segunda-feira, 9 de março de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 840, 841, 842 - continua - DA TRANSAÇÃO - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 840, 841, 842 - continua
- DA TRANSAÇÃO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (Art. 481 a 853) Capítulo XIX – Da Transação
 – Seção III – (art. 840 a 850) – vargasdigitador.blogspot.com

Art. 840. É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas.

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy diferentemente do CC/1916, o atual Código Civil cuidou do instituto da transação no título destinado ao regramento dos contratos, de resto da mesma forma com que procedeu em relação ao compromisso. Veja-se que, no Código Beviláqua, ambos, transação e compromisso, vinham dispostos como efeito das obrigações, dentre as suas formas de extinção indireta, aquelas que se davam sem que houvesse pagamento, portanto tal como a novação, compensação, confusão e remissão.

Tem-se então, no Código Civil de 2002, superada a divergência que antes se erigia sobre a natureza contratual da transação, hoje textualmente reconhecida, que outrora se criticava ao argumento de que, por meio dela, não se criavam ou transferiam direitos, em essência, embora, a rigor, nada o impedisse, de resto como se infere, por exemplo, da norma do CC 845, infra. Mas, bem de ver que, já no projeto de Código das Obrigações de 1965, a transação havia sido alocada entre os contratos, segundo observação de Caio Mário, seu autor, por pressupor dupla manifestação de vontade (Instituições de direito civil, 11 ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. III, p. 507). Afinal, seguiu o Código Civil de 2002 a mesma tendência, não diversa de outros Códigos, como o português (art. 1248) ou o italiano (art. 1965), todavia explícitos no asseverar que a transação pode envolver a criação ou constituição de novos direitos, o que, se no nosso sistema não se veda, ao menos não se expressa, ao que se verá quando do comentário ao CC 843.

De mais a mais, fosse só pelo fato de a transação envolver dupla manifestação de vontade e, então, também a novação deveria ter recebido nova topografia no atual Código Civil. A verdade é que todo o questionamento se refere, propriamente, à afirmação tradicional de que a transação seja forma extintiva da obrigação, ademais mediante atividade tão só declarativa das partes.

A propósito, Pontes de Miranda já advertia, em primeiro lugar, que a transação extingue uma incerteza, uma controvérsia, uma disputa obrigacional, e não necessariamente obrigação em si, que pode se manter sem a insegurança que antes a tisnava. Em segundo, observava que, nas suas concessões recíprocas, de solução de uma dúvida obrigacional, as partes, na realidade, atuavam sempre modificando uma situação jurídica, de sorte que no mundo jurídico sempre algo se aumentava a fim de eliminar o litígio (Tratado de direito privado, 2 ed. Rio de Janeiro, Borsoi, 1959, t. XXV, § 3.027, n. 1, p. 118, e § 3.028, n. 5, p. 124). Daí se admitir que a transação se configure como verdadeiro contrato, em que as partes acordam sobre dado objeto, alterando o status jurídico antecedente para o fim de eliminar uma incerteza obrigacional, inclusive eventualmente transmitindo direitos, até mesmo reais, ao que soa da previsão do CC 845, e a despeito da redação do CC 843, ao que se volverá.

De qualquer maneira, dúvida nunca houve de que a transação consubstanciasse, coo consubstancia, negócio jurídico bilateral, cuja finalidade se volta à prevenção ou extinção de uma incerteza obrigacional, ou seja, de uma controvérsia, uma dúvida que tenham as partes vinculadas a uma obrigação, que elas solucionam mediante concessões recíprocas, mútuas. Importa, destarte, sempre em um acordo de vontades, que as partes manifestam de forma livre, descabendo transação imposta, ou legal. Insta, assim, que se respeitem as regras gerais de capacidade e mesmo de legitimação, por exemplo lembrando-se que tutor e curador só transigem com prévia autorização judicial (CC 1.748, III, e 1.774), tanto quanto, havendo na transação mutação subjetiva de direito real imobiliário, exige-se, como regra, vênia conjugal, nos moldes do CC 1.647. Tudo, a rigor, como corolário da constatação de que, se a transação implica concessões recíprocas, é preciso que tenha a parte disponibilidade acerca do direito ou interesse que dela seja o objeto.

Vale ainda não olvidar que a transação consumada por mandatário exige poderes especiais, mercê do contido no CC 661, § 1º. Por outro lado, integra também o conceito de transação a necessária reciprocidade das concessões, porquanto, se ao cabo apenas uma das partes cede, o negócio jurídico será outro, acaso uma remissão, doação ou dação, mas nunca uma transação. Enfim, tudo voltado a que, com a entabulação desse negócio contratual, se ponha termo a uma incerteza, a uma insegurança que tenham as partes sobre sua relação obrigacional. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 864 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sob o prisma de Ricardo Fiuza, este artigo cuida da transação, que pode ser definida como a facilidade concedida às partes de prevenirem ou terminarem o litígio (o mesmo que demanda, lide, pendência, questão) mediante concessões recíprocas. Tem ela as seguintes características: a) um litigio surgido ou por surgir; b) a intenção de pôr-lhe fim; c) a existência de concessões mútuas.

A transação, no Código Civil, acertadamente, é considerada um contrato (bilateral ou sinalagmático, com concessões mútuas), e não modo de extinção de obrigação. Aliás, fê-lo acompanhando os melhores Códigos, como o francês, o italiano e o espanhol.

Com as observações acima, o artigo em análise repete o art. 1.025 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redação, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário (v. Carlos Alberto Dabus Maluf. A transação no direito civil e no processo civil. 2 ed. São Paulo, Saraiva, 1999, p. 49). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 441 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No escrutínio de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, transação é forma de extinção de litígio mediante concessões recíprocas. A necessidade de haver concessões recíprocas a diferencia do reconhecimento do direito e da renúncia, que ocorrem quando uma só das partes recebe a totalidade dos direitos em litígio. A transação pressupõe a existência de litígio, mas pode ocorrer extrajudicialmente. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 09.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 841. Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação.

Na autoridade de Claudio Luiz Bueno de Godoy, se, como se vem de afirmar no comentário ao artigo anterior, a transação envolve, necessariamente, concessões recíprocas que fazem os interessados, com a finalidade de solucionar incerteza obrigacional, assim cada qual deles abrindo mão de parte de seu direito ou interesse, forçoso então que esse direito transacionado seja disponível.

Daí preceituar o dispositivo em comento que a transação somente pode se referir a direitos patrimoniais de caráter privado. Não se admite, destarte, que transacionam as partes sobre direitos de que não tenham disponibilidade, como os direitos de família, aqui valendo não olvidar que efeitos patrimoniais deles decorrentes são, estes sim, transacionáveis. Por exemplo, não se transaciona o direito dos alimentos, de natureza indisponível, malgrado se permita transação sobre seu importe ou sobre valores já vencidos. Da mesma forma, são intransigíveis os direitos da personalidade (CC 11), embora não o sejam os reflexos patrimoniais deles oriundos, como no caso da exploração da imagem, da voz ou do nome de alguém.

O direito em si é que, nesses casos, é indisponível. Da mesma forma que nos direitos de família chamados puros, também não cabe transação sobre o estado ou capacidade das pessoas, sobre bens fora do comércio, sempre porque, a rigor, atinentes a direitos indisponíveis às partes, destarte sobre os quais elas não podem efetivar concessões recíprocas.

Lembra, porém, Rodolfo de Camargo Mancuso que se vai erigindo tendência de mitigar esse requisito da transação, exemplificando com os termos de ajustamento de conduta, firmados pelo Ministério Público, na forma da Lei n. 7.347/85, acerca de interesses metaindividuais, além dos acordos firmados pela Administração Pública, favoráveis ao interesse público, ao que colaciona inclusive aresto da Suprema Corte (RE n. 253.885/MG), outro sinal da orientação aludida (“A coisa julgada e sua recepção no Código Civil”, In: O Código Civil e sua interdisciplinaridade. Coord.: José Geraldo Barreto Filomeno; Luiz Guilherme da Costa Wagner Júnior; Renato Afonso Gonçalves. Belo Horizonte, Del Rey, 2004, p. 283/303). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 865 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Iluminando Ricardo Fiuza, em princípio pode qualquer litígio terminar ou ser prevenido por meio de transação. Mas existem coisas que, por sua natureza e relações jurídicas, fogem à regra, não podendo ser objeto ou causa da transação. Assim, é ilícita e inadmissível a transação atinente a assuntos relativos a bem fora do comércio: ao estado e capacidade das pessoas; à legitimidade e dissolução do casamento; à guarda dos filhos; ao pátrio poder; à investigação de paternidade (RF. 110/68 e 136/130; RT. 622/73); a alimentos futuros, por serem irrenunciáveis, embora se possa transigir acerca do quantum (RT, 449/107). Em resumo, não pode haver transação sobre direitos indisponíveis. Este dispositivo é mera repetição do art. 1.035 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional, devendo ser dado mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 441 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No abrilhantamento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, os direitos sujeitos à transação são direitos disponíveis. O dispositivo não é correto. Direitos de caráter pessoal podem ser, igualmente, objeto de transação, como por exemplo, a que se refira ao direito de imagem, ao direito à voz e outras expressões da personalidade ordinariamente admitidas como objetos de contratos.

O que não se admite é a renúncia ou a alienação de tais reflexos da personalidade em caráter definitivo. Direitos de ordem pública de direito privado são indisponíveis, por definição. São de ordem pública, p. exe., os direitos relativos ao estado da pessoa e aqueles sobre os quais há proibições legais. Direitos de ordem pública de direito privado são objeto de transações. Como nos termos de ajustamento de conduta realizados pelo Ministério Público com base na Lei n. 7.347/85. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 09.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Art. 842. A transação far-se-á por escritura pública, nas obrigações em que a lei o exige, ou por instrumento particular, nas em que ela o admite; se recair sobre direitos contestados em juízo, será feita por escritura pública, ou por temo nos autos, assinado pelos transigentes e homologado pelo juiz.

Relembrando com Claudio Luiz Bueno de Godoy, como já se disse no comentário ao CC 840, a transação pode ser feita para prevenir ou para extinguir litígios. E conforme seja ela, então, preventiva ou extintiva de litígios, exige a lei, no artigo em comento, determinada forma. Assim é que, se a transação visa a prevenir um litígio, deve sempre ser feita por escrito, mas de modo público ou particular consoante o regramento geral a respeito da matéria. Vale dizer, quando preventiva, a transação deverá ser entabulada por escritura pública nos casos em que o ordenamento assim o determinar, por exemplo, sempre que nela estiver envolvida a mutação de um direito real imobiliário, na exata forma do CC 108. Caso contrário, a transação poderá ser feita por instrumento particular, aí sem outra especial exigência.

Nesses casos de transação preventiva de litígios, não há nenhuma obrigatoriedade de homologação judicial, malgrado por vezes o permita a lei, como na hipótese do art. 57 da Lei n. 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais). Mas o que importa é que não se impõe a necessidade de homologação alguma, a fim de que a transação surta seu regulares efeitos.

Já quando a transação é extintiva de litígios, i.é, quando se refira a direitos contestados em juízo, levados à demanda judicial, reclama a lei, no presente artigo, e aqui diversamente do que continha o Código Civil de 1916, que, se não efetivada a termo nos autos, seja efetuada por escritura pública. Veja-se então que, sempre que não se a consume a termo nos autos, hoje a transação, com a ressalva que adiante se fará acerca da petição conjunta das partes, deve ser elaborada por escritura pública, quando recair sobre direitos levados a litígio judicial. Porém, a rigor, a lei aparentemente não exige que essa transação efetuada a termo nos autos, aí sim, assinada pelos transigentes e homologada pelo juiz, como está no texto legal.

É bem de ver, todavia, que a homologação é o ato processual que empresta à transação o efeito da coisa julgada, resolvendo o processo de conhecimento com julgamento de mérito (CPC 487, antigo 269, III do CPC/1973), forjando título executivo judicial (CPC 515, antigo 475-N, III, do CPC/1973). Destarte, posto que levada a cabo extrajudicialmente, se lavrada por escritura pública, é só sua homologação que permitirá a formação de título judicial. Sem a homologação, permanecerá a transação extrajudicial surtindo seus efeitos civis, como negócio jurídico contratual que é.

Deve-se admitir, contudo, pese embora a exigência hoje de que a transação extintiva, quando extrajudicial, seja lavrada por escritura pública, que a petição das partes, portanto feita fora dos autos, seja a eles levada para homologação, de modo a subsumi-la ao conceito de termo nos autos. Trata-se, afinal, de peça do processo. Sem a necessidade, portanto, de subsequente lavratura de termo próprio de transação, a tanto valendo o petitório das partes, devidamente representadas, de resto por quem tenha poderes especiais para transigir. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 866 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na alusão de Ricardo Fiuza, a transação pode ser feita: a) por instrumento público, quando a lei assim o exigir, principalmente nos negócios solenes, v. ~, envolvendo primordialmente imóveis (dação em pagamento, hipoteca etc.); b) por instrumento particular, quando a lei assim o admitir, v.g., envolvendo bens móveis em geral (compra e venda de tapetes, quadros, objetos de arte etc.); e c) por escritura pública ou termo nos autos, quando recair sobre direitos em litígio. A transação, nesta hipótese, deve ser homologada judicialmente, segundo o CPC 487, antigo 269, III do CPC/1973).

Com as observações acima, esse dispositivo repete o art. 1.028 do Código Civil de 1916, com melhoria de redação, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário (v. Carlos Alberto Dabus Maluf. A transação no direito civil e no processo civil. 2 ed. São Paulo, saraiva, 1999, p. 104 e ss.). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 441 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Nos moldes de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo determina as diversas formas a serem adotadas na realização da transação. Em regra, ela deve observar a forma exigida pela lei para o negócio jurídico nela consubstanciado. Assim, p. ex., se a transação versar sobre bem imóvel, deve ser realizada por escritura pública. Não se admite a transação oral nem a tácita: deve ser escrita. O dispositivo exige que a transação sobre direitos disputados em juízo se faça por escritura pública ou por termo nos autos sujeito à homologação judicial. O acordo escrito particular deve, portanto, ser reconhecido judicialmente para adquirir validade no caso de disputa judicial sobre algum dos interesses transacionados. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 09.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 6 de março de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 837, 838, 839 - DA EXTINÇÃO DA FIANÇA - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 837, 838, 839
- DA EXTINÇÃO DA FIANÇA - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XVIII – Da Fiança
 – Seção III – Da Extinção da Fiança (art. 837 a 839) –
vargasdigitador.blogspot.com –

Art. 837. O fiador pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais, e as extintivas da obrigação que competem ao devedor principal, se não provierem simplesmente de incapacidade pessoal, salvo o caso do mútuo feito a pessoa menor.

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o artigo presente, inaugurando as hipóteses de extinção da fiança, mas sem exauri-las, como se pode constatar pela existência de causas exoneratórias já antes examinadas, fora da seção (v.g., CC 835 e 836), e a exemplo do que continha o seu correspondente no CC/1916, (art. 1.502), cuida das defesas, como tal compreendida a expressão exceção, que pode o fiador opor ao credor da dívida que tenha afiançado. E, de início, faculta a lei, por evidente, a oposição pelo fiador, diante do credor, de todas as exceções pessoais, i.é, das defesas atinentes ao vínculo de garantia que entre ambos se estabeleceu. Assim, por exemplo, pode o fiador opor ao credor tudo quanto se relacione com vício de vontade que acaso tenha ocorrido. Lembre-se, ainda, das questões de forma, de exoneração, de termo da fiança, conforme comentário aos CC 819 e 835, todas exceções pessoais oponíveis pelo fiador. Da mesma forma, as restrições específicas que tocam a algumas pessoas para a prestação de fiança (ver comentário ao CC 818). Sem contar os meios indiretos extintivos da própria obrigação fidejussória, como a novação, compensação ou remissão, que ao fiador se refiram.

Mas, além de todas essas exceções pessoais, também é lícito ao fiador opor ao credor qualquer exceção que, posto não pessoal, destarte ainda que deduzível pelo devedor principal, seja extintiva da obrigação. Importa, aqui, não olvidar que a fiança constitui obrigação acessória que, assim, não persiste se a obrigação principal se extingue.

Tem-se, nesse passo, o que em doutrina se convencionou chamar de extinção indireta da fiança. Abre-se, destarte, ao fiador, em primeiro lugar, a possibilidade de alegar, perante o credor, que a dívida principal foi paga pelo devedor. a propósito, porém, há duas ressalvas a serem feitas. Uma é a do pagamento parcial feito de uma dívida parcialmente garantido em relação ao total da dívida, resta saber se, no silêncio, considera-se paga a parte da dívida afiançada ou da dívida livre da fiança. Para Lauro Laertes de Oliveira a situação se resolve com a regra geral de imputação do pagamento sempre na dívida mais onerosa (CC 355, parte final), que considera ser aquela parte afiançada (Da fiança. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 83), decerto o que se faz em prejuízo do credor e da garantia que favorece seu crédito, razão até de defender, por exemplo, Carvalho Santos, a posição oposta (Código Civil brasileiro interpretado. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. XIX, p. 488), mas desde que não se reconheça a prévia prerrogativa que tem o credor, inerte o devedor, de imputar, ele próprio, o pagamento.

A segunda ressalva diz respeito ás formas especiais de pagamento. Quanto ao pagamento por consignação, vale lembrar a regra contida no CC 339, segundo a qual, acolhida a demanda consignatória, ao devedor já não será dado levantar a prestação que depositou, mesmo que o credor o consinta, sem a anuência do fiador, sob pena de se ter esse último por exonerado. De idêntica forma se, mesmo antes do julgamento, credor e devedor ajustam o levantamento da coisa depositada por este, autor da ação. Quanto ao pagamento feito por terceiro, é de ver que, havida a sub-rogação (CC 346 e ss.), se preserva a responsabilidade do fiador, portanto a quem não se reconhecerá a possibilidade de se valer daquela quitação (CC 349). Já se houver pagamento por dação, a repristinação da obrigação pela evicção da coisa dada em pagamento, prevista no CC 359, não autoriza que se reconheça o restabelecimento da fiança (ver CC 838, III, infra).

Também a novação da dívida principal pode ser oposta pelo fiador ao credor. Conforme disposição do CC 366, a novação levada a cabo sem a anuência do fiador implica a sua exoneração. É idêntica a solução legal para quando haja transação entre credor e devedor sem a anuência do fiador (CC 844, § 1º). Quanto à compensação, outro dos meios indiretos de extinção da obrigação, o caso do fiador é justamente a exceção à regra da reciprocidade entre credor e devedor, de tal sorte que a um terceiro na relação creditícia, no caso o fiador, será dado recorrer a crédito do devedor afiançado contra o credor para opor, diante deste, a compensação (CC 371). A remissão concedida ao devedor afiançado igualmente aproveita ao fiador. Já a prescrição, embora não extinga a dívida principal, propriamente dita, prejudicando a pretensão respectiva, de coativa satisfação, tem-se entendido beneficiar o fiador, que pode, portanto, alega-la em seu favor (v.g., Pontes de Miranda. Tratado de direito privado. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, t. XLIV, § 4.796, n. 7, p. 223; Oliveira, Lauro Laertes de. Da fiança. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 85). Mas é bem de ver que a interrupção da prescrição operada contra o devedor principal prejudica o fiador (CC 204, § 3º).

Por fim, ressalva o dispositivo em comento que a incapacidade pessoal do devedor não pode ser alegada pelo fiador, em seu proveito, salvo no caso do mútuo, que, quando feito a menor, não pode ser reavido nem mesmo do garantidor fidejussório (ver CC 588, com as ressalvas do CC 589). A regra complementa aquela já contida no CC 824, em que a matéria foi já examinada, portanto a cujo comentário ora se remete o leitor. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 860-61 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Há um histórico na toada de Ricardo Fiuza que aponta a redação ser a mesma do projeto. O CC de 1916 traz um artigo correspondente, de n. 1.502, cuja redação é: “O fiador pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais, e as extintivas da obrigação que compitam ao devedor principal, se não provierem simplesmente de incapacidade pessoal, salvo o caso do art. 1.259”. O referido art. 1.259, por sua vez, refere-se ao mútuo feito a pessoa menor, sem prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver.

Na doutrina, o presente artigo enfoca um dos modos extintivos próprios da natureza da fiança. A fiança resulta extinta pela ocorrência de exceções pessoais ou extintivas, que excluem a responsabilidade do garante, salvo se advindas de incapacidade do garante, excepcionada a hipótese do mútuo feito a pessoa menor.

Exemplos de exceções pessoais são: a novação feita sem consenso do fiador com o devedor originário, a interrupção da prescrição produzida contra o principal devedor etc. Exemplos de exceções que extinguem a obrigação pagamento prescrição, nulidade da obrigação principal, dentre outras. (Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3.) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 440 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a fiança pode ser extinta em virtude de fato relativo a ela própria e, como é um contrato acessório, em regra, as causas que extinguem o contrato principal causam igualmente a extinção da fiança.

São causas de extinção da fiança: a) a anulação da obrigação principal ou da própria fiança. A fiança é, contudo, válida se a nulidade da obrigação principal decorre de incapacidade do devedor, menos no caso de mútuo feito a menor, quando, apesar da nulidade da obrigação principal, a fiança será válida (CC 824); b) a extinção da obrigação principal pelo pagamento, dação em pagamento, remissão, transação, novação, compensação, confusão etc.; c) a confusão entre credor e fiador; d) a compensação, isto é, quando o fiador torna-se credor do credor; e) distrato; f) término do prazo na fiança por prazo determinado; g) morte do fiador ou do afiançado; h) exoneração do fiador em casos de: h.1) renúncia do fiador na fiança por prazo indeterminado. O fiador continua responsável por 60 dias após a notificação (CC 835); h.2) moratória dada ao devedor (CC 838, I); h.3) impossibilidade de sub-rogação nos direitos do credor (CC 838, II); h.4) aceitação de dação em pagamento (CC 838, III); h.5) se, por negligência do credor, os bens livres do devedor não forem executados (CC 839) e h.6) na locação de imóveis, denúncia do fiador, quando da prorrogação do contrato por prazo indeterminado. O fiador continua a responder pelas obrigações pelo prazo de 120 dias. O locador pode notificar o locatário para que apresente fiador no prazo de 30 dias sob pena de rescisão da locação. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 06.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 838. O fiador, ainda que solidário, ficará desobrigado:

I – se, sem consentimento seu, o credor conceder moratória ao devedor;

II – se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos seus direitos e preferências;

III – se o credor, em pagamento da dívida, aceitar amigavelmente do devedor objeto diverso do que este era obrigado a lhe dar, ainda que depois venha a perde-lo por evicção.

No luzir de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o Código, no artigo em comento, trata de hipóteses em que, agora, por atos de iniciativa do credor, fica o fiador, ainda que solidário (ver CC 828), exonerado da obrigação fidejussória. No primeiro inciso, determina a lei que, concedida pelo credor moratória ao devedor, sem o consentimento do fiador, dá-se a sua exoneração, ficando ele desobrigado pela fiança prestada.

A moratória, propriamente, é a concessão de prazo suplementar para que o devedor cumpra sua obrigação. Para grande parte da doutrina, essa hipótese legal deve ser entendida, verdadeiramente, como uma novação. É certo que, havida a novação, sem a aquiescência do fiador, extinta estará a fiança, tanto quanto ela se extingue se havida a transação (CC 844, § 1º). Como ainda vale lembrar, o que é muito frequente em contratos de locação, e o que já se mencionou no comentário ao CC 819, também não responde o fiador, aí mesmo que sem a extinção da fiança, por reajustes convencionados a que não tenha anuído (Súmula n. 214 do STJ).

Bem de ver, porém, que, se com a novação se extingue a originária obrigação, crê-se ter-se exigido menos no preceito em exame. Foi pretensão do legislador figurar caso em que, mesmo sem aquela indireta extinção, persista a dívida, todavia com novo e dilargado prazo para pagamento, o que coloca em risco a situação do fiador, com a eventual insolvência do devedor, já reconhecidamente inapto a pagar no prazo, daí que se exigindo a respectiva anuência do garantidor, sob pena de extinção da fiança. Não se deve confundir essa situação de formal alargamento de termo final de cumprimento da obrigação com mera inércia ou demora do credor em cobrar seu crédito. Nesse caso o sistema disponibiliza ao fiador a medida do CC 834, sempre ao mesmo fundamento de preservação das circunstancias de concessão da garantia. Também não se confunde com a moratória a mera suspensão de ação acaso já em curso, se afinal não implicar acordo para prorrogação de prazo da dívida.

O segundo inciso do artigo presente versa sobre o prejuízo que, por ato doo credor, possa o fiador ter experimentado na sub-rogação que o favorece, mercê da regra contida no CC 831, sempre quando pague o débito afiançado. Trata-se de terceiro juridicamente interessado no pagamento que, ao fazê-lo, se sub-roga nos direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo credor, que lhe são transferidos, como se contém no CC 349. Pois sempre que de alguma maneira, por ato do credor, essa sub-rogação se prejudicar, extingue-se a fiança. Pense-se, por exemplo, em crédito garantido por penhor cujo objeto o credor deixa perecer. Ou na sua inércia em registrar hipoteca, permitindo, com isso, a alienação, pelo devedor, do imóvel hipotecado. Todas hipóteses em que, por fato atribuível ao credor, o fiador vê frustrada a sub-rogação decorrente do pagamento que fez da dívida afiançada.

Por último, e tal como já se deduziu no comentário ao artigo antecedente, extingue-se a fiança se o credor aceita dação em pagamento de seu crédito, mesmo que venha a perder, por evicção, o respectivo objeto, o que restabelece a obrigação primitiva mas, como está no inciso último, em exame, não repristina a fiança, permanecendo desobrigado o fiador. A ideia, malgrado por alguns criticada, é a de que, afinal, acedeu o credor ao recebimento de uma forma de pagamento cujo risco não garantiu o fiador, por isso que exonerado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 862 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No pontuar de Ricardo Fiuza, o dispositivo cuida das causas em que, mesmo solidário com o obrigado principal liberar-se-á o fiador de sua obrigação acessória. A moratória que o credor, sem o seu assentimento, concede ao devedor. O fato de o credor que torne impossível a sub-rogação do fiador em seus acessórios opor evicção, são causas extintivas da fiança por liberação do fiador. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 440 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo enumera as causas de exoneração do fiador antes do término da fiança. A fiança não admite interpretação extensiva (CC 819). A vinculação do fiador ao cumprimento das obrigações assumidas pelo afiançado depende da manutenção das condições iniciais do contrato, pois não se obriga por mais ou por condições diferentes, ainda que mais favoráveis ao afiançado. Para que o fiador seja mantido vinculado ao cumprimento das obrigações, deve anuir expressamente às alterações que as partes pretendam introduzir nas condições iniciais do contrato.

Desse modo, a moratória que o credor concede ao devedor modifica o prazo em que a obrigação deve ser cumprida; se o credor libera o devedor de alguma outra garantia que tenha recebido do devedor, impede que o fiador possa se sub-rogar na mesma garantia, caso venha a adimplir a obrigação; se o credor aceita do devedor dação em pagamento, altera-se o objeto da prestação. Todas essas alterações acarretam, ipso facto, a exoneração do fiador. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 06.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 839. Se for invocado o benefício da excussão e o devedor, retardando-se a execução, cair em insolvência, ficará exonerado o fiador que o invocou, se provar que os bens por ele indicados eram, ao tempo da penhora, suficientes para a solução da dívida afiançada.

Segundo parecer de Claudio Luiz Bueno de Godoy, estabelece o Código, no presente artigo, outra causa de extinção da fiança, por conduta imputável ao credor, móvel, afinal, do agravamento da situação jurídica do fiador, por isso que então exonerado. A hipótese é a do fiador que, invocando em seu favor benefício de ordem, nomeia bens livres e desembaraçados do devedor, na exata forma do que está contido no CC 827, e parágrafo, o que, porém, se prejudica pela inércia do credor, sem justa causa, em promover o regular andamento da demanda satisfativa, sobrevindo, nesse meio tempo, a insolvência do devedor. ou seja, por fato injustificável, atribuível ao credor, frustra-se, a constrição de bens do devedor, indicados pelo fiador e comprovadamente suficientes, à época em que nomeados, para solução da dívida afiançada.

A ideia fundamental, destarte, é que o retardo do credor obviou a regular penhora de bens do devedor, livres, desembaraçados e suficientes, quando nomeados pelo fiador. Ou, de qualquer forma, tem-se hipótese em que, por incúria do credor, operou-se uma piora, em virtude da superveniente insolvência do devedor, na situação do fiador que, regularmente, havia cumprido o ônus que lhe impunha o parágrafo único do CC 827, providência, todavia, enfim frustrada por conduta do credor. É certo que a disposição do artigo não exclui a prerrogativa que, havendo retardo do credor na demanda de cobrança, se defere ao fiador de promover-lhe o andamento, conforme está no CC 834, o que, por evidente, todavia não encerra uma imposição, mas mera faculdade. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 863 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina de Ricardo Fiuza, em exercendo o fiador o benefício de ordem, na forma do parágrafo único do CC 821, com a indicação dos bens do devedor principal, a circunstância de operar-se atraso na execução com a superveniente insolvência do devedor e executado tem a aptidão legal de exonerar uma vez provando este que a nomeação feita dos bens do devedor ao tempo da penhora era eficaz suficiente para garantir o juízo da execução e, em consequência satisfazer o débito a ele afiançado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 440 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 No saber de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a demora do credor em executar o devedor pode causar alteração relevante nas condições do contrato se, conforme prevê o dispositivo, o devedor cair em insolvência. Exonera-se o fiador de sua responsabilidade mediante a prova de que o devedor possuía bens suficientes para o pagamento da dívida no momento em que ocorrer a penhora de bens do fiador.

Melhor solução seria a de se permitir a exoneração do fiador uma vez que este provasse que o devedor era solvente quando do vencimento da obrigação, pois, tomando como marco temporal o momento da penhora, permite a regra que o credor demore-se no ajuizamento da ação de cobrança contra o devedor, com possível prejuízo para o fiador. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 06.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 5 de março de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 833, 834, 835, 836 - DOS EFEITOS DA FIANÇA - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 833, 834, 835, 836
- DOS EFEITOS DA FIANÇA - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XVIII – Da Fiança
 – Seção II – Dos Efeitos da Fiança (art. 827 a 836) –
vargasdigitador.blogspot.com –

Art. 833. O fiador tem direito aos juros do desembolso pela taxa estipulada na obrigação principal, e, não havendo taxa convencionada, aos juros legais da mora.

No lecionar de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o artigo em tela, tal como seu correspondente no CC/1916, cuida do que se convencionou chamar de juros do desembolso. Ou seja, o fiador, desde o instante em que paga a obrigação afiançada, vê vencer, em seu favor, juros pelo quanto a esse propósito tenha despedindo. Bem se vê, portanto, que tais juros não se confundem com os juros que incidem sobre o débito principal, aquele afiançado. A regra, a rigor, dessume-se do mesmo princípio insculpido no dispositivo do artigo precedente. Mesmo prestada de forma benéfica, a fiança difere da doação porque, a priori, não tenciona o fiador, com ela, transferir de seu patrimônio bens ou valores ao afiançado. Por isso que, honrando a fiança, deve ser ressarcido de tudo que a esse título haja pago.

Tem o devedor afiançado, portanto, uma obrigação de reembolsar o fiador quando este tenha pago seu débito ao credor, destarte desde aí vencendo juros sobre essa quantia a ser reembolsada. A taxa desses juros do desembolso será idêntica à taxa de juros ocasionalmente estabelecida na obrigação principal. Se lá não estiver convencionada, a taxa dos juros do desembolso será a legal, fixada na forma do CC 406, a cujo comentário se remete o leitor. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 856 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Caminhando com Ricardo Fiuza, ainda sobre os trilhos das relações entre fiador e afiançado, sabe-se que o primeiro, sub-rogando-se nos direitos do credor (CC 831), pode exigir do segundo o montante integral que pagou, acrescido dos juros do desembolso pela taxa estipulada na obrigação principal, e, à falta dessa taxa convencionada, pela taxa legal, que corresponde aos juros moratórios de 6% ao ano.

Sobre o assunto, insta rememorar lição do ilustre Prof. Silvio Rodrigues, quando nos ensina que, “sob esse aspecto, a fiança, embora constitua um contrato benéfico, apresenta nítida diferença da doação, porque, enquanto nesta quem faz a liberalidade deseja sofrer uma diminuição patrimonial em favor do beneficiário, na fiança o fiador conta em não sofrer qualquer diminuição patrimonial, tanto que, se, por acaso e contra a sua vontade, tiver o fiador de fazer qualquer pagamento, encontra na lei um remédio para se reembolsar” (Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 15 ed., São Paulo, Saraiva, 1986, v. 3, p. 399-400). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 438 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, os juros podem ser legais ou convencionais. O Decreto n. 22.626;1934 estabelece que os juros convencionais não podem ultrapassar o dobro da taxa dos juros legais. Os juros legais, conforme o CC 406, correspondem aos juros incidentes sobre os tributos devidos à Fazenda Nacional. Conforme comentários ao CC 406, há divergências quanto à aplicação da taxa Selic ou aos juros previstos no Código Tributário Nacional.

Mesmo que o contrato não preveja a incidência de juros, tem o fiador o direito de aplicar os juros legais sobre os valores efetivamente desembolsados para pagamento da dívida. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 05.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 834. Quando o credor, sem justa causa, demorar a execução iniciada contra o devedor, poderá o fiador promover-lhe o andamento.

Relembrando o Código Civil de 1916, Claudio Luiz Bueno de Godoy aponta que a mesma providência que continha o art. 1498 anterior, se repete no presente. Autoriza-se, com efeito, que o fiador possa dar andamento à demanda injustificadamente paralisada que tenha sido movida pelo credor contra o devedor afiançado. O pressuposto é e sempre foi o de que, afinal, o fiador tem todo interesse em que se consume, de maneira proveitosa, a cobrança que o credor promove contra o afiançado, de sorte, assim, a se forrar aos efeitos do inadimplemento diante do qual foi estabelecida a garantia.

Pense-se na execução que, retardada, pode já encontrar um patrimônio por isso insuficiente do devedor. Interessa ao fiador que isso não aconteça, já que assim seria liberado de seu vínculo de garantia, razão pela qual se lhe defere o que se tem entendido ser uma verdadeira legitimação anômala ou extraordinária para prosseguir na execução, algo, segundo Washington de Barros Monteiro, muito próximo da execução inversa que o devedor podia encetar, na forma do art. 526 do CPC/2015, antigo 570 do CPC/1973, em sua redação originária (Curso de direito civil – direito das obrigações, 2ª parte, 34 ed. São Paulo, Saraiva, 2003, v. V, p. 385-6). A ideia é de que se trata de medida de consumação, por outrem, do direito do credor, inerte em fazê-lo.

É bem verdade, porém, que na execução inversa cogita-se do dever que tem o credor de receber, ao passo que, um pouco diferente, aqui, no artigo em comento, alvitra-se dever a rigor de boa-fé objetiva, ou seja, o de não incidir no abusivo protraimento do exercício de direito, a dano de terceiro, no caso o fiador. Daí que, para que o fiador assuma o andamento da execução, no interesse direito do credor, portanto não desligado da relação creditícia, como se daria na hipótese do art. 778, § 1º, IV do CPC, antigo art. 567, III, do CPC/1973, porque não havido pagamento pelo garante, com sub-rogação legal, mas, mesmo assim, em última análise também no seu próprio proveito, porquanto cumprido caminho de desoneração da fiança prestada, o retardo no andamento deve ser ao credor atribuível e sem causa razoável que o justifique.

Dispõe a lei que a providência versada somente se possibilita quando o credor demorar, sem justo motivo, o andamento da execução. Nada mais senão o conceito de abuso, genericamente previsto no CC 187, a que se remete o leitor, o que caberá ao juiz aferir, no caso concreto, independentemente de prazo que, afinal, o legislador não estabeleceu a priori, malgrado serviente, todavia só como um critério, os trinta dias previstos no art. 485, III do CPC, antigo art. 267, III, do CPC/1973. Para Lauro Laertes de Oliveira, deve-se admitir não só o prosseguimento como o próprio ajuizamento da ação de execução, pelo fiador, no interesse do credor, contra o devedor afiançado (Da fiança. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 67).

Na mesma esteira, forte na lição de Alessandro Segalla e de Biasi Ruggiero, o Ministro José Augusto Delgado cogita mesmo de o fiador poder ajuizar inclusive ação de despejo por falta de pagamento contra o devedor afiançado, de novo no interesse imediato do credor, mas em última análise no seu próprio, dado que, assim, limita a extensão da garantia prestada, que se pode alongar por inércia do locador que abusivamente protrai o exercício de seu direito (Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. XI, t. II, p. 257-65). Seria também um caso de legitimação extraordinária, ou de substituição processual, para os autores citados, mas sempre à consideração de que das pessoas se espera – e mesmo impõe a própria Constituição Federal, no art. 3º, I – comportamento leal, pautado pelo solidarismo, que destarte reclama relação de colaboração, de tal modo que a demora no exercício do direito, pelo credor, mesmo que sem esse deliberado proposito, eis que aqui se cogita da boa-fé objetiva (v.g., CC 113, 187 e 422), pode bem prejudicar o fiador, por isso que então ficando a ele facultadas as medidas aqui cogitadas e, particularmente, aquela disposta no artigo em comento.

Por fim, diga-se que o dispositivo presente, confrontado com seu correspondente, no CC/1916, não mais refere a figura do abonador, prevista no art. 1.482 do Código Bevilaqua, na verdade um garantidor da fiança. Era mesmo uma fiança da fiança, ou uma subfiança, de pouco uso, coo observa Gildo dos Santos (“A fiança”. In: O novo Código Civil, coord. Domingos Franciulli Netto, Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins Filho, São Paulo, LTr, 2003, p. 747-79), pelo que não reproduzida no Código Civil de 2002, malgrado também por ele não vedada. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 856-57 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Rápido comentário de Ricardo Fiuza, na sistemática anterior, prevista no CC de 1916, tanto o fiador quanto o abonador (fiador do fiador) podiam, na incúria injustificada do credor, impulsionar a execução já iniciada contra o devedor principal, a subfiança é a fiança a fiador (fiança da fiança): afiança-se a dívida que o fiador, com sua promessa, assumiu. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 438 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como apontam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o fiador tem interesse em que o credor receba do devedor a dívida. Que o devedor cumpra a obrigação espontaneamente ou, se não o fizer, que o credor faça uso da execução forçada. A demora do credor em cobrar o que lhe é devido pode permitir que o afiançado venha a se tornar insolvente, agravando a responsabilidade do fiador.

Em razão disso, se o credor não cobrar do devedor o que lhe é devido após o vencimento da obrigação, fica caracterizada a moratória e essa acarreta a exoneração do fiador nos termos do CC 838, I.

O fiador, embora tenha interesse, não possui legitimidade para iniciar a cobrança do devedor em benefício do credor. Uma vez iniciada a cobrança por este, no entanto, fica o fiador autorizado a promover-lhe o andamento, caso o credor não o faça, em razão do interesse que tem no pagamento da dívida pelo devedor afiançado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 05.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 835. O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor.

Como entende Claudio Luiz Bueno de Godoy, prestada com termo final previamente estabelecido, a fiança se extingue com o implemento desse tempo. Da mesma forma, posto que firmada sem prazo, porquanto representativa de negócio jurídico acessório, a fiança igualmente se extinguirá se extinta a obrigação garantida. Todavia, pode a fiança ser prestada sem limitação de tempo, quando então, mesmo que ainda vigente o negócio garantido, e desde que também ele não contenha termo final estabelecido a priori, que se impõe afinal a quem é garantidor acessório, a qualquer instante poderá o fiador se exonerar.

A ideia evidente é que o fiador não pode permanecer indefinidamente vinculado à garantia prestada, sem saber até quando persistirá essa sua obrigação. Por isso mesmo, defere-lhe a lei a possibilidade de, a seu talante, no exercício de prerrogativa que é mesmo potestativa, exonerar-se da fiança, sempre e quando lhe convier. Mas, diferentemente do Código anterior, que previa igual possibilidade, todavia, na falta de acordo, sujeitando o fiador ao ajuizamento de ação exoneratória para somente a partir do respectivo julgamento se livrar da obrigação da garantia, estatui o Código civil de 2002 uma automática exoneração desde o sexagésimo dia depois que o credor for notificado da intenção do fiador de se exonerar. Ou seja, basta, hoje, ao fiador notificar o credor para que, depois de sessenta dias dessa cientificação, se libere do vínculo fidejussório.

É certo que, nos sessenta dias subsequentes à notificação, persiste, ainda, sua obrigação de garantia. Porém, ultrapassado esse interregno, sobrevém-lhe automática exoneração, repita-se, diversamente do que previa o art. 1.500 do revogado Código Civil, que impunha a exoneração apenas depois de acordo ou sentença exoneratória.

Muito polêmica, todavia, sempre causou a exoneração de fiador que, em contrato de locação, tivesse prestado a fiança até a entrega das chaves. Tanto mais porque, com a edição da Lei n. 8.245/91 (art. 39), determinou-se que, nos ajustes locativos prediais urbanos e na falta de disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estenderia até a devolução do imóvel. E, agora, com a edição da Lei n. 12.112/2009, que modificou dispositivos da Lei Locatícia, foi acrescentado ao mesmo preceito a ressalva da responsabilidade ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado.

Em se tratando, pois, de fiança prestada sem limitação de tempo, em contratos de locação prorrogados por prazo indeterminado, de há muito se discute se caberia ao fiador se exonerar, a despeito do contido no art. 39 da lei locatícia. Os argumentos de costume versados, basicamente, dizem respeito à prevalência ou não do dispositivo especial diante da dicção geral do antigo art. 1.500, atual CC 835, do Código Civil, bem assim à existência ou não de um prazo afinal certo quando se estatui que a fiança prevalecerá até a entrega das chaves do imóvel locado. Pois, a propósito, hoje prevalece, no âmbito dos julgados do Superior Tribunal de Justiça, conforme está no item da jurisprudência, a tese de que a responsabilidade do fiador até a entrega das chaves não o impede, depois de prorrogado o contrato de locação por prazo indeterminado, de postular, livremente, a sua exoneração, todavia que não se dá, tão somente, de modo automático, pela expiração do ajuste. E de pronto porque, apesar do que foi previsto pela lei especial, a matéria relativa à fiança, uma das garantias locatícias, tem seu unificado regramento no Código Civil. Apenas a ela faz alusão a Lei n. 8.245/91 como uma das espécies de garantias possíveis na locação. Não se estabeleceu, porém, espécie nova ou própria de fiança. Tanto assim que tudo quanto diga respeito à natureza, sub-rogação e efeitos da fiança locatícia se regula pelo disposto no Código Civil. Nesse sentido é a observação de Gildo dos Santos (“A fiança”. In: O novo Código Civil, coord. Domingos Franciulli Netto, Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins Filho. São Paulo, LTr, 2003, p. 747-79). Se é assim, o mesmo se deve dar com relação à exoneração, aplicando-se, então, a regra do artigo em comento. E veja-se que a ele é subjacente a preocupação com uma fiança não sem termo, propriamente, que, de fato, pode ser incerto, mas sim com a incerteza desse tempo, ainda que seja certa a ocorrência a que é atinente.

Em outras palavras, a questão não se coloca, como querem muitos, na distinção entre termo e condição, de modo a argumentar que a extensão da fiança até a entrega das chaves represente uma limitação, porquanto certo o evento que determina sua extinção. O problema está na insciência do fiador sobre até que data se estenderá sua responsabilidade, ainda que se saiba, de antemão, que ela um dia cessará, porquanto certo o evento da entrega das chaves. A indefinição sobre o instante da ocorrência, todavia, é o móvel da previsão de que possa ele se exonerar.

Por fim, também acesa a divergência sobre se é possível ao fiador renunciar ao direito de pedir a exoneração, quando a lei autorize, parece, porém, que admitir tal prerrogativa significa abrir caminho a uma indefinida vinculação do fiador, o que não se compadece com o sistema do direito obrigacional, que tende sempre a disponibilizar meio de o obrigado se desvincular. Seria como permitir que o contratante renunciasse ao direito de denunciar um contrato entabulado por prazo indeterminado. Certo que a fiança é ajuste acessório e, por isso, de toda sorte um dia se extingue, quando cessa o contrato principal. Mas não se pode olvidar, tal como dito ao início, de que, se o contrato principal tem prazo pré-definido, a fiança, mesmo sem prazo, necessariamente se estende até o termo da obrigação afiançada. A questão, destarte, somente se coloca quando também a obrigação principal não tenha prazo definido, aí então não se concebendo que o fiador possa, de antemão, dispor da potestativa prerrogativa de se liberar do vínculo fidejussório. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 858-59 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sob o prisma de Ricardo Fiuza, a fiança por prazo determinado extingue-se com o advento do termo. Quando, todavia, foi prestada prazo indeterminado, mas garantindo negócio com prazo determinado, ela cessa com a extinção do negócio subjacente, pois o acessório, como sabemos, segue o princípio. Entretanto, se a fiança não for prestada por prazo certo, garantindo negócio também indeterminado a todo tempo exigir ao fiador a sua exoneração, que pode efetivar-se por mera manifestação volitiva ou por sentença judicial, simplesmente porque a garantia não é concedida em caráter perpétuo.

Nesse ponto, o CC/2002 trouxe mudanças significativas, que merecem ser ressaltadas: a um, porque admite a exoneração por simples comunicação (notificação) ao credor, independentemente de anuência deste ou do devedor principal, ou mesmo de sentença judicial; a dois, porquanto, pelo prazo de sessenta dias, contados da notificação ao credor, o fiador continuará vinculado por todas as obrigações assumidas pelo devedor, produzindo, daí, efeitos ex nunc, voltado apenas para o futuro.

Caio Mário da Silva Pereira, parecendo já antever dita alteração, anotava ser “injusta a letra da Lei que libera o fiador apenas a partir da prolação da sentença exoneratória, alvitrando, como mais justa, a liberação do fiador a partir da citação do credor, retrotraindo os efeitos da sentença a partir da data daquela” (Instituições de direito civil, Rio de Janeiro. Forense, 10 ed. 1996, p. 360).

Jurisprudência: “A jurisprudência assentada nesta Corte construiu o pensamento de que é válida a renúncia expressa ao direito de exoneração da fiança, mesmo que o contrato de locação tenha sido prorrogado por tempo indefinido, vez que a faculdade prevista no Art. 1.500 do Código Civil trata de direito puramente privado” (STJ, 6 M 1, REsp 318.345-PR, rel. Mm Vicente Leal, DJ de 10-9-2001). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 438 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Creem Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira ser a fiança contrato de duração. Pode ser estipulada por prazo determinado ou indeterminado. Se por prazo determinado, vige até o termo final se outra causa de exoneração do fiador não sobrevier antes dele. Tal como na generalidade dos contratos por prazo indeterminado, a fiança pode ser rescindida mediante resilição unilateral de qualquer das partes a qualquer tempo. A denúncia do contrato se faz mediante notificação do fiador ao credor. Uma vez feita a notificação, o fiador permanece ligado ao contrato por sessenta dias.

A resilição da fiança exonera do fiador das obrigações que venham a ser constituídas após o prazo de sessenta dias mencionado no dispositivo. A responsabilidade do fiador pelas obrigações anteriores ao vencimento desse prazo permanece.

Na locação de imóvel, o fiador pode denunciar o contrato quando este é prorrogado automaticamente, passando a vigorar por prazo indeterminado. Feita a denúncia, o fiador continua a responder pelas obrigações pelo prazo de 120 dias (art. 40, inciso X, Lei n. 8.245/90). O locador pode notificar o locatário para que apresente fiador no prazo de 30 dias sob pena de rescisão da locação. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 05.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 836. A obrigação do fiador passa aos herdeiros; mas a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não pode ultrapassar as forças da herança.

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a fiança é garantia pessoal que, destarte, mesmo quando prestada por prazo certo, se extingue com a morte do fiador. Mas, até então, persiste a responsabilidade do fiador que, assim, se se traduz numa obrigação já devida ao tempo de sua morte, é transmitida aos herdeiros.

Em diversos termos, dívidas surgidas até o momento da morte, em virtude da fiança prestada, passam aos herdeiros, como de resto é a regra geral da sucessão causa mortis. Por exemplo, num contrato de locação, os aluguéis e encargos inadimplidos até o instante do falecimento do devedor são ainda de sua responsabilidade e, dessa forma, por eles respondem os herdeiros. Já locativos posteriormente vencidos não podem ser imputados à responsabilidade dos sucessores do fiador.

Há que ver, todavia, que a responsabilidade acaso afeta aos herdeiros será sempre limitada à força da herança recebida, de novo corolário do princípio geral expresso no CC 1.997. Vale anotar ainda que, em se tratando de garantia pessoal, também a morte do afiançado tem-se entendido provocar a extinção da fiança. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 860 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entendimento de Ricardo Fiuza, de rigor, a morte do fiador extingue a fiança, mas a obrigação correspondente passa aos seus herdeiros, limitada, porém, às forças da herança e _aos débitos existente até o momento do falecimento. Com efeito, os Herdeiros do fiador morto continuam a ser responsáveis pelo débito surgido no momento do óbito, desde que não ultrapasse as: forças da herança. De igual modo, a morte do afiançado não extinguirá a fiança, pois os herdeiros serão seus continuadores.

Embora a fiança represente contrato personalíssimo, de caráter intuitu personae, em relação ao fiador, suas obrigações se transmite mortis causa, desde que – repita-se – nascidas até o momento da abertura da sucessão. Bem é dizer os efeitos da fiança produzidos até a morte do fiador vinculam os seus herdeiros intra vires hereditates. (Arnoldo Wald. Curso de direito civil brasileira: obrigações e contratos, 8 ed., São Paulo. Revista dos Tribunais. 1989 (p.348-9) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 439 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Encerrando o capítulo com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, para quem a doutrina ensina que o fiador possui responsabilidade (obligatio), mas não o débito (debitum). Ele passa à condição de devedor somente quando o devedor principal deixa de adimplir a obrigação afiançada. O dispositivo faz uso dessa distinção doutrinária. A morte do fiador extingue o contrato de fiança e a responsabilidade do fiador. O que passa aos herdeiros é o débito constituído até o momento da morte do fiador. Conforme a regra estabelecida no CC 1.792, o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança. A mesma regra é desnecessariamente repetida na parte final do dispositivo ora comentado.

A lei é omissa, mas a jurisprudência do STJ é uniforme no sentido de que a morte do afiançado extingue a fiança: REsp 439.945-RS, 5ª T., Rel. Min. Felix Fischer, j. 27-08-02; REsp 147.813-RJ, 6ª T., Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 02-12-97; REsp 128.691-SP, 5ª T., Rel. Mi. José Arnaldo da Fonseca, j. 24-6-97; REO 34000055736-DF, 6ª T., Rel. Min. Daniel Paes Ribeiro, j. 30-04-01, p. DJ 01.06.01.

A morte do credor não extingue a fiança. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 05.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).