terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 757, 758, 759 - continua - DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 757, 758, 759 - continua 
- DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO – Seção I
Disposições Gerais - (art. 757 a 777)
 vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.

Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.

No diapasão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, em redação mais ampla e técnica que a do art. 1.432 do Código anterior, adstrita à avença securitária de dano e ao princípio indenitário ou indenizatório a ela subjacente, o artigo em pauta define o contrato de seguro referindo, em primeiro lugar, a contratação da garantia de riscos de qualquer interesse legítimo do segurado, portanto não só o prejuízo advindo do sinistro de uma coisa, já que no segura de pessoa garante-se um status quo do ser humano (cf. Pontes de Miranda, Francisco C. Tratado de direito privado, 3.ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, t. XLV, § 4.911, p, 275), nem sempre suscetível de ressarcimento, como, por exemplo, a vida. Esclarece-se, ainda, que o seguro se faz do interesse do segurado, e não do que a ele é pertinente, de modo que o objeto da contratação, a rigor, acaba sendo a garantia desse mesmo interesse. Ou seja, procura-se abarcar, nesse conceito genérico do Código Civil, a proteção a qualquer interesse do segurado, e que se ostente lícito, exigindo-se, nos termos do preceito, sua legitimidade (CC 760). É o interesse segurável que, acrescenta a nova lei, pode concernir a pessoa ou coisa, portanto em seu conteúdo abrangidos os seguros de dano e, também, de pessoas, justamente a divisão que se faz do capítulo presente, depois de fixadas as disposições gerais do contrato.

Com efeito, o atual Código estrutura o capítulo do seguro estabelecendo regras gerais e, depois, separando o seguro de dano e o seguro de pessoa, destarte valendo-se de uma dentre as várias classificações que do segura são feitas, aqui tomando-se como critério o objeto afeto ao interesse eu se tenciona garantir. Na base do ajuste está a cobertura de um risco que, porém, deve ser predeterminado, vale dizer, previamente estipulado pelas partes, posto se admita aí incluído o quanto despendido pelo segurado para evitar o sinistro ou minorar suas consequências (Silvio de Salvo Venosa. Direito civil, 3. ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p, 383). Trata-se do risco de que sobrevenha um evento futuro e incerto, ou de data incerta, não adstrito à vontade exclusiva de uma das partes, chamado, quando ocorre, de sinistro, que tenha sido previsto e que cause lesão a interesse do segurado, assim operando-se sua garantia, pelo segurador, mediante a entrega, àquele, de um capital previamente limitado. Dá-se, pois, como se costuma dizer, e não sem críticas, conforme logo adiante se referirá, verdadeira transferência, ao segurador, do risco de lesão a interesse do segurado. Isso, porém, individualmente tomado o seguro, sempre mediante o pagamento de uma contraprestação do segurado, o prêmio devido.

A rigor, todavia, ressalve-se que, no ajuste de seguro, se pressupõe uma relação mais ampla de mutualismo, em que há um universo de pessoas que, mediante o pagamento do prêmio, compõem um fundo gerido pelo administrador eu calcula a probabilidade dos eventos cobertos para quantificar a soma a ser paga pelos segurados. Mas, porque implica garantia de indenidade, com real função previdenciária, e com a crescente multiplicidade e complexidade das relações entre os indivíduos, cuida-se de contrato de especial interesse social, uma vez que, afinal, repita-se serve a assegurar a integridade das pessoas diante de acontecimentos danosos cada vez mais frequente e diversificados, conforme a evolução das mais variadas atividades humanas. Por essa razão, e por reclamar verdadeiro mutualismo, consoante explicitado, a dar-lhe possível sustento, há o influxo de inúmeras regras de intervenção, sabido que o seguro, ademais, foi sempre objeto de farta legislação especial, cuja incidência se ressalva no CC 777, que retoma a matéria, tanto quanto na concorrência normativa do Código de Defesa do Consumidor.

Além do mais, não por diverso motivo, e a reforçar a ideia de uma operação mais abrangente, de mutualismo, a atividade de seguro só pode ser desenvolvida por empresas, organizadas sob a forma de sociedades anônimas ou, no ramo rural e de saúde, de cooperativas, que a tanto sejam autorizadas pelo Poder Público, que as fiscaliza. A propósito, já o estabelecia o Decreto-lei n. 2.063/40, sucedido pelo Decreto-lei n. 73/66, que também criou o Sistema Nacional de Seguros Privados e, a integrá-lo, a Superintendência de Seguros Privados (Susep), autarquia encarregada daquele mister de fiscalização. Sobrevieram, mais recentemente, porém, sempre na mesma esteira, alterando, em parte, o Decreto-lei n 73/66, os Decretos n. 605/92 e 3.633/2000 e a Lei n. 10.190/2001. Foi em todo esse sentido que, no parágrafo único do artigo vertente, o Código Civil de 2002 ressalvou somente poder fazer parte do contrato securitário, na condição de segurador, entidade para tal fim autorizada, sempre na forma da lei especial.

Contudo, da definição legal do seguro que se deu a fazer o Código de 2002, é costumeira a inferência de se tratar de contrato bilateral, porquanto foco da irradiação de obrigação a ambas as partes, oneroso, dada a exigência de que, como contrapartida da garantia de risco, afeta ao segurador, haja o pagamento de prêmio, pelo segurado, mesmo admitindo-se que sirva mais à composição de um fundo gerido pelo segurador, a quem se garante uma remuneração; consensual, já que se aperfeiçoa pelo consenso das partes, malgrado se prove por forma própria (ver comentário ao artigo seguinte), valendo para muitos, ainda, quanto à questão do pagamento do prêmio, causa de tipificação de um contrato real, remissão ao comentário do CC 763. Entretanto, impende notar, acerca do que não há dúvida, que o ajuste é daqueles cativos, de longa duração, com especial reclamo a que se portem as partes de acordo com o padrão de lealdade que a boa-fé objetiva exige, ademais porquanto estabelecida sua intrínseca equação econômica a partir, basicamente, das declarações e informações das partes, então calculando-se risco e prêmio (CC 765). Também comum entende-lo como contrato aleatório, não comutativo, ao argumento de que, de um lado, pode o segurado pagar o prêmio por muito tempo, sem nunca precisar da cobertura contratada, tanto quanto pode o segurador, depois de pouco tempo de recebimento do prêmio, ter de honrar o valor do seguro, diante de sinistro sucedido. Ou seja, cobre-se risco de evento cuja ocorrência futura é incerta, de modo que as prestações das partes não são previamente conhecidas e determinadas.

Tudo isso, é certo, da perspectiva do contrato individual de seguro, mas não olvidada sua inserção em relação mutualista mais abrangente, como já examinado. Até porque, dessa perspectiva, tem-se sustentado existir, sim, uma comutatividade, compreendendo-se a prestação principal afeta ao segurador não como a de pagamento do valor segurado, que pode realmente não acontecer, mas a de manutenção da garantia a que se volta o seguro. Em outros termos, incumbir-lhe-ia gerir o fundo constituído com o pagamento do prêmio pela universalidade dos segurados de forma a manter, pelo tempo do ajuste, a garantia contratada, objeto da contratação. Quer dizer, sua obrigação básica está em manter-se solvável durante o tempo de ajuste (v.g., Ernesto Tzirulnik, “Princípio indenitário no contrato de seguro”. In: Revista dos Tribunais, v. 759, janeiro de 1999, p. 89-121). Daí diferenciar-se o seguro da aposta, do jogo, sempre vinculado, como acentua Pedro Alvim (O contrato de seguro, 3.ed. Rio de janeiro, Forense, 2001, p. 59), a uma cooperação de coletividade que assume o risco pelo sinistro de cada qual, mediante a constituição de um fundo, gerido pelo segurador, composto pelos prêmios pagos pelos segurados. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 779-780 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 28/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Caminhando com Ricardo Fiuza, a norma oferece um conceito preciso ao dizer tratar-se o contrato de seguro daquele pelo qual uma pessoa (segurador) se obriga para com outra (segurado), mediante o pagamento de um prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado pelo que venha a sofrer pessoa ou coisa resultante de riscos futuros, incertos e predeterminados como objeto do seguro, ampliando, afinal, a substância conceitual fornecida pelo Art. 1.432 do CC de 1916. A crítica da doutrina, em embate ao antigo dispositivo, situou-se no fato de este conter uma visão parcial do seguro, circunscrevendo-o à indenização do prejuízo, o que implicava apenas seguro de dano, não abrangendo o seguro de vida.

O seguro de coisas tem origem remota, nos caminhos e dunas do antigo Extremo Oriente, durante as rotas de caravanas dos cameleiros, que, entre si, pactuavam em quotas a eventual cobertura por perda de seus animais, durante as longas viagens. Tal prática também foi difundida pelos navegantes hebreus e fenícios, em torno de um “pacto de reposição” das embarcações perdidas nas empresas marítimas de ousadia e perigo. Seguiram-se novos experimentos de concessões de empréstimos como garantias de viagens e transportes marítimos, operações de natureza especulativa proibidas em 1243 pelo Papa Gregório IX. A forma contratual do seguro, tal como é conhecida, ocorreu em 1374, conforme ata lavrada no Arquivo Nacional de Gênova.

O parágrafo único determina que o segurador seja entidade constituída e autorizada para a atividade securitária, como já dispunha o § W do Art. 20 do CC de 1916, e, ao depois, o Decreto-Lei n. 2.063/40 e, mais recentemente, a Constituição Federal de 1988 (CF 192, II), mediante a EC n. 13/96. Anote-se que antes da codificação civil, o Decreto n. 5.072, de 1902, já impunha uma prévia autorização ao funcionamento das companhias de seguro. Em cotejo histórico, percebe-se que a exploração da atividade securitária era de prática exclusiva de particulares, até que em 1692, em Londres, Edward Lloyd fundou o “Lloyd’s Coffe”, ali organizando uma bolsa de seguros marítimos. No Brasil, a primeira seguradora surgiu com a vinda da Corte Imperial portuguesa (1808), fundando-se na Bahia a companhia de Seguros Boa-Fé, com a disciplina legal regida pelas regulações da Casa de Seguros de Lisboa, editadas em 1791.

Jurisprudência: “O contrato de seguro, típico de adesão, deve ser interpretado, em caso de dúvida, no interesse do segurado e dos beneficiários” (RT. 603/94). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 398 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 28/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Caminhando com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, de forma mais didática, seguro é o contrato em que uma seguradora, mediante recebimento de certo prêmio, se obriga a pagar determinado valor ao segurado ou a terceiro (beneficiário) no caso de ocorrência de sinistro.

É contrato bilateral, oneroso, aleatório, formal, por adesão, de execução continuada.

Os fundamentos legais, a legislação especial que rege o contrato de seguros é vasta. A iniciar pelos diplomas revogados, a saber Decreto n. 4.270/1901; Decreto n. 5.072/1902; Código civil de 1916, arts. 1.432 a 1.448.

Outros encontram-se em vigor, total ou parcialmente, juntamente com o Código Civil: Decreto n. 24.783/34 (criou o Instituto de Resseguros do Brasil – IRB); Dec. Lei n. 73/66 (regulamentou o Sistema Nacional de Seguros Privados, as operações de seguros e de resseguros, criou o Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP e a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP. Recepcionado pelo art. 192 da CF/1988 como Lei Complementar); Decreto n. 60.459/67; Lei n. 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor; Código Civil, CC 757 a 802.

O contrato é formado entre a seguradora e o segurado. A seguradora deve ter a forma de sociedade anônima (art. 1º, Dec.-lei n. 2.063/40), dedicar-se com exclusividade ao ramo de seguros (art. 73, Dec.-lei n. 73/66), possuir o capital social mínimo fixado pela Resolução CNSP n. 23/92, e ser autorizada a operar mediante Portaria do Ministro do Desenvolvimento (art. 74, Dec.-lei n. 73/66; CC 60, § 1º) ou de cooperativa (somente operam seguros agrícolas, de saúde ou de acidentes de trabalho, art. 24, parágrafo único, Dec.-lei n. 73/66).

Os seguros sociais têm como único segurador o INSS.
O Dec.-lei n. 73/66 sujeita as seguradoras à liquidação extrajudicial (arts. 94-107). A Medida Provisória n. 1.847/99 prevê a possibilidade de falência:

Art. 26. As sociedades seguradoras não poderão requerer concordata e não estão sujeitas à falência, salvo, neste último caso, se decretada a liquidação extrajudicial, o ativo não for suficiente para o pagamento de pelo menos a metade dos credores quirografários, ou quando houver fundados indícios da ocorrência de crime falimentar.

A contraparte da seguradora é o segurado. No seguro de vida e no de acidente com morte a contraparte é o estipulante, que se distingue daquele a quem se destina a indenização, o beneficiário, conforme o art. 21 do Dec.-lei n. 73/66:

Art. 21. Nos casos de seguros legalmente obrigatórios, o estipulante equipara-se ao segurado para os efeitos de contratação e manutenção do seguro.

§ 1º. Para os efeitos deste Decreto-lei, estipulante é a pessoa que contrata seguro por conta de terceiros, podendo acumular a condição de beneficiário.

§ 2º. Nos seguros facultativos o estipulante é mandatário dos segurados.

(...). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 28.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 758. O contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio.

No lecionar de Claudio Luiz Bueno de Godoy, dispunha-se, no Código Civil anterior, que, antes da emissão da apólice de seguro e de sua remessa ao segurado, não se aperfeiçoava o contrato, levando à defesa de sua natureza formal, como se a solenidade erigida fosse, então, de sua substância. Ressalve-se, porém, que o mesmo dispositivo, em sua parte final, admitia o seguro sem a apólice, desde que demonstrado pela respectiva escrituração nos livros mercantis. O Código civil de 2002, no artigo em discussão, assenta o caráter consensual do contrato, perfeito e acabado com o consenso das partes. O que se estabelece, entretanto, é a forma escrita para comprovação de sua existência. Com efeito, tal qual prevê a nova lei, o contrato de seguro, em princípio, se prova por seu instrumento escrito, que é a apólice.

O Decreto-lei n. 73/66, todavia, permitiu a emissão, por solicitação verbal, portanto sem necessidade de proposta escrita, de mero bilhete de seguro, em lugar da apólice (art. 10). Além disso, conforme a especificidade do seguro contratado, varia sua forma. Por exemplo, no seguro de vida em grupo não retém o segurado mais que um certificado. Há seguros de transporte, ou contratado quando da locação de veículos, em que o segurado não recebe mais que um informativo resumido, nunca a apólice. Tudo sem contar as contratações por meio eletrônico, por telefone, por fac-símile, como lembra Sílvio de Salvo Venosa (Direito civil, 3. ed. São Paulo, Atlas, 2003, p. 378), revelando que, nessa matéria, não há forma que seja substancial. Confirmando-o, e mesmo consolidando orientação que já vinha da jurisprudência, assenta o Código Civil de 2002 que o contrato de seguro pode ser provado até pelo recibo de pagamento do prêmio, em regra pela rede bancária.

O que, por certo, não se pode sustentar é que sem a apólice ou o bilhete não haja o contrato e muito menos que, antes de sua remessa, não existe já obrigação securitária afeta às partes. A forma, enfim, a que se refere a lei, tem função meramente probatória, de modo a impedir a demonstração do ajuste exclusivamente por testemunhas. Daí mencionar-se sua prova por qualquer documento comprobatório do pagamento do prêmio ou qualquer outro, é de admitir, desde que indique a ocorrência do consenso. Pense-se na proposta escrita, sucedida pelo pagamento do prêmio ou por qualquer correspondência remetida pelo segurador, de que se extraia a conclusão de que havida aceitação. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 781 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 28/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na toada de Ricardo Fiuza, o presente dispositivo foi objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do projeto, para melhorar a linguagem. A redação do anteprojeto, elaborado pelo Prof. Agostinho de Arruda Alvim, era a seguinte: “O contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na sua falta, por outro documento”. A nova redação proposta eliminou a referência de todo inconveniente, a prova do contrato de seguro por “outros meios de direito”. O bilhete de seguro é instrumento bastante satisfatório para a ampliação e simplificação das operações. O “certificado” deverá ser objeto de normas de nível regulamentar ou de prescrições da apólice ou do bilhete. Não é o instrumento, mas a simples confirmação da existência do seguro.

O CC/2002 tratou da regra prevista no art. 1.433 do CC/1916 em dois dispositivos, quais sejam o CC 758 e o CC 759. Com relação ao aqui examinado, a inovação por ele trazida proporciona maior facilidade ao segurado de comprovar, se necessário, a celebração do contrato de seguro.

Para a doutrina, a lei obriga, para aperfeiçoar o contrato de seguro, a existência de documento escrito, fato que o evidencia como contrato formal. Acentua Maria Helena Diniz: “a forma escrita é exigida para a substância do ato”. O CC/2002 racionaliza a prova do seguro provendo eficiente documento comprobatório do pagamento do prêmio como instrumento de prova da existência do contrato, na falta da apólice ou do bilhete do seguro. Assim, a apólice, reconhecida pelos doutrinadores como o documento que manifesta o contrato de seguro, não é o único instrumento hábil para atestar a efetiva realização do negócio e, por conseguinte, não mais depende de o segurador remete-la ao segurado para somente então ter-se por perfeito tal contrato, como dispunha o art. 1.433 do CC/1916, que a considerava como instrumento substancial do referido contrato. A jurisprudência de há muito corrigiu tal exigência, a exemplo de precedente precursor citado por Sílvio Rodrigues (STF, RT. 167/364). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 399 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 28/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Para Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o contrato de seguro deve adotar a forma escrita, ad probationem, ou seja, para efeito de prova, e se materializa na forma da apólice ou do bilhete de seguro. A apólice, cujo texto deve ser aprovado pela SUSEP, é o documento que fica na posse do segurado; a seguradora fica na posse da proposta. De acordo com o art. 10 do Decreto-lei n. 73/66, bilhete de seguro é forma simplificada de documento que dispensa a proposta, p. ex., no seguro de danos pessoais causados por veículos automotores. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 28.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 759. A emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco.

Para o entendimento de Claudio Luiz Bueno de Godoy, no Código Civil de 1916, inexistia regra que, tal como a presente, do CC/2002, obrigasse, precedentemente à emissão da apólice, a efetivação de uma proposta escrita, com os elementos necessários à identificação da contratação. É certo, porém, que, na legislação especial, igual comando já havia. O Decreto-lei n. 73/66 estabeleceu, em seu art. 9º, que os seguros deveriam se contratados mediante propostas assinadas pelo segurado. Sobrevieram, alterando essa normatização, os Decretos-lei n. 168/67 e 296/67 e o Decreto n. 60.549/67, da mesma forma dispondo que a contratação do seguro reclamava prévia proposta assinada.

Destaque-se, todavia, que tais preceitos devem ensejar uma interpretação sistemática, atenta ao fato, primeiro, de que, como viu no comentário ao artigo anterior, a própria apólice não é indispensável à contratação do seguro. Nessa esteira, a mesma legislação especial autorizava a contratação do seguro por meio de bilhete, solicitado de maneira verbal pelo segurado (art. 10 do Decreto-lei n. 73/66). De outra parte, impende compreender a exigência de proposta prévia como uma medida de proteção ao segurado, garantindo-se que a apólice depois emitida não destoe das condições que se tenham levado à proposta remetida ao segurador, mas sem que sua ausência comprometa, de alguma forma, a validade do seguro (ver, a respeito, José augusto Delgado. Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. XI, t. I, p. 105). Isso não significa dizer, contudo, que, uma vez efetuada a proposta, esteja o segurado livre da obrigação básica de boa-fé, impondo-se plena veracidade das declarações então efetivadas, uma vez que, com base nelas, calculará a seguradora o risco a garantir. De qualquer maneira, havida a proposta, deve ela conter fundamentalmente o que comporá a apólice, ou seja, o interesse segurável (ver comentário ao CC 757), o risco garantido, as condições das partes e o prazo do seguro, tudo de acordo com as normas regulamentares da Susep.

É importante notar, porém, de resto tal qual já salientado nos comentários ao artigo anterior, que, malgrado imposta a emissão da apólice em quinze dias da aceitação da proposta, como está na legislação especial citada, admite-se a existência da contratação se, por qualquer outro meio, demonstra-se aquiescência do segurador, por exemplo, pelo recebimento do prêmio, mesmo que, portanto, não emitida a apólice. Assim, uma vez comprovada a proposta, já de per si, por qualquer meio, a aceitação, posto que a ausente apólice, poderá servir de prova do seguro.

Problema frequente se dá com a ocorrência de um sinistro em meio a esse procedimento burocrático de tramitação da proposta. Lembra Venosa (Direito civil, 3. ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 401) a possibilidade de contratação, para essas hipóteses, de seguro provisório, além da necessária verificação da forma corrente de agir das partes, que, por vezes, sobretudo em casos de renovação, indica cobertura imediata, com o endereçamento da proposta. Tudo sem prejuízo de ser imputável eventual retardo a alguém por quem reposta a seguradora, como agente sucursal, escritório de representação, assunto que se retomará nos comentários aos CC 760, 774 e 775. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 782 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 28/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Da forma como apresenta Ricardo Fiuza, o presente artigo configura desdobramento natural do antecedente, em que o contrato de seguro exige a forma escrita. Para obrigar as partes e explicita a necessidade de disposições concernentes ao interesse a ser garantido pelo contrato e os riscos assumidos pela seguradora. Sem dúvida que os limites do contrato estarão na conformidade da avença pactuada, a definir os elementos essenciais do objeto do seguro, a saber, a espécie do sinistro, os interesses a acobertar, os bens, as responsabilidades e obrigações, os valores de pagamento do prêmio e do seguro, os direitos e garantias, os riscos assumidos etc.

A proposta é o elemento informador prévio, que serve como declaração de vontade do segurado em face do segurador e revela, com o pagamento do prêmio, ou seja, a quantia paga pelo segurado (ou estipulante) em troca da transferência de risco, a completude contratual necessária para os efeitos jurídicos daí decorrentes. Tudo isso diz respeito, inclusive, a uma futura execução do contrato, objetivando garantir o interesse legítimo do segurado. Por isso que se reconhece, por exemplo, abusiva a prática da seguradora de, incluído na apólice um valor sobre o qual o segurado paga o prêmio, pretender, posteriormente, indenizar este último por valor a menor, correspondente ao preço de mercado do bem, estipulado pela própria seguradora. Nesse sentido tem sido o posicionamento do STJ: REsp 176.890-MG, 4’T., rel. Mm Waldemar Zveiter, DJ de 19-2-2001. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 400 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 28/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na toada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, as cláusulas de todo contrato de seguro privado têm de ser previamente aprovadas pela Susep. A liberdade contratual do segurado limita-se a aderir ou não à proposta que lhe é apresentada pela seguradora. Desse modo, o documento que fica na posse da seguradora é a proposta aceita pelo segurado, que contém todos os elementos essenciais do interesse garantido e dos riscos contra os quais o seguro é contratado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 28.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 752, 753, 754, 755, 756 - DO TRANSPORTE DE COISAS - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 752, 753, 754, 755, 756
- DO TRANSPORTE DE COISAS - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XIV – Do Transporte – Seção III
Do Transporte de Coisas - (art. 743 a 756)
 vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 752. Desembarcadas as mercadorias, o transportador não é obrigado a dar aviso ao destinatário, se assim não foi convencionado, dependendo também de ajuste a entrega a domicilio, e devem constar do conhecimento de embarque as cláusulas de aviso ou de entrega a domicilio.

No entendimento de Claudio Luiz Bueno de Godoy, no contrato de transporte, o lugar da entrega da coisa transportada é aquele que tiver sido convencionado pelas partes, sem que, como regra, tenha o transportador o dever de avisar o destinatário sobre o desembarque, i.é, sobre a chegada da mercadoria a seu destino.

A entrega deverá ser procedida no domicílio do consignatário apenas se isso se ajustar, o que se deve explicitar no conhecimento de transporte emitido. Da mesma forma, é nesse conhecimento que se deve explicitar se o transportador assumiu o encargo de dar aviso de chegada das mercadorias, em bora esse dever não lhe toque, em princípio.

Porém, como já foi acentuado nos comentários ao CC 744, deve-se lembrar que a falta do conhecimento de transporte não prejudica a eficácia do contrato de transporte e, assim, a convenção sobre local de entrega e de aviso que de outra forma se tenha consumado. Todavia, é importante reiterar que o transportador somente estará adstrito a entregar a coisa no domicílio do consignatário e a dar aviso do desembarque da carga se isso se tiver convencionado.

Por fim, se a lei refere a necessidade de menção expressa à entrega no domicílio do consignatário, é lícito entender que, no silêncio do contrato, a entrega deve-se proceder no armazém do transportador, devendo ser de lá retirada pelo destinatário ou por quem se apresentar com o conhecimento endossável e endossado, conforme CC 754. Nesse sentido, José Maria Trepat Cases observa que, na verdade, qualquer outro local de entrega, que não o armazém do transportador, deve ser objeto de explícita estipulação (Código Civil comentado, Álvaro Vilaça Azevedo. São Paulo, Atlas, 2003, v. VIII, p. 195). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 774 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina de Ricardo Fiuza, é no conhecimento que devem constar as cláusulas de aviso ou de entrega em domicilio. O conhecimento é a prova do contrato de transporte, e o que nele for previsto deve ser cumprido.

Feita essa ressalva, quando a mercadoria chega ao destino, o transportador não é obrigado a dar aviso ao destinatário, nem a entregá-la em domicílio, se assim não foi convencionado ou ajustado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 395 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No enfoque de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o transporte pode ser contratado para que a coisa seja entregue no domicílio do destinatário ou em determinado local para a retirada do destinatário, como um aeroporto, estação ferroviária ou porto. Uma vez que a coisa seja depositada no local de entrega, desincumbe-se o transportador de sua obrigação contratual. Caso o destinatário não a receba, ficará em mora, responsabilizando-se pelos prejuízos que esta ocasionar.

Uma vez que o destino do transporte não seja o domicílio do destinatário, a obrigação de avisá-lo da chegada da coisa deve ser expressa no conhecimento. Não se presume. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 753. Se o transporte não puder ser feito ou sofrer longa interrupção, o transportador solicitará, incontinenti, instruções ao remetente, e zelará pela coisa, por cujo perecimento ou deterioração responderá, salvo força maior.

§ 1º. Perdurando o impedimento, sem motivo imputável ao transportador e sem manifestação do remetente, poderá aquele depositar a coisa em juízo, ou vende-la, obedecidos os preceitos legais e regulamentares, ou os usos locais, depositando o valor.

§ 2º. Se o impedimento for responsabilidade do transportador, este poderá depositar a coisa, por sua conta e risco, mas só poderá vende-la se perecível.

§ 3º. Em ambos os casos, o transportador deve informar o remetente da efetivação do depósito ou da venda.

§ 4º. Se o transportador mantiver a coisa depositada em seus próprios armazéns, continuará a responder pela sua guarda e conservação, sendo-lhe devida, porém, uma remuneração pela custódia, a qual poderá ser contratualmente ajustada ou se conformará aos usos adotados em cada sistema de transporte.

Sob o prisma de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o dispositivo consagra importante e discutível inovação, para quando impossibilitado ou interrompido o transporte, e à falta de instruções do remetente, permitindo-se, então, a alienação da coisa transportada, que estava já aos cuidados do transportador.

Mas, em primeiro lugar, o caput cuida da hipótese de o transporte não se poder iniciar ou se interromper, impondo-se ao transportador o dever de, a uma, solicitar, de pronto, instruções ao remetente e, depois, velar pela coisa, à semelhança do depósito, tal qual já se viu nos comentários ao CC 751, portanto respondendo por perecimento ou avarias, salvo em caso de força maior, a propósito, no que toca às excludentes, valendo remisso ao quanto já expendido no exame do CC 749.

Não se estabeleceu prazo para que o transportador solicite informações quanto ao destino da mercadoria cujo transporte se impossibilitou ou se interrompeu, da mesma forma que não se especificou o tempo durante o qual a resposta do remetente deve ser aguardada. Certo que, para a solicitação das instruções, determinou o legislador que o transportador agisse incontinenti, i.é, desde logo, de imediato, sem qualquer retardo, tudo dentro do que é razoável para o caso concreto, sob pena de responder pela demora.

Da mesma forma, para esperar a resposta, deve-se considerar igualmente período razoável, conforme as condições e o domicilio das partes, bem como a forma de comunicação entre ambas. Importa é a razoabilidade para o caso concreto. Nada diverso do prazo moral, por exemplo, das obrigações, via de regra de fazer, constituídas sem termo final, mas cuja consecução exige tempo, portanto se afastando o vencimento à vista, como sucederia pela regra geral.

O § 1º acrescenta que, se o impedimento ao transporte ou à sua continuação persistir sem motivo que seja imputável ao transportador, como obstrução de caminhos, intempéries, fato do príncipe, desde que não recebidas instruções do expedidor, caberá o depósito judicial da coisa ou, eis o ponto, sua venda, depositando-se o respectivo produto.

Nada de novo na previsão de depósito da coisa. Sua venda, todavia, representa grande inovação, aqui autorizada mesmo quando não se trate de coisa perecível, portanto em risco de se perder. Pois, a respeito, acede-se à crítica de Roberto Senise Lisboa (Manual elementar de direito civil, 2. ed. São Paulo, RT 2002, v. III, p. 246) no sentido de que o CC/2002 criou uma prerrogativa perigosa, que atropela a devida e prévia intervenção judicial. Ou seja, permite-se uma venda extrajudicial com genérica condicionante a inespecíficos preceitos legais e regulamentares, quando menos devendo-se aí entender a cautela por que a alienação não se faça de maneira prejudicial ao expedidor. Talvez tivesse sido melhor a intervenção judicial precedente no lugar das instruções do remetente, que foram omitidas.

Veja-se que mesmo no depósito, cujo regramento no transporte de coisas serve de socorro (CC 751), não se prevê igual medida, dispondo-se, ao revés, sobre a consignação judicial da coisa quando, por motivo plausível, o depositário não puder mais dela se encarregar (CC 635). Não é só. No caso de depósito resultante do direito real de penhor, o credor pignoratício, especificamente diante do risco de perda ou deterioração da coisa empenhada, pode vendê-la, desde que, frise-se, mediante prévia autorização judicial. É, a rigor, o que melhor se adequaria à inteligência do artigo em comento, analogicamente ao que se prevê para caso similar, ainda que a consumação da venda não se faça judicialmente, mas segundo os usos locais.

Mais, com a prévia autorização judicial permitir-se-ia ao expedidor, como ao devedor, no penhor, se permite substituir a coisa empenhada, evitando sua venda, suprir a falta de informação sobre o destino da coisa, eventualmente, até, beneficiando o transportador com a cessação da custódia da res, dando-lhe algum outro destino.

Se, todavia, o impedimento ao transporte decorrer de fato imputável ao transportador, portando de sua responsabilidade, quer por culpa, quer por fortuito interno (CC 734 e 749), então só lhe caberá o depósito da coisa, restando a venda, com as contingências já examinadas, apenas para a hipótese de risco de perecimento (§ 2º do artigo em comento).

Corolário do princípio da boa-fé objetiva pelo que se pautam as relações contratuais (CC 422) e que, na sua função supletiva, cria deveres anexos que garantem o desenvolvimento do vínculo obrigacional de maneira mais leal, incumbe ao transportador sempre informar o expedidor sobre eventual depósito ou venda da coisa.

Por fim, somente quando não o faça por conta de impedimento a si imputável, por culpa ou risco, terá direito o transportador a remuneração suplementar por manter a coisa depositada em seus armazéns, se o transporte for impossibilitado ou interrompido, o que, à falta de consenso, arbitrar-se-á judicialmente. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 775-776 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo a Doutrina de Ricardo Fiuza, pode ocorrer o caso de, após ter sido entregue a mercadoria ao transportador, o transporte não poder ser feito ou sofrer longa interrupção. Por exemplo: se a rodovia está obstruída; se houve suspensão do tráfego ferroviário; se num trecho do itinerário está havendo uma conturbação, uma revolução; se um furacão se aproxima do lugar em que terá de passar o navio etc.

Em qualquer hipótese, o transportador deverá, incontinenti, solicitar instruções ao remetente, e zelará pela coisa, persistindo sua responsabilidade com relação ao perecimento ou deterioração daquela, salvo força maior.

Perdurando o impedimento, sem que haja culpa do transportador, e não havendo manifestação do remetente, que, solicitado, não deu instrução alguma, poderá o transportador sair do impasse depositando a coisa em juízo, ou vendendo-a, obedecidos os preceitos legais e regulamentares, ou os usos locais, depositando o valor.

A referência aos “usos locais” é sintomática. O contrato de transporte de coisas tem sido regulado na legislação comercial, que, como atesta Rubens Requião, mantém, tradicionalmente, o prestígio dos usos e costumes como regra subsidiária de suas normas (Curso de Direito Comercial, 18. ed. São Paulo, Saraiva, v. 1. n. 17, p. 27).

Mas o impedimento, pode ser por fato imputável ao transportador (por exemplo: por falta de manutenção, apresentou defeito o sistema hidráulico da caneta), e ele poderá depositar a coisa, por sua conta e risco, mas só poderá vendê-la – observado o § P – se for perecível.

Em ambos os casos (~1’ ~ e 2 v), o transportador deve informar o remetente da efetivação do depósito ou da venda.

O § 4º prevê o caso de o transportador manter a coisa depositada em seus próprios armazéns, e continuará a responder por sua guarda e conservação, sendo-lhe devida, porém, uma remuneração pela custódia, a qual poderá ser contratualmente ajustada ou se conformará aos usos adotados em cada sistema de transporte (terrestre, aéreo, aquaviário).

Como se sabe, a unidade básica e principal de articulação, nas leis, é o artigo. O parágrafo é um desdobramento, uma divisão, uma disposição secundária. Entre artigo e parágrafo há uma relação de principal e acessório. Ora, o § 4º está subordinado ao caput, que prevê a hipótese de o transporte não poder ser feito ou sofrer longa interrupção. Se o impedimento ocorrer sem motivo imputável ao transportador (~P), e se este mantém a coisa em seus próprios armazéns, é justo que receba remuneração pela custódia. Porém, se o impedimento for responsabilidade do transportador, não tem sentido que ainda vá cobrar pela guarda e conservação da mercadoria, e, neste caso, aplica-se o § 2~: o transportador poderá depositar a coisa, por sua conta e risco. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 396 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, muitos fatos podem impedir ou determinar a interrupção do transporte: fenômenos climáticos, acidentes, nas vias por onde o transporte deve ser feito, greves, desastres naturais, guerra...Nenhum desses fatos desobriga o transportador da guarda da coisa.

O transportador deve comunicar ao remetente a circunstância que impede ou interrompe o transporte, a fim de obter instruções. Caso a comunicação não seja possível, fica autorizado a depositar a coisa em juízo. Poderá, igualmente, vende-la, se esta for a solução que menos danos acarrete ao expedidor, depositando o preço em favor deste. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 754. As mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o conhecimento endossado, devendo aquele que as receber conferi-las e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos.

Parágrafo único. No caso de perda parcial ou de avaria não perceptível à primeira vista, o destinatário conserva a sua ação contra o transportador, desde que denuncie o dano em dez dias a contar da entrega.

No diapasão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a entrega das mercadorias transportadas se faz, em geral, a quem o contrato indique como sendo o destinatário, chamado consignatário. Bem de ver, porém, que, conforme já se acentuou nos comentários ao CC 744, o contrato se instrumentaliza, em regra, por documento dotado de cartularidade, o conhecimento de transporte, de frete e de carga. Mas se a lei a ele atribui a natureza de título de crédito, posto que impróprio, porquanto representativo de mercadorias, possível seu endosse se não houver cláusula proibitiva (não à ordem). Se o endosso ocorrer, o endossatário passa a estar legitimado para o recebimento da mercadoria, sempre assentado que, na dúvida sobre quem deva receber, incumbe ao transportador a consignação.

Aquele que receber a carga, de toda a sorte, deve conferi-la e, nesse mesmo instante, apresentar, sob pena de decadência dos direitos resultantes, as reclamações que tiver quanto às avarias ou perdas, desde que parciais, porque a perda total é o desaparecimento da coisa, por qualquer causa, e que, assim, não se apresenta para entrega, destarte não sendo cogitáveis vistoria e protesto.

Não se exige forma especial para efetivação desse reclamo, que pode ser feito, inclusive, no próprio conhecimento, mas sempre com ciência ao transportador. Veja-se que o Código Civil não exigiu, tal qual se continha no Código de Processo Civil de 1939 (art. 756, § 2º), reclamo ou protesto pelo atraso da entrega, com prazo para seu exercício, embora se defenda, alhures, que o preceito citado permaneça em vigor (ver, por todos: Venosa, Sílvio da Salvo. Direito civil, 3. ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 489).

Há casos, todavia, de perda parcial ou avaria imperceptível desde logo, portanto que não permitem reclamo ou protesto imediato, por ocasião da vistoria, da conferência efetuada ao instante do recebimento. Nessas hipóteses, como o parágrafo do dispositivo em comento prevê, o destinatário tem o prazo decadencial de dez dias, contados da entrega, para denunciar ao transportador o dano à carga. É, pois, como um interregno que a lei fixa para que a perda parcial ou avaria de pronto imperceptíveis apareçam. Ao que se entende, o Código de Defesa do Consumidor andou melhor, ao fixar, no art. 26, § 3º, prazo decadencial para vícios não perceptíveis, contado desde o momento em que o defeito evidenciar-se. Lembre-se de que a legislação consumerista é subjetivamente especial, no caso atendendo melhor ao escopo constitucional de proteção de parte vulnerável na relação negocial.

Com as mesmas observações deve-se interpretar o art. 9º, parágrafo único, da Lei n. 11.442/2007, aplicável ao transporte rodoviário de cargas em território nacional, e o art. 13, parágrafo único, da Lei n. 9.611/98, aplicável ao transporte multimodal (v. CC 756), os quais, identicamente, previram a cessação da responsabilidade do transportador logo que recebida a carga, sem qualquer protesto pelo destinatário, mas sem ressalvar danos imperceptíveis de pronto. Impende, destarte, recurso complementar ao parágrafo único do CC 754 do CC/2002, naquilo que se tem chamado de diálogo das fontes, a rigor a interpretação sistemática. De mais a mais, as próprias leis especiais, nos arts. 7º, parágrafo único (Lei n. 11.442/2007), e II, parágrafo único (Lei n. 9.611/98), e na esteira da Súmula n. 109 do STF (vide a seguir), estabeleceram direito de vistoria em caso de danos ou avarias, destarte sem que ela se condicione a indenização ocasionalmente devida.

Por fim, diga-se, parecer que o Código Civil, no artigo em exame, tencionou simplificar, de formalizar mesmo o procedimento de protesto ou reclamo por avaria, se comparado com aquele que se estabelecia na legislação anterior (v.g., art. 756, CPC antigo, sem correspondência no CPC/2015):

Art. 756. Nos embargos pode o devedor alegar: I - que não paga por ocorrer alguma das causas enumeradas nos arts. 741, 742 e 745, conforme o pedido de insolvência se funde em título judicial ou extrajudicial; Il - que o seu ativo é superior ao passivo. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 776-777 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No ritmo de Ricardo Fiuza, terminada a viagem, as mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o conhecimento endossado (CC 744), e quem as receber deve conferi-las e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos.

Pode ocorrer, todavia, que, no ato de entrega e conferência, não tenha sido verificada perda parcial ou avaria, até porque não seria possível percebe-las à primeira vista. Conserva o destinatário sua ação contra o transportador, desde que denuncie o dano em dez dias a contar da entrega. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 397 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Lecionando Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o conhecimento é documento que representa a propriedade da coisa transportada. A transferência do conhecimento transfere a propriedade da coisa transportada, operando-se a tradição ficta, segundo as regras da venda sobre documentos. Desse modo, a coisa deve ser entregue ao destinatário, podendo reclamá-la até a entrega o expedidor ou terceiro a quem tenha sido transferido o conhecimento.

O recebimento se faz mediante a conferência da coisa a fim de averiguar seu estado, se correspondente ao momento da entrega.

As avarias perceptíveis à primeira vista devem ser denunciadas de imediato; as não perceptíveis devem ser denunciadas no prado de 10 dias a contar da entrega. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 755. Havendo dúvida acerca de quem seja o destinatário, o transportador deve depositar a mercadoria em juízo, se não lhe for possível obter instruções do remetente; se a demora puder ocasionar a deterioração da coisa, o transportador deverá vende-la, depositando o saldo em juízo.

No raciocínio de Claudio Luiz Bueno de Godoy, conforme se asseverou nos comentários ao artigo antecedente, pode surgir dúvida sobre quem deva receber as mercadorias. Lembre-se, a respeito, de que o conhecimento de transporte, o qual habilita o portador a receber a carga, é dotado de cartularidade; pode, como regra,   transferir-se por endosso, sendo, ademais, passível de perda ou extravio, de resto já antes se prevendo, em lei especial (art. 9º do Decreto n. 19.473/30), procedimento de aviso ao transportador, para retenção e deliberação judicial acerca do destino da coisa.

Pois o Código Civil de 2002 expressa que, sobrevindo dúvida a respeito de quem legitimamente deva receber a carga, impõe-se ao transportador a sua consignação em juízo. Ressalva, porém, o dispositivo em comento, a hipótese de se tratar de mercadoria perecível, sob risco de deterioração, em caso de demora, autorizando-se então o transportador a proceder à sua venda, depositando-se o preço. A propósito dessa prerrogativa de alienação, remete-se aos comentários já efetuados acerca de igual previsão contida no CC 753. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 777 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na toada de Ricardo Fiuza, pode chegar, a mercadoria ao destino e haver dúvida acerca de quem seja o destinatário. O transportador deve depositar a mercadoria em juízo, se não lhe for possível obter instruções do remetente. Se a demora puder ocasionar a deterioração da coisa, o transportador deverá vende-la – obedecidos os preceitos legais e regulamentares, é claro -, depositando o saldo em juízo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 397 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No tom de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o destinatário sempre deve ser indicado no conhecimento. Diversos fatos podem ocorrer que impeçam a clara e imediata identificação do destinatário, tais como a morte dele, o encerramento de pessoa jurídica, homonímia... Havendo dúvida quanto ao destinatário, deve o transportador esclarece-las junto ao expedidor e, não lhe sendo possível, deve depositar a mercadoria em juízo. Se houver risco de deterioração, deve vender a mercadoria e depositar o preço em juízo, em favor do expedidor. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 756. No caso de transporte cumulativo, todos os transportadores respondem solidariamente pelo dano causado perante o remetente, ressalvada a apuração final da responsabilidade entre eles, de modo que o ressarcimento recaia, por inteiro, ou proporcionalmente, naquele ou naqueles em cujo percurso houver ocorrido o dano.

No diapasão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o transporte cumulativo é aquele em que vários transportadores cumprem o deslocamento, mercê de um único vínculo obrigacional, mas incumbindo-se cada qual de um trecho do trajeto total. A matéria vem também tratada no CC 733, alocado dentre as disposições gerais do capítulo destinado ao regramento do contrato de transporte.

Bem de ver, porém, que, no artigo em comento, específico para o transporte cumulativo de cargas, chamado intermodal quando se desenvolve por mais de um meio de transporte (ver, sobre essas distinções: Fran Martins. Contratos e obrigações comerciais, 7. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 276), pela Lei n. 9.611/98 chamado multimodal, o Código Civil estabelece uma responsabilidade solidária dos transportadores, pelos danos causados durante o deslocamento, ainda que, ao final, identifique-se um responsável e garanta-se direito regressivo que os demais transportadores exerçam perante ele. A todo este respeito, vale remissão aos comentários do CC 733, em que a matéria foi já examinada e discutida. Como vale, também, a observação de que, no confronto entre a Lei n. 9.611/98 e o CC/2002, o critério de solução das antinomias deve ser o cronológico, eis que o Código civil, malgrado geral no seu todo, aqui, no artigo em comento, prevê disposição especial, especialmente aplicável ao transporte multimodal. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 778 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina de Ricardo Fiuza mostra que, no transporte cumulativo (CC 733) a responsabilidade dos transportadores – “todos os transportadores” – pelo dano causado é solidária, mas este artigo ressalva a apuração final da responsabilidade entre eles, de modo que o ressarcimento (indenização pelo prejuízo) recaia, por inteiro, ou proporcionalmente ~ naquele ou naqueles em cujo percurso houver ocorrido o dano. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 397 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Finalizando o Capítulo com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, para quem transporte cumulativo é o que se caracteriza pela unidade na prestação de serviços entre dois ou mais transportadores. Quando o expedidor vale-se dos serviços de vários transportadores que atuam com independência, o transporte é sucessivo.

No transporte cumulativo de coisas – diferentemente do que ocorre no transporte cumulativo de pessoas (CC 733, § 1º) -, os transportadores respondem solidariamente por danos causados ao expedidor e, como nas obrigações solidárias, têm direito de regresso em relação ao responsável. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).