quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 789, 790, 791-continua - DO SEGURO DE PESSOA - VARGAS, Paulo S. R.

Direito Civil Comentado - Art. 789, 790, 791 - continua
- DO SEGURO DE PESSOA - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO DE PESSOA
 – Seção III - (art. 789 a 802) - vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 789. Nos seguros de pessoas, o capital segurado é livremente estipulado pelo proponente, que pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com o mesmo ou diversos seguradores.

No lecionar de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a partir deste artigo, o Código Civil de 2002 se dedica ao regramento do seguro de pessoa, tratado separadamente do seguro de dano, dada a diversidade de características de um e outro. Com efeito, data de longe a discussão sobre se ao seguro de pessoa seria aplicável o princípio indenitário, muitos recusando se possa mesmo falar em indenização, no caso de ocorrência de sinistro (ver, para histórico da doutrina a respeito, Pedro Alvim. O contrato de seguro. Rio de Janeiro, forense, 1999, p. 447-53). Tudo porque, a rigor, são inestimáveis a vida e a integridade pessoal do indivíduo, acerca do que se contrata o seguro. Quando muito, cogitar-se-ia não da reparação de um dano havido, na extensão desse prejuízo experimentado, mas da recomposição da perda de uma vantagem que a cessação (ver comentário ao CC 794 sobre casos de morte, real ou presumida) ou deterioração da vida humana representa (cf. Clóvis Beviláqua. Código Civil comentado, 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V. p. 202). De qualquer forma, mesmo aceitando que, no seguro de pessoa, a contratação se volte à garantia do indivíduo contra os riscos a sua existência ou integridade, portanto ainda um dano, decerto que o valor a ser pago diante da ocorrência do sinistro se fixa a forfait, ou seja, aprioristicamente, conforme entabulado pelas partes. Não há, este o dado relevante, a limitação ao valor do interesse segurado, porquanto inestimável, justamente pelo que se pode contratar mais de um seguro, com o mesmo ou com diferente segurador. Daí, para muitos, não se falar, no seguro de pessoa, em princípio indenitário.

Certo é que, de todo modo, o importe segurado não encontra restrição outra que não na estimação das próprias partes contratantes. Fixa-se livremente um capital, uma soma, a que corresponde o pagamento do prêmio e que será entregue tão logo comprovada a ocorrência do sinistro. Ou seja, inexiste, como no seguro de dano, qualquer necessidade de avaliação da extensão do prejuízo a ser indenizado. Paga-se o valor arbitrado pelas partes. É, enfim, o que o Código anterior já estabelecia, malgrado referindo, no art. 1.441, apenas o seguro de vida, mas que o artigo em pauta estende a qualquer seguro de pessoa, de vida ou de acidentes, tão somente ressalvando-se, no CC 802, o seguro para garantia de reembolso de despesas médico-hospitalares (seguro-saúde regrado por lei própria, como se verá adiante nos comentários ao dispositivo citado) e o seguro para garantia das despesas com luto e funeral do segurado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 817-818 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 12/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo o histórico, a redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.441 do Código de 1916, com pequena mudança redacional. O antigo texto era o seguinte: “Art. 1.441. no caso de seguro sobre a vida, é livre às partes fixar o valor respectivo e fazer mais de um seguro, no mesmo ou em diversos valores, sem prejuízo dos antecedentes”. Essa seção, no Código Civil de 1916, era denominada “Do seguro de vida” (arts. 1.471 a 1.476): agora, no entanto, passa a ser “Do seguro de pessoa”.

Para a doutrina de Ricardo Fiuza, o capital é livremente estipulado pelo proponente, porque difere do seguro da coisa, em que pelo princípio indenitário a indenização há de corresponder a um valor certo do dano sofrido pelo segurado. Em segundo de pessoa, esse princípio não é aplicável, e sim o previdenciário, porquanto o prejuízo é abstrato, a garante é contra os riscos de morte, de perigo à sua integridade física, de quebra e comprometimento da saúde, e de acidentes dos mais variados, aos quais se acha sujeito o segurado, e, afinal, o valor da vida é inestimável, por isso, resulta possível contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com o mesmo ou mais de um segurador. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 416 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 12/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No dizer de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o contrato de seguro de danos tem como princípio impedir o enriquecimento sem causa do segurado e, por isso, seu valor é limitado pelo valor do bem segurado.

No seguro de pessoa, seja o seguro de vida ou o de danos à pessoa não é possível o estabelecimento de limite em razão do valor do bem assegurado, uma vez que nem a personalidade nem qualquer de seus atributos são passiveis de valoração econômica.

O seguro de pessoa visa a conceder uma compensação pelo dano causado à pessoa. A liberdade das partes para estabelecer o valor da indenização nesses casos é ampla. Por esse mesmo motivo, nada obsta que o proponente contrate mais de um seguro sobre o mesmo interesse. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 12.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 790. No seguro sobre a vida de outros, o proponente é obrigado a declarar, sob pena de falsidade, o seu interesse pela preservação da vida do segurado.

Parágrafo único. Até prova em contrário, presume-se o interesse, quando o segurado é cônjuge, ascendente ou descendente do proponente.

Para Claudio Luiz Bueno de Godoy, já desde o Código Civil de 1916 era possível entabular contrato de seguro sobre a vida de outrem, portanto que não a do próprio proponente. Ou seja, já se permitia fosse o seguro contratado sobre a própria vida ou sobre a vida de terceiro, apenas que, nessa última hipótese, sob pena de não valer o seguro, o proponente era obrigado a declarar seu interesse pela vida que se garantia, com a entabulação. Esse é o mesmo princípio insculpido no artigo em pauta. Sua redação foi modificada, mas não seu conteúdo. A ideia é a de viabilizar o seguro que compreenda a vida de terceiro, desde que demonstrado que quem realiza o contrato tem interesse na preservação da existência da sobrevivência daquele, cuja vida se segura. Quer dizer, é preciso ficar demonstrado que o proponente não quer ou torce pela morte do segurado. Caso contrário, estaria aberto caminho para contratações ilícitas, em que se apostasse no falecimento de outrem, a fim de que sobreviesse o pagamento de verba securitária assim especulativa.

Em diversos termos, o contratante deve justificar seu móvel à contratação, declarando concretamente por qual razão interessa-lhe, ao revés, a sobrevivência do terceiro. é o caso de fazer seguro o dependente econômico sobre a vida daquele de quem dependa, do credor a respeito da vida do devedor ou do sócio sobre a vida de outro sócio, nos exemplos de Carvalho Santos (Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. XIX, p. 397). Não se exigiu, como em outras legislações, que o terceiro consentisse na contratação, como também, ao que se entende, não se dispensou a declaração aqui examinada, acaso havido aquele consentimento. A finalidade da norma, afinal, é evitar seguros ilícitos, com risco à vida do terceiro, advindo do interesse do beneficiário na ocorrência do sinistro.

Como está no parágrafo único, presume-se haver interesse na preservação da vida do terceiro quando este for cônjuge, ascendente ou descendente de quem contrata o seguro, pretendendo-se a esse rol, com ampla razão, incluir o companheiro (Projeto de Lei n. 276/2007, já de alteração do Código Civil), o que deve prevalecer desde que, nesses casos, a relação afetiva existente leve à admissão, a priori, de que existente interesse na sobrevivência do terceiro cuja vida se garante. Mas, ressalva o atual Código, essa presunção é relativa, permitindo-se, portanto, prova em contrário. Em relação ao rol que também estava no parágrafo único do art. 1.416 do Código de 1916, não mais nele se inclui o irmão de quem contrata o seguro, destarte exigindo-se a mesma justificação do caput do dispositivo. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 819 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 12/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina de Ricardo Fiuza, quando o seguro de pessoa não compreender a do próprio segurado, mas de outrem, o proponente terá de justificar as razões legítimas e lícitas para a instituição do benefício, sejam de ordem jurídica, econômica, moral ou sentimental.

O parágrafo único do artigo, no entanto, estabelece presunção juris tantum – ou seja, relativa, por admitir prova em contrário – de existir tal interesse, se o segurado for cônjuge, ascendente ou descendente do proponente, já que a relação afetiva ou o parentesco entre eles conduz à conclusão, em geral inarredável, pelo liame existente, sobre o interesse do proponente à preservação da vida daquele(s). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 416 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 12/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Vê-se que ao pensar Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o interesse jurídico de uma pessoa pela vida de outra diz respeito a aspectos afetivos e econômicos. Desde que presentes tais aspectos, pode o estipulante contratar seguro de vida de outrem, independentemente do conhecimento e da aquiescência do segurado. A lei presume a existência de interesse por parte de ascendentes, descendentes e do cônjuge. Por analogia, deve-se presumir, igualmente, o interesse do companheiro. Outros podem demonstrar a existência de interesse, como os enteados e outras pessoas que vivam sob a dependência econômica do segurado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 12.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 791. Se o segurado não renunciar à faculdade, ou se o seguro não tiver como causa declarada a garantia de alguma obrigação, é lícita a substituição do beneficiário, por ato entre vivos ou de última vontade.

Parágrafo único. O segurador, que não for cientificado oportunamente da substituição, desobrigar-se-á pagando o capital segurado ao antigo beneficiário.

Na pauta de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o seguro de pessoa pode ser instituído em favor de terceiro, como ocorre, então necessariamente, com o seguro de vida. O favorecido por essa contratação é aquele a quem se chama de beneficiário. Trata-se de alguém de livre escolha do segurado, não se repetindo, de forma explícita, a regra do art. 1.474 do antigo Código, que proibia a instituição em favor de quem não pudesse dele receber por doação, como, por exemplo, o concubino do segurado casado, mas porque a matéria está implícita na disposição do CC 793, adiante examinado.

O beneficiário é identificado, pelo segurado, logo no instante da contratação, ou em momento posterior. Por isso mesmo, pode, em regra, ser livremente substituído, por ato inter vivos ou causa mortis. É, a rigor, mera explicitação, para o seguro, do princípio geral contido no CC 438 deste Código comentado. Veja-se, a propósito, que ao beneficiário não há mais que uma expectativa de direito, enquanto não se dá o sinistro, causa do pagamento do capital segurado. Assim, nada impede sua substituição. Solucionando divergência que, sob a égide do Código Civil de 1916, a respeito se erigia, considerou o novo Código ser passível de renúncia essa prerrogativa, afeta ao segurado, de substituir o beneficiário. Da mesma forma, excepcionalmente poderá ser vedada a substituição do beneficiário quando a instituição em seu favor se tiver consumado para garantir alguma obrigação. Pense-se, por exemplo, no devedor que contrata seguro sobre sua vida, beneficiando seu credor, expressando ter sido esse o motivo da contratação. Não haverá nessa hipótese liberalidade pura que possa implicar a livre substituição do beneficiário, ao menos enquanto persistir a dívida. No entanto, com exceção desses casos, constitui direito potestativo do segurado o de substituir o beneficiário. Deve, porém, disso dar aviso ao segurador, sob pena de ele se desobrigar pagando ao anterior beneficiário. Típico caso de pagamento a credor aparente, situação de justificada putatividade que se atribui a conduta do segurado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 820 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 12/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No diapasão de Ricardo Fiuza, a lei permite a substituição do beneficiário do seguro de vida, por ato unilateral de vontade do segurado, que a essa faculdade não renunciou ao clausular as condições do seguro, desde que este não tenha por origem declarada a garantia de determinada obrigação, o que se dará por ato inter vivos ou causa mortis.

O parágrafo único desse artigo, por sua vez, estabelece que, caso o segurador não seja cientificado, em tempo oportuno, da substituição, resultará liberado do vínculo obrigacional pelo ato de pagamento do capital segurado ao primitivo beneficiário, não podendo, nessa hipótese, o novo beneficiário postular que se lhe pague aquele capital. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 417 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 12/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No dizer de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, assegura-se, em regra, o direito de o estipulante substituir o beneficiário do seguro de vida.

O direito de substituir o beneficiário deixa de existir se a ele renunciar expressamente o estipulante ou se o seguro tiver como causa a garantia de alguma obrigação, como seria o caso de o seguro ter sido contratado visando a garantir a capacidade financeira do beneficiário em caso de falecimento de determinada pessoa de quem seja economicamente dependente. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 12.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 787, 788 - DO SEGURO DE DANO - VARGAS, Paulo S. R.

Direito Civil Comentado - Art. 787, 788
- DO SEGURO DE DANO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO DE DANO
 – Seção II - (art. 778 a 788) - vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 787. No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro.

§ 1º. Tão logo saiba o segurado das consequências de ato seu, suscetível de lhe acarretar a responsabilidade incluída na garantia, comunicará o fato ao segurador.

§ 2º. É defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indeniza-lo diretamente, sem anuência expressa do segurador.

§ 3º. Intentada a ação contra o segurado, dará este, ciência da lide ao segurador.

§ 4º. Subsistirá a responsabilidade do segurado perante o terceiro, se o segurador for insolvente.

Sob a visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, no artigo presente, o CC/2002 tratou e regulamentou o que sempre se chamou de seguro de responsabilidade civil. Ou seja, o segurador assume a obrigação de garantir o pagamento de perdas e danos que o segurado acaso tenha de fazer em benefício de terceiro. portanto, contrata-se a cobertura da indenização que, eventualmente, o segurado venha a ser obrigado a compor diante de terceiro lesado.

O risco envolve, assim, não só o pagamento de danos emergentes, como também o de lucros cessantes, que, na forma do CC 402, compõem as perdas e danos. O prejuízo a ser coberto pode abranger, ainda, danos pessoais e extrapatrimoniais que a conduta do segurado provocou ao terceiro vitimado. Se, afinal, o seguro se faz contra a responsabilidade civil que pode recair sobre o segurado, forçoso, então, ao que se crê, recorrer à própria noção do instituto, contida no Código Civil. E, com efeito, a responsabilidade civil está afeta, primeiramente, a quem comete ato ilícito (CC 927, caput), compreendido como aquele praticado por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, que viole direito alheio e cause dano a outrem, ainda que exclusivamente moral (CC 186). Portanto, é em toda essa extensão, abrangendo o dano moral, que, como regra, responderá o segurador, inclusive conforme orientação hoje sumulada (v. item a seguir). Ademais, e seguindo a mesma esteira, responderá ele também pela indenização a que esteja obrigado o segurado, independentemente de ação culposa, como tal definida, genericamente, no CC 927, parágrafo único, do atual Código. Isso significa dizer que o segurador garante a responsabilidade civil do segurado, subjetiva e objetiva, como regra em toda a extensão da consequência danosa de sua conduta. Discute-se é se, por conta dessa garantia, o segurador pode ser compelido a honrar a cobertura em ação que diretamente lhe seja movida pelo terceiro-vítima, tal como, para o seguro obrigatório, se possibilitou, de maneira explícita, no CC 788, parágrafo único, adiante examinado, ou se, ao revés, incumbe ao terceiro se voltar contra o segurado causador do dano, que, pagando, recebe a verba do seguro, nos limites do contrato.

O desfavor da ação direta, costuma-se afirmar que falta legitimidade para o terceiro agir com base em contrato de que não fez parte. Ressalte-se, todavia, que, hoje, em virtude da função social do contrato, que, em uma vertente de seu conteúdo, opera verdadeira eficácia social do ajuste (ultra partes), alguém não contratante pode, conforme o caso, discutir contrato – ou com base nele – de que não foi subscritor (veja, a respeito, Cláudio Luiz Bueno de Godoy. A função social do contrato, 2. ed. São Paulo, Saraiva, 2007). Parece, porém, que, no caso, o ponto seja outro. É que, com efeito, o seguro de responsabilidade civil não é uma estipulação que se faz em favor da vítima, por isso não lhe é dado postular diretamente o benefício, como ocorre no seguro universalizado e social que é o seguro obrigatório, de que cuida o artigo seguinte. O seguro de responsabilidade é um seguro de reembolso, que pressupõe, antes, o pagamento pelo segurado ou o reconhecimento, em ação que lhe seja movida, de sua responsabilidade pelo evento danoso que vitimou terceiro, de modo a que, nessa demanda, oferte o segurado a defesa que tiver, decerto que a ele afeta e de seu conhecimento, e não do segurador. E mais, de sorte que não se submeta o terceiro à discussão de disposições contratuais que desconhece. Ou seja, os debates se estabelecem com temática própria: entre o segurado e a vítima acerca da responsabilidade pelo evento; entre o segurado e o segurador sobre a obrigação de garantia. E tanto parece ser essa a solução da lei que o Código Civil de 2002, no § 3º do artigo em discussão, de forma bastante diversa do parágrafo único do artigo seguinte, em vez de aludir a uma ação direta, menciona a ação proposta pelo terceiro contra o segurado, de que se dará ciência ao segurador.

No sentido do descabimento da ação direta, exatamente em função da redação dos §§ 1º a 4º do CC 787, vale conferir a lição do Min. José Delgado in Comentários, coord. Min. Sálvio de Figueiredo. Rio de Janeiro, forense, v. XI, t. I, p. 566-7. Ou, na mesma esteira, lembrando que o tipo do seguro em questão é de reembolso, está a lição de João Marcos Brito Martins (O contrato de seguro. Rio de Janeiro, Forense Universitária, p. 116).

Certo que, primeiramente, tese diversa, tal qual no item abaixo, de identificação da jurisprudência, se exemplifica, vem sendo sedimentada no Superior Tribunal de Justiça, admitindo a ação direta, como se de verdadeira estipulação em favor de terceiro se tratasse, à semelhança do seguro de vida, por exemplo.

Certo, de outra parte, e mesmo assim não fosse, que a jurisprudência já admitiu que, mesmo sem o pagamento pelo segurado, a vítima possa executar diretamente o denunciado, vencido na denunciação, como se ocorrida verdadeira sub-rogação a esta do crédito já julgado em favor daquele, por corolário da procedência da lide secundária.

Certo também que o CDC 101, II, permite que o fornecedor, acionado em demanda de consumo, chame ao processo seu segurador, de modo a que, afinal, possa também este, que assume a condição de litisconsorte passivo, a bem dizer tal qual se dá na denunciação da lide (CPC/1973, art. 75, I, com correspondência no CPC/2015, art. 126), ser condenado de forma solidaria, nos termos do CPC/1973, art. 80, com correspondência no CPC/2015, art. 130, a que remete o dispositivo em comento, de forma expressa.

Não se nega que, no preceito citado, de resto como nele expresso, a faculdade de chamamento seja deferida ao réu (ver Alvim, Arruda, et al. Código de Defesa do Consumidor comentado. São Paulo, RT, p. 217), mas, afinal, de modo a que, com a possibilidade de ampliação da polaridade passiva, se favoreça o consumidor (ver Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autos do anteprojeto, Rio de Janeiro, Forense Universitária, p. 827).

De mais a mais, a parte final do mesmo inciso II do CDC 101 permite que, insolvente o fornecedor e se houver seguro, então possa o consumidor mover ação direta contra o segurador.

Por fim, vale a consideração de que a jurisprudência já admitiu a extensão desta disposição a casos, não de relação de consumo, propriamente, mas de acidentes de automóveis, ao menos para permitir a execução pela vítima diretamente contra o segurador do causador da colisão, vencido na denunciação.

Todas essas ressalvas se fazem para que, posto não se aceda à tese da genérica admissibilidade da ação direta da vítima contra o segurador, fique clara a tendência que se erige no sentido de se admitir tal iniciativa.

Na mesma esteira do previsto no CC 771, exige o § 1º do artigo presente que, tão logo saiba, dê o segurado aviso ao segurador do fato constitutivo de sua responsabilidade, garantida pelo ajuste securitário. Veja-se que nem sempre a ciência do segurado se verifica no exato instante da ocorrência do evento, como, por exemplo, no dano que sua construção possa ter causado a terceiro. sobre a significação da exigência de imediata comunicação e sobre as consequências derivadas de sua omissão, remete-se aos comentários ao CC 771, animado pelo mesmo espírito que subjaz ao artigo vertente.

No § 2º, impõe a lei a proibição de o segurado reconhecer sua responsabilidade, confessar, transigir ou ressarcir diretamente o terceiro-vítima sem expressa anuência do segurador. Tratando-se de limitação a direito do segurado, parece ser necessário interpretar restritivamente o preceito, por exemplo, excluindo-se de sua abrangência a confissão ficta ou provocada. Até pelo significado da norma, quer-se evitar que o segurador, por ato e iniciativa próprios, de alguma maneira prejudique a posição jurídica do segurador, por ato e iniciativa próprios, de alguma maneira prejudique a posição jurídica do segurador, impondo-lhe um ressarcimento acaso exagerado ou mesmo indevido. Daí exigir-se sua anuência. Mas justamente por isso é que, mais ainda, não parece razoável impor ao segurado a perda automática do direito à cobertura, como consequência da falta de obtenção de placet do segurador para a prática dos atos elencados na lei, desde eu não lhe tenha sido imposto qualquer dano. Não se crê possa ser presumido, de forma absoluta, um conluio entre segurado e terceiro para prejudicar o segurador, o que se daria com a perda automática do direito ao ressarcimento pelo simples fato da ausência de concordância. Mesmo um involuntário prejuízo não se pode admitir havido, tão só, por essa omissão, devendo-se, conforme se entende, reservar sempre a possibilidade de, apesar de não ocorrida anuência, comprovar o segurado que o ato por ele praticado em nada alterou ou afetou a cobertura que, destarte, certamente haveria de ser honrada, nos mesmos moldes. Lembre-se mesmo que ocasionalmente a transação pode até trazer benefício ao segurador, obrigado então a ressarcir valor menor do que lhe seria afeto se não houvesse o acordo.

O § 3º do artigo examinado dispõe que, ajuizada ação de ressarcimento contra o segurado, deverá ele dar ciência do fato ao segurador, sem que se diga, diferentemente do previsto no CC 456, que na forma das leis do processo. Aliás, bem por isso, sustenta o Ministro Eduardo Ribeiro (“Contrato de seguro – alguns tópicos”. In: O novo Código Civil, coord. Domingos Franciulli Netto, Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins Filho. São Paulo, LTr, p. 729-46) que a lei criou, no caso, uma ciência especifica, sem previsão no Código de Processo Civil, que vincula o segurador ao que se decidir na demanda em termos de responsabilidade do segurado. Isso, no entanto, afirma o mesmo autor, sem que a falta da cientificação determine qualquer perda de direito regressivo, de resto como, hoje, também se entende para a denunciação da lide (CPC/1973, 70, III – correspondência no CPC/2015, art. 125), a despeito de que dita obrigatória, mas o que alguns vem reservando, quando muito – já que mesmo nesse caso altera-se a posição da jurisprudência -, à hipótese da evicção (vide CPC/2015, art. 125). Aliás, pela tese exposta, haveria ao segurado a alternativa de cientificar o segurador da demanda indenizatória, a fim de fazê-lo vinculado ao deslinde, ou estabelecer lide regressiva secundária, com a denunciação da lide, cujo cabimento, nas hipóteses de seguro, a reforma processual cuidou de assentar, para permiti-la nos procedimentos de rito sumário (art. 280, do CPC/1973, sem correspondência no CPC/2015, com redação dada pela Lei n. 10.444/2002). Ou seja, para o autor seriam, então duas medidas diversas, quando, ao que se crê, melhor teria andado o Código Civil determinando a cientificação como providência a ser exercitada, tal qual se dispõe no CC 456, na forma dos termos das leis do processo. Ressalve-se, apenas, a todo esse respeito, que hoje é sustentável considerar esteja o segurador vinculado ao ressarcimento se o segurado foi condenado, por conta da relação de direito material de garantia entre ambos existentes, independentemente da cientificação. A discussão que se faria possível entre os dois estaria relacionada com as condições da garantia ajustada, mas não com o pagamento imposto ao segurado mercê da condenação judicial a que submetido. Quando muito, poder-se-ia cogitar de o segurador eventualmente pretender demonstrar que a conduta do segurado, mesmo no processo indenizatório, ostentou-se, por exemplo, por alguma omissão probatória, de modo a agravar importe ressarcitório, aí sim, o que a ciência tenderia a afastar. Mas isso, de toda sorte, sem excluir, ainda, a possibilidade de denunciação da lide, e cuja ausência, como já se decidia, não induz perda do direito regressivo.

Finalmente, estabelece o § 4º que a responsabilidade do segurado subsiste perante o terceiro, se o segurador for insolvente. A regra poderia levar a supor que ao terceiro fosse dado litigar diretamente contra o segurador, voltando-se contra o segurado se aquele se tornasse insolvente, o que, porém, já anteriormente se defendeu incabível. Poder-se-ia argumentar, então que, ao determinar a responsabilidade do segurado diante da insolvência do segurador, quis-se evitar o sobresseguro, que era textualmente permitido no art. 1.437 do Código de 1916, o que também não se considera seja o caso, já no mesmo dispositivo explicitando-se que a contatação de seguro contra a insolvência do segurador não implica a admitir se esteja a erigir mais de uma cobertura para o mesmo interesse (CC 782). Isso tudo se cogita dada a ociosidade do dispositivo, se interpretado, tout court, como simples reforço da responsabilidade pessoal do segurado perante quem foi por ele lesado, a despeito do seguro. Talvez reste só o elastério de que o preceito reafirma a impossibilidade de o segurado se beneficiar, diante do terceiro, da alegação de insolvência de seu garantidor, porquanto não lhe transfere a responsabilidade direta pelos danos que vier a causar (Ver José Augusto Delgado. Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. XI, t. I, p. 568). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 11.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 814-815 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 11/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Vê-se com a Doutrina de Ricardo Fiuza, que esse artigo inova, ao tratar de uma modalidade especial, que é o seguro de responsabilidade civil, já existente anteriormente, porém não disciplinado pelo CC de 1916. Por tal contrato, transferem-se aos segurados as indenizações eventualmente devidas pelo segurado a terceiros, resultantes de atos ilícitos determinantes dos prejuízos por ele causados e pelos quais seria responsabilizado. Um interessante caso particular desse contrato é o chamado seguro de fidelidade funcional, cujo objeto é a reparação de prejuízo que possa vir a ser ocasionado por funcionários ou empregados que lidem com quantias em dinheiro.

O § 1º desse artigo preceitua ser obrigação do segurado comunicar de pronto ao segurador, tão logo delas tome conhecimento, as consequências de ato seu, capaz de lhe acarretar a responsabilidade objeto da garantia. Esse dever jurídico é ínsito à própria relação securitária, onde, no caso, o segurador assumiu as consequências dos atos que venham de ser cometidos pelo segurado.

O § 2º, por sua vez, estatui ser proibido ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa do segurador.

A ideia da lei objetiva inibir a frustração de eventual direito do segurador, na hipótese de atuação do segurado à sua revelia, quando já se faz, em decorrência do seguro, incabível uma negociação direta entre o segurado e o terceiro sem a anuência expressa do segurador.

O § 3º determina que, intentada a ação contra o segurado, terá este que dar ciência da lide ao segurador. Também aqui o propósito é o de impedir seja causado injusto prejuízo ao segurador que garantiu o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro.

Finalmente, o § 4º estatui que a responsabilidade do segurado perante o terceiro subsistirá, caso seja o segurador insolvente. É por demais evidente que não poderia a celebração do seguro de responsabilidade civil dar margem à possibilidade de vir o terceiro a ficar sem ressarcimento algum pelos danos sofridos, o que teria lugar no caso de insolvência do segurador. Assim, estabelece a lei que, uma vez constatada tal situação de insolvência, subsiste a responsabilidade do segurado perante o terceiro, quando aquele for o responsável direito pelo dano causado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 414 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 11/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na toada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o seguro de responsabilidade civil, vulgarmente conhecido como “seguro de danos contra terceiros”, visa a garantir o segurado contra indenizações que lhe venham a ser cobradas por danos que vier a causar a terceiros.

Tendo-se em vista que essa modalidade de seguro visa a garantir o segurado contra danos que ele próprio provoca, a lei retira-lhe a possibilidade de reconhecer o direito do terceiro, de transigir ou de indeniza-lo diretamente, sem a anuência da seguradora. Uma vez que a esta incumbirá, por fim, os ônus da indenização, a ela devem ser reservadas tais faculdades.

O parágrafo 4º estabelece que a responsabilidade do segurado perante terceiro se for insolvente a seguradora. A rigor, no entanto, a responsabilidade do segurado junto ao terceiro remanesce sempre e só excepcionalmente tem jurisprudência admitido que o terceiro ajuíze ação diretamente conta a seguradora, em relação a quem não possui a rigor qualquer vínculo jurídico. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 11.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 788. Nos seguros de responsabilidade legalmente obrigatórios, a indenização por sinistro será paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado.

Parágrafo único. Demandado em ação direta pela vítima do dano, o segurador não poderá opor a exceção de contrato não cumprido pelo segurado, sem promover a citação deste para integrar o contraditório.

Na luz de Claudio Luiz Bueno de Godoy, de índole essencialmente social, mas de modo particular, já que todo ajuste securitário possui uma função previdenciária, a rigor de cunho social, porquanto de garantia de indenidade das pessoas, o seguro obrigatório encerra, em última análise, uma estipulação em favor de vítimas potenciais e indeterminadas, ressarcidas diante de sinistros em que se converteram riscos previstos em lei. assim é que, já no Decreto-lei n. 73/66, previram-se inúmeras hipóteses em que a contratação do seguro se faz obrigatória, para garantia de terceiros incertos expostos ao risco criado – por exemplo, por quem opera aeronaves comerciais, possui veículos automotores de vias terrestre, fluvial, lacustre e marítima, constrói imóveis em zonas urbanas, dentre outras hipóteses, todas consagradas no art. 20. De todos eles, é bastante comum e cotidiano o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT), regulamentado pelas Leis n. 6.19474 e 8.441/92, que já estabeleciam, antes do novo Código, pagamento da indenização, em valor previamente fixado, equivalente a quarenta salários-mínimos, para o caso de morte, diretamente ao prejudicado. O que, mais recentemente, se reforçou com a Lei n. 11.482/2007, malgrado uma legislação fiscal, mas que em seu art. 8º estabeleceu valores certos para a mesma indenização. É mesmo o que se extrai da própria essência dessa forma de seguro, legalmente obrigatório. Quer-se, com ele, uma cobertura objetiva e genérica a pessoas expostas a risco de dano nos casos que a lei elenca. Por isso, o prejudicado, quando se trata de seguros obrigatórios, pode mover diretamente a ação contra o segurador, sem que a este seja dado, para eximir-se do pagamento, tal qual o expressa o atual Código, alegar falta de pagamento do prêmio pelo segurado. Nada diverso, repita-se, do que, nos acidentes de automóveis, já previa o art. 7º da Lei n. 6.194/74, com redação dada pela Lei n. 8.441/92, inclusive com a possibilidade de indenização cobrada de qualquer seguradora integrante do consórcio de empresas que operam o seguro obrigatório, por vítima de acidente em que envolvido veículo não identificado, com seguro não realizado ou vencido.

É nesses termos que deve ser compreendida a parte final do artigo em pauta, não se admitindo que possa a seguradora, de forma alguma, deduzir, em sua defesa, a exceção do contrato não cumprido pelo segurado, mesmo havida a citação deste (ver Súmula n. 257 do STJ). Na verdade, o que se permite é a denunciação da lide pela seguradora, a fim de reaver, em regresso, a indenização que tiver pago. Tal a redação que se tenciona explicitar com o Projeto de Lei n. 276/2007, já de alteração do Código civil. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 817 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 11/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo a doutrina de Ricardo Fiuza, os seguros de responsabilidade civil obrigatórios são, pela natureza social de que se revestem, satisfeitos em face da simples ocorrência do dano, independentemente da apuração da culpa. Aplica-se em favor do segurado a teoria do risco, aludida no Decreto-lei n. 73/66. O caráter assistencial emprestado ao seguro obrigatório exige, por tal conduto, seja o pagamento feito pela seguradora diretamente ao interessado, terceiro prejudicado, evitando-se, destarte, que pessoas inescrupulosas dele obtenham vantagens indevidas.

O parágrafo único do artigo remete a hipótese ao disposto no CC 476. Entretanto, exige-se maior acuidade na interpretação do seu texto, em face da pretensa exceção arguível. É que feito o seguro em favor de outrem não identificado, terceiro prejudicado potencial, não teria, em verdade tal exceção o condão de afastar a seguradora pelo pagamento do prêmio, enquanto não implementada a obrigação pelo segurado. E o que o sistema de tais seguros objetiva estabelecer: o princípio da universalidade, a tanto que a cobertura à vítima do dano é efetuada independentemente de o veículo ou a própria seguradora serem identificados acionando o beneficiário do seguro qualquer das empresas seguradoras integrantes do consórcio securitário (art. 72 da Lei n. 6.194) e, mais ainda, terá o terceiro prejudicado direito à indenização pelo sinistro, mesmo que não efetuado o pagamento do prêmio pelo segurado. Nesse sentido o SI! tem dirimido, com segurança “A indenização decorrente do chamado seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres (DPVAT), devida a pessoa vítima por veículo identificado que esteja com a apólice de referido seguro vencida, pode ser cobrada de qualquer seguradora que opere no complexo” (STJ. 4’ T., REsp 200.838-60, rel. Mm Cesar Asfor Rocha. DJ de 2-5-2000). A jurisprudência tem sinalizado, de há muito, nessa linha: “Não pode a seguradora se recusar a pagar a indenização proveniente de seguro obrigatório alegando a falta de pagamento do prêmio pelo proprietário do veículo causador do acidente, pois a lei não faz essa exigência, e, além do mais, aquela não terá qualquer prejuízo, pois poderá ingressar cós uma ação regressiva, tudo nos termos da Lei n. 6.194, com a redação dada pela Lei n. 8.441” (RT, 743/300). Observe-se, ademais, a orientação do STJ, ao particularizar a obrigação daquele causador do dano, somente quando inexistente consórcio segurador que assuma o risco: “O dever de indenizar o prejudicado, pelo acidente causado por veículo cujo seguro estava vencido, é do proprietário deste, quando à época do evento danoso ainda não estava em vigor a norma que prevê a obrigação indenizatória do Consórcio de Seguradoras, para esses casos” (STJ, 3’, T., REsp 218.418-SP, rel. Mm Fátima Nancy Andrighi, DJ de 17-9-2001). Diante de tal sentir, afigura-se ambígua e desproposital a narração do texto do referido parágrafo, aparentando prevalecer, em tais hipóteses, a exceção do contrato ao cumprido, quando, em verdade, terá apenas a seguradora demandada o direito de regresso conta o segurado moroso. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 415 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 11/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o beneficiário dos seguros obrigatórios é sempre o terceiro prejudicado. Em razão disso, a ele deve ser paga a indenização. Por ser obrigatório o seguro, o fato de não ter sido pago o respectivo prêmio pelo segurado não exonera a seguradora de pagar ao prejudicado a indenização devida. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 11.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 784, 785, 786 - continua - DO SEGURO DE DANO - VARGAS, Paulo S. R.

Direito Civil Comentado - Art. 784, 785, 786 - continua
- DO SEGURO DE DANO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO DE DANO
 – Seção II - (art. 778 a 788)
 vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 784. Na se inclui na garantia o sinistro provocado por vício intrínseco da coisa segurada, não declarado pelo segurado.

Parágrafo único. Entende-se por vício intrínseco o defeito próprio da coisa, que se não encontra normalmente em outras da mesma espécie.

No ritmo de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a regra, embora com diversa redação, é a mesma do art. 1.459 do antigo Código. Por ela, quer-se excluir da cobertura securitária o sinistro havido em razão de vício intrínseco da coisa, como tal entendido aquele defeito próprio que não se encontra, de ordinário, em outras coisas da mesma espécie. Ou seja, o princípio é o de que não caiba indenização securitária de danos causados por fator que não seja externo, alheio à coisa segurada.

Sempre se entendeu, porém, desde a vigência do Código Civil de 1916, que a exclusão da cobertura somente se daria se o vício intrínseco fosse causa única do evento danoso. Assim, ao revés, deve-se, ainda hoje, considerar persistente a obrigação contratual ressarcitória se o defeito interno da coisa é apenas uma concausa do evento. O preceito é de ordem dispositiva, de modo a não impedir que o segurado declare a existência do vício e assim contrate garantia que o abranja. Nesse caso, o segurador terá amplas condições de calcular o risco coberto levando em conta a possibilidade de sinistro de acordo com o defeito interno da coisa segurada.

O problema se põe, na verdade, quando o segurado não declara o vício interno que, ademais, vem a ser a causa do evento danoso. Aí então exclui-se a cobertura, de sorte que o segurador não estará obrigado a pagar a respectiva indenização pelos danos havidos à coisa segurada. Fato, porém, é que, desde o Código anterior, reputava-se de rigor a exclusão da cobertura tão somente se o segurado houvesse maliciosamente omitido a declaração do vício intrínseco da coisa ou ao menos se dela tivesse ciência (v.g., Clóvis Beviláqua. Código civil comentado, 4.ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, p. 220, J. M. Carvalho Santos. Código Civil brasileiro interpretado, 5.ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. XIX, p. 369). É, de resto, a mesma regra que se consagra, hoje, no CC 766, parágrafo único, que não afasta a cobertura em casos de omissão do segurado, mas não de má-fé. Ou seja, na síntese de Carvalho Santos (op. cit., p. 369), é preciso, para a incidência da regra em pauta, que o vício intrínseco, além de constituir causa exclusiva do sinistro, seja conhecido do segurado, omisso em informa-lo, e, mais, desconhecido do segurador. É por isso que, em exemplo do mesmo autor, quando coisas sujeitas ordinariamente a incêndio se inflamam, posto que por vício interno, porquanto notória a circunstância, não se afasta a responsabilidade do segurador. Isso também se aplica a vícios de construção, causa de sinistro a atingir imóveis (idem, ibidem). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 809 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No diapasão de Ricardo Fiuza, cuida-se de causa excludente de garantia haver sido o sinistro provocado por vício intrínseco da coisa segurada. Isenta-se o segurador de qualquer responsabilidade se o risco não for o normalmente previsto e declarado. Em outras palavras, aquele risco configurado em causa externa. É que como pondera João Luiz Alves, o vício intrínseco não é objeto do contrato (Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil anotado, Rio de Janeiro, E. Briguiet, 1917, p. 1007). E, em regra, realmente, o segurado não responde pelos prejuízos resultantes de vício intrínseco à própria coisa segurada. No caso, porém, de o vício intrínseco ser declarado pelo segurado, tomando-se essa causa interna um dado considerável da apólice, haverá de se ter obrigado o segurador a indenizar os prejuízos advindos daquele vício, isto porque objeto de previsão expressa.

O CC/2002 estabelece, no parágrafo único do artigo, uma definição para o vício intrínseco à coisa segura, tendo-o como o defeito próprio da coisa e que não se acha, em regra, em outras da mesma espécie. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 412 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, sob pena de perda do direito à indenização, o segurado deve declarar todas as circunstâncias capazes de influenciar o valor do seguro (CC 766). Entre as informações relevantes, encontra-se o vício da coisa. Se o vício não for informado à seguradora, fica excluída a garantia pelo fato da coisa causado pelo referido vício. nada impede, obviamente, a estipulação de seguro contra sinistros provocados pelo vício da coisa que seja expressamente acobertado, nem, tampouco, contra a futura. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 10.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 785. Salvo disposição em contrário, admite-se a transferência do contrato a terceiro com a alienação ou cessão do interesse segurado.

§ 1º. Se o instrumento contratual é nominativo, a transferência só produz efeitos em relação ao segurador mediante aviso escrito assinado pelo cedente e pelo cessionário.

§ 2º. A apólice ou o bilhete à ordem só se transfere por endosso em preto, datado e assinado pelo endossante e pelo endossatário.

No pensar de Claudio Luiz Bueno de Godoy, seguindo tendência, já sedimentada, do direito obrigacional, que vê na obrigação um valor patrimonial, por isso passível de cessão, salvo se envolver relação personalíssima, previu o artigo em pauta que também o contrato de seguro pode ser cedido, estabelecendo, em regra, uma transferência que se opera com a alienação do interesse segurado. Todavia, como já observava Clóvis Beviláqua a propósito da disposição do art. 1.463 do Código de 1916 (Código Civil comentado, 4.ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 222), a transferência, nesse caso, não é forçosa, já que é possível, a despeito da alienação, que o interesse contra o risco permaneça com o alienante, de outra parte ao adquirente sendo inútil o seguro. Daí estatuir o CC/2002, sem reiterar a parte final do parágrafo do antigo art. 1.463 – contemplativo de hipótese de automática transmissão, se não vedada pela apólice -, que, frise-se, é admissível a transferência do contrato com a alienação do interesse segurado, mas mediante requisitos que estão nos parágrafos do dispositivo.

Assim, se o seguro for nominativo, como geralmente é, ou melhor, se o instrumento do contrato indicar o segurado/beneficiário, aí então a transferência só produz efeitos perante o segurador mediante aviso escrito e assinado pelo cedente e pelo cessionário, na mesma senda, se houver apólice ou bilhete à ordem, impondo-se a transferência por endosso em preto, assinado pelo endossante e indicando-se explicitamente o endossatário. Segue-se, a esse respeito, a regra geral do CC 290 atual, acerca da cessão. Veja-se, porém, que a ciência ao cedido, no caso do segurador, não implica, em princípio – ao final feita ressalva a que se remete -, a admissão de que ele deva anuir, previamente, à cessão, o que não se exige, até por clara inferência do previsto no § 1º. Exige-se, nesse preceito, o aviso escrito, por qualquer meio, desde que comprovado o recebimento, da ocorrência da cessão, com subscrição do cedente e do cessionário, que passará a ocupar a posição contratual daquele. No entanto, nada impede, em se tratando de direito disponível, que as partes contratantes do seguro, por ajuste, pactuem a vedação da cessão. Se a apólice for ao portador, sua transferência se dá pela tradição.

Deve-se ressalvar, por fim, que a transferência do seguro não pode agravar, por si, o risco garantido pelo segurador sem sua detida cientificação e, nessa hipótese, sem sua concordância a respeito, como ocorre, por exemplo, nos seguros de coisa com perfil do segurado, tal qual no caso dos automóveis. Isso, em diversos termos, significa que na transferência do seguro deve-se o mesmo respeito à regra de boa-fé que há na contratação e que está contida no CC 766. Ou seja, ainda citando o exemplo do seguro de autos, impende, dada a influência das condições do segurado no cálculo do risco, que haja, no caso de alienação da res com transferência do contrato, pronta comunicação ao segurador, com informações que lhe permitam, se necessário, rever o valor do prêmio, ajustando-o ao risco coberto, que, agora, poderá ser diferente. Se isso não se fizer e, depois, ocorrer o sinistro, poderá o segurador se valer da exceção de agravamento do risco, desde que, evidentemente, comprovada a circunstância, não se mantendo, e uma vez que assim seja, com a alienação, as mesmas condições de tráfego, estacionamento e condução do veículo segurado. Ao revés, avisado da alienação e permanecendo a receber o mesmo prêmio, sem qualquer o posição ou ressalva, manifesta-se tácita aquiescência do segurador, que, com a ocorrência do sinistro, não poderá recusar o pagamento da indenização. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 810 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para Ricardo Fiuza, esse artigo trata da transmissibilidade dos direitos inerentes ao contrato de seguro. Como referido pelo CC 760, a apólice e o bilhete de seguro podem ser nominativos (onde constante, nominalmente, o segurador e o segurado, bem como o seu representante ou terceiro beneficiário), à ordem (transferíveis por endosso) ou ao portador (sem a nominação do beneficiário, são transferíveis por mera tradição, não exigindo nenhuma formalização). Desse modo, a transferência do contrato a terceiro por alienação ou cessão do interesse segurado é admitida como válida, salvo existindo cláusula expressa em contrário. Entretanto, conforme leciona Sílvio Rodrigues, “a transmissão do direito à indenização não pode implicar prejuízo para o segurador, cuja situação não deve ser por ela agravada” (Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 27.ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3, p. 355). Os parágrafos ao dispositivo inovam a matéria, trazendo-lhe melhor disciplina para efeito da transmissão. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 413 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na toada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo fixa que o seguro de dano é, em regra, transferível ao adquirente da coisa ou do interesse segurado. A intransferibilidade resulta de cláusula expressa.

O fato de a apólice ser nominal não impede a transferência, que se opera mediante aviso do cedente e do cessionário à seguradora.

O referido aviso é desnecessário se a transferência for admitida pela própria apólice ou bilhete de seguro, que contenha a cláusula “à ordem”. Neste caso, basta o endosso assinado pelo cedente e pelo cessionário. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 10.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.

§ 1º. Salvo dolo, a sub-rogação não tem lugar se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado, seus descendentes ou ascendentes, consanguíneos ou afins.

§ 2º. É ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo.

A visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, no seguro de dano, e não no de pessoa (cf. CC 800, infra), explicita-se hoje, - já que ausente semelhante regra do Código Civil anterior, muito embora existente previsão a respeito, para o seguro marítimo, no Código Comercial (art. 728) – o direito à sub-rogação do segurador que paga a indenização ao segurado. Ou seja, paga a indenização, nos limites do valor respectivo, fica o segurador autorizado a exercer direito regressivo contra o causador do sinistro, para tanto passando a ocupar a posição jurídica do segurado, de resto tal qual na jurisprudência já se assentara (Súmula n. 188 do STF). Isso, na verdade, porque, ao quitar o valor do prejuízo havido, nos lindes do importe do contrato, a rigor o segurador está pagando dívida de terceiro, aquele causador do dano ao segurado. Põe-se cobro, destarte, à discussão, que antes havia, sobre se o segurador, assim agindo, não estaria sendo duplamente beneficiado, com o recebimento do prêmio e com o ressarcimento do seguro pago. A essa objeção Pedro Alvim (O contrato de seguro. Rio de Janeiro, forense, 1999, p. 490) já respondia ser da natureza da cobertura de sinistro provocado por terceiro a sub-rogação legal, antes prevista no art. 985, III, do Código de 1916, por encerrar-lhe real contraprestação a possibilidade de ressarcimento regressivo, junto ao causador do dano, referindo-se o prêmio pago à cobertura de riscos eventuais, independentes de ato voluntário, posto que de terceiro. de mais a mais, a não ocorrência da sub-rogação deixaria o causador do dano livre de sua responsabilidade, uma vez que nada lhe poderia exigir o segurado, afinal já ressarcido pelo segurador.

Tudo isso se supera, agora, pela previsão expressa do novo Código sobre a possibilidade de sub-rogação, nos limites do contrato, desde que, acrescenta o § 1º, o dano não tenha sido provocado pelo cônjuge, descendente, ascendente, parente consanguíneo ou afim do segurado, devendo-se acrescentar o companheiro, porque, em todos esses casos, pode-se afetar o próprio patrimônio do segurado, mas este, sim, fazendo parte do risco coberto. A ideia do parágrafo, de qualquer forma, é a de dano causado involuntariamente por que, próximo do segurado, de qualquer forma, é a de dano causado involuntariamente por que, próximo do segurado, por relação de casamento, união estável e parentesco, ostenta conduta que se coloca no âmbito do raio do risco coberto, como se o ato fosse do próprio contratante. O Código Civil ressalva, tão somente, dizendo-o então passível de ensejar sub-rogação, o ato doloso que tenha sido praticado por cônjuge ou parente, porque aí justificado o eventual alcance do patrimônio do segurado e, de toda forma, dimanando o dano de ato voluntário praticado por pessoa a ele ligada, igualmente como se excluiria a indenização se dele provinda conduta dolosa.

Finda o dispositivo legal por estabelecer a ineficácia de qualquer ato praticado pelo segurado eu sirva a diminuir ou extinguir, em prejuízo do segurador, o direito à sub-rogação, de que ora se trata. Veja-se que a regra quer assegurar, em última análise, a integralidade do direito regressivo do segurador, resguardando-o contra ato que venha a ser praticado pelo segurado. O exato elastério da norma sobreleva se for levada em conta, por exemplo, a frequente ocorrência de acordos mediante os quais a esse causador do dano o segurado confere ampla quitação, em geral por ocasião do ajuste sobre o pagamento da franquia. Pois sempre se entendeu que, isso sucedido, não haveria crédito em que se pudesse sub-rogar o segurador, extinto pela quitação outorgada. Ou, em diversos termos, não se haveria de cogitar pudesse o segurador, sub-rogando-se na posição jurídica do segurado, exercer uma ação que a este não mais caberia. Nessa senda sobrevém, agora, a determinação legal de que qualquer ato dessa espécie seja ineficaz perante o segurador, que, portanto, não estará impedido de exercer, de toda maneira, seu direito regressivo contra o terceiro causador do dano.

Entretanto, resta indagar: Será assim, ainda que o terceiro desconheça a existência do seguro, acordando com o segurado na justa expectativa de que esteja a quitar completamente os danos que com sua conduta provocou? E se o terceiro sabia ou deveria saber que, por exemplo, estava a acordar somente o pagamento de franquia? Parece ser necessário fazer ressalva nesses casos, corolário da tutela da confiança, cabendo ao segurador voltar-se contra seu segurado, afinal com quem contratou e a quem exclusivamente atribuível a conduta de diminuição ou mesmo impedimento de exercício do direito regressivo, frise-se, sempre que no terceiro se possa reconhecer, conforme as circunstâncias do caso, a justa expectativa de que o acordo se referisse aos efeitos completos do sinistro provocado.

Vale anotar, por último, e a despeito da discussão que, a propósito, desde o Código anterior se levantava, o entendimento, que se esposa, de que o prazo prescricional para exercício do direito regressivo é o comum, reservada a hipótese do CC 206, § 1º, II, para as lides diretamente envolventes do segurado e do segurador, de resto como no preceito expresso. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 812 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na pauta de Ricardo Fiuza, interessante observar o texto original do dispositivo tal como for proposto pela Câmara: “Art. 786. Paga a indenização (na redação original do anteprojeto falava-se ‘Pagando a indenização’), o segurador se sub-roga integralmente nos direitos e ações que ao segurado competirem contra o autor do dano, sendo ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga tais direitos em prejuízo do segurador Parágrafo único. Salvo dolo, a sub-rogação não tem lugar se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado, seus descendentes ou ascendentes, consanguíneos ou afins”. Esse texto foi modificado por emenda da lavra do Senador Gabriel Hermes. Não há artigo correspondente no Código de 1916.

Para a doutrina, a fórmula de garantir a sub-rogação “nos limites da indenização paga” é mais precisa. Como assevera em sua justificativa o iminente senador, nem sempre o seguro cobre integralmente o dano sofrido pelo segurado”, o qual “não deve, por isso, ser compelido a transferir à seguradora o crédito de que seja titular contra o responsável civil, salvo nos limites da indenização que aquela lhe tiver efetivamente pago”.

Esse artigo demonstra assente o direito do segurador de sub-rogar-se, nos limites do valor correspondente, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o causador do dano. E um imperativo lógico: os direitos e ações que o segurado teria contra o autor do dano serão do segurador, que houve de responder pela garantia, tendo, por consequência, os meios de recuperar a quantia indenizatória que pagou ao segurado.

Por sua vez, o § 1º estabelece que, salvo no caso de dolo, a sub-rogação não ocorrerá se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado, seus descendentes ou ascendentes, consanguíneos ou afins. E que, em situações tais, o segurador em exercício da sub-rogação afetaria o patrimônio da família do segurado, desnaturando o contrato de seguro em sua essência.

Finalmente, o § 2º ~ estatui ser ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo. A cogencia da norma tem o escopo de assegurar a incolumidade da sub-rogação, i.é, a integridade de seus efeitos.  (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 413 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na suavidade de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, pelo princípio da relatividade dos efeitos do contrato, o contrato de seguro não interfere, em princípio, em eventuais direitos indenizatórios que o segurado venha a adquirir contra terceiro em razão do sinistro. Este dispositivo estabelece, no entanto, a sub-rogação legal dos direitos do segurado uma vez que a seguradora o indenize. A referida sub-rogação é limitada ao valor da indenização.

A sub-rogação não ocorre se o causador do dano for cônjuge ascendente ou descendente do segurado, salvo se o dano for causado por dolo. Deve ser admitida a analogia com o cônjuge para se entender a regra ao dano causado pelo companheiro. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 10.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 781, 782, 783 - continua - DO SEGURO DE DANO - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 781, 782, 783 - continua
- DO SEGURO DE DANO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO DE DANO
 – Seção II - (art. 778 a 788)
 vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 781. A vigência da garantia, no seguro de coisas transportadas, começa no momento em que são pelo transportador recebidas, e cessa com a sua entrega ao destinatário.

Aprendendo com Claudio Luiz Bueno de Godoy o presente artigo, completa, a rigor, a ideia básica acerca do seguro de dano, que já se explicitou no CC 778 e que se completa pelo preceito do CC 782, representando, a bem dizer, relevante inovação na esfera do direito posto, positivado. Como se assentou nos comentários ao CC 778, permeia o conceito de seguro de dano o chamado princípio indenitário, segundo o qual, em síntese, a cobertura securitária deve se restringir ao ressarcimento do valor do prejuízo efetivamente experimentado pelo segurado, com o sinistro havido. Trata-se da referência central do ajuste: a indenização. Em diversos termos, quer-se evitar que o seguro possa ser fonte de enriquecimento do segurado, de modo a coloca-lo em situação melhor da eu teria se o sinistro, conta o qual se garante seu interesse, não tivesse sucedido. Tudo, em última análise, à consideração de que o seguro de forma, na verdade, e conforme já comentado ao exame do CC 757, por um fundo composto pelos prêmios pagos por uma universalidade de segurados – típica revelação de um mutualismo sem o qual os contratos individuais se inviabilizam -, gerido pelo segurador, por isso necessariamente uma entidade a tal fim autorizada (CC 757, parágrafo único), que só se pode desfalcar pela devida reparação a que s destina, portanto sem que, a dano de outras coberturas, possa servir a propósito especulativo. Vale lembrar que o fundo e os prêmios que o constituem, afinal, resultam de um cálculo de probabilidade dos sinistros em relação aos interesses cuja garantia se contrata. Não por outro motivo é que, como se viu, não se pode contratar o seguro por valor maior que o do interesse segurado (CC 778). A ideia, enfim, é a de que o seguro se preste tão somente à recomposição, e não ao fomento do patrimônio do segurado, desfalcado pelo sinistro contra o qual quis se garantir.

Isso induz importante reflexo no seguro de coisas que se desvalorizam com o tempo. Pense-se na cobertura de automóveis, que perdem valor com o uso e que, sinistrados depois de algum tempo, com perda total, já não valem mais o importe originalmente indicado na contratação. É dizer então que, quando do acidente que danificou por completo o veículo, a perda patrimonial sofrida pelo segurado foi a do valor do auto no instante em que sinistrado, agora, como determina a lei, o obrigatório importe da cobertura a ser honrada. Destarte, não mais caberá discutir, como tem sido frequente, se cabe ou não o pagamento do seguro pelo valor de mercado do bem ou pelo valor da apólice, ausente cláusula que preveja aquela primeira modalidade. Impõe a lei que o pagamento se faça pelo valor da cosa ao tempo do sinistro, e sempre limitado ao importe máximo da garantia, o que significa patentear que o seguro de dano tem dois importes: o da apólice, que representa o limite máximo da indenização que poderá ser paga, em caso de sinistro, e o da cobertura pelo sinistro havido, correspondente, observado aquele teto máximo, ao exato importe do prejuízo experimentado, no momento em que ocorrido.

No entanto, um grande problema, na realidade, se coloca no que diz respeito ao prêmio que foi fixado e pago pelo segurado. Por exemplo, para Jones Figueiredo Alves (Novo Código Civil comentado, coord. Ricardo Fiuza. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 706), vindo o valor da indenização a ser inferior ao constante da apólice, pela eventual desvalorização do importe da coisa, ao instante do sinistro, impor-se-á uma redução proporcional do prêmio, já abatida do montante do seguro a ser pago. A seu ver, trata-se de corolário direito do princípio da eticidade que ilumina a nova legislação, impeditiva da vantagem indevida de uma parte, em detrimento de outra, na relação contratual. Ernesto Tzirulnik (“Princípio indenitário no contrato de seguro”; In: Revista dos Tribunais, v. 759, janeiro de 1999, p. 89-121), ao revés, e apoiado na lição de Pedro Alvim, já defendia, mesmo antes da edição da novel legislação, que a indenização paga pela perda do bem em importe menor que o da apólice não deveria levar a nenhuma redução do prêmio. Relembra o autor que o cálculo desse prêmio toma em consideração a massa dos bens objeto do fundo constituído, portanto nem só o daquele segurado além de inúmeras outras variáveis, dentre elas valorização ou desvalorização de salvados e probabilidade de perdas parciais antes da perda total, de modo que, a rigor, a oscilação do preço da coisa seja integrante natural do ajuste. Salienta Tzirulnik que o cálculo do prêmio não pode levar em conta, e não leva, apenas a situação específica de um segurado atingido pela perda total de seu bem. Mais, a seu ver, da mesma forma que não se verificará aumento de prêmio nos casos de sinistros parciais honrados e depois perda total também ressarcida, não deve haver redução se a indenização pela perda total se faz pelo valor atual e depreciado do bem, em relação ao montante da apólice. Importa é eu tenha havido risco a que exposto o bem, para fazer devido o prêmio, no importe em que fixado. A alteração de seu valor somente terá lugar se inexistente ou em muito reduzido o risco (CC 770) ou, por identidade de motivos, se em muito aumenta o risco coberto (CC 769). Aliás, o paralelismo com esses dispositivos é eloquente. Da mesma maneira que não se altera o prêmio por qualquer modificação da probabilidade de ocorrência do sinistro, senão quando considerável, também não se haverá de alterá-lo quando o valor do bem se deprecia, porquanto oscilável, uma vez que, afinal, calcula-se o prêmio não com base, especificamente, no valor da apólice daquele bem, em particular considerado.

No entanto, ainda que se aceda a essa tese, três ressalvas devem ser feitas. A primeira é a de que a excessiva, considerável desvalorização da coisa objeto do seguro pode suscitar pleito de revisão e mesmo de repetição de prêmio que, então, terá sido pago a maior. Afinal, a sensível perda de valor da coisa segurada acaba afetando, em última análise, a própria extensão do risco, senão de sua conversão em sinistro, mas da dimensão de suas consequências. Veja-se que, a rigor, isso nada mais é que um paralelismo estrito com as regras dos CC 769 e 770, ou seja, oscilações quanto ao risco não geram revisão do prêmio a não ser quando consideráveis. Especificamente para o caso de diminuição do prêmio, se, de um lado, o CC 770 começa por dizer que a redução do risco, em princípio, não acarreta a redução do prêmio, termina, de outro, por estatuir que isso poderá acontecer se a redução for considerável. A segunda ressalva importante, mesmo que aí individualmente considerado o contrato de seguro, afinal um trato de adesão, no qual, em regra, uma das partes está em situação de vulnerabilidade, sendo a outra uma profissional, muito mais afeito às regras legais da entabulação, é a necessidade de que os termos do ajuste expressem, com clareza, a limitação da indenização ao efetivo importe do prejuízo experimentado, de modo a evitar possa ser inculcada no aderente a expectativa de que, no caso de perda total da coisa, lhe será ressarcido o valor da apólice. Trata-se de notório corolário da transparência, um dos deveres anexos que a boa-fé objetiva, em sua função supletiva, impõe, de resto coo visto desde o CC 766. Por último, e agora a ressalva é legal, havendo mora do segurador, o importe a que estará sujeito poderá ultrapassar o valor do prejuízo da coisa, se afinal incidem os acréscimos de que cuida o CC 772. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 806 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na toada de Ricardo Fiuza, a disposição tenta conciliar o antagonismo de interesses na relação securitária, diante do escólio jurisprudencial firmado a respeito do tema. A esse propósito, resultou assente, por exemplo, que “no seguro de automóvel, em caso de perda total, a indenização a ser paga pela seguradora deve tornar como base a quantia ajustada na apólice (art. 1.462 do Código Civil de 1916), sobre a qual cobrador do prêmio (STJ, 3’T., REsp 191.189-MG), por se considerar prática abusiva pretender-se a indenização por valor inferior ao previsto na apólice sobre o qual o segurado houver pago o prêmio.

A indenização pelo limite máximo da apólice, a saber aquele cogitado como valor do interesse assegurado por ocasião da conclusão do contrato, sempre gerou embate doutrinário e jurisprudencial, entendendo-se compatível e justo aquela corresponder ao valor da apólice, na hipótese do perecimento da coisa, inclusive porque, “se (a seguradora) aceitou segurar o bem por valor superior, e recebeu o prêmio sobre esse mesmo valor, não pode reduzir o pagamento do bem sinistrado (...)” (RI’, 730/222).

Agora, ao ficar expresso que a indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro, tem-se uma nova realidade temporal em termos de significado econômico que implicou, efetivamente, prejuízo ao titular do interesse. Ponderável essa correlação, tem-se, por outra lado, o limite valorativo do bem jungido ao teto do valor da apólice, porque a este correspondeu o valor do prêmio. Mas é preciso ainda admitir e ponderar que, vindo o valor da indenização a ser menor do que aquele mensurado ao tempo do ajuste e fixado na apólice, o prêmio pago será superior ao aqui estabelecido pelo valor do interesse assegurado no momento do sinistro, caso em que terá de ser reduzido, com a diferença acrescida ao pagamento indenizatório. Essa conciliação de interesses afigura-se corolário do princípio da eticidade que timbra o CC/2002, pois nenhuma das partes deve obter vantagem indevida em detrimento do patrimônio da outra. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 411 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o CC 778, seguindo a tradição jurídica, estabeleceu que a indenização não pode ser superior ao valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato. O presente dispositivo inovou ao estabelecer que ela não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro. A conjunção das duas regras resulta em eu a indenização deve respeitar o patamar que for mais baixo entre o valor do interesse segurado no momento da contratação e o valor que venha a ter no momento do sinistro.

Ambos os limites têm em vista a natureza indenitária do seguro e evitar que ele possa ser fonte de enriquecimento para o segurado.

As referidas regras podem acarretar soluções manifestamente injustas, diante da valorização nominal do interesse segurado, principalmente, em decorrência de inflação. Se um bem é avaliado por R$100,00 no momento da contratação e, um ano depois, quando da ocorrência do sinistro que resulte em sua perda total valor R$ 200,00 é manifestamente injusto que o segurado que tenha contratado a proteção contra a perda do bem venha a receber apenas R$100,00. A correção, no caso, há de ser admitida com base no princípio do equilíbrio contratual e no CC 317. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 07.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 782. O segurado que, na vigência do contrato, pretender obter novo seguro sobre o mesmo interesse, e contra o mesmo risco junto a outro segurador, deve previamente comunicar sua intenção por escrito ao primeiro, indicando a soma por que pretende segurar-se, a fim de se comprovar a obediência ao disposto no art. 778.

Explica Claudio Luiz Bueno de Godoy, não por motivo diverso do que anima, hoje, a previsão do CC 778, o Código anterior já se ocupava do caso de efetivação de um segundo seguro, quando outro anterior já se tivesse feito, sobre o mesmo interesse segurado e contra o mesmo risco coberto. Vedava-o, com efeito, quando o primeiro seguro já houvesse sido entabulado pelo valor integral do interesse segurado, sempre a fim de evitar o intuito especulativo do ajuste, sabidamente adstrito ao importe máximo da coisa segurada. Acrescentava-se que, insciente o segundo segurador acerca do primeiro seguro, era-lhe lícito não só recusar o pagamento de eventual sinistro, mas também recobrar o que acaso já tivesse pago, sem restituição do prêmio. A ideia básica era, de um lado, a de que, já segurada a coisa, uma primeira vez, contra o mesmo risco, por seu importe total, o segundo seguro não teria risco a cobrir, porquanto, afinal, já garantido pelo antecedente ajuste. Daí a possibilidade de anular o segundo seguro. Em segunda parte, permitia o antigo art. 1.439 que, insciente o segundo segurador sobre a existência do anterior, poderia ele deixar de honrar a cobertura, assim como, se já a tivesse honrado, reaver a quantia paga a maior, sem restituição do prêmio. E compreendia-se, ainda, nessa segunda parte do preceito, também o antecedente seguro não incidente sobre o valor total, quando, pago o primeiro seguro, viesse o segundo a ser honrado em sobejo do valor da coisa, então abrindo-se a possibilidade de o segurador recobrar a quantia paga em excesso do importe do interesse segurado e sem restituição do prêmio.

Na lição de Carvalho Santos (Código Civil brasileiro interpretado, 5.ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. XIX, p. 283-4), na hipótese de a coisa não estar segurada pelo valor total no primeiro contrato, os demais e subsequentes seguradores só estavam obrigados pelo que, na falta, tivessem de completar quanto ao importe da coisa, na ordem das respectivas apólices. Resumindo o elastério do art. 1.439 e confrontando-o, também, com o preceito do art. 1.437, Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, t. XLV, § 4.924, n. 1, p. 346) já assentava que, se o primeiro seguro foi integral e sobreveio outro, este poderia ser anulado, caso houvesse dolo do segurado; se de boa-fé, abrir-se-ia a possibilidade de resolução do segundo seguro ou revisão, aqui, acrescente-se, desde que houvesse ainda algum risco a segurar. Veja-se que, a rigor, é a mesma solução disposta no CC 766 do Código atual, a que o CC 778, cujo princípio básico o presente CC 782 quis preservar, remete. Ou seja, quando há má-fé do segurado, desfaz-se o contrato, mas com a agravante de perda do prêmio vencido, a título punitivo. Se ausente sua má-fé, resolve-se, necessariamente, o ajuste, visto que, afinal, não há risco a cobrir, porque coberto pelo primeiro seguro, com restituição das partes ao estado anterior. Apenas acresce o atual Código que, ao entabular o segundo seguro, o que em si não é ilícito, se o antecedente ajuste não se referia ao valor integral da coisa segurada, deve o segurado informar o primeiro segurador, justamente a fim de que também ele possa controlar o respeito à regra geral contida no CC 778. Isso, de um lado, sem que, evidentemente, esteja o segurado dispensado de dar igual aviso ao segundo segurador e, de outro, criando-se um especial dever anexo de informação ao segurado, com relação ao primeiro segurador, cujo desrespeito pode levar à perda da garantia, afinal subtraindo-se daquele contratante a possibilidade de verificar, em caso de sinistro, se já não paga a indenização pelo segundo segurador ou a possibilidade de postular a diminuição do valor de seu ajuste ao importe proporcional da coisa, conforme se viu nos comentários ao CC 778, tudo de modo, enfim, a evitar que possa o segurado ser beneficiado com garantia e eventual ressarcimento superiores ao montante da coisa segurada. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 807 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na pauta de Ricardo Fiuza, a cumulação de seguros de uma mesma coisa pelos mesmos riscos somente é permitida se o primeiro seguro não alcançar o seu valor integral, ou seja, o valor do interesse segurado ao tempo da conclusão do contrato. A duplicidade de apólices apenas terá lugar quando pretender o segurado atender a integralidade do valor, ainda não protegido em sua inteireza. A cobertura integral por mais de um segurador implica infringência ao disposto no CC 778, isto porque a garantia prometida não pode ultrapassar, como ali consignado, o valor do interesse segurado aferido no ato de sua estipulação.

Desse modo, cumpre ao segurado, para efeito de contratar um segundo seguro, comunicar ao primeiro segurador essa sua intenção, indicando a soma que pretende segurar, a qual objetivará, sem dúvida, tornar integral o valor do seguro em relação ao valor da coisa ou do interesse segurado. A medida objetiva impedir seguros excessivos e práticas de má-fé. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 411 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na pauta de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, os seguros de dano têm natureza indenitária, logo neles são proibidas cláusulas que estabeleçam a) valor do seguro (importância segurada) superior ao da coisa (CC 778), e b) a contratação de mais de um seguro de idêntica natureza para a mesma coisa. A sanção em ambos os casos, é a perda do direito à indenização, sem direito à restituição do prêmio. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 07.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 783. Salvo disposição em contrário, o seguro de um interesse por menos do que valha acarreta a redução proporcional da indenização, no caso de sinistro parcial.

Sob as luzes da ribalta de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a disposição do presente artigo é consequência direta do princípio contido nos CC 778, 780 e 781, antes examinados. Se a ideia central do seguro de dano é prever uma indenização que seja paga ao segurado em caso de sinistro, proporcionando-lhe nada mais que o ressarcimento do efetivo prejuízo experimentado, sem que lhe seja dado, então, auferir qualquer proveito da garantia contratada, de modo a que, afinal, se coloque em situação mais vantajosa do que a que teria se o evento danoso não tivesse sobrevindo, obviamente não se poderá segurar a coisa por importe inferior a seu real valor e, em caso de sinistro que a danifique em parte, não se proporcionalizar o montante da indenização. Se assim não fosse, o lucro seria evidente, emprestando ao seguro um caráter especulativo que a lei não quis que ele tivesse, ou, pior, a dano do fundo que a rigor se compõe para dar suporte a cada ajuste securitário individual, traço de mutualismo, como se viu no comentário ao CC 757, muito típico do contrato de seguro.

De pronto, todavia, vale reiterar, tal qual comentado à análise do CC 778, que, se se veda o seguro por mais do que a coisa valha, corolário do princípio indenitário que anima o regramento vertente, nada impede, ao revés, que se contrate o seguro por menos do que valha a coisa. Afinal, poderia nem ter havido a contratação do seguro. Se pode a parte nem contratar o seguro, pode contratá-lo por menos do que o valor real da coisa. Assim, por exemplo, será possível que se ajuste seguro por metade do valor da coisa, que, então, por consequência lógica, se sofrer sinistro parcial, ensejará indenização que, tomada a efetiva extensão do dano havido, deverá, a seguir, se proporcionalizada à mesma razão do que a menos de seu montante real se indicou na apólice. É, em última análise, o que se denomina cláusula de rateio, em que o segurado fica, ele próprio, responsável por parte das consequências do sinistro, afinal coberto parcialmente pelo segurador, conforme o valor contratado. A ressalva da lei de que as partes podem prever em contrario à proporcionalidade parece indicar a adoção, para esse caso de seguro a primeiro risco, frequentemente adotado para hipóteses de incêndio, em que se indeniza sempre o valor total da apólice, com derrogação da proporcionalidade, o que se faz, em verdade, por um agravamento do prêmio, mas de todo modo com limite indenizatória à quantia constante da apólice, que já é, em si, menor que o importe da coisa, razão pela qual não se afronta à regra do CC 778. A bem dizer, nada diverso do que, mesmo antes do atual Código, já admitia, por exemplo, Pedro Alvim, referindo cláusulas nesse sentido comumente estabelecidas (O contrato de seguro. Forense, Rio de Janeiro, 1999, p. 325-30). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 808 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na visão de Ricardo Fiuza, o seguro é fixado pelas partes de acordo com o valor de seu objeto. Caso este seja segurado por menos do que valha, em sucedendo sinistro parcial a obrigação do segurador será também proporcional. Nessa hipótese, incidia, sob a égide do Código Civil de 1916, que não cuidou da matéria, a presunção absoluta (iuris et de iure) de que segurador e segurado seriam cosseguradores. Com efeito, pela porção não atendida produzir-se-ia o efeito de o segurado atuar como se segurador fosse de seu próprio interesse.

O CC/2002 inova ao dispor expressamente sobre o tema, eliminando a necessidade de invocar-se a referida presunção, já que, segundo a norma em comento, o seguro de um interesse por menos do que efetivamente valha acarretará a redução proporcional da indenização, na hipótese de sinistro parcial – exceto se houver disposição expressa em contrário. Assim, ficam absolutamente dirimidas todas as eventuais dúvidas a respeito. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 412 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na toada exemplificativa de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, se um bem avaliado por R$100,00 é segurado por R$ 70,00 e vier a sofrer um dano de R$ 50,00, a indenização corresponderá a R$ 35,00. O dispositivo inovou o direito brasileiro.

A regra é de caráter supletivo e, portanto, nada impede que a apólice contenha cláusula que exclua a proporcionalidade da indenização no caso de sinistro parcial. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 07.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).