sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 766, 767, 768 - continua - DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 766, 767, 768 - continua 
- DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO – Seção I
Disposições Gerais - (art. 757 a 777)
 vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.

Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio.

Lecionando com Claudio Luiz Bueno de Godoy, como se acentuou nos comentários aos artigos anteriores, especialmente ao antecedente, o contrato de seguro é daqueles estreitamente baseados na boa-fé, na lealdade da conduta dos contratantes. Explicitando-o, tal qual já fazia o Código de 1916 nos arts. 1.444 e 1445, mas agora com melhor redação, em particular quanto à questão do seguro entabulado por representante do segurado, o CC/2002 assenta a especial precisão e veracidade de que devem se revestir as declarações e informações prestadas pelo segurado ou por quem o represente e com lastro nas quais se calculam, para consumação do ajuste securitário, o risco e o prêmio por sua cobertura. Como é sabido, desde a proposta, ou mesmo independentemente dela, incumbe ao segurado, como imperativo de boa-fé, informar ao segurador tudo quanto possa influir na verificação da probabilidade do sinistro, inclusive de forma a se permitir a justa fixação do prêmio devido pela garantia contratada.

São comuns os questionários entregues ao segurado, ou já integrantes da proposta, indagando sobre fatos relevantes à contratação daquela espécie de seguro. Nas respectivas respostas, o segurado deve guardar a mais estreita veracidade e transparência, informando tudo que possa interessar à mais escorreita análise de probabilidade do sinistro contra o qual se faz o seguro, dessa forma estabelecendo-se, de acordo com o grau desse risco, o prêmio devido. Assim, por exemplo, e aliás costumeiramente repetido, deve o segurado declarar, no seguro de coisas imóveis contra incêndio, sua localização próxima a focos inflamáveis ou uso que implique armazenamento ou manuseio de produtos com essa característica. No seguro de vida ou no seguro-saúde, têm de ser precisas as informações sobre doenças preexistentes ou intercorrências já sofridas. No seguro de acidentes de automóveis, deve-se informar com clareza a quem caberá, rotineiramente, a condução do auto, da mesma forma impondo-se, no seguro de roubo ou furto, indicação clara sobre onde o veículo ficará estacionado, de maneira habitual.

Diferencia, porém, o artigo em discussão, as hipóteses em que a falta da devida informação, pelo segurado, dimana de deliberado propósito em fazê-lo ou de conduta despida de qualquer má-fé, aqui, veja-se, sob sua vertente subjetiva. No primeiro caso, havendo má-fé subjetiva, qualquer relevante inexatidão ou omissão nas informações que influencie o cálculo do risco e, portanto, a aceitação do seguro, pelo segurador, tanto quanto móvel de potencial afetação do cálculo do prêmio respectivo, induz, por quebra do dever de boa-fé, o que, segundo a letra da lei, é a perda do direito à garantia contratada. Para alguns autores, isso significa a nulidade do contrato, porque rompido seu pressuposto de boa-fé, elevado mesmo a requisito de validade. Já para outros, o caso seria de anulação do contrato, por vício de vontade a que induzido o segurador, portanto por dolo do segurado, como é a solução, por exemplo, do Código italiano, em seu art. 1.892. Sustenta-se, por fim, que a hipótese seria, nas palavras de Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, t. XLV, § 4.923, p. 324), de “deseficacização” do ajuste, como que uma resolução por quebra de dever de informação, pressuposta aqui, como de fato se entende, sua natureza contratual.

De toda maneira, no entanto, qualquer que seja a qualificação jurídica da consequência, sempre de desfazimento do contrato e, assim, de liberação da obrigação, afeta ao segurador, de pagamento do valor segurado por qualquer sinistro que então já tenha ocorrido, impõe a lei uma sanção ao segurado propositadamente faltoso em seu dever de boa-fé, que é a perda do prêmio vencido. Isso significa a obrigação, mesmo perdida a garantia contratada, de pagamento do prêmio ajustado, coo assenta Jones Figueiredo Alves (Novo Código Civil comentado, coord. Ricardo Fiuza. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 692) e como consta do art. 1.892 do Código italiano, apenas que lá com fixação de importe mínimo, correspondente a um ano de prêmio convencionado – de resto o prazo normal do seguro no Brasil -, mais os prêmios vencidos depois desse interregno, até a anulação, assim presumidamente sucedida após o primeiro ano, consequência, como visto, disposta naquela legislação. Tem-se, como haurido desde a lição de Clóvis Bevilaqua (Código Civil comentado, 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 206), sempre repetida, real punição ao segurado, em importe preestabelecido pela lei.

Finalmente, e de novo à semelhança do que faz o Direito peninsular (art. 1.893), o CC/202, no artigo presente, agora em seu parágrafo único, cuida da declaração inexata ou incompleta que preste o segurado, mas sem má-fé, sob sua vertente subjetiva, ou seja, sem deliberado proposito de enganar. Mostra-se a disposição sensível ao fato de que hoje, no sistema, a boa-fé não é só a subjetiva, mas também aquele padrão objetivo de lealdade nas contratações que constitui mesmo um novo princípio contratual, o da boa-fé objetiva (ver comentário ao artigo anterior). Pois, se tiver faltado essa boa-fé objetiva, pela inexatidão ou incompletude das informações, ainda que sem deliberado propósito do segurado, autoriza a lei que o segurador possa resolver o contrato ou readequá-lo com revisão do prêmio, agora em face de risco convenientemente calculado. Isso, porém, sem a mesma sanção do caput do artigo, como se cogita se a fata de informação é proposital. Na verdade, a solução resolutória aqui atende à tese de que a falta de cumprimento de dever chamado anexo, que a boa-fé objetiva cria e impõe aos vínculos obrigacionais, em sua função supletiva, dente os quais o de informação, como também, exemplificativamente, os de sigilo, cuidado, colaboração, implica real inadimplemento, que a doutrina vem denominando, com base em expressão cunhada no Direito alemão e com diverso significado, de violação positiva do contrato. Assim, e sem maior dúvida sobre o fenômeno, que é resolutório, violado o contrato pela falta de adequada informação, portanto antes que ele tome qualquer das providências a seu dispor, de resolução ou revisão do contrato, diferentemente do que ocorre se a indevida informação era dolosa (caput do artigo), a cobertura deve ser honrada, pagando-se o valor segurado. Entretanto, nesse caso, terá direito o segurador à diferença do prêmio, por quanto ele seria devido se a informação tivesse sido precisa. É a interpretação que se deve dar ao parágrafo e o que mais claramente prevê o art. 1.893 do Código Civil italiano, estabelecendo, até, uma compensação, de tal modo que o pagamento do seguro se fará com abatimento da diferença entre o prêmio convencionado e o que seria devido se fossem conhecidas as reais circunstâncias não informadas pelo segurado, claro, desde que atendidos os pressupostos próprios dessa espécie extintiva das obrigações. Por último, saliente-se que, na mesma esteira do Código anterior, o atual apenas tratou, de forma específica, da falta de devida informação do segurado, porque mais fácil de acontecer, em face das indagações que normalmente lhe são feitas – não que o defeito de informação, ao segurado imputável, não dê ao segurado igual direito à resolução, com composição de perdas e danos. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 789-790 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o dispositivo estabelece preceito sancionatório em face do inadimplemento ao dever de veracidade referido pelo artigo anterior. Na análise de sua teleologia Washington de Barros Monteiro (Curso de direito civil: direito das obrigações, 4. ed. São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2, p. 357) considera que, na hipótese, “o legislador só comina pena para o segurado, porque este é que tem maior possibilidade de burlar o dever de veracidade e boa-fé, inerentes ao contrato. Se a dobrez e a má-fé do segurador, poderá o segurado pleitear a anulação do seguro; se do segurado, como é mais frequente, a consequência é também a nulidade, respondendo pelo prêmio vencido”. A norma dimana do princípio da boa-fé. O caráter doloso das assertivas infundadas feitas pelo segurado na formação do contrato é punido pela perda do direito à garantia, obrigando-se, ainda, ele a pagar o prêmio ajustado. Desse modo, a má-fé somente ocorre, para os efeitos previstos neste artigo, operando a resolução do contrato e a sanctio juris, quando o segurado, ao fazer as declarações, omite-se de caso pensado, viciando, por conseguinte, o contrato.

Entretanto, se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito de resolver o contrato, caso o risco ainda não se tenha verificado, ou de cobrar, mesmo após a ocorrência do sinistro, a diferença do prêmio.

Jurisprudência: 1. “Para que incida o disposto no CC 1.444, necessário que o segurado tenha feito declarações inverídicas quando poderia fazê-las, verdadeiras e completas. E isso não se verifica se não tiver ciência de seu real estado de saúde” (STJ, 3’ T., AGA 3.737-SP, rel. Mm Eduardo Ribeiro, DJ de 20-8-1990), 2. “A má-fé não se pressupõe. Deve resultar plenamente demonstrada pela prova dos autos, na dúvida o segurador responde pela obrigação” (RI’, 585/127). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 402 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo demostra a importância especial do princípio da boa-fé objetiva no contrato de seguro. A seguradora trabalha com estatísticas que servem à fixação do prêmio a ser pago pelo segurado. Se as informações prestadas por ele não forem corretas, da incorreção pode advir o agravamento do risco assumido pela seguradora, vindo a consubstanciar verdadeiro erro substancial. O dispositivo, no entanto, modifica a solução aplicável em relação à anulabilidade por erro, pois, nesta as partes são restituídas ao status quo ante, enquanto, o CC 766 permite à seguradora reter os valores que houver recebido e cobrar parcelas vencidas.

O parágrafo único autoriza a seguradora a resolver o contrato em decorrência de informações inexatas prestadas de boa-fé, pelo segurado. Alternativamente, pode a segurador optar pela continuidade do contrato com a cobrança da diferença devida. A resolução obriga a seguradora a devolver ao segurado o prêmio pago? O dispositivo é omisso. A melhor solução é a de restituição proporcional ao prazo de contrato não cumprido, solução que melhor combina com a possibilidade de convalidação prevista no próprio dispositivo. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 767. No seguro à conta de outrem, o segurador pode opor ao segurado quaisquer defesas que tenha contra o estipulante, por descumprimento das normas de conclusão do contrato, ou de pagamento do prêmio.

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, de maneira mais ampla que o Código anterior, o artigo em pauta trata de hipótese de seguro firmado em favor de quem não o contrata pessoalmente. Abrange, portanto, não apenas nos casos, referidos no CC 1.464, de sucessão ou de representação, este, a rigor, hoje diretamente subsumido aos artigos precedentes, mas de verdadeira estipulação em favor de terceiro, que no seguro, aliás, é por vezes obrigatória. Em outros termos, em algumas hipóteses a contratação do seguro favorecendo terceiro é impositiva, como, por exemplo, no seguro de responsabilidade civil de proprietários de veículos, no seguro de dano a passageiros de aeronaves, no seguro feito pelo incorporador, tudo, a rigor, de que já tratava o art. 20 do Decreto-lei n. 73/66, assim como no art. 21, equiparando-se o estipulante à condição de segurado, para os efeitos de contratação e manutenção do seguro.

Antes, todavia, impende não olvidar que o seguro pode facultativamente ser contratado em favor de terceiro beneficiário, típico caso de estipulação em favor de terceiro. e, se ao beneficiário se reconhece a possibilidade de exigir o cumprimento das obrigações do segurador, na esteira do que, para a estipulação em geral, dispõe o CC 436, parágrafo único, em face dele podem ser opostas as exceções havidas contra o estipulante ou por conta da conduta de quem estipulou o contrato. Em outras palavras, pode o segurador opor ao beneficiário descumprimento, pelo estipulante, de obrigações e deveres atinentes ao seguro contratado, tais como o pagamento do prêmio e, justamente, em razão da exigida lealdade na contratação, a informação precisa e completa que então se deve dar, consoante comentários aos dois artigos precedentes. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 791 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Conforme a doutrina de Ricardo Fiuza, o estipulante, como sabido, é aquele que contrata o seguro por conta de terceiros. Assume, eventualmente, a qualidade de beneficiário e equipara-se ao segurado nos contratos obrigatórios ou de mandatário do segurado nos seguros facultativos. Segundo a dicção do Decreto-lei n. 73, de 21-11-1006, “nos casos de seguros legalmente obrigatórios, o estipulante equipara-se ao segurado para todos os efeitos de contratação e manutenção do seguro” (art. 21), e, “nos seguros facultativos o estipulante é mandatário dos segurados.” (§ 2º do art. 21). Evidente que, agindo o estipulante em atenção de terceiro, nessa espécie de seguro à conta de outrem, o segurador poderá opor ao segurado beneficiário os meios de defesa contra o próprio estipulante do segurado tenha a produzir.

Com idênticos caracteres, recolhe-se a ensinança do permanente João Luiz Alves: “Como o devedor, na cessão de crédito, em relação ao cessionário, o segurador pode opor ao sucessor ou representante do segurado todos os meios de defesa que contra aquele lhe competiam, porque afetam a própria validade do contrato de seguro. Assim, pode opor o dolo do segurado, o excessivo valor dado à coisa, o não-pagamento dos prêmios no prazo estipulado, ou no de graça, a existência de outro seguro pelo valor total da coisa, a agravação dos riscos, a falta de comunicação imposta pelo Art. 1455 do CC de 1916 etc.” (Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil anotado. Rio de Janeiro. E Briguiet, 1917, p. 1010). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 403 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o segurado é, mais comumente, o estipulante e o beneficiário do contrato. É à conta de outrem o seguro em que estipulante e beneficiário são pessoas distintas. O dispositivo permite que a seguradora oponha ao beneficiário o descumprimento do contrato cometido pelo estipulante. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o artigo presente trata da hipótese de agravamento do risco coberto, já prevista no art. 1.454 do CC/1916, embora com diversa redação, a rigor complementando a regra contida no CC 766, caput, do CC/2002. Isso porque, naquele dispositivo, tem-se o caso de proposital inexatidão ou incompletude de informação que presta o segurado, no momento da contratação, ao segurador, o que importa à avaliação do risco e consequente cálculo do prêmio do seguro. Já no artigo presente, versa a lei sobre caso de, no curso do ajuste, portar-se o segurado, também intencionalmente, de modo a aumentar a probabilidade de sinistro, portanto agravando o risco coberto, fora de quanto originariamente era dado ao segurador avaliar, desequilibrando a equação econômica do contrato, uma vez que outro seria o prêmio então devido se, desde o início, fosse sabida a circunstância que, agora, é de agravamento. Assim, trata-se de uma circunstância que influi diretamente na probabilidade do acontecimento contra cuja ocorrência se contrata o seguro, o que, em outras palavras, significa dizer ser necessária a superveniência de uma conduta do segurado, de aumento do risco, que, além de intencional, se desde a contatação ostentada, levaria o segurados a não contratar ou a contratar mediante outro valor, maior, de prêmio.

Nessa apreciação, já assentava o antigo Código, em dispositivo não repetido (art. 1.456), mas cujo princípio sobrevive, deve o juiz atentar a circunstâncias reais de agravamento, e não a probabilidades infundadas, portanto interpretando de maneira restritiva o preceito em discussão. É o caso de agravamento, por exemplo, a contratação de seguro contra incêndio de imóvel que depois, no curso do ajuste, tem sua destinação alterada, passando a ser usado como local de manuseio de material inflamável; ou, no segura contra acidentes de automóvel, legar sua direção, costumeiramente, a pessoa inabilitada. Exige a lei que a alteração, para pior, do estado de fato subjacente ao seguro derive de conduta intencional do segurado. Isso significa, primeiro, que, no caso de agravamento por caso fortuito ou fato de terceiros, aplicável a regra do artigo seguinte e sem perda da garantia, por sinistra havido, eis que justamente diante dessa contingência é que se contrata o seguro. Assim, em exemplo bastante repetido, não há qualquer possibilidade do direito ao ressarcimento de seguro de vida se o segurado acaba vitimado porque vivia em local colhido por uma epidemia, o que, decerto, agravou o risco de morte. É, de resto, o que textualmente previa o art. 1.453 do Código de 1916, agora modificado pelo CC 769, a seguir comentado.

Na verdade, então, quer a lei que não se dê agravamento considerável do risco por conduta voluntária, consciente do segurado, não se exigindo, propriamente, que seja seu intuito burlar a equivalência das prestações do contrato. É, conforme acentua José Augusto Delgado (Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. XI, t. I, p. 247), a ação designada, querida, determinada do segurado, consciente e livre de qualquer pressão ou coerção. A propósito, a advertência sempre citada é a de Clóvis Bevilaqua (Código Civil comentado, 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 216), de que essa avaliação deve fazer-se da perspectiva da equidade, ainda uma vez tal qual explicitava o Código de 1916 (art. 1.456), de tal modo, em seu dizer, a não se exigir do segurado que esteja, angustiosamente, atento a todo o perigo para evitá-lo, já que ele contrato o seguro para mais tranquilamente enfrentar o perigo. Exemplifica o autor com o caso de quem contrata seguro de vida e adoece sem de pronto chamar um médico, ao primeiro sinal de incômodo (idem, ibidem), aí não se entrevendo, a seu juízo, a deslealdade do segurado. Tem-se entendido que o ato de agravamento de risco, nas condições já examinadas, deve provir do próprio segurado, e não de um seu preposto, de resto já na esteira do que se comentou quando analisado o CC 766.

Por fim, a consequência para o caso de agravamento, de que ora se cuida, é, segundo está no texto legal, a perda, pelo segurado, da garantia contratada, decorrente, a rigor, da resolução culposa do ajuste, livrando-se o segurador da obrigação de pagar o valor do seguro por sinistro que se tenha dado após a alteração do estado de coisas, depois do agravamento do risco. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 791 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina exposta por Ricardo Fiuza, a norma empreende hipótese legal de exclusão da cobertura securitária, quando o contratante do seguro venha direta e intencionalmente agir de forma a agravar o risco, o que ocorre, por óbvio, após a conclusão do contrato. Deve o segurado, portanto, atuar com diligência e cautela, de modo a não exacerbar as especificações do risco pactuado. Não é o caso, por exemplo, quando a própria seguradora admite assumir risco maior do que o normal, atribuindo-lhe menor alcance do que razoavelmente ocorreria. Só se podem compreender, pois, por agravamento do risco os fatos ou circunstâncias que ocorram durante a eficácia do contrato, e, ainda assim, quando aja o segurado com intencionalidade àquele agravamento.

A douta ensinança de Pontes de Miranda, ao tratar do tema, em termos da punição da lei à infração do dever do segurado, expõe com clareza, o seguinte: “para que haja a pena, é preciso que a mudança haja sido tal que o segurador, se ao tempo da aceitação existisse o risco agravado, não teria aceito a oferta ou teria exigido prêmio maior” (Tratado de direito privado, 2. ed., Rio de Janeiro, Borsoi, 1964, t. 45, § 4.924, n. 2, p. 329).

Como observado, para a configuração da hipótese é imperativo que o segurado tenha, intencional ou dolosamente, agido de forma a aumentar o risco. Caso contrário, não poderá ele se responsabilizar pelo eventual agravamento. Assim, “não terá consequência o gravame oriundo do fortuito, pois que, em princípio, é contra a ação deste que se estipula o seguro, e o segurado viveria em clima de instabilidade permanente se o seu direito fosse suscetível de sofrer as consequências de alteração pelas circunstâncias involuntárias” (Caio Mário da silva Pereira, Instituições de direito civil, 10. ed., Rio de Janeiro, forense, 1996, v. 3, p. 306).

Vale observar, afinal, que “não se estende ao segurado a culpa ou dolo que se possa atribuir ao preposto. Diferentemente do ilícito civil, o contrato de seguro se além entre a linha seguradora-segurado, não se podendo transferir para este último um comportamento alheio, conquanto de preposto, se circunstância nenhuma aflora para jungir o preponente ao procedimento fora da lei” (RI’, 589/118). Desse modo, tem sido reiterada a posição do 511 ao reconhecer que a culpa ou dolo do preposto não é causa da perda do direito ao seguro, porquanto o agravamento “deve ser imputado à conduta direta do próprio segurado” (STJ, ØI., REsp 223.119-MG, rel. Mm. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 25-10-1999), i.é, “Exige-se que o contratante do seguro tenha diretamente agido de forma a aumentar o risco” (511, 4~ I., REsp 79.533-MG, rel. Mm Aldir Passarinho Júnior, DJ de 6-12-1999). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 404 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na contemplação de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o escopo do contrato de seguro é o de garantir o segurado contra os prejuízos advindos do sinistro. O sinistro é, pois, fato indesejável, a ser evitado. Não se admite o contrário. Assim, nem mesmo se admite a cobertura de ato doloso do segurado (CC 762), como não se admite a indenização se o segurado houver agravado intencionalmente o risco do objeto do contrato. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 763, 764, 765 - continua - DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 763, 764, 765 - continua 
- DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO – Seção I
Disposições Gerais - (art. 757 a 777)
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Art. 763. Não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação.

Saindo da tabula rasa com Claudio Luiz Bueno de Godoy, o pagamento do prêmio do seguro é a prestação principal e básica, embora não a única, a que se obriga o segurado. É a nota de onerosidade do contrato de seguro, em que, justamente mediante o pagamento do prêmio, se contrata a garantia a um interesse legítimo contra risco potencial de lesão. Ou, se se pensar no universo maior de mutualismo em que o seguro se insere, o prêmio é, a rigor, a contribuição do segurado ao fundo que a seguradora gere e de que se retira o quanto necessário a se honrar a garantia, em caso de sinistro (ver comentário a CC 757). O prêmio, conforme a convenção das partes, pode ser pago de uma só vez, ou de forma fracionada, em data também ajustada.

A exigência de pagamento de prêmio do seguro sempre levou alguns autores à sustentação de se tratar de contrato real, somente aperfeiçoado com aquela quitação. Contudo, de acordo com o CC 758, o contrato de seguro se forma com o consenso e se prova com a apólice ou bilhete, de maneira normal, independentemente, assim, do pagamento do prêmio, que se faz por causa de uma obrigação já assumida. A propósito do debate, vale conferir a lição de Orlando Gomes (Contratos, 9. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1983, p. 474-5), para quem, afinal, o pagamento do prêmio significa condição de eficácia do contrato. E, de tal arte que, uma vez impago, inexigível a cobertura, em caso de sinistro. Essa é a regra, a rigor, disposta no artigo em discussão, mais ampla, destarte, da contida no art. 1.436 do Código revogado, adstrita ao retardo provocado por falência ou incapacidade do segurado. De resto, já a legislação especial previa que o não pagamento do prêmio inviabilizava a exigência do valor segurado, ocorrido o sinistro, permitindo mesmo o cancelamento da apólice (veja Decreto n. 60.459/67, que, nessa parte, alterou o Decreto-lei n. 73/66 e comentário ao artigo seguinte, sobre os prêmios já pagos).

Entretanto, algumas ressalvas se impõem. Em primeiro lugar, mesmo antes da edição do Código de Defesa do Consumidor, defendia-se eu o Decreto n. 60.459/67 tivesse ido além de sua função reguladora, ao possibilitar o cancelamento da apólice no caso de não pagamento do prêmio, no prazo devido (ver, por todos: Silvio de Salvo Venosa. Direito civil, 3. ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 391), tanto mais quando o art. 12 do Decreto-lei n. 73/66 estabelecia, originariamente, a suspensão da cobertura, todavia com possibilidade de purgação pelo segurado, ao mesmo tempo que o Código Civil de 1916 estipulava incidência de juros sobre o prêmio não pago (art. 1.450), chocando-se com a aceitação de uma resolução automática (ver, a respeito, Francisco Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, t. XLV, § 4.919, n. 4, p. 314). Não é só. Entendia-se, ainda, que o cancelamento tout court conflitava com a própria previsão legal de cobrança executiva. Contudo, decerto que, após a vigência da Lei n. 8.078/90, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, é inviável cogitar a imediata resolução do ajuste securitário, de forma automática, pelo simples fato do não pagamento (art. 51, IV e XI, e § 1º, I e III, do CDC). Em segundo lugar, evidente que, efetuada a cobrança do prêmio pela rede bancária (art. 6º, § 2º, do Decreto n. 60.459/67), eventual retardo não pode prejudicar o segurado e seu direito ao recebimento do valor segurado, em caso de sinistro. Em terceiro lugar, corriqueiramente prevista nas apólices a suspensão da cobertura na hipótese de retardo, o pagamento do prêmio, recebido sem qualquer ressalva, não pode ensejar negativa de cobertura de sinistro já ocorrido. Por fim, vale menção à tese do adimplemento substancial, típica revelação do solidarismo na relação contratual, e mercê da qual se evita a resolução quando o contrato se tiver cumprido na relação contratual, e mercê da qual se evita a resolução quando o contrato se tiver cumprido quase por inteiro, ou seja, quando suas prestações se tiverem adimplido quase de maneira perfeita, como, por exemplo, nas hipóteses em que apenas a última parcela do prêmio tenha sido inadimplida, preferindo-se, então, a cobrança coativa, mas mantendo-se o ajuste (a matéria é examinada com mais detalhe, à luz da função social do contrato e de sua operatividade (Claudio Luiz Bueno de Godoy. A função social do contrato, 2. ed. São Paulo, Saraiva, 2007), o que vale também para o contrato de seguro cumprido em parcela significativa pelo segurado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 785-786 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Aplicando a doutrina de Ricardo Fiuza, o levantamento da mora pelo segurado inadimplente ao pagamento de parcela do prêmio, antes do sinistro, constitui, pela dicção legal, pressuposto necessário para que venha a seguradora a responder pela cobertura secuntária. Acaso ocorra o sinistro, estando em mora o segurado, este não terá direito, em princípio, a qualquer indenização, porque no aludido período resultou sobrestado o contrato em seus efeitos ante a superveniência da mora, liberando, temporariamente, a seguradora da responsabilidade pelos riscos assumidos. E o que agora dita claramente a norma, quando antes tratou o CC de 1916 apenas da hipótese de falência ou interdição do segurado, estando em atraso nos prêmios (art. 1.451).

A jurisprudência tem oferecido solução divergentes. Vejamos: 1. “Se não for paga a última parcela do prêmio o seguro caduca. O pagamento da indenização depende do pagamento do prêmio devido, antes do sinistro” (RI’. 488/119); 2. “Nos contratos de seguro, a cláusula contratual prevendo a perda do direito à indenização pelo atraso ou falta de pagamento do prêmio, mormente se inadimplidas apenas as duas últimas prestações, é abusiva e iníqua. Pois coloca o segurado em admissível desvantagem, uma vez que lhe acarreta a perda total da cobertura securitária, embora a seguradora tenha recebido a quase-totalidade do valor do prêmio” (RI’ 773/254), a saber, ademais, reconhecido, o efeito retro operante de reabilitação da apólice, quando satisfeitos os juros moratórios no prazo de tolerância usualmente concedido pela seguradora, não implicando, daí, a sua caducidade.

Em julgado paradigma, o STJ assim se posicionou: “Seguro. Inadimplemento da segurada. Falta de pagamento da última prestação. Adimplemento substancial. Resolução. A companhia seguradora não pode dar por extinto o contrato de seguro, por falta de pagamento da última prestação do prêmio por três razões: a) sempre recebeu as prestações com atraso, o que estava, aliás, previsto no contrato, sendo inadmissível que apenas rejeite a prestação quando ocorra o sinistro; b) a segurada cumpriu substancialmente com a sua obrigação, não sendo a sua falta suficiente para extinguir o contrato; c) a resolução do contrato deve ser requerida em juízo, quando possível será avaliar a importância do inadimplemento, suficiente para a extinção do negócio” (STJ. 4’T., REsp 76.362-M’E rel. Mm. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 1-4-1996). Nesse julgado foi sustentada a aplicação do adimplemento substancial, definido pelo Prof. Clóvis do Couto e Silva como “um adimplemento tão próximo do resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo tão-somente o pedido de indenização e/ou de adimplemento, de vez que aquela primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa fé” (apud Aneise Becker. A doutrina do adimplemento substancial no direito brasileiro e em perspectiva comparativista, Revista da FDUFRS, 9-1/60, 1993). Em consequência, admitiu-se procedente o direito da segurada à indenização, deduzido o valor do prêmio em atraso, com juros e correção monetária.

Pois bem: na esteira desse julgado, é de entender cabível, mesmo com o advento do dispositivo em comento, a impossibilidade da resolução do contrato, quando reiterado o exercício da seguradora em receber as prestações com atraso e/ou reconhecida a insignificância do inadimplemento em cotejo da parte substancialmente atendia pelo segurado. De tal sorte, o direito de o segurado ser credor da prestação da cobertura securitária, preponderando, em seu favor, o princípio do adimplemento substancial e descabendo a resolução. Com a palavra os doutos e os pretórios. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 401 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 30/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o seguro é contrato aleatório, porque as partes não têm como prever se o sinistro ocorrerá e, portanto, se haverá a obrigação de a seguradora pagar a indenização ao segurado. A incerteza quanto ao sinistro é da essência do contrato, pois o lucro da seguradora resulta da não ocorrência de sinistro em grande número dos contratos que fizer. Para que haja a incerteza, o prêmio deve ser pago antes do sinistro, pois, do contrário, se se permitir à parte o pagamento após a ocorrência do sinistro haverá sempre o risco de que o pagamento do prêmio somente será concretizado após o evento. Há, pois, razão para o rigor da regra.

Apesar disso, a jurisprudência admite algumas exceções com base no adimplemento substancial do contrato. Se o atraso é mínimo e resta claro a inexistência de má-fé do segurado, admite-se que a obrigação da seguradora pagar a indenização persiste:

É devida a cobertura do sinistro, mesmo que o segurado não pague a última parcela do prêmio, já que ocorreu adimplemento substancial (substancial performance), não admitindo o ordenamento pátrio a dissolução do vínculo fundada em inadimplemento relativo. Além do mais, a segurador recebeu outras prestações após o vencimento. Precedentes do STJ (TJRS, AC 595069923, j. 01.08.1996, Des. Araken de Assis). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 30.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 764. Salvo disposição especial, o fato de se não ter verificado o risco, em previsão do qual se faz o seguro, não exime o segurado de pagar o prêmio.

Na toada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, este artigo repete o que já dispunha, na primeira parte, o art. 1.452 do Código de 1916, ou seja, o cálculo do prêmio se faz pela probabilidade de ocorrência do sinistro durante o período de vigência do ajuste. Por isso se paga o prêmio no interregno contratual, obrigando-se a seguradora a manter hígida a garantia contratada, i.é, a manter solvável o verdadeiro fundo que o seguro induz, com a contribuição do universo dos segurados, ao sabor do mutualismo que o caracteriza.

De todo modo, porém, e com a ressalva que a proposito já se efetivou no comentário ao CC 757, versando sobre a tese comutativa do seguro, tradicionalmente se vê no preceito em pauta a evidenciação da natureza aleatória do contrato. Isso porque o prêmio será devido pelo tempo do ajuste, independentemente de se verificar ou não o sinistro, ou seja, da conversão em fato do risco coberto, garantido pela contratação, o que significa dizer que o prêmio não se liga ao acontecimento futuro que é incerto, ou de data incerta, dependente da álea, e nunc da vontade exclusiva de qualquer das partes. Na verdade, como já se disse, isso se dá porque o prêmio, a rigor, destina-se à constituição de um fundo da massa de segurados, gerido pelo segurador, servindo como contrapartida da garantia contratada, pelo tempo do ajuste. Tal hipótese, todavia, não deve ser confundida, ao que se entende, com aquelas de resilição bilateral (distrato) ou mesmo de resolução do ajuste – por exemplo, por inadimplemento -, levando em conta as observações a respeito efetivadas nos comentários ao artigo antecedente, que implicam, sem prejuízo de eventual composição de perdas e danos ou de incidência de cláusula penal, a proporcionalização do prêmio pelo período de vigência, mesmo à luz da legislação consumerista. Pense-se no prêmio pago de uma só vez ou em poucas parcelas, não coincidente com o total de meses de vigência de ajuste antecipadamente resolvido. A devolução proporcional, então, deverá ser feita como imperativo de equidade no ajuste, já que não verificada a cobertura pelo tempo integral originalmente previsto, ainda que com a consideração dos danos comprovadamente provocados pela inexecução ou da cláusula penal que se tenha estabelecido, embora sem excluir a previsão de redução, se excessiva (CC 413 e CDC 53).

Em relação ao art. 1.452 do Código Civil de 1916, o CC/2002 tão somente suprimiu a parte final que referia o seguro marítimo, tratado pelo Código Comercial, mediante ressalva que hoje está na parte inicial do dispositivo em discussão. Aliás, pela lei comercial, já se previa a devolução do prêmio por seguro atinente a risco que não se efetivou, porque não iniciada a viagem (art. 692 do Código Comercial), assim como a devolução parcial (art. 684 do Código comercial), ou seja, exatamente o mesmo princípio de equidade, anteriormente aludido, que vale para o seguro civil, nos termos expostos. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 786-787 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Apontado pela doutrina, Judith Martins-Costa, com percuciente estudo da responsabilidade pré-negocial, em obra clássica sobre a boa-fé (A boa-fé do direito privado – sistema e tópica no processo obrigacional, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999), aponta que os fatos indutores dessa responsabilidade situam-se em fase antecedente à celebração contratual, e, pela sua relevância no iter contractus, tais relações de trato haverão de exigir uma conduta pré-contratual pontificada pela boa-fé. Realça, com fado escólio doutrinário, citando E Benatti, que “a relação dirigida à conclusão de um negócio torna-se fonte da obrigação de comportar-se com boa-fé no momento em que surge para uma ou para cada uma das partes confiança objetiva na outra”. Assim, diante do elemento da “confiança legítima” e de sua vulneração, verificamos, com a notável mestra, incluídos “os casos de dano decorrentes de informações falsas ou insuficientes acerca do objeto do contrato”, o que representa a quebra de um dever jurídico, o de informação, “em razão do contrato a celebrar”. Ora, o princípio da boa-fé permeia toda a construção dinâmica do contrato, importando, por isso, também considera-lo nos âmbitos produtivos da responsabilidade pré-negocial e da pós-execução contratual, nada justificando que a norma em comento limite-se à conclusão e execução do contrato.

Em atenção ao comentado no CC 422 e por identidade substancial com aquela norma, impõe-se o aperfeiçoamento do presente dispositivo, a considerar a probidade e a boa-fé em todo o sistema contratual, nele incluídas as fases: preparatória e pós executória. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 402 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 30/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como depreende Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo não tem boa redação. No contrato de seguro, o risco, i.é, o perigo de prejuízo ao bem assegurado sempre existe, a menos que o próprio bem não exista e, então, será nulo o contrato. O que pode ou não acontecer é o sinistro, o evento danoso que atinge o bem assegurado. O segurado paga o prêmio para obter garantia contra a ocorrência do sinistro. Portanto, ainda que findo o prazo contratual sem que o sinistro ocorra, fica o segurado obrigado a pagar o prêmio, uma vez que o dever de assegurar o risco terá sido mantido pela seguradora durante todo o contrato. Há, pois, causa para o pagamento. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 30.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.

Sugere Claudio Luiz Bueno de Godoy, este artigo, em redação mais ampla que a do art. 1.443 do Código anterior. Mas tal já lá se pretendia, exigir de maneira muito especial que, no contrato de seguro, ajam as partes com probidade e lealdade. Isso porque, como se disse nos comentários ao CC 757, o seguro encerra contrato essencialmente baseado na boa-fé. Lembre-se que, no seguro, contrata-se uma garantia contra um risco, qual seja, o de acontecimentos lesivos a interesse legítimo do segurado, mediante o pagamento de um prêmio, tudo fundamentalmente calculado com base nas informações e declarações das partes, cuja veracidade permite uma contratação que atenda a suas justas expectativas. É uma equação que leva em conta a probabilidade de ocorrência do evento que será garantido, assim impondo-se estrita observância à boa-fé dos contratantes, especialmente em suas informações e declarações (veja comentário ao artigo seguinte), pra que ambos tenham sua confiança preservada na entabulação.

A rigor, o presente dispositivo repete, para o contrato de seguro, a mesma exigência que, em geral, o Código estabeleceu, no CC 422, para todos os contratos, ocupando-se, porém, de especificá-lo no seguro dada sua características intrínseca de especial dependência da veracidade das partes para que a contratação se ostente equânime e solidária. E mais: se se concretiza, como dito, princípio já insculpido na parte geral dos contratos, em seu CC 422 está o preceito, tal como lá se pretendeu, a impor não só a boa-fé subjetiva, aquela cuja aferição passa, necessariamente, pela verificação do estado anímico do sujeito – por exemplo, a boa-fé da posse ou do casamento, envolvendo sempre a crença ou ignorância do indivíduo em óbice a sua posse ou a seu casamento -, mas, antes, e também, a chamada boa-fé objetiva, uma regra de conduta, um padrão de comportamento veraz, reto, honesto, que se espera de pessoas leais, solidárias. Tem-se, a rigor, verdadeiro imperativo de origem constitucional (art. 3º, I, da CF), a par de sua positivação, no Código Civil de 2002, em diversas passagens, dentre as quais as dos CC 422 e 765, aqui em discussão. É um agir independente do ânimo do sujeito, de sua proposital deliberação, de acordo com aquele imaginado padrão de conduta leal. Aliás, já no Código de 1916 entendia-se a norma do art. 1.443 como caso único de revelação positiva da boa-fé objetiva – talvez com menção explícita, uma vez que o mesmo princípio animava, só para citar um exemplo, a disposição do CC 875.

Vale notar, por fim, que nem só na contratação e execução do contrato as partes devem se portar conforme a boa-fé. Já antes da contratação e depois dela (post pactum finitum) devem fazê-lo, como se tenciona venha a ser redigido o CC 422 e, em sua esteira, o artigo em pauta, por meio da aprovação do Projeto de Lei n. 276/2007, já de modificação do Código Civil. O artigo seguinte trata da mesma preocupação com a boa-fé. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 788 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na toada de Ricardo Fiuza, só nos aparece a Sugestão legislativa: Em face do acima exposto, apresentamos ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão para alterar este texto, que passará a contar com a seguinte redação:

Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar assim nas negociações preliminares e conclusão do contrato como em sua execução e fase pós-contratual, os princípios de probidade e boa-fé, a mais estrita veracidade e tudo o mais que resulte da natureza do contrato, da lei, dos usos e das exigências da razão e da equidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 402 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob o prisma de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, no contrato de seguro exige-se das partes especial observância ao princípio da boa-fé. A inexatidão das informações sujeita o segurado á perda do direito à indenização (CC 766; Dec.-lei n. 73/66, art. 11, § 2º), assim como o comportamento do segurado que agrava o risco (CC 768). De outro lado, a seguradora sujeita-se ao pagamento em dobro do prêmio ao segurado se, no momento da contratação, sabia não mais haver o risco. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 30.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 760, 761, 762 - continua - DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.


 Direito Civil Comentado - Art. 760, 761, 762 - continua 
- DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO – Seção I
Disposições Gerais - (art. 757 a 777)
 vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 760. A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário.

Parágrafo único. No seguro de pessoas, a apólice ou o bilhete não podem ser ao portador.

Para o mestre Claudio Luiz Bueno de Godoy, a apólice ou o bilhete são, como se vem acentuando nos comentários aos artigos anteriores, os instrumentos escritos do contrato de seguro. Servem à demonstração de sua existência, ou à sua prova, embora outros documentos a tanto também se prestem (CC 758). Devem conter, antes de mais nada, a exata identificação do risco coberto. Como já se salientou na análise do CC 757, o risco, no contrato de seguro, é o acontecimento de ocorrência incerta, ou de data incerta, e independente da vontade exclusiva das partes, que desencadeia, uma vez convertido em fato – o chamado sinistro -, a obrigação do segurador de cumprir sua prestação contratual. Daí dizer-se eu o risco, a rigor, é a previsão de sinistro contra o que se faz o seguro. Assim, a apólice ou bilhete têm de identificar, de forma precisa, qual o risco coberto, que deve se ligar a um fato lícito, não se permitindo cobertura de risco decorrente de atividades ilegais ou imorais.

Na apólice e no bilhete devem estar consignadas, também, as datas de início e de término de sua validade. Tal indicação, no caso de prévia proposta, deve ser consonante com o declarado por meio dela, ou, como determina o Decreto-lei n. 73/66, nessa parte com redação dada pelos Decretos-lei n. 168/67 e 296/67, o início da vigência da apólice tem de ser emitida em até quinze dias da aceitação. Trata=se de previsão que poderá servir de indicativo probatório para quando não houver apólice, mas aí sem exclusão de qualquer outra prova atinente a características do caso concreto, sempre levando em conta que o seguro se aperfeiçoa com o consenso e pode ser provado por qualquer outro documento escrito, além da apólice e do bilhete.

Desses instrumentos constarão, ainda, o limite da garantia e o prêmio devido, ou seja, o máximo do valor a pagar ao segurado, em caso de sinistro, além da quantia que lhe incumbe pagar para fazer jus a essa cobertura. De resto, o valor do prêmio se fixa também e justamente pelo teto da garantia estipulada. Nesse ponto, é importante não confundir o limite, que é a medida da garantia que presta o segurador, gerindo  aqui assentada a perspectiva mutualista do ajuste – o fundo comum da massa de segurados, com o valor do ressarcimento a ser pago em caso de sinistro, que, ao menos para o seguro de dano, corresponderá, pelo princípio indenitário, ao prejuízo experimentado, sempre no limite máximo do importe garantido. O pagamento do prêmio se fará na forma e tempo ajustados pelas partes.

Ademais, o instrumento escrito do seguro deve atender às instruções da Susep, especialmente no que tange a suas condições gerais. No entanto, importa não olvidar que cláusulas restritivas devem estar em consonância com a exigência, da legislação consumerista, de redação clara e em destaque (arts. 46 e 54, § 3º), o que muito comumente não ocorre. Mesmo no Código Civil houve especial preocupação com os contratos de adesão (CC 424 e 425), como, em geral, são os de seguro.

Salvo no caso de seguro de pessoa, em que ela deve ser identificada, a apólice ou bilhete, além de nominativos, podem ser emitidos à ordem e ao portador. Serão nominativos pela indicação do segurador e do segurado e, quando estipulados em favor de terceiro, do beneficiário. Serão à ordem quando transferíveis por endosso, mas em preto, como o exige o CC 785. Quando emitidos ao portador, sua transferência se dá por mera tradição, não obstante, como ressalva José Maria Trepat Cases (Código Civil comentado, coord. Álvaro Vilaça Azevedo, São Paulo, Atlas, 2003, v. VIII, p. 222), o disposto na Lei n. 8.021/90, que veda o resgate de qualquer título sem identificação do beneficiário.

Por fim, é ainda costume diferenciar as apólices simples, que precisam o objeto do seguro, e as flutuantes, inerentes à substituição dos objetos segurados, assim chamadas por sua globalidade. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 783 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a doutrina de Ricardo Fiuza, Apólice ou bilhete são os instrumentos do contrato, consignando os riscos assumidos, o período de validade da cobertura e o seu respectivo limite, bem como o valor a ser pago pelo segurado, que se denomina “prêmio”, e, ainda, conforme espécie, nominando o segurado e o beneficiário do seguro. A exposição circunstanciada colima em definir a responsabilidade da seguradora e os interesses protegidos pelo contrato.

Dizem-se nominativas as apólices que identificam nominalmente a seguradora e o segurado, e, ainda, o terceiro beneficiário, quando existente; figurando aquele que contrata em favor deste último como estipulante. Desde que autorizado o contrato, são transferíveis por cessão do direito.

Apólices à ordem são as que operam a transmissibilidade pela forma do endosso. Consideram-se apólices ao portador, quando produzem os seus efeitos em favor de quem as detenhas, por transferência informal. Nesse particular, o parágrafo único da norma em exame veda tal espécie de apólice quando se refira a seguro de pessoa, o que repete a parte final do capta do art. 1.447 do CC/1916. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 400 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, na apólice devem constar as seguintes cláusulas: riscos cobertos (não admite interpretação extensiva), prazo, limite da garantia, prêmio devido.

As apólices podem ser nominativas, à ordem ou ao portador (menos a de seguro de vida). Simples ou individuais; flutuantes (sobre coisas fungíveis) ou coletivas.

As cláusulas do seguro são gerais, especiais ou particulares. As condições gerais são cláusulas contratuais fixadas pela Susep relativas a cada modalidade de seguro (art. 36, c, Dec.-lei n. 73/66; art. 3º, Dec. n. 60.459/67). Condições especiais são cláusulas que estabelecem modalidades de cobertura para um mesmo plano. Condições particulares ou especificas são cláusulas peculiares a um determinado contrato. (Circular Susep n. 90/99, Anexo I, art. 1º). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 29.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 761. Quando o risco for assumido em cosseguro, a apólice indicará o segurador que administrará o contrato e representará os demais, para todos os seus efeitos.

No diapasão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o cosseguro regrado de forma expressa no Código Civil de 2002, o que não se verificava no anterior, é uma das formas de seguro múltiplo, em que se dá uma repartição da responsabilidade do segurador. É a pulverização do risco assumido por mais de uma empresa seguradora. Trata-se de operação econômico-contratual única, apesar de o Código atual permitir a emissão de uma única apólice, mas com uma seguradora líder que opera o seguro e representa as demais.

A responsabilidade de cada seguradora é por uma parte do total do seguro, ou seja, não respondem solidariamente pelo importe global, impondo-se que se estabeleça a cota que a cada uma afeta. É, de resto, o que já se continha no art. 668 do Código Comercial, prevendo que, no caso de diversos seguradores, cada um deveria declarar a quantia pela qual se obrigava, tão somente erigindo-se responsabilidade solidária quando faltasse aquela identificação, ressalva que se entende ainda cabível, consentânea com a responsabilidade da cadeia de fornecedores, no CDC, apesar do argumento de que esse dispositivo comercial se aplique apenas ao seguro marítimo (art. 777), e mesmo que a solidariedade não se presuma, devendo vir disposta na lei ou em manifestação de vontade (art. 265). Por isso muitos defendem, na regra geral, a inexistência de solidariedade no cosseguro (v.g., Raul Teixeira. Os reflexos do novo Código Civil nos contratos de seguro. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 66), na ausência de fixação expressa das cotas de cada seguradora, só se podendo admitir o fracionamento em partes iguais (art. 257).

Da mesma forma, o cosseguro, sem solidariedade, veio também previsto no art. 4º do Decreto-lei n. 73/66, regulamentado pelas Resoluções CNPS n. 68/2001 e 71/2001, ao lado do resseguro. Este, porém, implica relação diversa, de que, a rigor, não participa o segurado. Isso porque, se no cosseguro várias seguradoras se obrigam perante o segurado, posto que representados por uma delas, no resseguro há uma relação securitária sucessiva entre o segurador originário e um segurador seu. Em diversos termos, para garantir-se contra riscos que repute exacerbados, o próprio segurador, de seu turno, contrata o resseguro, portanto, como se costuma dizer, um seguro do seguro. No entanto, impende acentuar que o segurado não mantém vínculo algum com a resseguradora. A operação de resseguro, no brasil, se faz necessariamente com o Instituto de Resseguros do Brasil, sociedade de economia mista criada pelo Decreto-lei n. 1.186/39, cuja privatização foi deliberada pela Lei n. 9.932/99, de constitucionalidade discutida na ADIn n. 2.223. Há, ainda, a figura da retrocessão, igualmente disposta no Decreto-lei n. 73/66, na verdade o resseguro do resseguro, por ser um resseguro que faz o ressegurador. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 783-784 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a Doutrina de Ricardo Fiuza, diz-se cosseguro a operação pela qual o mesmo risco de determinado segurado em um único contrato ser repartido entre duas ou mais empresas seguradoras, dele resultando a apólice que indicará, dentre elas, a seguradora líder que atuará na administração do contrato e representará as demais. Essa distribuição do risco, em parcelas de responsabilidade assumidas, representa hoje uma prática comum no mercado, diante de valores extremamente elevados de diversos seguros, como o do “World Trade Center”, que congregou um grupo de grandes empresas seguradoras. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 400 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, cosseguro é o contrato em que o mesmo risco é assumido por mais de uma seguradora, que se obrigam conjuntamente. Uma delas deverá ser indicada como administradora do contrato e representante das demais para todos os efeitos do contrato. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 29.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 762. Nulo será o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro.

Nos ensinamentos de Claudio Luiz Bueno de Godoy, já no antigo Código Civil se dispunha, no art. 1.436, sobre a nulidade do contrato de seguro quanto o risco garantido decorresse de atividade ilícita do segurado, seu representante ou seu preposto. Daí o exemplo sempre citado de contrato de seguro nulo por garantir risco inerente a operações de contrabando. Era, pois, uma extensão da regra geral impositiva da licitude do objeto do negócio jurídico, apenas não se exigindo que, para o seguro, estivesse a ilicitude no objeto em si, mas na assunção de um risco proveniente do ilícito (cf. Clóvis Beviláqua. Código Civil comentado, 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 198). Mais que isso, vale lembrar, como já dito nos comentários nos CC 757 e 760, que, no contrato de seguro, o risco coberto deve residir sempre em um evento futuro e incerto, mas independe da vontade tão só de uma das partes, em verdadeiro repúdio, como é do sistema, à pura potestatividade, sempre foco de desequilíbrio e, assim, de ausência de solidarismo na relação contratual, particularmente naquela em que a lealdade é uma exigência especial.

Em outros termos, a ideia foi sempre a de refutar a existência de seguro de interesse potencialmente lesado pela atividade ilícita exclusiva, deliberada, de uma das partes, por exemplo, quando se contrata a garantia de incêndio, posto que dolosamente provocado pelo segurado. Aliás, não é diversa a preocupação subjacente à proibição, a qual está no artigo presente, de que, frise-se, mesmo contratado para garantia de risco não ligado a atividade ilícita, em si, do segurado, possa converter-se o sinistro por conduta deliberada dele emanada. Era já idêntico princípio a inspirar o conceito de agravamento, que estava no art. 1.454 e hoje se repete no CC 768.

Toda essa sistemática, porém, gerava, no Código de 1916, duas perplexidades. Uma, a de que, se se referia, no art. 1.436, ao risco filiado a atos ilícitos do segurado, em tese se poderia considerar aí abrangida a mera conduta culposa do segurado, diferentemente de tudo quanto se vem de asseverar acerca do intuito da lei. imagine-se, por absurdo, a nulidade de cobertura securitária para danos provocados em acidente de automóvel, quando este tenha ocorrido por culpa do segurado. Resolve-se a questão na redação do atual Código, que apenas veda seguro para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado. Ou seja, é o ato ilícito intencionalmente praticado pelo segurado ou pelo beneficiário do seguro. De resto, exige-se a mesma intencionalidade para o agravamento de risco (CC 768). Em segundo lugar, o Código anterior aludia ao ilícito, característico do risco coberto, praticado não só pelo segurado, pelo beneficiário ou por seu representante, mas também pelo preposto. A esse respeito, basta pensar, de novo, no acidente de automóvel provocado pelo preposto de empresa segurada, mesmo que por conduta dolosa. Seria nulo o seguro que o cobrisse. Assim, na atual dicção da lei, deliberadamente suprimiu-se a referência a ato doloso do preposto, que, portanto, se previsto como risco coberto, não invalida a contratação securitária.

Por fim, sempre levando em conta não só a noção de repressão ao ilícito em si, como, ainda, a de preservação do equilíbrio e da lealdade na entabulação, já acentuava Fran Martins (Contratos e obrigações comerciais, 7. ed. Rio de Janeiro, forense, 1984, p. 414), antes mesmo do atual Código, que a vedação em pauta deve ser aplicada aos casos em que o segurado, mediante conduta intencional, dolosamente converte em ato o evento coberto, mas para seu proveito ou, sempre por sua vontade, para proveito de terceiro, assim não se impedindo o seguro para cobertura de valores que o segurado deva pagar a vítima ocasional, posto que em razão de ilícito intencional contra ela praticado, desde que se trate de risco coberto e, repita-se, não haja conluio com o beneficiário do pagamento para lesão à seguradora. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 784-785 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o que aqui se trata diz respeito à juridicidade do objeto, i.é, do risco a que se refira o contrato, pois não se poderá cogitar que tal risco advenha de operações ilícitas, como as de contrabando, como exemplifica, oportunamente, Maria Helena Diniz, ao tratar da liceidade do requisito objetivo do seguro.

O CC de 1916 determina expressamente, em seu Art. 1.436, que nulo será o contrato de seguro quando o risco, de que se ocupa, resulte de atos ilícitos do segurado, do beneficiado pelo seguro, ou dos representantes e prepostos, quer de um, quer de outro. Entretanto, a jurisprudência a ele fez inúmeras restrições ao admitir a responsabilidade da seguradora ao pagamento da indenização no caso de mera culpa do segurado, o que difere do dolo, em que há a vontade consciente de se obter o resultado nefasto. Lembre-se a ponderação de Silvio Rodrigues, quando afirma: “Isso ocorre sistematicamente a respeito de seguro de acidente de automóveis, onde não se exclui da abrangência do negócio aquelas indenizações resultantes de culpa leve do segurado, como ocorre em outros casos de responsabilidade civil”. Agora, a matéria coloca-se pacificada, tornando certo que somente o ato doloso, uma vez reconhecido, será causa de nulidade do contrato. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 400 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na linha de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a boa-fé objetiva impõe a colaboração recíproca das partes para que uma não cause prejuízos à outra. Impede o comportamento contraditório, que uma das partes se beneficie com a própria torpeza, como ocorreria se o segurado fizesse jus à indenização relativa a evento por ele provocado dolosamente.

Nesse contexto, o Código Civil estabelece a nulidade de uma cláusula que viesse a permitir a cobrança de indenização por sinistro causado dolosamente pelo próprio segurado ou por seu representante. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 29.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).