antes de chegar ao conhecimento da outra parte. No caso de morte do mandante, no entanto, são válidos os atos que o mandatário praticar em seu nome, de boa-fé, antes de tomar conhecimento do óbito (CC 689); c) Mudança de estado. Incapazes podem ser mandantes uma vez que se façam representar ou sejam assistidos por seu representante legal. Se, no entanto, o mandante capa vier a se tornar incapaz, essa mudança de estado determina a extinção do mandato. Do mesmo modo, se o mandatário capaz tornar-se incapaz, cessa o mandato. Os negócios eventualmente praticados após a mudança de estado do mandante e do mandatário, mediante o uso do mandato, são nulos. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 23.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 683. Quando o mandato contiver a cláusula de irrevogabilidade e o mandato o revogar, pagará perdas e danos.

No diapasão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, como se vem de examinar nos comentários ao artigo precedente, o mandato, por encerrar ajuste fiduciário, assim intuitu personae, é, em essência, revogável pelo mandante. Mas, disse-se também que há hipóteses excepcionais de irrevogabilidade, que começam a ser tratadas, pelo Código, no artigo presente. Com efeito, e tal como já constava do art. 1.317, I, do CC/1916, prevê a lei, antes de tudo, que as próprias partes possam, corolário de sua autonomia privada, convencionar a irrevogabilidade.

A diferença, porém, está em que, no anterior Código, expressava-se no artigo mencionado, sem mais, sem qualquer ressalva, a irrevogabilidade de mandato ajustado com cláusula dessa jaez, destarte abrindo-se a discussão sobre se haveria um direito de o mandatário executar o ajuste, ainda que de forma coativa, negando-se qualquer efeito à revogação que, a despeito de cláusula vedatória, viesse a ser externada pelo mandante (de resto tal qual é a solução, de ineficácia, para a hipótese de revogação alvitrada no artigo seguinte, infra, a cujos comentários se remete).

Na verdade, contudo, já avultava o entendimento de que, malgrado a irrevogabilidade convencionada, poderia, ainda assim, o mandante revogar os poderes conferidos, ante a natureza do contrato de mandato, só que, nesse caso, obrigando-se a compor perdas e danos, se não houvesse justa causa para a revogação.

Por outra, já se defendia que a cláusula de irrevogabilidade impunha uma obrigação de não fazer, mas sem consequência outra, resultante de seu descumprimento, que não fosse a composição de perdas e danos (v.g., Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil – direito das obrigações. São Paulo, Saraiva, 1956, v. II, p. 301; Mário Caio da Silva Pereira. Instituições de direito civil, 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 265).

Pois agora, com a redação dada ao CC 683, do Código Civil de 2002, positiva-se esta orientação, ou seja, no sentido de que, quando convencionada a irrevogabilidade, a revogação, mesmo assim opera efeito, por ser da essência do mandato, mas sujeitando o mandante, e aí a consequência, a compor perdas e danos como qualquer contratante inadimplente.

Por fim, vale a ressalva de que a leitura a contrário do preceito não deve levar à conclusão de que, se não pactuada a irrevogabilidade, a revogação exima o mandante, sempre, de qualquer consequência indenizatória. Consoante se advertiu nos comentários ao artigo antecedente, a que ora se remete, a revogação do mandato, mesmo se não vedada pelo ajuste, e ainda que a entabulação tenha sido por prazo indeterminado, pode também suscitar composição de perdas e danos, mas mercê de diferente cognição, que envolve a verificação de abuso, segundo o paradigma da boa-fé objetiva, vale dizer, de padrão de comportamento leal que se espera dos contratantes. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 706-707 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Lecionando Fiuza, sendo a regra a possibilidade de revogação do mandato, pela sua própria natureza jurídica, a cláusula de irrevogabilidade, eventual e explicitamente inserta no contrato, deverá ser observada em toda a sua plenitude, justamente por estar presente, tão-somente, em caráter excepcional, a que, sponte sua, anuíram os interessados. Vale dizer, se acordada pelas partes interessadas a sua previsão no contrato, há ela de ser rigorosamente cumprida, sob pena de o mandante responder pelas perdas e danos desta inobservância advindos.

O percuciente Caio Mário, já antevendo uma eventual problemática que poderia surgir nesse particular, asseverou que, “tendo as partes em vista a natureza do negócio ou seus recíprocos interesses, podem convencionar que o mandante não tem a faculdade de cassar os poderes. Em tal caso, adquire o mandatário o direito de exercer o mandato, sem ser molestado. Mas, sendo a cassação da própria essência do mandato, tem-se entendido que, se o constituinte o revogar, não obstante a proibição convencionada, estará sujeito a pagar ao procurador a remuneração total, ou indenizá-lo dos prejuízos resultantes da revogação inoportuna ou injusta, como qualquer outro contratante inadimplente” (Instituições de direito civil, 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 265). Em outras palavras, “com essa estipulação, ele assume obrigação de não fazer, que, violada, dá lugar à composição dos prejuízos” (RT 150/525 e 178/168). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 367 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o mandato é, em regra, revogável. A lei admite que seja outorgado com a cláusula de irrevogabilidade. Presente a cláusula, duas situações podem se apresentar, segundo a natureza do negócio a que se destina o mandato: a irrevogabilidade pode tornar ou não eficaz eventual ato revocatório.

A revogação será ineficaz somente se a cláusula de irrevogabilidade for condição de um negócio jurídico bilateral ou se tiver sido estipulada no exclusivo interesse do mandatário, conforme determina o CC 684, a seguir.

A compreensão da norma exige ter em mente que, apesar de o mandato ser exercido em nome do mandante, a outorga pode visar a atender ao interesse concreto de qualquer pessoa: do próprio mandante, do mandatário ou de terceiros. Assim, p. ex., se A promete vender a B um imóvel e, paralelamente, outorga a B poderes para representar A na escritura de compra e venda, esse mandato terá sido outorgado no interesse do próprio mandatário.

Desse modo, uma vez que cláusula de irrevogabilidade não estabelecida em mandato estipulado em benefício do próprio mandatário, ela somente implicará a responsabilidade do mandante por indenizar os prejuízos causados ao mandatário pela revogação; não impedirá a eficácia dela. Assim, p. ex., se A outorga poderes a B para defende-lo em juízo, tal mandato será no interesse do mandante. Se dele constar a cláusula de irrevogabilidade, ela não retirará a eficácia de eventual revogação; obrigará o mandante a indenizar o mandatário pelos danos que tiver sofrido com a revogação. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 23.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 684. Quando a cláusula de irrevogabilidade for condição de um negócio bilateral, ou tiver sido estipulada no exclusivo interesse do mandatário, a revogação do mandato será ineficaz.

No diapasão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, segue o Código, no dispositivo presente, e como já se disse no comentário ao artigo anterior, tratando de excepcionais hipóteses de irrevogabilidade do mandato. Só que, agora, diversamente do que se previu no preceito antecedente, e reforçando a conclusão lá externada, a propósito da consequência da revogação de que cuida, estabelece o Código a sanção de ineficácia para a revogação que se venha a externar quando a irrevogabilidade, no dizer do artigo ora em comento, for condição de um negócio bilateral ou tiver sido estipulada no exclusivo interesse do mandatário. Vale dizer, se se cuida de revogação de mandato pactuado, sem mais, com cláusula de irrevogabilidade, a consequência é indenizatória, mas operando efeitos o ato revocatório (CC 683). Já se a irrevogabilidade é condição de negócio bilateral ou interessa só ao mandatário, então a revogação será, antes, ineficaz (CC 684).

Essa é a diversidade de tratamento que o novo Código reservou às hipóteses descritas, genericamente, sob a única rubrica da irrevogabilidade, no art. 1.317 do CC/1915. O mandato que seja condição de um negócio jurídico bilateral não se revoga como decorrência da própria irrevogabilidade deste negócio principal.

Na explicação de Pontes de Miranda, a hipótese se refere à contratação, em um ajuste bilateral, de um mandato que sirva ao cumprimento de prestações convencionadas (Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, RT, 1984, t. XLIII, § 4.690, n. 2, p. 86). Da mesma forma, se o mandato é estabelecido no interesse exclusivo do mandatário, como quando contém a cláusula in rem suam (v. artigo seguinte) ou quando já se lhe tenha dado integral quitação de suas obrigações (ver comentário ao CC 682), igualmente haverá irrevogabilidade e ineficácia da revogação que, apesar disso, manifeste-se.

O mandato conferido no interesse comum do mandante e do mandatário, ou do mandante e de terceiro, via de regra, como observa De Plácido e Silva (Tratado do mandato e prática das procurações. Rio de Janeiro, Forense, 1989, v. II, p. 892), subsume-se à hipótese da primeira parte do preceito ou, então, significa forma de cumprir qualquer obrigação ou negócio preliminar, o que se contemplou no CC 686, parágrafo único, adiante examinado. Aliás, em virtude desse preceito, não se repetiu, no artigo em comento, a segunda parte do inciso II do art. 1.317 do CC/1916, não se tendo repetido seu inciso III por concernir a matéria de direito societário. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 708 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo a doutrina de Ricardo Fiuza, nesta hipóteses, a cláusula de irrevogabilidade representa, verdadeiramente, uma condição acessória de um contrato principal, de natureza bilateral, ou funciona como um meio para cumprir o fim: a realização da obrigação contratada.

Doutra banda, a revogação do mandato não surtirá quaisquer efeitos, juridicamente considerados, quando a cláusula de irrevogabilidade houver sido constituída em benefício do mandatário. A razão de ser dessa restrição reside, essencialmente, na necessidade de se resguardar e tutelar os interesses do mandatário, que se inclinou a aceitar a incumbência de representar o mandante, se, a contrapartida de perceber qualquer bônus para tanto. Nada mais razoável, portanto, do que fornecer-lhe tal garantia, para não ser surpreendido com a repentina e injustificada resilição do mandato. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 367 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a compreensão desta norma exige ter em mente que, apesar de o mandato ser exercido em nome do mandante, a outorga pode visar a atender ao interesse concreto de qualquer pessoa: do próprio mandante, do mandatário ou de terceiros. Assim, v.g., se A promete vender a B um imóvel e, paralelamente, outorga a B poderes para representa-lo na escritura de compra e venda, esse mandato terá sido outorgado no interesse do próprio mandatário que, como comprador, é o maior interessado na escritura de compra e venda.

Desse modo, se o mandante manifestar a vontade de revogar o mandato, tal revogação não terá eficácia, permanecendo os poderes outorgados ao mandatário. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 23.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 678, 679, 680, 681 - Das Obrigações do Mandante - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 678, 679, 680, 681
- Das Obrigações do Mandante - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo X – Do Mandato -
(art. 675 a 681) Seção III – Das Obrigações do Mandante –
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Art. 678. É igualmente obrigado o mandante a ressarcir ao mandatário as perdas que este sofrer com a execução do mandato, sempre que não resultem de culpa sua ou de excesso de poderes.

No lecionar de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o dispositivo presente reproduz a regra do art. 1.312 do Código de 1916 e institui mais uma obrigação do mandante, qual seja, a de ressarcir o mandatário por todos os prejuízos que ele tem, sem culpa sua ou excesso de poderes, tenha experimentado na execução do mandato. Trata-se das chamadas perdas ab mandatum, que a lei quer ver ressarcidas ao mandatário como forma de se garantir que ele não experimente um prejuízo com o fiel cumprimento de ajuste que, afinal, é entabulado para consumação de negócio ou atividade no interesse e proveito do mandante, por isso a quem se comete o dever ressarcitório.

Impende, porém, que os prejuízos tenham sido sofridos, como está no preceito, na execução do mandato, o que significa dizer por causa do cumprimento do encargo ou mesmo por ocasião desse mesmo desempenho. Esse ressarcimento somente não se imputará ao mandante se a perda tiver sido provocada por conduta culposa do próprio mandatário ou se ele tiver agido sem os devidos poderes, até porque não vinculado o mandante ao respectivo resultado (CC 662).

Mas, se são essas as excludentes da obrigação ressarcitória em comento, é bem de ver, então, que ela, ao revés, não se afasta se ocorrido fortuito ou força maior. Ou seja, mesmo que as perdas do mandatário dimanem do casus, o mandante permanecerá com o dever de ressarcir. Em diversos termos, e sempre à consideração de que o mandato se cumpre, mercê de sua outorga, em seu interesse, ao mandante está afeto o risco de perdas que o mandatário sofra no exercício do mister, risco este somente afastável se ele, mandatário, tiver obrado com culpa ou, o que é equivalente, sem poderes, aí sim, assumindo o risco de prejuízo para si.

A toda esta previsão é indiferente, como salienta De Plácido e Silva, que o mandato seja oneroso ou gratuito, porquanto geral a regra estabelecida (De Plácido e Silva. Tratado do mandato e prática das procurações. Rio de Janeiro, forense, 1989, v. 11, p. 644). Na mesma esteira a lição de Carvalho Santos, comentando o art. 1.312 do CC/1916, e para quem mais a indenização também será devida aos herdeiros do mandatário, quando ele vem a falecer por causa e no desempenho do mandato (Carvalho Santos. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. XVIII, p. 288-9). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 701/702 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na esteira de Ricardo Fiuza e sua doutrina, se, de um lado, é inteiramente vedado ao mandatário manter consigo os lucros e as vantagens oriundas da execução do mandato, de outro é exato afirmar, outrossim, que ele nada pode perder por isso, cabendo, indistintamente, ao mandante o ressarcimento de todos os prejuízos surgidos como consectário do desempenho da função, exceto quanto tal prejuízo advier de conduta culposa sua, incluindo-se aí a sua atuação exorbitando os limites do contrato.

Com essa previsão, a lei protege a esfera patrimonial do mandatário, que dela se utilizou, durante o desenrolar do contrato e em benefício do constituinte, para cumprir, com perfeição, o seu encargo, sendo inteiramente razoável, por isso, eu não arque com ditas despesas extras, surgidas em decorrência – repita-se – da fiel execução do mandato. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 364 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sinteticamente na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, se na execução do mandato o mandatário vier a sofrer perdas, o mandante é obrigado a lhas ressarcir. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 19.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 679. Ainda que o mandatário contrarie as instruções do mandante, se não exceder os limites do mandato, ficará o mandante obrigado para com aqueles com quem o seu procurador contratou; mas terá contra este, ação pelas perdas e danos resultantes da inobservância das instruções.

No entender de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a regra do dispositivo, repetida em relação ao que se continha no anterior Código, vem exatamente ao encontro do quanto já se expendeu nos comentários ao CC 662, suporá, em particular da diferenciação, que se efetuou, entre falta ou excesso e abuso de poderes. Se a falta ou o excesso de poderes não vincula o mandante, diversa é a situação quando, nos limites dos poderes outorgados, age o mandatário contra, em conflito com os interesses do mandante, mesmo assim vinculado, malgrado com pretensão reparatória contra o outorgado.

Da mesma forma, no artigo em comento, prevê-se que se o mandatário contraria instruções do mandante, mas sem extravasar os poderes que lhe foram outorgados, age vinculando-o, a despeito de se ressalvar a mesma postulação ressarcitória mencionada. Isso porquanto, a rigor, tende-se a preservar a situação do terceiro de boa-fé que negocia com o mandatário o qual, enfim, atua nos limites dos poderes que lhe foram outorgados e que são conhecíveis por aquele com quem trata. Pressupõe-se, destarte, que as instruções tenham se circunscrito à relação interna entre mandante e mandatário, por isso inoponíveis ao terceiro, o qual, assim, possui amplo direito de exigir do mandante a obrigação que, em seu nome, tenha sido assumida pelo mandatário, sempre garantido regresso ressarcitório. Porém, por idênticos motivos, se o terceiro conhecia ou devia conhecer a desobediência às instruções do mandante, portanto faltando-lhe boa-fé, entende-se incidir a mesma consequência anulatória referida nos comentários ao CC 662 e prevista no CC 119. Em diversos termos, nesta última situação mancará, justamente, o elemento axiológico que dá sustento à regra do artigo vertente. Não se compadece o sistema, e a eticidade que se quer a ele inerente, com a atuação de má-fé de terceiro que sabe, ou deveria saber, que o mandatário, mesmo nos limites dos poderes outorgados, age em desacordo com as instruções recebidas do mandante, em nome de quem, na pressuposição do Código Civil, como já se viu (ver comentário ao CC 653), assume obrigação. Por isso que a regra da norma presente deve concernir à situação do mandatário que atua nos lindes dos poderes outorgados, contra as instruções recebidas do mandante, o qual mesmo assim se vincula perante terceiro, desde que de boa-fé, então apenas se garantindo ao mandato ação, contra o mandatário, pelas perdas e danos que a inobservância das instruções lhe tenha provocado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 702 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na esteira de Fiuza, regra geral, o mandante pode sofrer ação direta promovida por terceiros com que o mandatário contratou, cedo que ao primeiro compete honrar todas as obrigações pelo segundo contraídas, no limite dos poderes a este conferidos no mandato, salvo nas situações já dissecadas anteriormente. Tudo isso porque, como já ressaltado à saciedade, o mandatário age em nome e sob responsabilidade do mandante, que assume responsabilidade de modo pleno, absoluto, desde que contraída pelo mandatário nos termos do mandato.

Ainda que o mandatário desatenda às instruções ministradas pelo mandante, mas com essa insurgência não exorbite os limites do mandato, o segundo ficará vinculado ao cumprimento da avença, inclusive para com quem o primeiro contatou, ressalvando-lhe todavia, o direito de ajuizar ação regressiva contra o mandatário, almejando o ressarcimento por perdas e danos, resultantes da desobediência às reportadas instruções.

Em verdade, esse axioma origina-se do respeito ao princípio da segurança jurídica, no interesse de manter a estabilidade das relações jurídicas, sejam elas mercantis, sejam civis. E que os terceiros negociantes com o mandatário apenas conhecem os termos do mandato, não podendo, por absoluta impossibilidade material, ficar vinculados às regras extras ministradas pelo mandante ao mandatário, justamente por não conhecerem sequer seu conteúdo, quanto mais sua extensão.

Neste particular, impõe-se colher insumo do insuperável Orlando Gomes, quando averbava: “a atuação exorbitante não se identifica a atuação contrária às instruções. Se o mandatário não as observa o terceiro não será prejudicado, por isso que a infração não exonera o mandante de satisfazer as obrigações contraídas, se os poderes não forem excedidos. Como as instruções participam apenas da relação interna, o mandante terá ação contra o mandatário somente pelas perdas e danos resultantes de sua inobservância” (Contratos, 8.ed. Rio de Janeiro, Forense, 1981, p. 419). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 365 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Acrescentando saberes de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o mandante pode conter, além dos poderes, instruções. Os poderes são expressos a fim de que possam ser conhecidos por aqueles junto a quem o mandato deva ser exercido. As instruções costumam remanescer no âmbito da relação entre mandante e mandatário e, portanto, nenhum valor tem em relação a terceiros.

Se A outorga poderes a B para a venda de determinado bem, B dará conhecimento de tais poderes a C com quem pretende contratar em nome de A.

Na mesma situação, pode ocorrer que A estabeleça um preço mínimo, abaixo do qual B não poderá realizar o negócio, embora mantenha o intuito de vender a C por preço maior. Nessa circunstância, o limite estabelecido por A a B é uma instrução. Se B vender a C por valor inferior ao mínimo estabelecido por A, este ficará vinculado, pois a fixação de preço mínimo não foi estabelecida como limitação aos poderes do mandato, mas como instrução. Embora o negócio com C vincule A, B deverá ressarcir a A os prejuízos causados por ter violado a instrução. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 19.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 680. Se o mandato for outorgado por duas ou mais pessoas, e para negócio comum, cada uma ficará solidariamente responsável ao mandatário por todos os compromissos e efeitos do mandato, salvo direito regressivo, pelas quantias que pagar, contra os outros mandantes.

Seguindo instruções de Claudio Luiz Bueno de Godoy, da mesma forma que se possibilita seja o mandato concedido a mais de um mandatário, como se viu nos comentários ao CC 672, o contrato pode implicar diversa pluralidade subjetiva, quando outorgado por mais de uma pessoa, assim concorrendo mais de um mandante. Pois o dispositivo em comento, na mesma esteira do que já fazia o art. 1.314 do CC/1916, cuida da responsabilidade de cada qual dos mandantes, perante o mandatário, que se institui solidária quando a outorga for para a consumação de negócio comum. Ou seja, excepcionalmente, cada mandante responderá, não pela sua quota-parte, como é a regra, mas pela totalidade dos encargos devidos ao mandatário, ou aos mandatários, sempre que o mandato tiver sido concedido num mesmo instrumento e para a execução de um negócio comum, de interesse comum de todos os outorgantes, assim solidários. Isso porquanto, se há mandatos instrumentalizados em separado, por atos diversos, i.é., concedidos separadamente por cada mandante, mesmo que para negócio comum, as relações contratuais são individualizadas e, assim, terá o mandatário a ação que lhe competir contra cada qual de seus contratantes. De igual maneira, oposto seja um só o instrumento do mandato, se outorgado por vários mandantes, mas para negócios a cada um deles afeto, então também haverá relações individualizadas. Destarte, apenas se um só for o instrumento e comum o negócio para o qual outorgado o mandado por mais de uma pessoa é que haverá a solidariedade.

A responsabilidade solidária dos mandantes, imposta pelo preceito em comento, abrange tudo quando seja devido ao mandatário, em razão da execução do mandato. Abarca, pois, o direito do mandatário à remuneração, ao reembolso de despesas, aos juros acaso devidos (CC 677) ou à recomposição das perdas sofridas. Mas essa solidariedade se impõe tão somente na relação interna entre os mandantes e o(s) mandatário(s). vale dizer, a solidariedade não se estabelece na relação externa, dos mandantes diante de terceiro com quem o mandatário haja negociado.

Impende não olvidar que a solidariedade não se presume, decorrendo necessariamente de lei ou da vontade das partes (CC 265). E, no caso, a lei apenas estabelece a solidariedade dos mandantes, cumpridos os requisitos já examinados, perante o mandatário. Não, destarte, perante terceiros, salvo a declaração de vontade, ou seja, se outorgados ao mandatário poderes para assunção de obrigação solidária dos mandantes. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 703 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Lecionando Ricardo Fiuza, fixem-se vários os outorgantes, todos, por imperativo legal, serão solidariamente responsáveis para com o mandatário, por todos os compromissos (despesas com reembolso, a título de indenização, ou pela própria remuneração) e efeitos do mandato. Configura-se, no caso, a hipótese de solidariedade legal, cuja repercussão prática é a de que o mandatário, querendo, poderá exigir de um deles apenas o cumprimento dos deveres do mandato, seja total, seja parcialmente. Em se acionando um deles para efetuar o pagamento integral, liberam-se os demais.

Contudo, aquele que vier a adimplir as obrigações terá ação regressiva, pela quantia paga, contra os outros que permaneceram inertes, para receber, de cada um, a parte que lhe couber, reavendo a quantia desembolsada, excluída apenas a sua cota-parte. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 365 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em Direito.Com, encontra-se, A e B outorgam poderes a C para a prática de um negócio comum, isto é, um negócio em que A e B serão representados por C. Os mandantes ficam solidariamente obrigados junto a C pelas dívidas decorrentes da execução do mandato. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 19.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 681. O mandatário tem sobre a coisa de que tenha a posse em virtude do mandato, direito de retenção, até se reembolsar do que no desempenho do encargo despendeu.

Encerrando a parte das obrigações do mandante com Claudio Luiz Bueno de Godoy, já se viu nos comentários ao CC 664, supra, que o mandatário tem, hoje, sobre o objeto da operação que lhe foi cometida, direito de retenção até pagamento de tudo o que lhe for devido em consequência do mandato. Sucede que, no preceito em comento, o Código Civil de 2002 repete a atribuição de direito de retenção ao mandatário, mas agora, de um lado, estabelecendo que ele incide sobre a coisa de que tenha o outorgado a posse em virtude do mandato e, de outro, ressalvando que para garantia e até reembolso do que no desempenho do encargo se despendeu.

Ou seja, o art. 1.315 do CC/1916, que estatuía o direito de retenção do mandatário, foi como que separado o Código Civil de 2002 em dois artigos, o CC 664 e o CC 681. Ou, se preferir, enquanto o CC 664 reproduziu o art. 156 do Código Comercial, o CC 681 reproduziu o art. 1.315 do CC/1916, adequando sua redação, eis que neste se mencionava retenção sobre o objeto do mandato, como já se disse no comentário do CC 664 sempre a prestação de um fato, não necessariamente com objeto tangível, por isso que agora aludindo-se à coisa de que, o mandatário tenha a posse em virtude de mandato.

Mas, de qualquer sorte, criou-se, no Código Civil de 2002, o que se considera ser dicotomia indevida no tratamento do direito de retenção do mandatário, em dois artigos distintos. No CC 664, instituiu-se direito de retenção para garantia de pagamento de tudo quanto for devido ao mandatário, em consequência do mandato. Já no CC 681, o direito de retenção envolve garantia mais restrita, eis que apenas assegura o reembolso das despesas enfrentadas pelo mandatário no cumprimento do encargo, assim não, por exemplo, a eventual remuneração a que faça jus. Veja-se que, tal qual se expendeu nos comentários ao CC 664, era já uma crítica que se fazia ao CC/1916, quando, em seu art. 1.315, restringia a retenção à garantia do reembolso de despesas. Melhor, afirmava-se, era a regra do art. do Código Comercial, de que ausente igual limitação.

Pois após ter o Código Civil de 2002, no CC 664, entendido a retenção, como na legislação comercial, no artigo presente volta a repetir a limitação do Código revogado. Fá-lo assentando uma diferenciação que, reputa-se, não se justifica. Assim porquanto, no CC 664, assenta-se direito de retenção a ser exercido sobre o objeto da operação, do negócio principal cometido ao mandatário, mercê do contrato preparatório de mandato. Já no CC 681, o direito de retenção se exerce sobre coisa de que o mandatário tenha a posse em virtude do mandato, mas não por ser o objeto da operação principal, do negócio para cuja consumação foram outorgados poderes, o que faria aplicável o CC 664.

Só resta, então, a concluir que a coisa de que o mandatário tenha a posse em virtude do mandato, conforme previsão do preceito em comento, seja aquela pertencente ao mandante, entregue para a consumação do negócio principal, e não recebida em razão dele, de resto cuja possibilidade se discutia já na vigência do CC/1916 (v.g., Carvalho Santos, J. M. Código civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. XVIII, p. 297), o que agora, portanto, se deve admitir viável. Melhor, porém, ao que se crê, teria sido o tratamento unificado e abrangente da retenção com aplicação do CC 664, destarte incidindo, para garantia de tudo quanto devido ao mandatário em razão do mandato, quer sobre coisa objeto da operação principal, quer sobre coisa recebida do mandante para execução do encargo. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 704 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Conscientizando-nos com Ricardo Fiuza, da mesma forma que ao mandante, também se confere direito de retenção ao mandatário, só que com uma amplitude menor do que o da legislação comercial, que estende o jus retentionis a tudo quanto seja devido ao mandatário em razão do mandato, inclusive a remuneração e o pagamento por perdas e danos. Na legislação civil, porém, tal privilégio se restringe, tão-somente aos gastos empreendidos pelo mandatário no desempenho do mandato (RT 134/145).

Em última análise, ao mandatário civil se imputa o privilégio de assegurar, simplesmente, o reembolso do montante antecipadamente pago, para suprir as deficiências do mandato ou conservar a coisa, ou daquelas quantias despendidas na execução do mesmo, como corolário natural do seu desenvolvimento, acrescidas dos juros que lhe correspondem. Na realidade, o legislador, com tal previsão, apenas buscou enaltecer a velha máxima, segundo a qual o direito que expressa um privilégio há de ser exercitado restritivamente, ou seja, dentro dos estritos limites do preceito que o instituiu. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 365-366 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento dos mestres Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo confere ao mandatário o direito de reter para si bem que esteja em sua posse em razão do cumprimento do mandato até que o mandante o reembolse pelas quantias despedidas no cumprimento do mandato. Apesar da redação mais restrita, o direito de retenção deve ser reconhecido, igualmente, para recebimento da remuneração ajustada, uma vez que, tanto quanto o reembolso de despesas, cuida-se de crédito decorrente do próprio mandato. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 19.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 675, 676, 677 - continua - Das Obrigações do Mandante - VARGAS, Paulo S. R.


 Direito Civil Comentado - Art. 675, 676, 677 - continua
- Das Obrigações do Mandante - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo X – Do Mandato -
(art. 675 a 681) Seção III – Das Obrigações do Mandante –
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Art. 675. O mandante é obrigado a satisfazer todas as obrigações contraídas pelo mandatário, na conformidade do mandado conferido, e adiantar a importância das despesas necessárias à execução dele, quando mandatário lho pedir.

Seguindo o entender de Claudio Luiz Bueno de Godoy, depois de, na seção anterior, o Código dedicar-se à enumeração das obrigações do mandatário, exsurgidas da entabulação do contrato de mandato, fá-lo agora, nesta seção terceira, com relação ao mandante, portanto identificando as suas obrigações, a começar por aquela básica, que é a de honrar o negócio para cuja consecução se outorgou o mandato. Como já se viu, logo nos comentários ao CC 653, o mandato é contrato instrumental ou preparatório (Ver Lotufo, Renan. Questões relativas a mandato, representação e procuração. São Paulo, Saraiva, 2001, p. 116), exatamente voltado à prática de negócios ou atividade jurídicos aos quais se habilita um mandatário, ou seja, alguém que atuará por conta, no interesse do mandante, assim vinculado aos atos perpetrados pelo mandatário, se nos limites dos poderes outorgados.

Bem de ver, porém, que toda essa lógica do Código Civil impõe-se coerente com o pressuposto estabelecido de eu, no contrato de mandato, haja outorga de poderes de representação. Aí sim, agindo em nome do mandante, desde que nos limites dos poderes outorgados, o mandatário pratica aos que se refletem na esfera jurídica daquele, assim vinculado às obrigações contraídas. Isso porquanto, como se acentuou no comentário ao CC 663, se o mandatário age em nome próprio, vincula-se pessoalmente, e não ao mandante.

Da mesma forma, se age o mandatário, malgrado em nome do mandante, mas sem poderes, sem poderes suficientes ou excedendo aos poderes recebidos, também se obriga pessoalmente, e não ao mandante, salvo sua ratificação (CC 662), quando então deverá honrar as obrigações assumidas, como corolário do preceito em comento.

Mercê de seu comando, ainda mais, terá o mandante a obrigação de adiantar as despesas necessárias ou úteis a que o mandatário cumpra o encargo de que incumbido sempre que este lho solicitar. Ou seja, tem o mandante, como regra geral, a obrigação de cobrir todas as despesas que o mandatário experimente para executar o mandato, mesmo que o negócio principal não surta o efeito desejado. É o que se verá no comentário ao artigo seguinte. Porém, pode o mandatário pedir que as despesas necessárias ao cumprimento do contrato lhe sejam adiantadas, porque pela lei não é obrigado, ele próprio, a adiantá-las. Ressalva Carvalho Santos apenas as hipóteses de urgência, em que algum ato a ser praticado pelo mandatário não possa esperar a solicitação de numerário, quando então sustenta haver obrigação e adiantamento pelo mandatário, contida no elo com que deve se desincumbir do mandato outorgado (Carvalho Santos, J. M. Código Civil brasileiro interpretado, 5.ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. XVIII, p. 279-80). Se, solicitado o adiantamento, omite-se o mandante, a consequência, inclusive tal qual o explicitava o Código Comercial, malgrado nesta parte revogado (art. 144), todavia cujo princípio subsiste, é a desobrigação do mandatário no cumprimento do ajuste, podendo mesmo suspender sua execução, se já iniciada, mas com fundos insuficientes e não suplementados. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 699 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, como já se observou, o mandato representa um contrato como outro qualquer a estabelecer um perfeito vínculo jurídico entre as partes celebrantes, pelo qual as obrigações e direitos dele resultantes passam a integrar o plexo das exigências, que, recíproca e validamente, podem ser realizadas.

As obrigações do mandante, a rigor, exprimem todo o rol de responsabilidades já existentes e surgidas ao longo da execução do mandato, quer em relação ao próprio mandatário, que age em seu nome, quer em relação aos terceiros, com quem o mandatário contratou em cumprimento dos poderes recebidos. Nesta última hipótese, para que o mandante possa vir a ser acionada perante terceiros para adimplir o negócio praticado pelo mandatário, há de haver a conjugação de dois requisitos, a saber: a) que o mandatário tenha atuado em nome do mandante; e b) que o ato tenha sido realizado dentro dos limites conferidos. Se o mandatário, a despeito de ter sido convocado para agir em nome do mandatário, e assim não o faz, atuando em nome próprio, o mandante se desvincula da obrigação de reparar o terceiro, porque os efeitos do negócio extrapolaram a sua esfera de vontade.

Mesmo na hipótese de exorbitância dos poderes por parte do mandatário, poderá o mandante continuar adstrito ao cumprimento das obrigações contraídas pelo constituído, quando ele ratificar o excesso, expressa ou tacitamente, porquanto “a ratificação supre a falta de poderes, vale como mandato ex post facto, é uma espécie de mandato retroativa” (RF 143175).

Além de honrar, perante terceiros, todos os compromissos em seu nome assumidos pelo mandatário, na conformidade dos poderes a este conferidos, assim como responsabilidade na hipótese de superveniente ratificação do excesso, o mandante deve adiantar, desde que requerido expressamente pelo mandatário, a importância das despesas necessárias à fiel execução do mandato, pois, recusando-se a fornecer tais adiantamentos, poderá o mandatário renunciar à função.

Pode o mandatário, porém, querendo, proceder previamente às despesas e, em seguida, solicitar o reembolso, cujo pagamento ficará o mandante obrigado a fazer, ainda que o negócio não surta o efeito desejado (RF 103/464), haja vista não responder o mandatário, em face da própria natureza do contrato, pelo êxito de sua intervenção.

Demais disso, nas lúcidas palavras do mestre Washington de Barros Monteiro, “da mesma forma, o mandante não pode escusar-se ao pagamento das despesas, sob alegação de que estas foram exageradas, ou poderiam ter sido menores. Não tendo havido prévia fixação de limites, responderá o mandante por todos os gastos que o mandatário realizou e comprovou, no desempenho do cargo” (Direito civil – direito das obrigações, 2~ parte, 28.ed., 1995, p. 267). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 363 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Caminhando com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o mandante vincula-se às obrigações contraídas pelo mandatário em seu nome e no exercício dos poderes que forem conferidos. Se o cumprimento do mandato depender da realização de despesas, o mandante deve adiantar o valor correspondente ao mandatário. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 19.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 676. É obrigado o mandante a pagar ao mandatário a remuneração ajustada e as despesas da execução do mandato, ainda que o negócio não surta o esperado efeito, salvo tendo o mandatário culpa.

No diapasão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, muito embora em regra gratuito, nada impede que, no contrato de mandato, se ajuste uma remuneração devida ao mandatário, verdadeiramente salários ou honorários que lhe sejam devidos pelo cumprimento do encargo de que foi incumbido. Essa remuneração pode ter sido convencionada de maneira expressa ou mesmo tácita, por exemplo quando se cuide de exercício profissional do mandato (CC 658, supra) em que a onerosidade é a regra, malgrado omisso o ajuste. Pense-se, por exemplo, no mandato judicial, com honorários não previamente estabelecidos de forma expressa, porém devidos, ante a natureza e as circunstâncias da entabulação. Nessas hipóteses em que a remuneração seja devida, mas não tenha sido estipulada pelas partes, dar-se-á seu arbitramento judicial, atentando-se, dentre outros critérios, aos usos do lugar onde se deve cumprir o mandato, conforme já determinava o Código Comercial, mesmo que nesta parte revogado (art. 154). O pagamento da remuneração, em geral, efetua-se no instante do encerramento, da prestação das contas do mandato, malgrado seja possível a convenção para pagamento antecipado ou mesmo em cotas periódicas. Tais salários devem ser pagos ao mandatário, ainda que equitativamente proporcionalizados e mesmo se a execução do mandato não se completar, todavia sem culpa do outorgado.

Além dos honorários, deve o mandante reembolsar as despesas que o mandatário tiver enfrentado para cumprimento do ajuste, portanto desde que com ele se relacionam e desde que justificadas em função da execução do encargo cometido. Como se viu nos comentários ao artigo precedente, é sempre responsabilidade do andante cobrir as despesas que sejam atinentes à execução do encargo entregue ao mandatário. E isso o mandante pode fazer por adiantamento, quando lhe seja solicitado, ou por reembolso, como se prevê no artigo em comento. É costume, porém, com base na lição de Washington de Barros Monteiro, afirmar-se que o mandante não se pode escusar do reembolso das despesas ao argumento de que foram excessivas ou que poderiam ter sido menores, isto quando não haja, a propósito, instruções específicas, que tenham sido desrespeitadas pelo mandatário (Monteiro, Washington de Barros. Curso de direito civil – direito das obrigações. São Paulo, Saraiva, 1956, v. II, p. 291). Deve-se contudo, apreender o exato significado da asserção. Decerto que poderá o mandante, sempre, questionar despesas que repute supérfluas ou manifestamente desnecessárias, tudo como consequência, afinal, da obrigação que tem o mandatário de agir com zelo e diligência. Segue-se então que, havida exacerbação injustificada das despesas experimentadas, caberá, sim, seu questionamento pelo mandante na exata medida da verificação da conduta culposa, sem zelo e diligência, por parte do mandatário. O que é bastante diferente de simplesmente dizer, sem qualquer prévia instrução específica, que as despesas poderiam ser menores, muito embora se tenham mantido nos limites do que era razoável

Por fim, vale a ressalva da lei no sentido de que a obrigação do mandante de pagar a remuneração e de reembolsar as despesas na execução do mandato independem do êxito, do proveito que tenha ensejado o negócio principal, a cuja consumação foram outorgados poderes ao mandatário. Isto porquanto este não assume obrigação que seja de resultado. Só não haverá obrigação de pagamento, ou de pagamento completo, conforme o caso, se a falta de efeito surtido do negócio principal decorrer de culpa do mandatário. Pense-se, a respeito, no exemplo do mandatário judicial que fará jus a remuneração e a reembolso de despesas mesmo que seu constituinte não saia vencedor na demanda, salvo se tiver para tanto contribuído obrando com culpa, justamente com falta de zelo e diligência. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 700 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, caso inexista ajuste entre as partes intervenientes, no que tange à imprescindibilidade da remuneração, caberá ao Poder Judiciário arbitrar o quantum debeatur fundado na prática ou uso do lugar onde o mandato se cumprir. Assim proclama a jurisprudência: “o mandante terá a obrigação de reembolsar o mandatário das despesas feitas na execução do mandato, mesmo que o ato negocial por ele realizado não tenha êxito. O procurador apenas não terá direito de ser reembolsado das despesas fritas, se o negócio malograr em razão da cuspa sua. Se contrariou as instruções fazendo despesas excessivas, só será reembolsado na proporção do valor médio das coisas, não tendo direito ao reembolso integral” (RF 103/464). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 363 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como lecionam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o mandato pode ser oneroso ou gratuito. O mandato oneroso obriga o mandante a remunerar o mandatário. A onerosidade é presumida quando o mandatário exerça os atos objeto do mandato em caráter profissional. O dever de remunerar diz respeito ao exercício do mandato e não depende do sucesso do negócio feito em nome do mandante. Por isso, eventual inadimplemento por parte do terceiro com quem contratou o mandante por intermédio do mandatário não exonera ou reduz a obrigação do mandante de remunerar o mandatário. É comum afirmar-se, por isso, que a obrigação do mandatário é de meio e não de fim.

O mandatário responde pelos danos que causar ao mandante culposamente. Em tal caso, é lícito ao mandante compensar o prejuízo sofrido. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 19.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 677. As somas adiantadas pelo mandatário, para a execução do mandato, vencem juros desde a data do desembolso.

Na toada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, como se vem de examinar nos comentários dos dois artigos precedentes, ao mandante incumbe reembolsar as despesas enfrentadas pelo mandatário na execução do mandato. Cabe inclusive ao mandatário solicitar o adiantamento dessas despesas. Mas pode preferir adiantá-las, malgrado não lhe assista tal obrigação (salvo em casos de urgência, como salientado no exame do CC 675), assim fazendo jus, depois, a seu reembolso. Porém, estabelece a lei, como de resto já se fazia no Código Civil anterior, a incidência de juros sobre toda e qualquer quantia adiantada pelo mandatário, sempre que concernente à execução do mandato, preenchidos os requisitos, portanto, para que seja obrigação do mandante o seu reembolso.

A previsão do Código Civil tem em vista a privação de numerário que o mandatário empenha na execução do mandato. Trata-se, a rigor, do reverso do que se contém no CC 670, que garante a incidência de juros sobre quantias que o mandatário devia entregar ao mandante e que empregou em seu próprio proveito. Apenas que, no dispositivo mencionado, os juros a cargo do mandatário são moratórios, enquanto estes outros, previstos no preceito em comento, e afetos ao mandante, são compensatórios. Sua taxa, todavia, será, à falta de previsão, igualmente aquela legal, cabendo idêntica remissão ao quanto estatuído nos CC 406 e 407.

A incidência dos juros se fará a partir de quando o mandatário tiver desembolsado os valores que, ademais, deverão, com mesmo termo a quo, ser atualizados, pena de indevida vantagem ao mandante, propiciada pela depreciação monetária.

Por fim, desde o CC/1916 tem-se defendido que, por somas adiantadas, que vencem juros, deve-se entender também quantia do mandatário que fique à disposição do mandato, sempre com pertinência à execução do mandato (ver por todos: Carvalho Santos, J. M. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. XVIII, p. 286). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 701 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a doutrina de Fiuza, ainda não se acha exaurida a relação das obrigações do mandante, pois deve ele pagar ao mandatário os juros e a correção monetária correspondentes à quantia por este eventualmente adiantada para fazer face à execução da obrigação, desde a data do efetivo desembolso.

É o que o mestre Orlando Gomes chama, muito propriamente, de “remuneração à forfait, pouco importando, assim, que o negócio tenha surtido o efeito esperado, eis que o mandatário não contrai obrigação de resultado, senão de meios” (Contratos, 8. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1981, p. 419). Essa regra, porém, não tem aplicação quando o insucesso do negócio estiver diretamente relacionado com a negligência ou imprudência do mandatário, caso em que passará a inexistir a obrigação de o mandante remunerá-lo.

Caso inexista ajuste entre as partes intervenientes no que tange à imprescindibilidade da remuneração, caberá ao Poder Judiciário arbitrar o quantum debeatur fundado na prática ou uso do lugar onde o mandato se cumprir. Assim proclama a jurisprudência: “o mandante terá a obrigação de reembolsar o mandatário das despesas feitas na execução do mandato, mesmo que o ato negocial por ele realizado não tenha êxito. O procurador apenas não terá direito de ser reembolsado das despesas feitas, se o negócio malograr em razão da culpa sua. Se contrariou as instruções fazendo despesas excessivas, só será reembolsado na proporção do valor médio das coisas, não tendo direito ao reembolso integral” RF 103/464). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 364 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na toada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, se o mandatário tiver de utilizar seus próprios recursos a fim de cumprir o mandato, terá direito ao reembolso. Ao valor original despendido acrescem-se os juros legais desde a data do desembolso. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 19.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).