sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 734, 735, 736 - continua - DO TRANSPORTE DE PESSOAS - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 734, 735, 736 - continua
- DO TRANSPORTE DE PESSOAS - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XIV – Do Transporte – Seção II
Do Transporte de Pessoas - (art. 734 a 742)
 vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.

Parágrafo único. É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização.

Como lembra Claudio Luiz Bueno de Godoy, mesmo antes e a despeito da edição do Código Civil de 2002, sempre se admitiu que, ínsita ao contrato de transporte, havia, coo de fato há, uma cláusula de incolumidade, porquanto ao transportador afeta uma obrigação de resultado, a de levar o passageiro e suas bagagens ao destino, a salvo e incólumes, ademais, induvidoso tratar-se de uma atividade perigosa, induzindo, assim, caso típico de risco criado.

Pois exatamente nessa esteira instituiu-se, de forma genérica, como se deu o Código Civil a regrar o transporte, uma responsabilidade indenizatória para o transportador, do embarque ao desembarque – os quais, aliás, a Lei n. 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica) por exemplo, explicita serem parte da execução do contrato de transporte (art. 233) -, a responsabilidade de culpa e só elidível por força maior, como está na lei e na esteira do que, para a responsabilidade civil em geral, se estabeleceu, quanto às atividades que ensejam risco especial, no CC 927, parágrafo único.

Era mesmo uma tendência, evidenciada desde a previsão do art. 17 do Decreto n. 2.681/12, que cuidava da responsabilidade das estradas de ferro, com culpa presumida. Assim, igualmente, comportou-se a jurisprudência, inclusive interpretando a regra do decreto citado como atinente a uma responsabilidade objetiva, mais que de culpa presumida, e estendendo-a a outras espécies de transporte.

Bem se verá, aliás, que o Código Civil de 2002, ao dispor sobre a responsabilidade no contrato de transporte, da mesma maneira com que regrou a responsabilidade civil, no capítulo próprio (ver comentários ao CC 927 e ss), incorporou a seu texto muito do que já haviam consolidado os tribunais. Pois, assentado que a responsabilidade do transportador, uma vez inalcançado o resultado pelo qual se obrigou, prescinde da verificação de sua culpa, bastando a demonstração do nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido e a atividade de transporte, ressalvou a lei – ademais da regra do CC 741, acerca da conclusão de viagem interrompida mesmo que pelo casus – que essa responsabilidade apenas se exclui se provada força maior, tal como, para as obrigações em geral, se previu no CC 393. E lá se a definiu, sem distinção para o caso fortuito, o qual, portanto, se deve entender também excludente da responsabilidade do transportador, como fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Insta não olvidar, porém, que o transporte envolve forçosamente uma atividade que cria especial risco (Ver CC 927, parágrafo único) e a que, destarte, inerentes alguns eventos de força maior ou caso fortuito. Ou seja, é preciso diferenciar o que se passou a denominar fortuito interno do fortuito externo, conforme o acontecimento se apresente, ou não, ao transporte. Por isso mesmo, vem-se considerando que eventos como o defeito mecânico ou o mal súbito do condutor não eximam o transportador da responsabilidade pelos danos causados no transporte (fortuitos internos). Ao revés, prejuízos ocasionados ao passageiro ou à bagagem por obra de enchente, terremotos, raios são, aí sim, fortuitos externos e, destarte, causa excludente, por efetivamente romperem o nexo de causalidade do dano com a atividade de transporte. O assalto, como regra, sempre se considerou um fortuito externo, o que se vem, todavia, revendo em casos com ocorrências repetidas, praticas reiteradamente nas mesmas circunstâncias, sem medidas preventivas que razoavelmente se poderia esperar fossem tomadas.

Mais, até, como já tive oportunidade de sustentar, procurando fixar um conteúdo para a cláusula geral do CC 927, parágrafo único, e dissociado da ideia de defeito de segurança (periculosidade anormal, adquirida), no exercício da atividade que cria risco especial, assim compreendida a responsabilidade independente de culpa, ademais a que atinente a uma causalidade a merecer releitura, porquanto não só mais física, porém, antes, jurídica, reduz-se o espaço reservado para a entrevisão da estraneidade de eventos fortuitos, inclusive coo, ocasionalmente, o assalto em relação ao transporte. Com efeito, se o transportador responde pelo risco especial que sua atividade induz, então deixa de importar, na mesma extensão, a discussão sobre medidas preventivas que pudesse razoavelmente tomar para impedir ocorrências como roubos, tiroteios ou outras semelhantes. Tal debate importaria à luz da necessidade de se verificar se sucedido defeito de segurança. Mas não é o que se admite dar substrato à responsabilidade pelo risco da atividade, inclusive levada, agora, à disposição geral do CC 927, parágrafo único, bastando aferir se a atividade desempenhada, de que decorrente o prejuízo havido, induz risco diferenciado aos direitos, bens e interesses alheios, ou seja, se o evento lesivo se favorece pelo exercício da atividade, dado o risco especial que ela enseja (ver comentário ao artigo e, ainda: Claudio Luiz Bueno de Godoy. Responsabilidade Civil pelo risco da atividade. São Paulo, Saraiva, 2009). Daí já se ter decidido, como citado no item reservado à jurisprudência, por exemplo, que o transportador de valores responde pelos danos impingidos à vítima de atropelamento de seu turno provocado por disparo de arma que atingiu o motorista.

Ainda quanto às excludentes, tem-se renovado o mesmo problema, já examinado nos comentários ao CC 732, a que se remete, relativo à concorrência normativa como o Código de Defesa do Consumidor. Por exemplo, na legislação consumerista, como se disse, a cuja conceituação via de regra, malgrado nem sempre, se subsumirá o transporte, prevê-se a culpa exclusiva da vítima como excludente da responsabilidade do fornecedor, o que o Código Civil omite, ao menos quando não haja concorrência do transportador (CC 738, parágrafo único). De toda a sorte, a culpa exclusiva da vítima, tal qual se dá, com infeliz frequência, nos casos do chamado surf ferroviário, quebra o nexo de causalidade e deve, assim, ter igual efeito excludente ao que se reserva ao fortuito externo. Porém, tornar-se-á a esse assunto da concorrência com o Código de Defesa do Consumidor, em matéria de excludentes, no exame dos artigos subsequentes.

De novo expressão da absorção, pelo Código Civil de 2002, de orientação jurisprudencial já consolidada, o artigo em comento veda ajuste, no contrato de transporte, de qualquer cláusula excludente de responsabilidade. É o que já constava da Súmula n. 161 do STF e já se havia incorporado à legislação consumerista (art. 25). Isso, na verdade, porque próprio do contrato de transporte, corolário da boa-fé objetiva nas relações contratuais (CC 422), é o dever de segurança afeto ao transportador, que não se pode afastar, sob pena, primeiro, de se desnaturar a avença e, segundo, tanto mais, uma vez evidenciada relação de consumo já intrinsecamente desequilibrada e o que não se pode agravar com a exclusão da responsabilidade do transportador. Não se veda a cláusula de limitação de responsabilidade desde que, por um lado, não se preste a burlar a vedação da exclusão, e por outro, com especial cautela nas relações desiguais, usada a fim de verificar se sua previsão decorre de consenso e não de imposição. Veja-se, mais ainda, que, mesmo no regime do Código Civil de 1916, cláusulas excludentes já não eram aceitas para afastar responsabilidade por dolo, a que se equipara a culpa grave.

Por fim, e para se evitar incerteza quanto ao importe indenizatório, permite-se hoje, pelo parágrafo único do artigo em comento, que exija o transportador a declaração, feita pelo passageiro, do valor de sua bagagem, sob pena da recusa ao contrato – que não é a regra (CC 739) -, estabelecendo-se, dessa forma, o limite da indenização. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 755-756 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na linha da doutrina de Ricardo Fiuza, o transportador tem de levar o passageiro vivo e incólume a seu destino e responde pelos danos a ele causados, bem como a sua bagagem. Em todo contrato de transporte há, ínsita, a cláusula de incolumidade.

No contrato de transporte, a responsabilidade do transportador é objetiva, prescindindo, portanto, de verificação de culpa, sendo suficiente a demonstração da relação causal entre a atividade e o dano. Tratando-se de transporte efetuado por pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, a responsabilidade objetiva é estatuída em norma constitucional (CF 37, § 6~).
Mas a excludente da força maior (vis maior) aproveita ao transportador (CC 393, § 1º). Se o navio, em meio à tempestade, naufragou; se despencou o raio que destruiu o ônibus, não há responsabilidade civil.
Encontramos decisões judiciais afirmando que não responde a empresa transportadora pela morte de passageiro, no interior do veículo, no meio da viagem, em consequência de assalto, por tal evento resulta de força maior e não configura risco coberto pela tarifa (Adcoas, 1981, n. 80.420); nem pelo fato de passageiro de ônibus ser atingido por estilhaço de vidro produzido por uma pedra atirada por terceiros, ato equiparado a caso fortuito, não havendo que falar em divergência com a Súmula 187 do STF (JB, 141/182).
É nula a cláusula de não indenizar, i.é, não tem qualquer validade e eficácia o dispositivo que afaste a responsabilidade do transportador. Nesse sentido, aliás, enuncia a Súmula 161 do STF: “Em contrato de transporte é inoperante a cláusula de não indenizar”. Aponte-se, ainda, que, na maioria dos casos, o contrato de transporte forma-se por adesão, e, também por essa razão, para impedir que se frustrem as justas expectativas, a boa-fé e os direitos do aderente, a cláusula de não indenizar é abusiva, inadmissível, nula de pleno direito (CC 421, 422, 423 e 424 e CDC, 51, I, e 54).

A doutrina admite, todavia – com cuidados e ressalvas -, a cláusula que limite a responsabilidade, desde que não seja expediente falacioso para burlar a proibição da cláusula excludente da responsabilidade, quando a indenização, por exemplo, for fixada em valor ridículo, insignificante (STJ, 4~ T., REsp 76.619, em 12-2-1996). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 389 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a responsabilidade civil do transportador é objetiva e sua obrigação é de resultado. É nula a cláusula de não indenizar (Súmula 161 do STF).

Na responsabilidade objetiva não se perquire de culpa do agente. Isso não significa que ele tenha de indenizar a vítima sempre que esta vier a sofrer um prejuízo, pois é necessário tenha de indenizar a vítima sempre que esta vier a sofrer m prejuízo, pois é necessário que o dano seja proveniente do serviço prestado, i.é, que haja nexo causal. Assim as hipóteses de exoneração da responsabilidade civil do transportador são todas relacionadas à inexistência ou quebra do nexo de causalidade entre o dano e o serviço que presta.

 Causas de exoneração da responsabilidade do transportador: a) culpa exclusiva da vítima; b) culpa de terceiro (CC 735) – somente elide a responsabilidade do transportador a força maior (ex.: roubo, pedrada), não os fatos que constituem risco natural do transporte, coo os danos decorrentes de acidente de trânsito, ainda que a culpa pelo acidente seja atribuída a terceiro, conforme a Súmula n. 187 do STF: “A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 735. A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.

Na toada de Godoy, novamente em reforço à constatação de que o Código Civil, na matéria atinente à responsabilidade do transportador, incorporou muito do que a jurisprudência já havia consolidado, conforme se vem acentuando desde os comentários aos artigos precedentes, no dispositivo em questão repete-se, a rigor, o que se continha na Súmula n. 187 do STF, estatuindo que o chamado fato de terceiro não elide a responsabilidade do transportador, contra quem terá ação regressiva.

O primeiro problema que a respeito se coloca é a exata definição de fato de terceiro, ou de quem seja terceiro, e mesmo sua diferenciação para a força maior, tratada no artigo anterior. Em princípio, na responsabilidade civil, deve-se entender como   terceiro quem não integre um dos polos da respectiva relação, portanto quem não seja agente ou vítima. Ou, melhor, é preciso que alguém se interponha na relação agente/vítima, ademais mostrando-se estranho à responsabilidade daí dimanada. Por isso, para fins de excludente, não são terceiros os pais quando respondem pelos atos dos filhos, ou o patrão, acerca dos atos dos empregados. Nesse sentido, portanto, a condição de terceiro só se configurará como causa excludente caso se trate de alguém completamente estranho à pessoa causadora direta do dano, ou mesmo à sua atividade.

Em segundo lugar, é bom lembrar ter sempre se entendido em doutrina que o fato de terceiro, desde que a causa única do evento danoso e sem qualquer ligação com o devedor, fosse excludente de responsabilidade, porquanto, assim caracterizado, seria causa de quebra do nexo de causalidade. Tal como se viu quanto à força maior nos comentários ao artigo precedente, o fato de terceiro será estranho ao responsável no transporte quando não se ligar ao risco da atividade por ele desempenhada. Esse o ponto que se reputa nodal e por vezes confundido, quando se cuida de equiparar o fato de terceiro à força maior sempre que revelado por um evento inevitável. Parece mais se afeiçoar aos pressupostos atuais da responsabilidade civil, máxime em atividades indutivas de especial risco como é a de transporte (CC 927), a verificação sobre se o fato atribuível ao terceiro se coloca ou não dentro dos limites razoáveis do risco criado, e assim assumido, pela atividade do transportador.

Em terceiro lugar, considera-se diferencial do fato de terceiro, em relação à força maior, a possibilidade de se determinar um agente específico responsável pela conduta.

Pois preceitua o Código Civil de 2002 que o fato de terceiro não exclui a responsabilidade do transportador, solução exatamente oposta da que se contém no art. 14. § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor. A antinomia, segundo se entende, mostra-se solucionável pela consideração de que, afinal, o fato de terceiro, conforme se apresente, pode ou não romper o nexo de causalidade. E, se rompe, exclui a responsabilidade civil, decerto do que não está a tratar o artigo do Código Civil, ora em comento. Mas isto, repita-se por relevante, desde que havida a estraneidade, ao transportador, do fato de terceiro, causa única do evento danoso. Então, rompe-se o nexo de causalidade, faltando assim requisito mesmo para aplicação de regra de responsabilidade sem culpa, já que não se cuida, não transporte, de teoria do risco agravado, sem excludentes, ao que soa da redação do próprio CC 734.

Já, ao revés, se a conduta do terceiro, mesmo causadora do evento danoso, coloca-se nos lindes do risco do transportador, destarte se relacionando, mostrando-se ligada à sua atividade, então, a exemplo do fortuito interno, não se exclui a respectiva responsabilidade. É o que ocorre, por exemplo, quando o passageiro sofre prejuízo porque o veículo em que conduzido é fechado por terceiro. esse foi o pressuposto sobre o qual se assentou a Súmula n. 187 do STF e parece ser a interpretação reservada ao artigo em exame. Tanto assim é que os tribunais, em inúmeras oportunidades, já vinham afastando a incidência da súmula naqueles casos em que o passageiro fosse atingido, v.g., por uma pedra lançada por terceiro, dado configurar-se no caso um fato externo à atividade, todavia não quando o evento se repetisse nas mesmas circunstâncias, sem medidas preventivas que razoavelmente se esperava fossem tomadas, tal como se disse em relação ao assalto nos comentários ao artigo anterior, e com a mesma da redução ao âmbito de incidência da excludente em virtude da aplicação da cláusula geral do CC 927, parágrafo único. Com isso, harmonizam-se as previsões do Código Civil, no artigo vertente, e as disposições do Código de Defesa do Consumidor, do art. 14, § 3º, II. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 757-758 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a doutrina de Fiuza, copiou-se aqui a Súmula 187 do STF: “A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva ‘~.

Se, por exemplo, um outro veículo, por imperícia do condutor, desgovernou-se e atingiu o ônibus em que estava o passageiro, que sofreu fraturas e escoriações, a responsabilidade do transportador persiste, e ele terá de indenizar os danos sofridos pela vítima. Mas poderá acionar, regressivamente, o terceiro causador do acidente.  (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 389 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, somente fatos extraordinários (ex.: roubo, pedrada) elidem a responsabilidade do transportador, não os fatos inerentes à atividade, que constituem caso fortuito interno ou risco natural do transporte, como os danos decorrentes de acidente de trânsito, ainda que a culpa pelo acidente seja atribuída a terceiro, conforme a Súmula n. 187 do STF. Já aqui mostrada no artigo anterior. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Art. 736. Não se subordina às normas do contrato de transporte o feito gratuitamente, por amizade ou cortesia.

Parágrafo único. Não se considera gratuito o transporte quando, embora feito sem remuneração, o transportador auferir vantagens indiretas.

O Código Civil de 2002, no artigo em comento, no entendimento de Claudio Luiz Bueno de Godoy, enfrenta antiga discussão sobre a natureza do transporte feito por cortesia ou amizade, a carona que se dá a alguém que vem a sofrer dano durante o percurso. O debate não era ocioso dado que, admitida a tese de se tratar de contrato, e porque gratuito, a responsabilidade daquele a quem o ajuste não beneficiava, portanto o transportador, somente se erigiria em caso de dolo ou culpa grave, que a ele se equipara, conforme já previa o art. 1.057 do Código Civil de 1916, repetido pelo Código Civil de 2002 art. 392.

Destarte, suposta contratual a responsabilidade de quem oferece carona, apenas por dolo, ou culpa grave, haveria o dever de indenizar o passageiro danificado durante o transporte gratuito – este por amizade ou cortesia. Pois era essa a tese que parecia prevalecer, não sem críticas, antes da edição do CC/2002, mercê inclusive da edição da Súmula n. 145 do STJ, segundo a qual “no transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave”.

Todavia, a nova normatização civil expressa, no artigo em comento, não se submeter ao regime contratual o transporte feito por mera amizade ou cortesia. Assim, ao que se entende, consagra-se, para este transporte desinteressado, a tese da responsabilidade extracontratual, que se rege pelo CC 927 e ss, suscitando discussão outra, sobre se o caso é de teoria da culpa ou do risco, muito embora não se furte a observar que a carona não encerra, nos termos do parágrafo único daquele mesmo CC 927 e a despeito do perigo inerente a todo transporte, uma atividade normalmente desenvolvida de modo a criar habitual risco aos direitos de outrem, pelo que a responsabilidade será baseada na demonstração de dolo ou de qualquer modalidade ou grau de culpa, mesmo que leve. Mas é bem de ver que, no quanto aqui interessa, a hipótese não se sujeitará ao regramento do contrato de transporte. Não se sujeitará, mesmo, ao regime dos contratos.

Porém, ressalva o Código Civil de 2002 que, por vezes, mesmo sem remuneração direta, o transporte não é desinteressado. Produz, ao revés, vantagens indiretas, portanto, bem longe de consubstanciar mera cortesia ou amizade. Nesses casos, a regência é do ordenamento aplicável ao contrato de transporte. Assim, por exemplo, o sistema de concessão de milhagens, bilhetes de fidelidade, ou mesmo o transporte solidário, o chamado rodízio. Da mesma forma, no exemplo de Humberto Theodoro Jr. (“Do transporte de pessoas no novo Código Civil”. In: Revista dos Tribunais, 2003, v. 807, p. 11-26), o corretor que leva o cliente em seu veículo para visitar um imóvel. Muito menos haverá de se cogitar de regramento outro que não o contratual nos casos de transporte coletivo clandestino, que, malgrado feito ao arrepio da regulamentação estatal, como se impõe (CC 731), não pode, no âmbito civil, excluir a responsabilidade do transportador, nos termos deste Código. Por fim, igualmente não se vem considerando seja desinteressado o transporte coletivo devidamente regulamentado, mas disponibilizado ao idoso sem pagamento de passagem, pois em verdade há custo diluído que indica não agir o concessionário por mera cortesia. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 759 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a doutrina de Fiuza, no sentido deste dispositivo, há a Súmula 145 do STJ: “No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave”.

Se o transporte representa ato de mero favor, e feito gratuitamente, por amizade, cortesia, a rigor, nem configura contrato de transporte. A relação não fica regida pelas normas deste Capítulo. Nem há, no caso, responsabilidade objetiva do condutor. Com maior razão se o transporte gratuito está sendo feito por necessidade, urgência, solidariedade. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 390 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o transporte gratuito não se regula pelos dispositivos do contrato de transporte. No transporte gratuito, a responsabilidade do transportador é subjetiva, i.é, somente reponde mediante a prova de que agiu com culpa. É nesse sentido a Súmula n. 145 do STJ: “No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave.

Se o transportador obtém proveito econômico com o transporte de forma indireta, como ocorre no transporte de empregados pelo próprio empregador, o transporte não se considera gratuito.

O transportador que celebra contrato com empresa para o transporte de seus empregados não fornece ao passageiro um transporte gratuito e tem a obrigação de levar a viagem a bom termo, obrigação que assume com a pessoa que transporta, pouco importando quem forneceu o numerário para o pagamento da passagem (STJ, REsp. 238.676-RJ, rel. Mm. Ruy Rosado de Aguiar, j. 08.02.2000). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 730, 731, 732, 733 - DO TRANSPORTE - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 730, 731, 732, 733
- DO TRANSPORTE - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XIV – Do Transporte – Seção I
Disposições Gerais - (art. 730 a 733)
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Art. 730. Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas.

No lecionar de Claudio Luiz Bueno de Godoy, antes disperso em inúmeras leis especiais, muito mais ocupadas em definir a responsabilidade do transportador, como no caso da chamada Lei das Estradas de Ferro (Decreto n. 2.681/12, ou do Código Brasileiro do Ar (Decreto n. 483/38, 32/66 e 234/67), e subsequente Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565/86), o contrato de transporte ganhou agora tratamento típico e autônomo no Código Civil de 2002, assim superando, inclusive, a discussão sobre sua natureza jurídica, se de locação de serviços ou de depósito, especialmente quando coisas sejam transportadas.

Trata-se hoje de ajuste com caracterização e regramento próprios, definido pela lei como aquele em que alguém se obriga, mediante uma retribuição, a transportar pessoas ou coisas de um lugar a outro. Envolve, destarte, uma obrigação de resultado, afeta ao transportador, de levar passageiros ou mercadorias incólumes a seu destino.

É, pois, contrato bilateral sinalagmático, que cria obrigações interdependentes, causa uma da outra, a ambas as partes, de forma livre e de duração, porquanto não executável de maneira instantânea, consensual, não se considerando, pese a existência de opinião em contrário, necessário o embarque do passageiro ou entrega da mercadoria, já atos de execução, para seu aperfeiçoamento, e, frise-se, necessariamente oneroso, o que afasta o deslocamento propiciado por mera cortesia da incidência de suas regras, como se verá em particular no comentário ao CC 736.

Na ordenação das normas sobre o contrato de transporte, depois de estabelecer regras genéricas, o Código Civil separou o transporte de pessoas do transporte de coisas, destinado àquele a seção segunda e a este a seção terceira do capítulo. Afora essa divisão, cujo critério atende ao objeto do ajuste, pode-se também classificá-lo conforme o meio que se emprega para sua execução, evidenciando-se o transporte terrestre – de seu turno rodoviário ou ferroviário -, o transporte aéreo e o transporte aquático – marítimo ou fluvial. A distinção não é supérflua se considerada, como já se referiu, a existência de legislação especial sobre cada qual dessas formas de transporte, inclusive no Código Comercial, e em parte não revogada expressamente, matéria que se enfrentará no comentário ao CC 732. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 749 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, na Exposição de Motivos do Anteprojeto – do Código Civil, em 16 de Janeiro de 1975, o Prof. Miguel Reale destacou o fato disciplinado no contrato de transporte, que tem existido entre nós como simples contrato inominado com base em normas esparsas, expondo que a solução normativa preferida resulta dessa experiencia, à luz dos modelos vigentes em outros países, com precisa distinção entre transporte de pessoas e transporte de coisas.

Pelo contrato de transporte uma das partes, o transportador, se obriga a deslocar de um lugar para outro pessoas ou coisas, mediante o pagamento de um preço.

Trata-se de contrato bilateral e oneroso: a obrigação de realizar o transporte corresponde à de pagar a retribuição – passagem ou frete. No transporte de coisas, em sentido amplo, inclui-se o de animais.

Conforme o meio empregado, o transporte pode ser terrestre (rodoviário e ferroviário), aquático (marítimo, fluvial, lacustre) e aéreo (CF 178). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 387 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo estabelece o conceito do contrato de transporte que tem como características de ser bilateral, consensual, oneroso e, quase sempre, de adesão.

São partes no contrato de transporte: de um lado, o transportador (condutor); de outro, o passageiro (transporte de pessoas) ou expedidor (transporte de coisas). O destinatário não é parte.

A remuneração do transportado é a passagem, no transporte de pessoas, e o frete, no transporte de coisas. Pode ser direta ou indireta, conforme o parágrafo único do CC 736. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 16.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 731. O transporte exercido em virtude de autorização, permissão ou concessão, rege-se pelas normas regulamentares e pelo que for estabelecido naqueles atos, sem prejuízo do disposto neste Código.

No entendimento de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o atual Código, por estabelecer normas de direito privado, cuida, fundamentalmente, fixando-lhe as regras contratuais, do chamado serviço privado de transporte. Apenas ressalva, todavia, no artigo em comento, que, quando o transporte for objeto de serviço público, será regido primariamente pelas normas correspondentes e regulamentares de direito público. Noutros termos, tem-se que, inclusive em decorrência de comando constitucional, em alguns casos a exploração de serviços de transporte é cometida necessariamente ao Poder Público, que disso pode se desincumbir de forma direta ou mediante delegação de sua execução ao particular, por meio de concessão, permissão ou autorização, coo sucede no transporte coletivo remunerado (Arts. 21, XII, c, d, e, e 30, V, da CF/88).

Nesses casos, a ordenação do transporte deve atender, antes de tudo, aos parâmetros obrigatórios de prestação de serviço público, e que se contêm, primeiramente, na própria Constituição Federal (arts. 37, caput e § 6º, e 175). Depois, as regras incidentes são aquelas regulamentares e constantes dos próprios atos de delegação. Tão somente de forma complementar e subsidiária, aplica-se o regramento do Código Civil sobre o contrato de transporte, como se viu voltado, essencialmente, ao serviço privado de deslocamento de pessoas ou coisas. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 749 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na pauta de Ricardo Fiuza, consoante o CF 175, incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre por meio de licitação, a prestação de serviços públicos.

Compete à União explorar, diretamente, ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transbordam os limites de Estado ou Território, bem como os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros (CF 21, XII, de e).

Aos Municípios compete organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, serviços públicos de interesse local, incluindo o de transporte coletivo, “que tem caráter essencial” (CF 30, V).

O transporte intermunicipal, não tendo sido deferido expressamente nem a União, nem aos Municípios, por força do CF 25, § 1º, é de competência dos Estados-membros (competência remanescente).

O transporte, nesses casos, obedecerá, prioritariamente, ao que for estabelecido nos atos de autorização, permissão ou concessão – especialmente quanto às obrigações, itinerários, tarifas, prazos – e normas regulamentares, sem prejuízo do que dispõe este Código. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 387 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na toada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o transporte pode ser público ou particular. O transporte público subordina-se à regulamentação administrativa. A Constituição da República estabelece a competência regulatória:

a)    à União cabe regular o transporte aéreo, ferroviário e aquaviário (CF 21, XII, c, d, e;

b)    aos Estados e ao Distrito Federal compete a regulamentação do transporte intermunicipal (CF 25, § 1º);

c)    aos municípios compete a regulamentação do transporte coletivo municipal (CF 30, V).

O dispositivo estabelece a subsidiariedade do Código Civil em relação às leis que regulam o transporte público, i.é, aplicam-se as regras do Código Civil somente diante do silêncio da legislação administrativa. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 16.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 732. Aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem as disposições deste Código, os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais.

Acompanhando Claudio Luiz Bueno de Godoy, a tipificação e o tratamento autônomo que o Código Civil reservou ao contrato de transporte, pretendendo fixar-lhe um regramento genérico, suscita questão – a mesma também surgida em outras passagens, como no contrato de agência e distribuição, a cujos comentários se remete – atinente à coexistência de legislação especial anterior que igualmente se destinava a estabelecer regras relativas a espécie contratual vertente.

Assim, em primeiro lugar, o próprio Código Comercial dedicava na sua parte primeira, de forma atípica e esparsa, porque tratando, a rigor, dos condutores de gêneros e comissários de transportes, alguns dispositivos ao contrato transporte arts. 99 a 118). Bem de ver, porém, que essa primeira parte do Código Comercial foi revogada expressamente pelo Código Civil de 2002 (CC 2.045). Mas, ainda na sua segunda parte, ocupando-se do comércio marítimo, a legislação comercial referiu o transporte por esse meio realizado, e mesmo de pessoas (arts. 566 e ss, e 629 a 632).

A propósito, se não diretamente incidente a regra do CC 2.045, citado anteriormente, o CC 732 cuidou de determinar a primazia do regramento do Código Civil sobre o conteúdo de outra norma referente ao contrato de transporte, por ter verdadeiramente intentado erigir um ordenamento único e geral que lhe fosse aplicável de forma primária.

Da mesma maneira se deve entender com relação à legislação especial editada acerca de outras espécies de transporte, o que sobreleva em especial acerca de regras incompatíveis com o Código Civil de 2002, dispostas no Código Brasileiro de Aeronáutica e mesmo, acerca do transporte aéreo internacional, na Convenção de Varsóvia, foco de frequente discussão. Assim, exemplificativamente, quanto ao problema da limitação da indenização prevista no art. 22 da Convenção citada, de 1929, promulgada pelo Decreto n. 20.704/31, com redação do Protocolo de Haia, de 1955, de seu turno com promulgação pelo Decreto n. 56.463/65.

Ou, na mesma esteira, concernente ao transporte aéreo nacional, a limitação relativa a danos pessoais ou causados por atraso, constantes do art. 257 do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565/86), ou, para danos à bagagem, a previsão do art. 260 da mesma normatização.

Na verdade, mesmo antes do Código Civil de 2002, já se vinha defendendo, inclusive mercê do reconhecimento da incidência, aos casos de transportes, do Código de Defesa do Consumidor, que a prévia fixação de limites indenizatórios, sobretudo, embora não exclusivamente, em casos de danos pessoais, materiais ou morais, não se justificava à luz do ressarcimento integral que o sistema quer reservar ao indivíduo e, ainda, pela atual ausência de qualquer justificativa acerca da necessidade de, com a limitação, proteger e estimular atividade aérea que se possa considerar ainda incipiente.

Como também, ao que se crê, desautorizada a conclusão de que uma limitação de responsabilidade teria a contrapartida na redução dos custos, causa insuficiente a uma falta de completa garantia de indenidade do passageiro. A todo esse propósito, vale conferir estudo extenso e completo de Claudia Lima Marques, no qual descreve a evolução da responsabilidade do transportador aéreo, inclusive com o exame de todas as nuances das teses diversas esposadas sobre o assunto (Contratos no Código de Defesa do Consumidor de Defesa do Consumidor, 4. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 812-29).

Tudo sem olvidar a observação, que se reputa fundamental, no sentido de eu a reparação integral de quaisquer prejuízos sofridos pela pessoa, cuja inviolabilidade constitui princípio fundamental, decorre mesmo de imperativo constitucional, fato é que a superveniência do CC/2002 traz dado novo quando estabelece a primazia de seu regramento sobre qualquer lei especial. Máxime quando conflitante com seus termos.

Ao contrário de autorizar qualquer limitação, fora das hipóteses do CC 734, parágrafo único, e CC 750, portanto antes de prestigiar nesse ponto o tratado internacional – recebido como lei ordinária, a não ser quando atinente a direito fundamental – ou o Código de Aeronáutica, o Código Civil, no CC 733 e CC 734, parece ter pretendido, na esteira do comando constitucional do art. 5º, inciso V e X, estabelecer a completa reparação dos prejuízos provocados pelo fato do transporte aos passageiros e ou à sua bagagem.

A solução é idêntica quando se cuida da responsabilidade por atraso de voo, em extensão mínima fixada previamente em lei especial – como a de quatro horas, prevista nos arts. 230 e 231 do Código de Aeronáutica – já que, afinal, o Código Civil sujeitou o transportador à observância de horário e itinerário, salvo força maior (CC 737). Neste passo, lei especial, em interpretação, como contemplativa de uma indenização sem excludentes, independente da causa que a determinou. Nesse caso, caberia, inclusive, a tarifação, ou, sendo preferida, a chamada multa tarifada, porém sem excluir postulação em importe maior, com a contingência da demonstração de dano e da discussão de eximentes. Tal o elastério, por exemplo, que se deve reservar ao preceito do art. 15 da Lei n. 11.442/2007 e art. 17, § 2º, da Lei n. 9.611/98, que tratam, respectivamente, do transporte rodoviário de cargas em território nacional e do transporte multimodal (v. CC 756) e que, no caso de atraso na entrega das mercadorias, estabelecem limite indenizatório equivalente ao valor do frete, porém, igualmente, sem se excluir a possibilidade de o lesado se desincumbir do ônus de comprovação de prejuízo efetivo maior.

Por fim, também é possível a concorrência normativa do Código de Defesa do Consumidor com o Código Civil de 2002 em matéria de transportes. É certo que, ao determinar que o contrato de transporte seja necessariamente oneroso, o Código Civil acabou abarcando inúmeras relações de transporte que se ostentam de consumo. Não que isso seja obrigatório, bastando pensar em transporte de carga contratado por empresa que não se posa considerar destinatária final, fática ou econômica, conforme a posição que se adote sobre a definição da figura do consumidor.

A verdade é que, no mais das vezes, o transporte, agora regrado genericamente pelo Código Civil, estará ao mesmo tempo sujeito às normas da Lei n. 8.078/90, subjetivamente especial, eis que protetiva do consumidor, de resto como o impôs a própria Constituição Federal (art. 5º, XXXII). Ocorre que, confrontados o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, não raro haverá divergência de tratamento sobre questões concernentes ao transporte, o que impõe a verificação sobre qual norma aplicar. Por exemplo, o CC 740 prevê arrependimento do contratante, ausente no Código de Defesa do Consumidor; o  CC 739 estabelece causas de recusa do passageiro diversas das causas previstas no mesmo Código, quando versada a questão da recusa de contratar; as excludentes de responsabilidade não são as mesmas em ambas as legislações, como se verá adiante (CC 734).

Em todos esses casos, segundo se entende, a interpretação deve sujeitar-se ao influxo da força unificadora da Constituição. Ou seja, se é comum, hoje, a multiplicidade de fontes normativas, inclusive legais e infraconstitucionais, evidentemente que entre elas há de se estabelecer um vínculo sistemático, de sorte a evitar que cada uma se coloque como um átomo isolado e incoerente com as demais normas do ordenamento. Esse papel de elo entre as diversas legislações, sobretudo quando tratam do mesmo assunto, quem o desempenha é a Constituição Federal, que, sempre que envolvida uma relação de consumo, antes de mais nada determina, como se viu, a tutela do consumidor, porquanto ocupante de posição intrinsecamente vulnerável na relação.

Além disso, como se verá nos comentários aos artigos seguintes, não raro, maior proteção ao consumidor concentra-se no Código Civil, quando confrontado com o Código de Defesa do Consumidor. É o que se dá, por exemplo, com a previsão do CC 740.

Por fim, vale anotar ainda que a interpretação das regras do contrato de transporte, quando confrontados os dois Códigos referidos, deve atentar a toda nova principiologia contratual, de resto que não é diversa nas duas legislações quando se cuida de garantir e mesmo fomentar a função social do contrato, a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual (ver comentários ao CC 421 e ss), princípios mediante os quais se asseguram elementos axiológicos básicos,  dispostos na Constituição Federal, como o são a dignidade humana, o solidarismo e a justiça nas relações entre as pessoas (arts. 1º, III, e 3º, I). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 750-751 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na Doutrina exposta por Ricardo Fiuza, manda-se aplicar aos contratos de transporte, em geral, quando couber, os preceitos da legislação especial e de tratados e convenções internacionais, desde que não contrariem as disposições deste Código.

Portanto, não há prevalência hierárquica do tratado sobre o direito interno, nem deste sobre o tratado internacional. Em consequência, estão no mesmo nível o tratado e a lei federal.

Sendo assim, um tratado internacional que contiver disposições conflitantes, incompatíveis com as deste Código, haverá de revogar tais preceitos, com base no princípio lex posterior derogat priori (LICC, art. 2 ~, § j2).

Aliás, a tendência no direito internacional é a de conferir supremacia aos tratados sobre as normas de direito interno dos Estados envolvidos, e o que se está vendo, nes momento, no espaço europeu, é uma confirmação disso. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 388 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No ensinamento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o Código Civil, como lei posterior, prevalece sobre a legislação ordinária anterior, ainda que especial, como o Decreto n. 2.681/1912, que regula o transporte ferroviário e a Lei n. 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica).

O mesmo critério cronológico resolve as antinomias entre o Código Civil e os tratados de convenções internacionais, por serem da mesma hierarquia.

Entre os tratados e convenções internacionais que regulam o transporte aéreo internacional e que têm vigência no direito brasileiro estão as Convenções de Varsóvia e Roma (1929), aprovadas pelo Dec.-lei n. 599/38; a de Haia (1955) e a de Montreal (1975). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 16.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 733. Nos contratos de transporte cumulativo, cada transportador se obriga a cumprir o contrato relativamente ao respectivo percurso, respondendo pelos danos nele causados a pessoas e coisas.

§ 1º. O dano, resultante do atraso ou da interrupção da viagem, será determinado em razão da totalidade do percurso.

§ 2º. Se houver substituição de algum dos transportadores no decorrer do percurso, a responsabilidade solidária estender-se-á ao substituto.

Discorrendo Claudio Luiz Bueno de Godoy, o transporte cumulativo é aquele desempenhado por mais de um transportador, cada qual responsável por um trecho do percurso a ser cumprido. Ou seja, cada um dos transportadores efetua o transporte incumbindo-se de cumprir uma fase do trajeto total. Importa, todavia, que haja unidade contratual, portanto sem que se contrate, individual, separada e independentemente, cada treco da viagem, quando então se fala em transporte sucessivo (ver a respeito: Humberto Theodoro Jr., “Do transporte de pessoas no Código Civil”. In: Revista dos Tribunais, v. 807, janeiro de 2003, p. 11-26). Importa é que haja, no dizer de Pontes de Miranda, unicidade de contrato e pluralidade de transportadores, todos vinculados ao deslocamento prometido, não necessariamente subscrevendo contrato, já que o ajuste é informal (Tratado de direito privado, 3.ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, t. XLV, § 4.857, n. 2, p. 27-9).

Ter-se-á, portanto, uma unidade do vínculo obrigacional, prometendo-se prestação de deslocamento da saída ao destino, mas incumbindo-se de trechos separados e sucessivos cada qual dos transportadores. No mesmo sentido, o Código Civil italiano, de que é haurida a regra em comento, dispondo sobre o transporte cumulativo de cargas, caracteriza-o como sendo aquele assumido por vários transportadores que se sucedem no deslocamento, mas com um único contrato (art. 1.700).

O artigo em comento, inserido dentre as disposições gerais do capítulo, refere-se tanto ao transporte de pessoas, quanto de coisas, que são inclusive textualmente mencionados ao final do caput. Prevê-se que, tratando-se de transportadores cumulativos, cada qual responda pelos danos causados no trecho do percurso a si afeto. Já segundo o § 1º, o atraso atribuível a cada um só se aferirá ao final do trajeto, pois o retardo é pelo percurso todo, da saída ao destino, isso porquanto pode haver atraso numa fase que se compense pelo adiantamento em outra, enfim, cumprindo-se o tempo devido.

Alguns problemas acerca da interpretação do preceito, porém, se colocam e, mais, fomentam-se ao serem analisadas as regras do § 2º e do dispositivo do CC 756, atinente ao transporte cumulativo especificamente de cargas (com a ressalva, nos respectivos comentários, sobre a concorrência normativa da Lei n. 9.611/98). Em primeiro lugar, a leitura do artigo induz possível conclusão de que, no transporte cumulativo, a responsabilidade dos transportadores por atraso ou danos a passageiros ou coisas, como o caput dispõe, é individual pelo evento que se tenha dado no ou em função do trecho de que foi incumbido. Quanto aos danos provenientes de atraso, sem diversa atribuição de responsabilidade, apenas será preciso esperar e verificar se ele acaba se revelando ao final, no todo do percurso, aí então identificando-se em qual fase sucedido, para se definir o transportador individualmente responsável. Tal conclusão ganha força quando se nota a rejeição da emenda proposta pelo Deputado Bonifácio Neto, a qual, na tramitação do projeto do Código Civil, procurava alterar a redação do artigo para explicitar uma responsabilidade solidária dos transportadores cumulativos.

Não é só. No Código Civil italiano, que tem direta influência na codificação brasileira acerca dessa matéria, como observa Renan Lotufo (para quem a solução é mesmo a da responsabilidade individual, conferindo-se em “O contrato de transporte de pessoas no novo Código Civil”. In: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, v. 43, p. 205-14), há igual previsão, no art. 1.682, de que no transporte cumulativo exclusivamente de pessoas cada transportador responda no limite de seu percurso, malgrado sem aludir à reparação do dano daí advindo. Porém, já para o dano às coisas, o Código Civil italiano previu no art. 1.700, tal como se fez no CC 756 brasileiro na acentuação de Pontes de Miranda, uma responsabilidade solidária dos transportadores pela própria dificuldade de se identificar, no transporte de mercadorias danificadas, em que fase do trajeto se deu o evento (op. cit., p. 31).

Mas, mesmo muito antes da vigência do Código Civil de 2002, criticando o sistema italiano, Pontes de Miranda já apontava para a inconveniência e falta de suficiente justificativa à diferenciação da responsabilidade entre transporte cumulativo de pessoas e de coisas, sustentando que, malgrado então ausente qualquer previsão legislativa de solidariedade, ambos transportadores, ainda que vinculados a executar o transporte só em um trecho do trajeto, respondiam pelo adimplemento da dívida de todo o percurso, porquanto prometido resultado final indivisível, inseparável dos resultados parciais (idem, ibidem). Porém, agora sobrevindo o Código Civil de 2002, para Humberto Theodoro Jr. – inclusive com superação do argumento de que, convertida em perdas e danos a obrigação indivisível, por culpa de um dos coobrigados, somente a ele afeta a totalidade da dívida (CC 263, § 2º) - estabeleceu-se na legislação uma responsabilidade solidária para o transporte de pessoas, mercê da incidência da regra do CC 733, em comento, que antes inexistia (op. cit., p. 19-20). Para o mesmo autor, essa solidariedade infere-se da redação do § 2º do dispositivo presente, que, se determinou a extensão da responsabilidade solidária a quem venha a substituir um dos transportadores durante o percurso, presumiu então já haver antes uma solidariedade.

Mas, ainda que não se entenda assim, há aqui uma concorrência normativa com o Código de Defesa do Consumidor, na forma dos comentários ao artigo anterior, que parece relevante à compreensão de uma regra de solidariedade entre os transportadores. É que, em primeiro lugar, evidenciada uma relação consumerista, impõe-se a responsabilidade solidária de todos quantos tenham integrado a cadeia prestadora de serviço. ou seja, havendo vários fornecedores organizados para atender o consumidor, de todos é o dever legal de qualidade, de segurança e adequação dos serviços prestados (ver a respeito, analisando a regra do art. 20 do Código de Defesa do Consumidor: Cláudia Lima Marques; Antônio Herman V. Benjamin; Bruno Miragem. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, p. 310). Portanto, nesse ponto, não se diferenciam o transporte de passageiros e o de coisas, em interpretação haurida do Código de Defesa do Consumidor, que, por beneficiar e proteger o consumidor de forma mais efetiva, deve prevalecer sobre a orientação diferente consubstanciada no CC 733 (ver comentário anterior). E posto não se trate de relação de consumo, há contratos que, mesmo individuais, são interligados por um nexo funcional, voltados à prossecução de um objetivo comum, que é uma operação econômica única e global, de transporte no caso, na qual se revela rede contratual que, mercê da incidência do princípio da função social do contrato (CC 421), em seu conteúdo ultra partes, ostentando-se a sua eficácia social, também haverá solidariedade perante o beneficiário do serviço (Cláudio Luiz Bueno de Godoy. Função social do contrato, 2.ed. São Paulo, Saraiva, 2007). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 752-753 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Consta na doutrina de Ricardo Fiuza: Dá-se transporte cumulativo quando vários transportadores – por terra, água ou ar – efetuam, sucessivamente, o deslocamento, de um lugar para outro, de pessoas ou coisas. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 388 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Encerrando o capítulo com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o transporte cumulativo caracteriza-se pela unidade na prestação de serviços. Se uma pluralidade de transportadores são usados no transporte, sem que haja vínculo entre eles, configura-se o transporte sucessivo.

Havendo transporte cumulativo os transportadores não respondem solidariamente, embora a obrigação seja indivisível. I.é: o responsável indeniza a totalidade dos prejuízos sofridos pelo tomador do serviço (§ 1º) (Agostinho Alvim. Direito das obrigações: exposição de motivos. In Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros, Rio de Janeiro, 1972, p. 76). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 16.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 728, 729 - DA CORRETAGEM - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 728, 729
- DA CORRETAGEM - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XIII – Da Corretagem –
(art. 722 a 729) vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 728. Se o negócio se concluir com a intermediação de mais de um corretor, a remuneração será paga a todos em partes iguais, salvo ajuste em contrário.

Na toada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, sem distinguir se em momentos simultâneos ou distintos, cuida o Código Civil, no artigo presente, do desempenho da atividade de corretagem por mais de um corretor, dispondo que a ambos será devida a comissão se de seu trabalho decorre resultado útil, tal como tratado no CC 725, a cujo comentário se remete o leitor, ou seja, se o negócio principal se consuma como fruto do trabalho concorrente de mais de um corretor, se o negócio principal se consuma como fruto do trabalho concorrente de mais de um corretor, então por consequência a ambos se deve a contrapartida pela aproximação útil a que procederam, pouco importante se o proveito da atividade de corretagem se deu como resultado de um trabalho simultâneo ou sucessivo. Tem-se verdadeira concausa da produção de resultado útil, que faz devida a comissão a mais de um corretor e, como diz a lei, mediante sua divisão em partes iguais, salvo se solução diversa tiver sido ajustada. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 747 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 15/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para Ricardo Fiuza, o dispositivo não distingue a atuação de cada um deles, os fatores concausais e o momento participativo da respectiva intermediação, podendo o mais das vezes o agir ter lugar em momentos distintos, para o efeito de se estabelecer o direito à remuneração.

Em caso de ultimação do negócio por outro corretor, quando a iniciativa das gestões pertencera ao primeiro mediador, entre as mesmas partes opera-se o princípio da proporcionalização entre a participação deste e a comissão a lhe ser paga. Implica a figura da comissão parcial devida ao corretor que não concluiu o negócio, mas atuou como uma concausa eficiente para a sua conclusão exitosa. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 386 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 15/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob o olhar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo concretiza para o contrato de corretagem a regra do Direito das Obrigações, segundo a qual, o crédito de coisa divisível divide-se por igual entre os credores, caso não haja ressalva contratual em sentido contrário. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 15.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 729. Os preceitos sobre corretagem constantes deste Código não excluem a aplicação de outras normas da legislação especial.

Encerrando o capítulo, lembra Claudio Luiz Bueno de Godoy que, tal como procedeu em relação à agência e à distribuição (CC 721), o Código Civil de 2002, ao tratar da corretagem, não excluiu a incidência da legislação especial também sobre ela existente. E, como se disse no comentário ao CC 722, que inaugura o capítulo, inúmeras são as leis especiais que disciplinaram, porém muito mais a profissão do corretor nas suas diversas modalidades, e menos o contrato de corretagem o que o CC tencionou fazer.

De toda sorte, não custa lembrar que o corretor pode ser oficial, portanto, que desempenha sua atividade mercê de investidura oficial, como é o caso do corretor de fundos públicos, de mercadorias, de navios, de câmbio, de seguros e de valores, mas, veja-se, sempre com regramento especial que lhes é aplicável (Leis n. 2.146/53 e 5.601/70, para os de fundos públicos; Leis n. 806/1851 e 8.934/94, para os de mercadorias; Decretos n. 19.009/29 e 54.956/64, para os de navios; Leis n. 5.601/70 e 9.069/95, para os de câmbio; Lei n. 4.594/64 para os de seguros; Lei n. 4.728/65, para os de valores). Como também os corretores livres, aqueles que exercem sua atividade independentemente de investidura, de igual forma podem encontrar disciplina legal para tanto, tal qual sucede, por exemplo, com os corretores de imóveis (Lei n. 6.530/78).

Pois ressalva o Código Civil que toda essa legislação continua aplicável, mas, como observa Jones Figueiredo Alves, e ao que se acede, de forma complementar (Novo Código Civil comentado, coord. Ricardo Fiuza. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 659). Vale dizer, naquilo que disser respeito ao contrato em si de corretagem, e não à profissão do corretor, deve-se reputar prevalente o Código Civil de 2002, que tencionou unificar esse regramento, dispondo sobre regras, malgrado não cogentes, mas atinentes a todo e qualquer contrato de corretagem.

Portanto, a rigor haverá multiplicidade de fontes normativas quanto a esses ajustes, mas com pertinência própria. E a do Código Civil diz com o conteúdo, com as regras do contrato em si de corretagem, que devem prevalecer como forma de atender à intenção de unificação do regramento contratual. Lembre-se, a propósito, que a interpretação deve chegar a um resultado que mantenha a unidade e a coerência do sistema, não se entendendo que a multiplicidade de fontes possa levar a contratos de corretagem, conforme sua modalidade, que tenham normas de conteúdo diferente, dispersas e esparsas. Mais, quando quis, o Código Civil remeteu ou permitiu a remissão à legislação especial mesmo que acerca de normas sobre o conteúdo do contrato típico de corretagem, como sucedeu em relação à remuneração (CC 724), o que mais reforça a conclusão de sua aplicação primária no concernente ao ajuste em si. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 748 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 15/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Finalizando o capítulo sob o prisma de Ricardo Fiuza, o dispositivo cogita da incidência normativa de legislação especial sobre o contrato de corretagem, agora disciplinado do Código Civil. Aplicação subsidiária ou complementar, visto que o regramento relativo ao novo contrato típico acha-se agora codificado. Bem por isso, permanecem atuais, sem conflito com o Código, a Lei Orgânica da Profissão de Corretor de Imóveis (Lei n. 6.530/78) e sua regulamentação, feita através do Decreto n. 81.871/78. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 386 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 15/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Encerrando o capítulo com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, é regulamentado em lei especial o exercício da corretagem relativo aos seguintes bens: imóveis (Lei n. 6.530/78; navios (Dec. n. 19.009/1929 e 54.956/1964; mercadorias (Dec. n. 20.881/1931); seguros (Lei n. e.594/1964 e Dec. n. 56.900/1965); fundos públicos (Dec. n. 2.475/1897; Lei n. 4.728/65; valores mobiliários (Lei n. 6.385/1976).

Os contratos de corretagem regulados por lei especial devem observar as disposições do Código Civil e as das respectivas leis especiais a que correspondam. Em caso de duplicidade de regulação pelo Código Civil e pela lei especial, prevalece o dispositivo posterior sobre o que for anterior a ele, salvo se, sendo compatíveis o dispositivo anterior regular com maior grau de especificidade a questão (lex specialis derrogat generalis). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 15.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).