DIREITO
ADMINISTRATIVO II – Professor Emerson Tinoco - Toda a matéria de N1 e N2 para a
Turma do 7º período que se inicia em 1º semestre de 2015 – com exercícios
correspondentes a ambas as provas. Divirtam-se – VARGAS DIGITADOR – 8º período. - FAMESC - BJI
DIR. ADMINISTRATIVO II
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO I
Em
nosso ordenamento jurídico, um ato praticado por uma pessoa pode acarretar
consequências, essencialmente em três esferas distintas. Na esfera penal, se o
ato for tipificado em lei como crime ou contravenção. Na esfera administrativa,
se o ato caracterizar infração a normas administrativas (funcionais, contratuais
ou de polícia). Na esfera cível, se o ato acarretar dano patrimonial, ou dano
moral. Regra geral, as esferas são independentes entre si e as sanções previstas
em cada uma podem ser aplicadas cumulativamente (por exemplo, um ato de
corrupção passiva pode acarretar a prisão do culpado, sua demissão e o dever de
indenizar o Estado). Há hipóteses, entretanto, em que a esfera penal, e só ela,
pode produzir consequências nas outras esferas.
A
responsabilidade civil, também denominada de responsabilidade extracontratual,
decorre de condutas (comissivas ou omissivas) que causem dano patrimonial, dano
moral, ou ambos. A responsabilidade civil sempre se esgota com a indenização do
dano.
A
moderna teoria do órgão público sustenta que as condutas praticadas por agentes
públicos, no exercício de suas atribuições, devem ser imputadas ao Estado.
Assim, quando o agente público atua, considera-se que o Estado atuou.
Nesse
contexto, é natural que o Estado responde pelos prejuízos patrimoniais causados
pelos agentes públicos e particulares, em decorrência do exercício da função
administrativa.
Levando
em conta a natureza patrimonial dos prejuízos ensejadores dessa reparação,
conclui-se que tal responsabilidade é civil. A responsabilidade é
extracontratual por vincular-se a danos sofridos em relações jurídicas de
sujeição geral.
Assim,
o tema responsabilidade do Estado investiga o dever estatal de ressarcir particulares
por prejuízos civis e extracontratuais experimentados em decorrência de ações
ou omissões de agentes públicos no exercício da função administrativa. Os danos
indenizatórios podem ser materiais, morais ou estéticos.
O
tema é disciplinado pelo artigo 37, parágrafo 6o, da Constituição Federal: “As
pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa”.
EVOLUÇÃO
HISTÓRICA
Três
fases:
1)
Teoria da Irresponsabilidade Estatal (até 1873)
A
Teoria da irresponsabilidade do Estado era própria dos Estados absolutistas nos
quais a vontade do Rei tinha força de lei. Assim, a exacerbação da ideia de
soberania impedia admitir que os súditos pudessem pleitear indenizações por
danos decorrentes da atuação governamental. Em grande parte, essa situação
resultou da então concepção politicoteológica que sustentava a origem divina do
poder.
O
grande evento que motivou a superação da teoria da irresponsabilidade foi a
decisão de 8 de fevereiro de 1873, tomada pelo Tribunal de Conflitos na França,
conhecida como Aresto Blanco.
O
Tribunal de Conflitos é o órgão da estrutura francesa que decide se uma causa
vai ser julgada pelo Conselho de Estado ou pelo Poder Judiciário. Em 8 de
fevereiro de 1873, sob a relatoria do conselheiro David, o Tribunal de
Conflitos analisou o caso da menina Agnès Blanco que, brincando nas ruas da
cidade de Bordeaux, foi atingida por um pequeno vagão da Companhia Nacional de
Manufatura de Fumo. O pai da criança entrou com ação de indenização fundada na
ideia de que o Estado é civilmente responsável pelos prejuízos causados a
terceiros na prestação de serviços públicos. O Aresto Blanco foi o primeiro posicionamento
definitivo favorável à condenação do Estado por danos decorrentes do exercício
das atividades administrativas. Por isso, o ano de 1873 pode ser considerado o
divisor de águas entre o período da irresponsabilidade estatal e a fase da
responsabilidade subjetiva.
Atualmente,
não há mais nenhum caso de país ocidental que ainda adote a teoria da
irresponsabilidade.
2)
Teoria da Responsabilidade Subjetiva (1874 até 1946)
A
Teoria da responsabilidade subjetiva foi a primeira tentativa de explicação a
respeito do dever estatal de indenizar particulares por prejuízos decorrentes
da prestação de serviços públicos.
Indispensável
para a admissibilidade da responsabilidade estatal foi uma nova concepção
política chamada de teoria do fisco. A teoria do fisco sustentava que o Estado
possuía dupla personalidade: uma pessoa soberana, infalível, encarnada na
figura do monarca e, portanto, insuscetível a condenação indenizatória; e outra,
pessoa exclusivamente patrimonial, denominada “fisco”, capaz de ressarcir
particulares por prejuízos decorrentes da atuação de agentes públicos.
A
visão “esquizofrênica” da dupla personalidade estatal foi decisiva para, num
primeiro momento, conciliar a possibilidade de condenação da Administração e a
noção de soberania do Estado.
A
teoria subjetiva estava apoiada na lógica do direito civil na medida em que, o
fundamento da responsabilidade é a noção de culpa. Daí a necessidade de a
vítima comprovar, para receber a indenização, a ocorrência simultânea de quatro
requisitos:
a)
ato;
b)
dano;
c)
nexo causal;
d)
culpa ou dolo.
Assim,
para a teoria subjetiva é sempre necessário demonstrar que o agente público
atuou com intenção de lesar (dolo), com culpa, erro, falta do agente, falha,
atraso, negligência, imprudência, imperícia.
Embora
tenha representado grande avanço em relação ao período anterior, a teoria
subjetiva nunca se ajustou perfeitamente às relações de direito público diante
da hipossuficiência do administrado frente ao Estado. A dificuldade da vítima
em comprovar judicialmente a ocorrência da culpa ou dolo do agente público prejudicava
a aplicabilidade e o funcionamento prático da teoria subjetiva.
Foi
necessário desenvolver uma teoria adaptada às peculiaridades da relação
desequilibrada entre o Estado e o administrado. Entretanto, excepcionalmente, a
teoria subjetiva ainda é aplicável no direito público brasileiro, em especial quanto
aos danos por omissão e na ação regressiva.
3)
Teoria da Responsabilidade Objetiva (1947 até hoje)
Mais
apropriada à realidade do Direito Administrativo a teoria objetiva, afasta a
necessidade de comprovação de culpa ou dolo do agente público e fundamenta o
dever de indenizar na noção de risco administrativo (art. 527, § único, do
Código Civil). Quem presta um serviço público assume o risco dos prejuízos que
eventualmente causar, independentemente da existência de culpa ou dolo. Assim,
a responsabilidade prescinde de qualquer investigação quanto ao elemento
subjetivo.
A
doutrina costuma afirmar que a transição para a teoria publicista deveu-se à
concepção de culpa administrativa, teoria que representou uma adaptação da
visão civilista à realidade da Administração Pública.
Via
de regra, a adoção da teoria objetiva transfere o debate sobre culpa ou dolo para
a ação regressiva a ser intentada pelo Estado contra o agente público, após a
condenação estatal na ação indenizatória.
Para
a teoria objetiva, o pagamento da indenização é efetuado somente após a
comprovação, pela vítima, de três requisitos:
a)
ato;
b)
dano;
c)
nexo causal.
Ao
invés de indagar sobre a falta do serviço, como ocorreria com a teoria subjetiva,
a teoria objetiva exige apenas um fato do serviço, causador de danos ao
particular.
A
teoria objetiva baseia-se na ideia de solidariedade social, distribuindo entre
a coletividade os encargos decorrentes de prejuízos especiais que oneram
determinados particulares. É por isso, também, que a doutrina associa tal
teoria às noções de partilha de encargos e justiça distributiva.
Duas
correntes internas disputam a primazia quanto ao modo de compreensão da
responsabilidade objetiva: a teoria do risco integral e a teoria do risco
administrativo.
Teoria
do Risco Integral
É
uma variante radical da responsabilidade objetiva, sustentando que a comprovação
de ato, dano e nexo é suficiente para determinar a condenação estatal em
qualquer circunstância, sempre que o Estado causar prejuízo a particulares, sem
qualquer excludente. Embora seja a visão mais favorável à vítima, o caráter absoluto
dessa concepção produz injustiça, especialmente diante de casos em que o dano é
produzido em decorrência de ação deliberada da própria vítima. Não há notícia
de nenhum país moderno cujo direito positivo tenha adotado o risco integral
como regra geral aplicável à responsabilidade do Estado, jamais tendo sido
adotada entre nós. Sua admissibilidade transformaria o Estado em verdadeiro
indenizador universal.
A
teoria do risco integral, entretanto, é aplicável no Brasil em situações
excepcionais:
a)
acidente de trabalho (infortunística): nas relações de emprego público, a
ocorrência de eventual acidente de trabalho impõe ao Estado o dever de
indenizar em quaisquer casos, aplicando-se a teoria do risco integral;
b)
indenização coberta pelo seguro obrigatório para automóveis (DPVAT): o
pagamento de indenização do DPVAT é efetuado mediante simples prova do acidente
e do dano decorrente, independentemente da existência de culpa, haja ou não
resseguro, abolida qualquer franquia de responsabilidade do segurado (art. 5o
da Lei n. 6.194/74);
c)
atentados terroristas em aeronaves: por força do disposto nas Leis n.
10.309/2001 e n. 10.744/2003, a União assumiu despesas de responsabilidade
civil perante terceiros na hipótese de ocorrência de danos a bens e pessoas,
passageiros ou não, provocados por atentados terroristas, atos de guerra ou
eventos correlatos, ocorridos no Brasil ou no exterior, contra aeronaves de
matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo
público, excluídas as empresas de táxi-aéreo (art. 1o. Da Lei n. 10.744/2003).
Tecnicamente, trata-se de uma responsabilidade estatal por ato de terceiro, mas
que se sujeita à teoria do risco integral porque não prevê excludentes ao dever
de indenizar. A curiosa Lei n. 10.744/2003 foi uma resposta do governo brasileiro
à crise no setor de aviação civil após os atentados de 11 de setembro de 2001
nos Estados Unidos. O objetivo dessa assunção de responsabilidade foi reduzir o
valor dos contratos de seguro obrigatórios para companhias aéreas e que foram
exorbitantemente majorados após o 11 de Setembro;
d)
dano ambiental: por força do art. 225, §§ 2o e 3o, da Constituição Federal, há
quem sustente que a reparação de prejuízos ambientais causados pelo Estado
seria submetida à teoria do risco integral. Porém, considerando a posição
majoritária entre os jusambientalistas, é mais seguro defender em concursos a
aplicação da teoria do risco administrativo para danos ambientais;
e)
dano nuclear: assim como ocorre com os danos ambientais, alguns administrativistas
têm defendido a aplicação da teoria do risco integral para reparação de
prejuízos decorrentes da atividade nuclear, que constitui monopólio da União
(art. 177, V, da CF). Entretanto, a Lei de Responsabilidade Civil por Danos
Nucleares – Lei n. 6.653/77, prevê diversas excludentes que afastam o dever de
o operador nuclear indenizar prejuízos decorrentes de sua atividade, tais como:
culpa exclusiva da vítima, conflito armado, atos de hostilidade, guerra civil,
insurreição e excepcional fato da natureza (art. 6o e 8o). Havendo excludentes
previstas diretamente na legislação, impõem-se a conclusão de que a reparação
de prejuízos nucleares, na verdade sujeita-se à teoria do risco administrativo.
Teoria
do Risco Administrativo
O
direito positivo brasileiro, com as exceções acima mencionadas, adota a
responsabilidade objetiva na variação teoria do risco administrativo. Menos
vantajosa para a vítima do que a do risco integral, a teoria do risco
administrativo reconhece excludentes da responsabilidade estatal. Excludentes são
circunstâncias que, ocorrendo, afastam o dever de indenizar. São três:
a)
culpa exclusiva da vítima: ocorre culpa exclusiva da vítima quando o prejuízo é
consequência da intenção deliberada do próprio prejudicado. São casos em que a
vítima utiliza a prestação do serviço público para causar dano a si própria.
Exemplos: suicídio em estação do Metrô; pessoa que se joga na frente de viatura
para ser atropelada.
Diferente
é a solução para o caso da culpa concorrente, em que a vítima e o agente
público provocam, por culpa recíproca, a ocorrência do prejuízo. Nesses casos,
fala-se em concausas. Exemplo: acidente de trânsito causado porque a viatura e
o carro do particular envolvem ao mesmo tempo a pista alheia. Nos casos de
culpa concorrente, a questão se resolve com a produção de provas periciais para
determinar o maior culpado. A maior culpa, desconta-se a menor, realizando um
processo denominado compensação de culpas. A culpa concorrente não é excludente
da responsabilidade estatal, como ocorre com a culpa exclusiva da vítima. Na
verdade, a culpa concorrente é fator de mitigação ou causa atenuante da responsabilidade.
Diante da necessidade de discussão sobre culpa ou dolo, nos casos de culpa
concorrente aplica-se a teoria subjetiva;
b)
força maior: é um acontecimento involuntário, imprevisível e incontrolável que
rompe o nexo de causalidade entre a ação estatal e o prejuízo sofrido pelo
particular. Exemplo: erupção de vulcão que destrói vila de casas. Já no caso
fortuito, o dano é decorrente de ato humano ou de falha da Administração.
Exemplo: rompimento de adutora. O caso fortuito não exclui a responsabilidade estatal;
c)
culpa de terceiro: ocorre quando o prejuízo pode ser atribuído a pessoa
estranha aos quadros da Administração Pública. Exemplo: prejuízo causado por
atos de multidão. Mas, no dano provocado por multidão, o Estado responde se
restar comprovada sua culpa.
A
doutrina indaga sobre o impacto que as excludentes causam sobre os requisitos
da teoria objetiva. Predomina o entendimento de que culpa exclusiva da vítima,
força maior e culpa de terceiro são excludente da causalidade, rompendo o nexo
causal entre a conduta e o resultado lesivo.
RESPONSABILIDADE
CIVIL DO ESTADO II
Art.
37, § 6o, da CF e a teoria da imputação volitiva de Otto Gierke.
A
CF de 1988 adotou expressamente a teoria da imputação volitiva de Otto Gierke
ao afirmar no art. 37, § 6o, que as pessoas jurídicas respondem pelos danos que
seus agentes “nessa qualidade” causarem a terceiros.
A
adoção dessa teoria, implica três consequências principais:
1)
Impede a propositura de ação indenizatória diretamente contra a pessoa física
do agente se o dano foi causado no exercício da função pública (precedente do
STF: RE 327.907/SP);
2)
Impossibilita a responsabilização civil do estado se o dano foi causado pelo
agente público fora do exercício da função pública. Exemplo: policial de folga
que atira no vizinho;
3)
Autoriza a utilização das prerrogativas do cargo somente nas condutas
realizadas pelo agente durante o exercício da função pública. Desse modo, as
prerrogativas funcionais não são dadas intuitu personae, não acompanham a
pessoa do agente público o dia todo, para onde ele for. Fora do horário do
expediente, no trânsito, em casa, o agente está temporariamente desacompanhado
das prerrogativas especiais decorrentes da sua função pública, sob pena de
cometer excesso de poder ou desvio de finalidade.
As
cinco teorias decorrentes do art. 37, § 6o, da CF
O
art. 37, § 6o, da CF/88 é o fundamento normativo de cinco teorias fundamentais
em matéria de responsabilidade do Estado.
a)
Teoria da responsabilidade objetiva do Estado: na referência aos termos
“agentes”, “danos” e “causarem” residem os três requisitos da teoria objetiva,
que fundamenta a responsabilidade estatal: ato, dano e nexo causal;
b)
Teoria da imputação volitiva de Otto Gierke: ao dizer que as pessoas jurídicas
responderão pelos danos que seus agentes “nessa qualidade” causarem a
terceiros, o dispositivo adota expressamente a teoria de Gierke;
c)
Teoria do risco administrativo: a Constituição optou pela adoção de uma
variante moderada da responsabilidade estatal: a teoria do risco
administrativo. Tal teoria reconhece excludentes do dever de indenizar, como
culpa exclusiva da vítima, força maior e culpa de terceiros;
d)
Teoria da responsabilidade subjetiva do agente: a responsabilidade pessoal do
agente público, apurada na ação regressiva, pressupõe a comprovação de culpa ou
dolo, sendo por isso subjetiva e não objetiva;
e)
Teoria da ação regressiva como dupla garantia: surgida no âmbito da
jurisprudência do STF (RE 327.904/SP), tal teoria afirma que a ação regressiva
(Estado x agente) representa garantia em favor:
1)
do Estado: pois se o dano foi causado durante o exercício da função pública, o
STF não admite que o agente seja diretamente acionado pela vítima ao propor
ação indenizatória.
FUNDAMENTOS
DO DEVER DE INDENIZAR
O
dever estatal de indenizar particulares por danos causados por agentes públicos
encontra dois fundamentos: legalidade e igualdade.
Quando
o ato lesivo for ilícito, o fundamento do dever de indenizar é o princípio da
legalidade, violado pela conduta praticada em desconformidade com a legislação.
No
caso, porém de ato lícito causar prejuízo especial a particular, o fundamento
para o dever de indenizar é a igual repartição dos encargos sociais, ideia
derivada do princípio da isonomia.
CARACTERÍSTICA
DO DANO INDENIZÁVEL
De
acordo com a doutrina, para que o dano seja indenizável deve possuir duas
características: ser anormal e específico.
Dano
anormal é aquele que ultrapassa os inconvenientes naturais e esperados da vida
em sociedade. Isso porque o convívio social impõe certos desconfortos
considerados normais e toleráveis, não ensejando o pagamento de indenização a
ninguém. Exemplo de dano normal: funcionamento de feira livre em rua residencial.
Considera-se
dano específico aquele que alcança destinatários determinados, ou seja, que
atinge um indivíduo ou uma classe delimitada de indivíduos. Por isso, se o dano
for geral, afetando difusamente a coletividade, não surge o dever de indenizar.
Exemplo de dano geral: aumento no valor da tarifa de ônibus.
Presentes
os dois atributos, considera-se que o dano é antijurídico, produzindo o dever
de pagamento de indenização pela Fazenda Pública.
RESPONSABILIDADE
POR ATOS LÍCITOS
Para
configuração da responsabilidade estatal é irrelevante a licitude ou ilicitude
do ato lesivo, bastando que haja um prejuízo decorrente de ação ou omissão de
agente público para que surja o dever de indenizar. Em regra, os danos indenizáveis
derivam de condutas contrárias ao ordenamento. Porém, há situações em que a
Administração Pública atua em conformidade com o direito e, ainda assim, causa
prejuízo a particulares. São os danos decorrentes de atos lícitos e que também
produzem o dever de indenizar. Exemplo: obras para asfaltamento de rua
diminuindo a clientela de estabelecimento comercial.
Se
o prejuízo for causado em decorrência de obra pública, o Estado é responsável
pelo ressarcimento integral do dano, aplicando-se a teoria objetiva.
Entretanto, se a lesão patrimonial decorreu de culpa exclusiva do empreiteiro
contratado pelo Estado para a execução da obra, é o empreiteiro que detém a
responsabilidade primária, devendo ser acionado diretamente pela vítima com a
aplicação da teoria subjetiva, respondendo o Estado em caráter subsidiário.
DANOS
POR OMISSÃO
Quando
o Estado deixa de agir e, devido a tal inação, não consegue impedir um
resultado lesivo. Nessa hipótese, fala-se em dano por omissão. Os exemplos
envolvem prejuízos decorrentes de assalto, enchente, bala perdida, queda de
árvore, buraco na via pública e bueiro aberto sem sinalização causando dano a particular.
Tais casos têm em comum a circunstância de inexistir um ato estatal causador do
prejuízo.
A
doutrina tradicional sempre entendeu que nos danos por omissão a indenização é
devida se a vítima comprovar que a omissão produziu o prejuízo, aplicando-se a
teoria objetiva. Entretanto, Celso Antônio Bandeira de Mello sustenta há vários
anos que os danos por omissão submetem-se à teoria subjetiva. Atualmente, é
também o entendimento adotado pelo STF (RE 179.147) e pela doutrina
majoritária.
RELAÇÕES
DE CUSTÓDIA
Quanto
aos danos causados a pessoas e bens submetidos a relações de sujeição especial,
conhecidas também como relações de custódia, a responsabilidade do Estado é
mais acentuada do que nas relações de sujeição geral, à medida que o ente
público tem o dever de garantir a integridade das pessoas e bens custodiados.
Por isso, a responsabilidade estatal é objetiva inclusive quanto a atos de
terceiros.Os exemplos mais comuns são: o preso morto na cadeia por outro
detento; a criança vítima de briga dentro da escola pública; bens privados
danificados em galpão da Receita Federal.
Cabe,
porém, advertir que a responsabilidade estatal é objetiva na modalidade do
risco administrativo, razão pela qual a culpa exclusiva da vítima e a força
maior excluem o dever de indenizar. Assim, por exemplo, o preso assassinado na
cadeia por outros detentos durante rebelião gera dever de o Estado indenizar a
família. Entretanto, se a morte teve causas naturais (força maior) ou foi proveniente
de suicídio (culpa exclusiva da vítima), não há dever de indenizar.
Quanto
ao fato de terceiro, não constitui excludente da responsabilidade nos casos de
custódia, em razão do mais acentuado dever de vigilância e de proteção
atribuído ao Estado nessas relações de sujeição especial.
AÇÃO
INDENIZATÓRIA
Todo
aquele que for patrimonialmente lesado por conduta omissiva ou comissiva de
agente público pode pleitear administrativa ou judicialmente a devida
reparação. Na esfera administrativa, o pedido de ressarcimento pode ser
formulado à autoridade competente, que instaurará processo administrativo para apuração
da responsabilidade e tomada de decisão sobre o pagamento da indenização. Mais
comum, entretanto, é a opção pela via judicial por meio da propositura da ação
indenizatória. Ação indenizatória é aquela proposta pela vítima contra a pessoa
jurídica à qual o agente público causador do dano pertence.
DENUNCIAÇÃO
À LIDE
Indaga-se
sobre a possibilidade, ou não, de o Poder Público chamar o agente causador do
dano para integrar a demanda indenizatória. O fundamento da denunciação é o
art. 70, III do CPC: “A denunciação da lide é obrigatória: (...) III – àquele
que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva,
o prejuízo do que perder a demanda”.
A
denunciação da lide é visivelmente prejudicial aos interesses da vítima à medida
que traz culpa ou dolo do agente público, ampliando o âmbito temático da lide
em desfavor da celeridade na solução do conflito.Por essa razão, a doutrina
majoritária rejeita a possibilidade de denunciação à lide ao argumento de que a
inclusão do debate sobre culpa ou dolo na ação indenizatória representa um retrocesso
histórico à fase subjetiva da responsabilidade estatal.
A
jurisprudência e os concursos públicos, entretanto, têm admitido a denunciação
do agente público à lide como uma faculdade em favor do Estado, o qual poderia
decidir sobre a conveniência, ou não, de antecipar a discussão a respeito da
responsabilidade do seu agente, evitando com isso a propositura da ação regressiva.
Em abono à denunciação da lide, comparecem razões ligadas à economia
processual, eficiência administrativa e maior celeridade no ressarcimento dos
prejuízos causados aos cofres públicos.
AÇÃO
REGRESSIVA
A
ação regressiva é proposta pelo Estado contra o agente público causador do
dano, nos casos de culpa ou dolo (art. 37, § 6, da CF). Sua finalidade é a
apuração da responsabilidade pessoal do agente público. Tem como pressuposto já
ter sido o Estado condenado na ação indenizatória proposta pela vítima. Como a
CF determina que a ação regressiva é cabível nos casos de culpa ou dolo,
impõe-se a conclusão de que a ação regressiva é baseada na teoria subjetiva. Caberá
ao autor da ação (entidade estatal) demonstrar a ocorrência dos requisitos
ensejadores da responsabilidade do agente: ato, dano, nexo e culpa/dolo.
A
inexistência do elemento subjetivo (dolo ou culpa) no caso concreto exclui a
responsabilidade do agente público na ação regressiva. Exemplo: acidente de
trânsito comprovadamente causado por problemas mecânicos na viatura.
Em
razão do princípio da indisponibilidade, a propositura da ação regressiva,
quando cabível, é um dever imposto á Administração, e não uma simples
faculdade.
São
pressupostos para a propositura da ação regressiva:
1)
condenação do Estado na ação indenizatória;
2)
trânsito em julgado da decisão condenatória (não precisa aguardar o
levantamento do precatório);
3)
culpa ou dolo do agente;
4)
ausência de denunciação da lide na ação indenizatória.
RESPONSABILIDADE
DOS CONCESSIONÁRIOS DE SERVIÇOS PÚBLICOS
O
art. 2o, III, da Lei n. 8.987/95 define concessão de serviço público: “A
delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na
modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que
demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado”.
A
referida norma legal evidencia que o concessionário de serviço público assume a
prestação do serviço público “por sua conta e risco”. Assim, a responsabilidade
primária pelo ressarcimento de danos decorrentes da prestação é do
concessionário, cabendo ao Estado concedente responder em caráter subsidiário.
Além
de direta (primária), a responsabilidade do concessionário é objetiva à medida
que o pagamento da indenização não depende da comprovação de culpa ou dolo.
O
caráter objetivo da responsabilidade dos concessionários decorre do art. 37, §
6o, primeira parte, da CF: “As pessoas jurídicas de direito público e as de
direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que
seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros”.
DANOS
CAUSADOS POR AGENTE FORA DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO
Só
é possível responsabilizar o Estado por danos causados pelo agente público
quando forem causados durante o exercício da função pública. Estando o agente,
no momento em que realizou a ação ensejadora do prejuízo, fora do exercício da
função pública, seu comportamento não é imputável ao Estado e a
responsabilidade será exclusiva e subjetiva do agente. Nesse caso, a ação
indenizatória proposta pela vítima contra a pessoa física do agente público
prescreve em três anos (art. 206, § 3o, V, do Código Civil).
1.
Considere este dispositivo constitucional:
Art.
37, § 6o: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes,
nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra
o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Analise
a seguinte sentença que contém duas asserções:
Caso
um agente público, nessa qualidade, cause dolosamente dano a terceiro, o Estado
responderá, mas o fundamento da responsabilidade civil do Estado não será o
art. 37, § 6o, da Constituição Federal,
PORQUE
o art. 37, § 6o, da Constituição Federal, trata da responsabilidade objetiva do
Estado. É correto afirmar que:
a)
as duas asserções estão corretas e a segunda justifica a primeira.
b)
as duas asserções estão corretas e a segunda não justifica a primeira.
c)
a primeira asserção está correta e a segunda está incorreta.
d)
a primeira asserção está incorreta e a segunda está correta. √
e)
as duas asserções estão incorretas.
2.
A teoria do risco integral obriga o Estado a reparar todo e qualquer dano,
independentemente de a vítima ter concorrido para o seu aperfeiçoamento.
CERTO ERRADO
3.
Todos os anos, na estação chuvosa, a região metropolitana de determinado
município é acometida por inundações, o que causa graves prejuízos a seus
moradores. Estudos no local demonstraram que os fatores preponderantes
causadores das enchentes são o sistema deficiente de captação de águas pluviais
e o acúmulo de lixo nas vias públicas. Considerando essa situação hipotética,
julgue os itens subsequentes.
De
acordo com a jurisprudência e a doutrina dominante, na hipótese em pauta, caso
haja danos a algum cidadão e reste provada conduta omissiva por parte do
Estado, a responsabilidade deste será subjetiva.
CERTO ERRADO
4.
Determinado cidadão sofreu prejuízos em razão da conduta de agente público
federal atuando nessa qualidade. De acordo com a Constituição Federal e com a
Lei no 8.112/1990,
a)
a União é obrigada a reparar o dano, podendo exercer o direito de regresso em
face do servidor somente no caso de comprovada a conduta dolosa do mesmo.
b)
a União é obrigada a reparar o dano, respondendo o agente perante esta, em ação
regressiva, caso comprovado ato comissivo ou omissivo, doloso ou culposo. √
c)
a União é obrigada a reparar o dano, desde que comprovada a conduta dolosa ou
culposa do agente.
d)
o servidor é obrigado a ressarcir a Fazenda Pública, em ação regressiva, sempre
que a União for condenada a reparar o dano.
e)
o servidor é obrigado a ressarcir a Fazenda Pública, em ação regressiva,
somente na hipótese de comprovada conduta comissiva, dolosa ou culposa.
5.
As empresas públicas prestadoras de serviços públicos e seus agentes respondem,
solidária e objetivamente, por danos causados a terceiros. PORQUE as empresas
públicas prestadoras de serviços públicos são pessoas jurídicas de direito privado submetidas a regime jurídico
híbrido, sendo o regime de responsabilidade civil a elas aplicável fundamentado
na teoria do risco administrativo.
Analisando-se
as afirmações acima, conclui-se que:
a)
as duas afirmações são verdadeiras, e a segunda justifica a primeira.
b)
as duas afirmações são verdadeiras, e a segunda não justifica a primeira.
c)
a primeira afirmação é verdadeira, e a segunda é falsa.
d)
a primeira afirmação é falsa, e a segunda é verdadeira.
√
e)
as duas afirmações são falsas.
6.
João, servidor público, conduzia veículo oficial a serviço da Administração
federal e envolveu-se em acidente de trânsito do qual resultou prejuízo de
grande monta a particular. O particular acionou a União e esta foi condenada a
indenizá-lo. De acordo com os dispositivos constitucionais e legais que regem a
matéria, o direito de regresso da Administração em face do servidor:
a)
independe de comprovação de dolo ou culpa, dada a sua natureza objetiva.
b)
é afastado se configurada responsabilidade objetiva do Estado.
c)
depende da comprovação de dolo e é afastado no caso de culpa, salvo se
configurada inobservância de dever legal.
d)
depende da comprovação de conduta dolosa ou culposa, dada a natureza subjetiva
da responsabilidade do agente. √
e)
é sempre possível, em razão da responsabilidade objetiva do agente, salvo
quando comprovada culpa exclusiva da vítima ou causas excludentes da ilicitude.
7.
A responsabilidade civil do Estado exige três requisitos para a sua configuração:
ação atribuível ao Estado, dano causado a terceiros e nexo de causalidade.
CERTO ERRADO
8.
As empresas públicas e as sociedades de economia mista que exploram atividade
econômica respondem pelos danos que seus agentes causarem a terceiros conforme
as mesmas regras aplicadas à demais pessoas jurídicas de direito privado.
CERTO ERRADO
1)
A correção ou regularização de determinado ato, desde a origem, de tal sorte
que os efeitos já produzidos passem a
ser considerados efeitos válidos, não passíveis de desconstituição e esse
ato permaneça no mundo jurídico como ato
válido, apto a produzir efeitos regulares, denomina-se
2)
Com base na Lei n.o 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito
da administração pública federal, julgue os itens subsecutivos.
A
administração pode anular seus próprios atos por motivo de conveniência ou
oportunidade.
CERTO
ERRADO
3)
A Administração constatou irregularidades em atos de concessão de benefícios
salariais a determinados servidores. Nessa situação, de acordo com a Lei no
9.784, de 29 de janeiro de 1999, que
regula o processo administrativo, a Administração.
a)
poderá anular o ato, apenas se constatar que o servidor concorreu para a
prática da ilegalidade, assegurado o
contraditório e a ampla defesa.
b)
não poderá anular o ato, se de tal anulação decorrer a redução dos vencimentos
dos servidores.
c)
deverá anular o ato, exceto se transcorrido o prazo decadencial de 5 anos.
d)
poderá convalidar o ato, apenas em relação aos seus aspectos pecuniários,
apurando-se a responsabilidade administrativa pelas concessões irregulares.
e)
poderá revogar o ato, caso constatada a ilegalidade da concessão, a critério da
autoridade
4)
Considere a seguinte hipótese: a Administração Pública aplicou pena de
suspensão a determinado servidor,
quando, pela lei, era aplicável a sanção de repreensão. O fato narrado caracteriza:
a)
vício na finalidade do ato administrativo e acarretará sua revogação.
b)
ato lícito, tendo em vista o poder discricionário da Administração Pública.
c)
vício no objeto do ato administrativo e acarretará sua anulação.
d)
vício no motivo do ato administrativo, porém não necessariamente constitui
fundamento para sua invalidação.
e)
mera irregularidade formal, não constituindo motivo para sua anulação.
5)
Pedro Luís, servidor público federal, verificou, no ambiente de trabalho,
ilegalidade de ato administrativo e decidiu revogá-lo para não prejudicar
administrados que sofreriam efeitos danosos em consequência da aplicação desse
ato. Nessa situação, a conduta de Pedro Luís está de acordo com o previsto na
Lei n.o 9.784/1999.
CERTO
ERRADO
6)
Conforme a legislação que regula o processo administrativo no âmbito da
Administração Pública Federal, ao constatar a existência de um ato ilegal, a
Administração
a)
não poderá anulá-lo, já que a competência para anular atos é do Poder
Judiciário.
b)
tem o dever de anulá-lo, sem a necessidade de recorrer ao Poder Judiciário.
c)
poderá anulá-lo, apenas, se houver pedido do Ministério Público.
d)
deverá revogá-lo por conveniência e oportunidade da Administração.
e)
poderá punir o funcionário público que o praticou, mas não terá poderes para
anular o ato.
7)
Determinado servidor público proferiu decisão em procedimento administrativo,
conferindo licença de instalação de estabelecimento comercial a particular e,
posteriormente, constatou-se que não possuía competência para prática do ato,
mas apenas para atuar na fase instrutória do procedimento. O particular não
tinha ciência dessa circunstância e deu início ao funcionamento do
estabelecimento.
Diante
da situação narrada, a decisão,
a)
não é convalidável pela autoridade competente, por se tratar de ato vinculado,
podendo conceder nova licença, se presentes os requisitos para a sua edição,
sem efeitos retroativos.
b)
é convalidável pela autoridade competente, se não se tratar de competência
privativa ou exclusiva, desde que presentes os pressupostos para sua edição e
não haja lesão ao interesse público ou prejuízo a terceiros.
c)
é convalidável pela autoridade competente, de acordo com critérios de
conveniência e oportunidade, por se tratar de ato discricionário.
d)
é convalidável, se presentes os requisitos para a sua edição e não se evidencie
prejuízo ao interesse público, não sendo admitida a retroação dos efeitos à
data da edição da decisão original.
e)
não é convalidável, administrativamente, porém pode ser ratificada,
judicialmente, em processo intentado para este fim pelo particular.
8)
Sendo a revogação a extinção de um ato administrativo por motivos de
conveniência e oportunidade, é ela, por
essência, discricionária.
CERTO ERRADO
9)
Os atos administrativos do Poder Executivo não são passíveis de revogação pelo
Poder Judiciário.
CERTO
ERRADO
10)
Por meio da revogação, a administração extingue, com efeitos ex tunc, um ato
válido, por motivos de conveniência e
oportunidade, ainda que esse ato seja vinculado.
CERTO
ERRADO
Atos
Administrativos – CONTINUAÇÃO...
1.
ATRIBUTOS DOS ATOS ADMINISTRATIVOS
Atributos
são qualidades ou características dos atos administrativos. Enquanto os
requisitos dos atos administrativos constituem condições que devem ser
observadas para a sua válida edição, seus atributos podem ser entendidos como
as características inerentes aos atos administrativos.
Os
atributos dos atos administrativos descritos pelos principais autores são:
a)
presunção de legitimidade;
b)
imperatividade;
c)
autoexecutoriedade;
e)
exigibilidade.
Os
atributos imperatividade e autoexecutoriedade são observáveis somente em
determinadas espécies de atos administrativos.
1.1.
Presunção de legitimidade – A presunção de legitimidade ou presunção de
legalidade é o único atributo presente em todos os atos administrativos, quer
imponham obrigações, quer reconheçam ou confiram direitos aos administrados.
É
uma presunção relativa (juris tantum), ou seja, admite prova em contrário. O
fato de ser uma presunção relativa leva à principal consequência desse
atributo: o ônus da prova da existência de vício no ato administrativo é de
quem alega, ou seja, do administrado.
Por
outras palavras, uma vez praticado o ato, ele se presume legítimo e, em
princípio, apto a produzir os efeitos que lhes são próprios; incumbe ao
administrado a prova de eventual vício no ato, caso pretenda ver afastada a sua
aplicação (o administrado terá que obter algum provimento judicial que suspenda
a aplicação do ato, ou interpor algum recurso administrativo ao qual a lei
atribua efeito. Registramos que a Professora Maria Sylvia Di Pietro desmembra
esse atributo em duas facetas, uma relativa ao plano normativo e outra ao plano
fático, desta forma:
a)
presunção de legitimidade ou legalidade, significando que são corretas a
interpretação e a aplicação da norma jurídica pela administração;
b)
presunção de veracidade, significando que os fatos alegados pela administração
existem, ocorreram, são verdadeiros.
1.2.
Imperatividade – Rigorosamente, imperatividade traduz a possibilidade de a
administração pública, unilateralmente, criar obrigações para os administrados,
ou impor-lhes restrições.
A
imperatividade decorre do denominado 1poder extroverso do Estado. É um atributo
que não está presente em todos os atos administrativos. Por exemplo, não são imperativos
atos que reconheçam ou confiram direitos ao particular, ou declarem situações preexistentes,
entre outros.
1
É o poder que o Estado tem de constituir, unilateralmente, obrigações para terceiros,
com extravasamento dos seus próprios limites. Da mesma forma que ocorre
relativamente à presunção de legitimidade (e em decorrência dela), os atos
revestidos de imperatividade podem, em princípio, ser imediatamente impostos
aos particulares a partir de sua edição, mesmo que estejam sendo questionados
administrativa ou judicialmente quanto à sua validade, salvo nas hipótese de
recurso administrativo que tenha efeito suspensivo, ou de decisão judicial que
suste ou impeça a aplicação do ato.
1.3.
Autoexecutoriedade – Atos autoexecutórios são os que podem ser materialmente
implementados pela administração, diretamente, inclusive mediante o uso da
força, se necessária, sem que a administração precise obter autorização
judicial prévia. Entenda-se bem: a autoexecutoriedade nunca afasta a apreciação
judicial do ato; apenas dispensa a administração de obter ordem judicial prévia
para poder praticá-lo. Aliás, nada impede até mesmo o controle judicial prévio
de um ato executório, desde que provocado pelo particular que seria o
destinatário do ato. Se o particular, com antecedência, souber que a
administração praticará determinado ato autoexecutório, pode conseguir no
Judiciário uma liminar impedindo sua prática, desde que demonstre a potencial
ilegalidade do ato que seria praticado. O que nunca é necessário no ato autoexecutório
é que a administração, previamente, procure o Poder Judiciário para ser
autorizado a praticá-lo.
Não
é atributo presente em todos os atos administrativos. Os atos autoexecutórios mais
comuns são os atos de polícia, como a apreensão de mercadorias entradas ou
encontradas no País irregularmente, a retirada dos moradores de um prédio que
ameaça desabar, a demolição desse mesmo prédio, a destruição de alimentos
impróprios para o consumo encontrados numa prateleira de supermercado, a demolição
de obras clandestinas que ponham em risco a segurança da população, a
dissolução de uma passeata etc. Exemplo tradicional de ato não revestido de
autoexecutoriedade é a cobrança de multa, quando resistida pelo particular.
Nesses casos, em que o particular se recusa a pagar, a administração somente pode
haver a quantia a ela devida mediante uma ação judicial de cobrança, denominada
execução fiscal, ou seja, não pode a administração obter por meios próprios,
sem a interveniência do Poder Judiciário, o valor a ela devido.
Segundo
importantes administrativistas, a autoexecutoriedade está presente em duas
situações:
a)
quando a lei expressamente a prevê; e
b)
em situações de urgência, quando for necessária a adoção imediata de medida
destinada a evitar um prejuízo maior para o interesse público.
1.4.
Tipicidade – Para a Professora Maria Sylvia Di Pietro, a tipicidade “é o
atributo pelo qual o ato administrativo deve corresponder a figuras definidas
previamente pela lei como aptas a produzir determinados resultados”. O
fundamento desse atributo é a segurança jurídica, representando uma garantia
para o administrado. Na prática, essa exigência de que haja um ato específico
para cada medida que se pretenda adotar não é observada, de maneira nenhuma, na
administração pública brasileira; não obstante, a tipicidade é usualmente
mencionada pela doutrina como um atributo dos atos administrativos.
1.5.
Exigibilidade – A Administração Pública aplica sanções (coerção indireta) sem a
necessidade de ordem judicial. EX.: Uma multa de trânsito. N1 – Término.
N2
– Início
2.0.
EXTINÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS
O
ato administrativo em vigor permanecerá no mundo jurídico até que algo capaz de
alterar esta situação lhe aconteça. Uma vez publicado, esteja eivado de vícios
ou não, terá vigência e deverá ser cumprido, em respeito ao atributo da
presunção de legitimidade, até que ocorra formalmente o seu desfazimento.
O
desfazimento do ato administrativo poderá ser resultante do reconhecimento de
sua ilegitimidade, de vícios na sua formação, ou poderá simplesmente advir da
desnecessidade de sua existência, isto é, mesmo legítimo, o ato pode tornar-se
desnecessário e pode ser declarada inoportuna ou inconveniente a sua manutenção.
Poderá, ainda, resultar da imposição de um ato sancionatório ao particular que deixou
de cumprir com os requisitos exigidos para a manutenção do ato.
Dessa
distinção surge a noção de revogação, anulação e cassação, espécies do gênero
desfazimento do ato administrativo.
2.1.
Anulação – A anulação deve ocorrer quando há vício no ato, relativo à
legalidade ou legitimidade (ofensa à lei ou ao direito como um todo). É sempre
um controle de legalidade, nunca um controle de mérito.
Esse
vício de legalidade ou legitimidade pode ser sanável ou não. Quando for
insanável, a anulação é obrigatória; quando for sanável, o ato pode ser anulado
ou convalidado (a convalidação é ato discricionário, privativo da
administração).
Tanto
atos vinculados quanto atos discricionários são passíveis de anulação. O que
nunca existe é anulação de um ato discricionário por questão de mérito
administrativo, ou seja, a esfera do mérito não é passível de controle de
legalidade; significa dizer que um ato nunca pode ser anulado por ser considerado
inoportuno ou inconveniente.
Como
a anulação retira do mundo jurídico atos com defeito de validade (atos
inválidos), ela retroage seus efeitos ao momento da prática do ato (ex tunc).
Dessa forma, todos os efeitos produzidos pelo ato devem ser desconstituídos. O
ato inválido não gera direitos ou obrigações para as partes e não cria situações
jurídicas definitivas; ademais, caso se trate de um ato nulo, não é possível
sua convalidação.
Devem,
entretanto, serem resguardados os efeitos já produzidos em relação aos
terceiros de boa-fé. Isso não significa que o ato nulo gere direito adquirido.
Não há direito adquirido à produção de efeitos de um ato nulo. O que ocorre é
que os efeitos já produzidos até a data da anulação, perante terceiros de boa-fé,
não serão desfeitos.
A
anulação pode ser feita pela administração, de ofício ou mediante provocação,
ou pelo Poder Judiciário, mediante provocação. Na esfera federal, o artigo 54
da Lei 9.784/1999 estabelece em cinco anos o prazo para anulação de atos administrativos
ilegais, quando os efeitos do ato forem favoráveis ao administrado, salvo comprovada
má-fé (o ônus da prova, nesse caso, é da administração).
2.2.
Revogação – Revogação é a retirada do mundo jurídico, de um ato válido, mas que
segundo critério discricionário da administração, tornou-se inoportuno ou
inconveniente. A revogação tem fundamento no poder discricionário. Ela somente
se aplica aos atos discricionários. A
revogação é, em si, um ato discricionário, uma vez que decorre exclusivamente
de critério de oportunidade e conveniência. A revogação somente produz efeitos
prospectivos, para frente (ex nunc), porque o ato revogado era válido, não
tinha vício nenhum. Além disso, devem ser respeitados os direitos adquiridos. A
revogação é ato privativo da administração pública que praticou o ato revogado.
O Poder Judiciário jamais pode revogar um ato administrativo editado pelo Poder
Executivo ou pelo Poder Legislativo. O poder de revogação da administração
pública sofre uma série de restrições. De fato, existem determinadas situações,
seja pela natureza do ato praticado, seja em razão dos efeitos por ele já produzidos,
que são insuscetíveis de modificação pela administração, com base em critérios
de conveniência ou oportunidade. São as hipóteses de atos irrevogáveis ou
situações em que a revogação não é cabível, decorrentes das limitações ao poder
de revogar.
São
insuscetíveis de revogação:
a)
os atos consumados, que exauriram seus efeitos (a impossibilidade de revogá-los
decorre de uma questão lógica, uma vez que, sendo a revogação prospectiva, ex
nunc, não faz sentido revogar um ato que não tem mais nenhum efeito a
produzir);
b)
os atos vinculados, porque não comportam juízo de oportunidade e conveniência;
c)
os atos que já geraram direitos adquiridos (CF, art. 5o, XXXVI);
d)
os atos que integram um procedimento, porque, sendo o procedimento
administrativo uma sucessão ordenada de atos, a cada ato praticado passa-se a
uma nova etapa do procedimento, ocorrendo a preclusão administrativa relativamente
à etapa anterior, ou seja, torna-se incabível uma nova apreciação do ato
anterior quanto ao seu mérito;
e)
os atos denominados pela doutrina “meros atos administrativos”, que
simplesmente declaram situações preexistentes, a exemplo de uma certidão ou um
atestado.
Também
não é cabível a revogação quando já se exauriu a competência da autoridade que
editou determinado ato. Por exemplo, se uma pessoa apresentou recurso administrativo
contra uma decisão proferida em um processo administrativo, e o recurso já está
sendo apreciado pela instância superior, a autoridade que praticou o ato
recorrido não mais poderá revogá-lo, porque já está exaurida sua competência
nesse processo. Por fim, é oportuno lembrar que tanto a revogação de atos administrativos
quanto a anulação destes pela própria administração pública são decorrências do
denominado poder de autotutela administrativa, consagrado em nosso ordenamento
jurídico desde a edição da Súmula 473 do STF, cujo enunciado estabelece:
473
– A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que
os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por
motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e
ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. Não obstante tratar-se de
um verdadeiro poder-dever da administração pública, cumpre ressaltar que nossa
Corte Suprema entende que o exercício da autotutela administrativa, quando
implique desfazimento de atos administrativos que afetem interesse do administrado,
modificando desfavoravelmente uma situação jurídica, deve ser precedido da instauração
de procedimento no qual se dê a ele oportunidade de contraditório, isto é, de
apresentar alegações que eventualmente demonstrem ser indevido o desfazimento
do ato (RE 594.296 MG).
2.3.
Cassação – A cassação é a extinção do ato administrativo quando o seu
beneficiário deixa de cumprir os requisitos que deveria permanecer atendendo,
como exigência para a manutenção do ato e de seus efeitos. No mais das vezes, a
cassação funciona como uma sanção para aquele particular que deixou de cumprir
as condições exigidas para a manutenção de um determinado ato. Por exemplo, a cassação de uma licença para
construir, concedida pelo poder público sob determinadas condições previstas em
lei, na hipótese de o particular vir a descumprir tais condições; a cassação de
uma licença para o exercício de certa profissão, quando o profissional incorrer
numa das hipóteses em que a lei autorize essa medida.
2.4.
Outras formas de extinção dos atos administrativos: A anulação, a revogação e a cassação são
classificadas como formas do chamado desfazimento volitivo, resultante da
manifestação expressa da autoridade com competência para desfazer o ato. Há, porém,
formas de extinção do ato administrativo que independem de manifestação
expressa relativa ao ato extinto, ou mesmo que independem de qualquer
manifestação ou declaração. Enumeramos as principais delas a seguir:
A
extinção natural desfaz um ato administrativo pelo mero cumprimento normal de
seus efeitos. Por exemplo, uma permissão de uso concedida por dois meses será
extinta, naturalmente, no termo final desse prazo.
A
extinção subjetiva ocorre quando há o desaparecimento do sujeito que se beneficiou
do ato. Por exemplo, uma autorização para o porte de arma para o particular
extingue-se com o seu falecimento.
A
extinção objetiva se dá quando desaparece o próprio objeto do ato praticado. Em
razão de um ato superveniente, o ato fica sem objeto, desfazendo-se. Por exemplo,
o ato de interdição de um estabelecimento é desfeito se este vem a ser extinto
pela empresa de que ele fazia parte.
A
caducidade acontece quando uma nova legislação impede a permanência da situação
anteriormente consentida pelo poder público. Surge uma nova norma jurídica que
contraria aquela que respaldava a prática do ato. O ato, que passa a contrariar
a nova legislação, extingue-se. O Prof. José dos Santos Carvalho Filho cita o
seguinte exemplo: “uma permissão para uso de bem público; se, supervenientemente,
é editada lei que proíbe tal uso privativo por particular, o ato anterior, de
natureza precária, sofre caducidade, extinguindo-se”.
Por
fim, cabe citar a contraposição, na qual um ato, emitido com fundamento em uma
determinada competência, extingue outro ato, anterior, editado com base em competência
diversa, ocorrendo a extinção porque os efeitos daquele são opostos ao deste. O
ato anterior será extinto pelo ato superveniente cujos efeitos são a ele
contrapostos. O exemplo dado pela Professora Maria Sylvia Di Pietro é a
exoneração, que tem efeitos contrapostos aos da nomeação (o ato de nomeação é
extinto automaticamente pelo ato de exoneração, sem que seja necessário
praticar um terceiro ato, afirmando que ficou “cancelada”, ou que se tornou
“sem efeitos” a nomeação do servidor exonerado).
3.
CONVALIDAÇÃO DE ATOS ADMINISTRATIVOS
Para
os atos administrativos, a regra geral é os vícios de legalidade ou
legitimidade acarretarem sua nulidade. Por outras palavras, como regra, a
inobservância de qualquer dos elementos ou requisitos de validade dos atos
administrativos implica considerar o ato nulo, sendo, nesses casos, obrigatória
a sua anulação, pela administração pública, de ofício ou provocada, ou pelo
Poder Judiciário, desde que provocado. Algumas poucas hipóteses de vícios de
legalidade, entretanto, dão origem a atos meramente anuláveis, isto é, atos que, a critério da administração
pública, poderão ser anulados ou convalidados.
Convalidar
um ato é “corrigi-lo”, “regularizá-lo”, desde a origem (ex tunc), de tal sorte
que: (a) os efeitos já produzidos passem a ser considerados efeitos válidos,
não passíveis de desconstituição; e (b) esse ato permaneça no mundo jurídico
como um ato válido, apto a produzir efeitos regulares.
A
convalidação de atos administrativos, na esfera federal, está inteiramente
disciplinada no artigo 55 da Lei 9.784/1999, cuja redação é:
Art.
55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público
nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão
ser convalidados pela própria Administração. Temos, portanto, as seguintes
condições para que um ato possa ser convalidado: (i) defeito sanável; (ii) o
ato não acarretar lesão ao interesse público; (iii) o ato não acarretar
prejuízo a terceiros.
Os
defeitos sanáveis são:
a)
vícios relativos à competência quanto à pessoa (não quanto à matéria), desde
que não se trate de competência exclusiva;
b)
vício de forma, desde que a lei não considere a forma elemento essencial à
validade daquele ato. Uma observação
faz-se oportuna: a Lei 9.784/1999 não emprega, em nenhum ponto, a expressão
“atos anuláveis”. A doutrina administrativista, entretanto, frequentemente
utiliza a expressão “atos anuláveis” como sinônimo de “atos com defeitos
sanáveis”, ou seja, atos passíveis de convalidação expressa.
A
Lei 9.784/1999 trata a convalidação como um ato discricionário: “os atos que
apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria
Administração”. Além disso, a lei trata a convalidação como ato privativo da
administração (isso é evidente, uma vez que só a própria administração pode praticar
atos discricionários, exatamente porque eles dependem de juízo privativo de
conveniência e oportunidade administrativas).
A
convalidação pode recair sobre atos vinculados ou discricionários, uma vez que
não se trata de controle de mérito, e sim de controle de legalidade, relativo a
vícios sanáveis verificados nos elementos competência ou forma (caso se
tratasse de controle de mérito, teria que recair sobre os elementos motivo e
objeto; ademais, o controle de mérito só pode acarretar a revogação de um ato;
o controle de mérito não é, em nenhuma hipótese, uma escolha entre anular e
convalidar um ato).
É
oportuno lembrar que o artigo 54 da Lei 9.784/1999, aplicável no âmbito
federal, estipula o prazo decadencial de cinco anos para a administração
pública anular atos ilegais favoráveis ao administrado, salvo comprovada má-fé.
Passado esse prazo sem que ocorra a anulação, ela não mais poderá fazê-lo,
ainda que se trate de vício insanável.
Ora,
como o ato, depois da decadência do direito de anulá-lo, permanecerá no mundo
jurídico produzindo efeitos que passarão a ser considerados válidos desde
sempre, pode-se afirmar que ocorreu a sua convalidação. Note-se, porém, que,
nesse caso, não há um ato de convalidação, e sim, uma omissão do poder público
cujo resultado é impedir a anulação de um ato inicialmente viciado, acarretando
a sua manutenção no mundo jurídico como se fora um ato válido e eficaz.
Alguns
juristas não admitem que se chame de convalidação a hipótese em que um ato com
vício insanável permanece operante por ter ocorrido a decadência do direito de
anulá-lo. Tais autores chamam a essa situação estabilização ou consolidação do
ato administrativo e reservam o termo “convalidação” para os casos em que um
ato expresso – e não uma omissão associada ao decurso de prazo – corrige o
defeito de um ato que tenha sido inicialmente praticado com vício sanável, regularizando-o
desde a origem.
Convém
observar que a Lei 9.784/1999 realmente não emprega o vocábulo “convalidação”
para se referir à regra de decadência do direito de anular atos ilegais
constante de seu artigo 54 – mas também não usa a palavra estabilização ou
convalidação; simplesmente fala em decadência do direito de anular.
De
toda sorte, importante é ter em mente que os fundamentos gerais dessa norma são
os princípios da segurança jurídica e da proteção à boa-fé e à confiança legítima.
E que, não obstante, o STF já decidiu pela inaplicabilidade do art. 54 da Lei
9.784/1999 a atos administrativos que contrariem flagrantemente a Constituição
Federal (MS 28.279/DF).
Estes
podem ser anulados a qualquer tempo, isto é, a anulação de tais atos não está
sujeita a prazo extintivo – eles nunca podem ser “estabilizados” ou
“convalidados por decurso de prazo” (conforme a denominação que se prefira
adotar).
Conteúdo
extraído do livro: ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de direito
Administrativo
Descomplicado. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.
Direto
Administrativo II – Apostila VII
Direto Administrativo II – Apostila VII
ANULAÇÃO
Artigo 55 da Lei 9.784/1999
Diferenças entre: a anulação, a revogação e a
convalidação de atos administrativos.
ANULAÇÃO
– Retirada de atos inválidos, com vício, ilegais. Opera retroativamente,
resguardados os efeitos já produzidos perante terceiros de boa-fé. Pode ser
efetuada pela administração, de ofício ou provocada, ou pelo judiciário se
provocado. Pode incidir sobre atos vinculados e discricionários, exceto sobre o
mérito administrativo. A anulação de ato com vício insanável é um ato
vinculado. A anulação de ato com vício sanável que fosse passível de
convalidação é um ato discricionário.
REVOGAÇÃO
– Retirada de atos válidos, sem qualquer vício. Efeitos prospectivos; não é
possível revogar atos que já tenham gerado direitos adquiridos. Só pode ser
efetuada pela própria administração que praticou o ato. Só incide sobre atos
discricionários (não existe revogação de ato vinculado). A revogação é um ato
discricionário.
CONVALIDAÇÃO
– Correção de atos com vícios sanáveis, desde que tais atos não tenham
acarretado lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros. Opera
retroativamente. Corrige o ato, tornando regulares os seus efeitos, passados e
futuros. Só pode ser efetuada pela própria administração que praticou o ato.
Podem incidir sobre atos vinculados e discricionários. A convalidação é um ato
discricionário. Em tese, a administração pode optar por anular o ato, mesmo que
ele fosse passível de convalidação.
Direito
Administrativo II Apostila 8
INTERVENÇÃO
DO ESTADO NA PROPRIEDADE PRIVADA
O
Estado brasileiro fundado pela Constituição de 1988 tem índole marcadamente
social. A Carta vigente, de forma explícita e implícita, determina ou autoriza
diversas formas de intervenção do Estado na propriedade privada (há casos, não
muito comuns, em que o Estado pode intervir também em propriedade pública, por
exemplo, quando a União desapropria um bem público de um município).
Com
efeito, logo no seu art. 5o - no qual estão enumerados os mais relevantes
direitos e garantias fundamentais do nosso ordenamento jurídico -, a
Constituição da República assegura o direito individual à propriedade (inciso
XXII), mas desde já, expressamente, condiciona o exercício desse direito ao atendimento
da função social da propriedade (CF, art. 5o, XXIII). E, nos dois incisos
seguintes, prevê a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por
interesse social, observado o procedimento que a lei estabeleça (inciso XXIV),
e a requisição de propriedade particular por autoridade administrativa, no caso
de iminente perigo público (inciso XXV).
Ainda
exemplificando, no §2o de seu artigo 182, a Constituição, ao cuidar da política
urbana, preceitua:
§2o
A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. Assim, o
legislador constituinte deixou expresso que o atendimento da função social da
propriedade urbana está condicionado à observância das regras estabelecidas no plano
diretor do município. Se não for atendida a função social da propriedade
urbana, nos termos traçados no plano diretor, a própria
Constituição
já confere aos municípios poderes de intervenção na propriedade particular, a
fim de obrigar o proprietário a providenciar a sua adequada utilização. Caso
não sejam observadas as exigências do município, tem ele o poder de impor o
parcelamento ou a edificação compulsórios do solo, ou ainda, em caso extremo,
de promover a desapropriação com indenização em títulos públicos (CF, art. 182,
§4.o).
Na
mesma toada, o texto constitucional estabelece condições mínimas para que se
considere atendida a função social da propriedade rural (art. 186), autorizando
a União a desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o
imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, com indenização
Por
fim, cabe citar o §1o do art. 216, que impõe ao poder público a proteção do
patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância,
tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
Enfim,
o Estado (todos os entes da Federação) dispõe de uma grande quantidade de
instrumentos jurídicos – todos eles lastreados em seu poder de império – passíveis
de utilização para o cumprimento do seu dever constitucional de assegurar que a
propriedade cumpra a sua função social. Em geral, esses instrumentos implicam
limitações ou condicionamentos ao exercício dos poderes inerentes ao domínio
(uso, fruição, disposição e reivindicação), hipóteses a que a doutrina se
refere como “intervenção restritiva”. Especificamente no caso da
desapropriação, entretanto, não se tem apenas uma limitação, e sim a perda da
propriedade, que é transferida, de regra, para o domínio público. A
desapropriação, por esse motivo, é classificada como “intervenção supressiva”
(José dos Santos Carvalho Filho).
É
importante ressaltar que nem todas as formas de intervenção do Estado na
propriedade estão expressamente previstas em disposições constitucionais. Há
hipóteses tratadas somente em leis administrativas. Ademais, a disciplina
detalhada das diversas modalidades de intervenção sempre estará contida em
leis, gerais ou específicas, regulamentadas, no mais das vezes, em diversos
atos de natureza meramente administrativa (expedidos nos termos e limites das
leis a que se refiram).
Ao
afirmar que “a propriedade atenderá a sua função social” (art. 5o, XXIII), a
Carta Política de 1988 respalda também formas de intervenção na propriedade não
explicitamente nela descritas, observados, evidentemente, o devido processo
legal e outros direitos e garantias fundamentais pertinentes. Aliás, o Código
Civil, reforçando essa exigência constitucional, estabelece que “o direito de
propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas
e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido
em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico
e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das
águas” (art. 1.228, § 1.o).
Principais
hipóteses de intervenção do Estado na propriedade, tanto as expressamente
previstas no texto constitucional, quanto as estabelecidas tão somente em leis
administrativas:
1.
SERVIDÃO ADMINISTRATIVA
Servidão
administrativa é o direito real público que autoriza o poder público a usar da
propriedade imóvel para permitir a execução de obras e serviços de interesse
coletivo.
É
a servidão administrativa um ônus real, incidente sobre um bem particular, com
a finalidade de permitir uma servidão pública.
Embora
a regra seja a instituição de servidão administrativa sobre imóvel particular,
nada impede que, em situações especiais, possa ela incidir sobre bem público (a
União pode instituir servidão sobre bens estaduais e municipais).
Não
há uma disciplina normativa específica para as servidões administrativas; a
base legal para sua instituição é o art. 40 do Decreto-lei 3.365/1941, que, ao
cuidar da desapropriação por utilidade pública, prescreve que “o expropriante
poderá constituir servidões, mediante indenização na forma desta lei”. Por força
desse dispositivo, aplicam-se ao procedimento de servidão as regras para a
desapropriação por utilidade pública, no que couber.
A
instituição de servidão administrativa não é ato administrativo autoexecutório.
A servidão administrativa somente se constitui mediante acordo ou sentença
judicial.
A
servidão administrativa implica, tão somente, o direito de uso pelo poder público
de imóvel alheio, para o fim de prestação de serviços públicos. Não há perda da
propriedade pelo particular, como ocorre na desapropriação. Por esse motivo, a
indenização, se houver, não será pela propriedade do imóvel, mas sim pelos
danos ou prejuízos que o uso dessa propriedade pelo poder público efetivamente
causar ao imóvel.
A
regra, portanto, é o não cabimento de indenização por parte do Estado. Se o uso
da propriedade particular pelo poder público não provocou prejuízo ao
proprietário, não se há de cogitar indenização. Só o exame de cada caso
concreto é que permitirá avaliar se haverá ou não direito a indenização. Se
houver prejuízo, deverá o proprietário ser indenizado em montante equivalente ao
respectivo prejuízo; se não houver prejuízo, a administração nada terá que
indenizar. O ônus da prova cabe ao proprietário: a ele cabe provar o prejuízo;
não o fazendo, presume-se que a servidão não produziu qualquer prejuízo.
São
exemplos de servidão administrativa: a instalação de redes elétricas, de redes
telefônicas e a implantação de gasodutos e oleodutos em áreas privadas para a
execução de serviços públicos; a colocação em prédios privados de placas e
avisos para a população, como nome de ruas etc.
2,
REQUISIÇÃO
Requisição
é o instrumento de intervenção estatal mediante o qual, em situação de perigo
público iminente, o Estado utiliza bens móveis, imóveis ou serviços
particulares, com indenização ulterior, se houver dano.
CF,
art. 5o, XXV – no caso de iminente perigo público, a autoridade competente
poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização
ulterior, se houver dano;
A
requisição administrativa pode ser civil ou militar. A requisição militar objetiva
o resguardo da segurança interna e a manutenção da soberania nacional, diante
de conflito armado, comoção intestina etc.; a requisição civil visa a evitar
danos à vida, à saúde e aos bens da coletividade, diante de inundação, incêndio,
sonegação de gêneros de primeira necessidade, epidemias, catástrofes etc.
Presente
a situação de perigo iminente, a requisição pode ser decretada de imediato, sem
necessidade de prévia autorização judicial. O ato administrativo que formaliza
a requisição é autoexecutório, não depende de qualquer apreciação judicial
prévia.
A
requisição é instituto de natureza transitória: sua extinção ocorre tão logo
desapareça a situação de perigo público iminente que justificou a sua
instituição. Vale frisar que só haverá indenização se ficar comprovada a
existência de dano – e a indenização, quando houver, será sempre posterior ao
ato de requisição.
3.
OCUPAÇÃO TEMPORÁRIA
Ocupação
temporária é a forma de intervenção pela qual o poder público usa
transitoriamente imóveis privados, como meio de apoio à execução de obras e
serviços públicos.
Ocorre,
usualmente, quando a administração tem necessidade de ocupar terreno privado
para nele depositar equipamentos e materiais destinados à realização de obras e
serviços públicos nas cercanias.
A instituição da ocupação temporária dá-se por
meio da expedição de ato pela autoridade administrativa competente, que deverá
fixar, desde logo, e se for o caso, a justa indenização devida ao proprietário
do imóvel ocupado. É ato autoexecutório, que não depende de apreciação prévia
do Poder Judiciário.
A
extinção da ocupação temporária dá-se com a conclusão da obra ou serviço pelo
poder público – a propriedade privada deve ser desocupada tão logo esteja
concluída a atividade pública que deu causa à ocupação.
Na
ocupação temporária, a indenização é também condicionada à ocorrência de
prejuízo ao proprietário. Em princípio não haverá indenização alguma, mas esta
deverá ocorrer se o uso do bem particular acarretar prejuízo ao seu
proprietário. Exemplos: A ocupação temporária de terrenos de particulares
contíguos a estradas (em construção ou reforma), para a guarda de máquinas,
equipamento e materiais que estejam sendo empregados na obra.
Em
períodos de eleições, ou em campanhas de vacinação pública, o poder público,
para a realização das atividades correspondentes, costuma se utilizar de
escolas, clubes e outros estabelecimentos privados.
4.
LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS
Limitações
administrativas são determinações de caráter geral, por meio das quais o Poder
Público impõe a proprietários indeterminados obrigações de fazer ou deixar de
fazer alguma coisa, com a finalidade de assegurar que a propriedade atenda sua
função social.
As
limitações administrativas ao uso da propriedade particular são expressas em
leis e regulamentos de todos os entes federados, conforme as competências de
cada qual.
As
limitações administrativas derivam do poder de polícia administrativa – em
sentido amplo, pois envolvem atividade normativa (edição de leis e
regulamentos). Elas se exteriorizam em imposições unilaterais e imperativas,
sob a modalidade positiva (fazer), negativa (não fazer), ou permissiva
(permitir fazer). No primeiro caso, o particular fica obrigado a realizar o que
a administração lhe impõe; no segundo, deve-se se abster de fazer algo; no
terceiro, deve permitir que se faça alguma coisa em sua propriedade.
As
limitações administrativas devem ser gerais, dirigidas a propriedades
indeterminadas. Não há indenização, ou seja, as limitações administrativas são
sempre gratuitas (para o poder público).
Essas
limitações podem atingir não só a propriedade imóvel e seu uso como quaisquer
outros bens e atividades particulares que tenham implicações com o bem-estar
social, com os bons costumes, com a segurança e a saúde da coletividade, com o
sossego e a higiene da cidade e até mesmo com a estética urbana.
Em
síntese, as limitações administrativas são restrições gerais e gratuitas
impostas por leis e regulamentos a propriedades particulares indeterminadas, em
benefício da coletividade. Exemplos: a obrigação de observar o recuo de alguns
metros das construções em terrenos urbanos; a proibição de desmatamento de
parte de área de floresta em cada propriedade rural; a obrigação imposta aos
proprietários de efetuarem limpeza de terrenos; a proibição de construir além
de determinado número de pavimentos imposta pelo plano diretor do município
etc.
Tombamento
é a modalidade de intervenção na propriedade por meio da qual o poder público
procura proteger o patrimônio cultural brasileiro.
No
tombamento, o Estado intervém na propriedade privada para proteger a memória
nacional, protegendo bens de ordem histórica, artística, arqueológica,
cultural, científica, turística e paisagística. A maioria dos bens tombados é
de imóveis de valor arquitetônico de épocas passadas em nossa história. É comum,
também, o tombamento de bairros ou até mesmo de cidades, quando retratam
aspectos culturais do passado. O tombamento pode, ainda, recair sobre bens
móveis.
A
Constituição Federal estabelece, expressamente, a autorização para essa
modalidade de intervenção na propriedade, nos seguintes termos (CF, art. 216,
§1.o):
O
Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio
cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento
e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
O
tombamento é sempre resultante de vontade expressa do poder público,
manifestado por ato administrativo do Poder Executivo.
A
competência para legislar sobre a proteção do patrimônio histórico, cultural,
artístico, turístico e paisagístico é concorrente entre a União, os estados e o
Distrito Federal (CF, art. 24, VII). A legislação federal e estadual poderá, no
que couber, ser suplementada pela legislação municipal, por força do art. 30,
II, da Constituição Federal.
Ademais,
por força do art. 30, IX, da Carta Política, cabe também ao município a
competência para promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local,
observadas a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.
É
imprescindível para o ato de tombamento a existência de processo administrativo,
com observância do princípio constitucional do devido processo legal, no qual
se assegure ao proprietário o direito ao contraditório e à ampla defesa, no
intuito de que este possa comprovar, se for o caso, a inexistência de relação
entre o bem a ser tombado e a proteção ao patrimônio cultural.
O
ato de tombamento gera alguns relevantes efeitos no que concerne ao uso e à
alienação do bem tombado. Efetivados o tombamento e a respectiva inscrição no
Ofício de Registro de Imóveis respectivo, surgem os seguintes efeitos:
a)
é vedado ao proprietário, ou ao titular de eventual direito de uso, destruir,
demolir ou mutilar o bem tombado;
b)
o proprietário somente poderá reparar, pintar ou restaurar o bem após a devida
autorização do Poder Público;
c)
o proprietário deverá conservar o bem tombado para mantê-lo dentro de suas
características culturais; se não dispuser de recursos para proceder às
necessárias obras de conservação e de restauração, deverá obrigatoriamente
comunicar o fato ao órgão que decretou o tombamento, o qual poderá mandar
executá-las as suas expensas;
d)
independentemente de solicitação do proprietário, pode o poder público, no caso
de urgência, tomar a iniciativa de providenciar as obras de conservação;
e)
no caso de alienação do bem tombado, o poder público tem direito de
preferência;
f)
o tombamento do bem não impede o proprietário de gravá-lo por meio de penhor,
anticrese ou hipoteca;
g)
não há obrigatoriedade de o poder público indenizar o proprietário do imóvel no
caso de tombamento.
ALEXANDRINO,
Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de Direito Administrativo Descomplicado. 6 ed.
Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.
Direito Administrativo II Apostila 9
DESAPROPRIAÇÃO
Desapropriação
é o procedimento de direito público pelo qual o poder público transfere para si
a propriedade de terceiro, por razões de utilidade pública, de necessidade pública,
ou de interesse social, normalmente mediante o pagamento de justa e prévia
indenização.
Ao
contrário das demais formas de intervenção na propriedade estudadas, em que o
poder público apenas condicionava o uso da propriedade, na desapropriação o objetivo
da atuação estatal é a transferência do bem desapropriado para o acervo do
expropriante.
A
doutrina classifica a desapropriação como forma originária de aquisição da
propriedade, porque não provém de nenhum título anterior, e, por isso, o bem
expropriado torna-se insuscetível de reivindicação e libera-se de quaisquer
ônus que sobre ele incidissem precedentemente, ficando eventuais credores
sub-rogados no preço.
A
desapropriação é efetivada mediante um procedimento administrativo, na maioria
das vezes, acompanhado de uma fase judicial. Esse procedimento tem início com a
fase administrativa, em que o poder público declara seu interesse na
desapropriação e dá início às medidas visando à transferência do bem. Se houver
acordo entre o poder público e o proprietário do bem, o que é raro, o
procedimento esgota-se nessa fase. Na ausência de acordo, o procedimento entra
na fase judicial, em que o magistrado solucionará a controvérsia.
PRESSUPOSTOS
a)
a utilidade pública ou a necessidade pública;
b)
o interesse social.
Ocorre
a utilidade pública quando a transferência do bem para o poder público é
conveniente, embora não seja imprescindível. Exemplo: a desapropriação de um
imóvel para a construção de uma escola.
A
necessidade pública decorre de situações de emergência, cuja solução exija a
desapropriação do bem.
Na
necessidade pública, faz-se necessária a transferência urgente de bens de
terceiros para o poder público. Exemplo: a desapropriação imediata de estoques
de alimentos para enfrentar efeitos de uma situação de calamidade pública.
As
hipóteses de desapropriação por interesse social são aquelas em que mais se
realça a exigência de que a propriedade atenda a sua função social. A
expropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária é o caso típico
(mas não o único) de desapropriação por interesse social, pois tem a finalidade
de assegurar que o uso da terra atenda sua função social.
AUTORIZAÇÃO
CONSTITUCIONAL
1)
Regra geral - A regra matriz do instituto da desapropriação está no art. 5o,
XXIV, da Constituição Federal, que assim dispõe:
XXIV
– a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade
pública, ou por interesse social mediante “justa e prévia indenização em
dinheiro”, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;
Além
dessa regra geral, contemplada no art. 5o, XXIV, da Carta Política, temos ainda
no texto constitucional outras três previsões específicas de desapropriação:
2)
Desapropriação urbanística – Essa hipótese está no art. 182, § 4o, III, da
Constituição Federal. Possui caráter sancionatório e pode ser aplicada ao
proprietário de solo urbano que não atenda à exigência de promover o adequado
aproveitamento de sua propriedade, nos termos do plano diretor do município. O
expropriante, nessa hipótese, será o município, segundo as regras gerais de
desapropriação estabelecidas em lei federal. A indenização será mediante títulos
da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com
prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas,
assegurados o valor da indenização e os juros legais.
3)
Desapropriação rural – Está prevista no art. 184 da Constituição Federal.
Incide sobre imóveis destinados à reforma agrária. Cuida-se em verdade, de
desapropriação por interesse social com finalidade específica (reforma
agrária), incidente sobre imóveis rurais que não estejam cumprindo sua função
social. O expropriante nessa hipótese é exclusivamente a União, e a indenização
será em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real,
resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão,
e cuja utilização será definida em lei.
Requisitos
para cumprimento da função social:
a)
aproveitamento racional e adequado;
b)
utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio
ambiente;
c)
observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
d)
exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Por
outro lado a Constituição considera insuscetíveis de desapropriação para fins
de reforma agrária (CF, art. 185):
a)
a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu
proprietário não possua outra;
b)
a propriedade produtiva.
O
STF já deixou assente que, a classificação da propriedade segundo a extensão,
visando a desapropriação para fins de reforma agrária, não podem ser excluídas as
parcelas inaproveitáveis do imóvel rural, a exemplo das áreas de preservação
permanente (MS 25.066/DF). Sem prejuízo dessa orientação, cabe observar que,
para determinar a classificação da propriedade como produtiva ou improdutiva,
não são computadas, evidentemente, as áreas em que não se possa produzir.
É
relevante enfatizar que, sejam quais forem as suas dimensões, a propriedade
produtiva não está sujeita à desapropriação para fins de reforma agrária (pode
ser objeto de outra espécie de desapropriação), mas nesse caso, integralmente
paga em dinheiro, que é a regra para as desapropriações ordinárias. Além da
vedação à sua desapropriação para fins de reforma agrária, diz o parágrafo
único do art. 185 da Constituição que “a lei garantirá tratamento especial á
propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos
relativos à sua função social”.
4)
Desapropriação confiscatória - Está prevista no artigo 243 da Constituição
Federal. Essa espécie não assegura ao proprietário nenhum direito a indenização,
sempre devida nas demais hipóteses de desapropriação. A desapropriação
confiscatória incide sobre glebas de qualquer região do País onde forem
localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas, que serão, após a
transferência de propriedade, destinadas ao assentamento de colonos, para cultivo
de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao
proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas na lei.
O
STF já decidiu que a desapropriação confiscatória deve recair sobre a totalidade
da área do imóvel, mesmo que a cultura ilegal ocupe apenas uma pequena parte da
sua área. Por outras palavras, a expropriação de glebas a que se refere o art.
243 da Constituição deve abranger toda a propriedade, e não apenas a área
efetivamente cultivada (RE 543.974/MG).
As
regras constitucionais sobre desapropriação são completadas por meio de algumas
leis específicas, a saber: Decreto-lei 3.365/1941 (lei geral da desapropriação,
que cuida especificamente da desapropriação por utilidade pública); Lei
4.132/1962 (desapropriação por interesse social); Lei 8.257/1991
(desapropriação confiscatória); Lei 8.629/1993 (desapropriação rural); LC
76/1993 (desapropriação rural para fins de reforma agrária).
BENS
DESAPROPRIÁVEIS
Como
regra a desapropriação pode ter por objeto qualquer espécie de bem susceptível
de valoração patrimonial. O bem a ser desapropriado pode ser móvel ou imóvel, corpóreo
ou incorpóreo. Admite-se que a desapropriação incida sobre: o espaço aéreo, o
subsolo, as ações, as quotas ou direitos de qualquer sociedade etc.
Os
bens imóveis, entretanto, só podem ser desapropriados por um ente federado em
cujo território estejam situados. Um estado não pode desapropriar bens imóveis
localizados no território de outro estado e um município não pode desapropriar
bens imóveis situados no território de outro município.
Essa
restrição, evidentemente, não se aplica à União, que pode desapropriar bens em
qualquer ponto do território nacional.
Há
bens que não podem ser desapropriados. São exemplos a moeda corrente do País
(pois ela é o próprio meio em que comumente se paga a indenização pela desapropriação)
e os chamados direitos personalíssimos, tais como a honra, a liberdade e a
cidadania.
São
insuscetíveis de desapropriação, segundo a jurisprudência de nossa Corte
Suprema, as margens dos rios navegáveis (Súmula 479 do STF).
Também
não é cabível a desapropriação de pessoas jurídicas, pois estas são sujeitos de
direitos, e não objetos. Dessa forma, embora vulgarmente se diga que uma
determinada entidade foi desapropriada, a afirmação incorre em imprecisão
técnica, porque o que se desapropria são os bens ou os direitos representativos
do capital dessa pessoa jurídica.
Os
bens públicos pertencentes às entidades políticas podem ser objeto de desapropriação,
mas devem ser observadas as restrições vazadas no § 2o do art. 2o do
Decreto-Lei 3.365/1941, dispositivo que nossa jurisprudência entende compatível
com a Constituição de 1988:
§
2o Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios
poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas,
em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa.
São,
portanto, dois os requisitos para a desapropriação de bens públicos
pertencentes aos entes da Federação:
1o)
que a desapropriação se dê dos entes federados de nível territorial mais
abrangente para os de nível territorial menos abrangente; e
2o)
que exista lei, editada pelo ente federado que procederá à desapropriação,
autorizando que ela o faça.
COMPETÊNCIA
Competência
Legislativa - A competência para legislar sobre desapropriação é privativa da
União, nos termos do art. 22, II, da Constituição. Essa competência privativa,
porém, poderá ser delegada aos estados e ao Distrito Federal, para a disciplina
de questões específicas, desde que a delegação seja efetivada por meio de lei
complementar (CF, art. 22, parágrafo único).
Competência
Declaratória - A competência para declarar a necessidade ou utilidade pública
ou o interesse social do bem, com vistas à futura desapropriação, é da União,
dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Entretanto, há um caso de
desapropriação por interesse social em que a competência para a sua declaração
é privativa da União: a hipótese de desapropriação por interesse social para o
fim específico de promover a reforma agrária (CF, art. 184). Vale repetir,
somente para a reforma agrária a competência declaratória é privativa da União;
nos demais casos de desapropriação, ainda que por interesse social, a competência
para a declaração é de todos os entes federados.
Competência
Executória – A competência para promover efetivamente a desapropriação, providenciando
todas as medidas e exercendo as atividades que culminarão na transferência da propriedade,
é mais ampla, alcançando, além das entidades da administração direta e
indireta, os agentes delegados do poder público, como as concessionárias e
permissionárias de serviços públicos.
Portanto,
além da União, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e das entidades
da administração indireta desses entes políticos (autarquias, fundações públicas,
sociedades de economia mista e empresas públicas), as concessionárias e
permissionárias de serviços públicos, pessoas privadas, podem executar a
desapropriação, figurando no processo com todas as prerrogativas, direitos, obrigações,
deveres e respectivos ônus, inclusive o relativo ao pagamento da indenização.
A
indenização deve ser prévia, justa e em dinheiro. São esses os princípios
aplicáveis à indenização na desapropriação: precedência, justiça e
pecuniariedade.
Para
ser justa, a indenização deverá abranger não só o valor atual do bem
expropriado, como também os danos emergentes e os lucros cessantes decorrentes
da perda da propriedade, além dos juros moratórios e compensatórios, da
atualização monetária, das despesas judiciais e dos honorários advocatícios.
Não
obstante, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública, serão
deduzidas, dos valores depositados pelo expropriante, as dívidas fiscais quando
inscritas e ajuizadas. Serão também deduzidas, dos referidos valores, as multas
decorrentes de inadimplemento e de obrigações fiscais. A discussão acerca dos
valores inscritos ou executados será realizada em ação própria. (DL 3.365/1941,
art. 32, § 3o).
Embora
a regra geral seja a prévia e justa indenização em dinheiro, há certas
exceções: A primeira delas é a desapropriação para fins de reforma agrária, na
qual a indenização é feita em títulos da dívida agrária, com cláusula de
preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do
segundo ano de sua emissão (CF, art. 184).
A
segunda exceção é a desapropriação para fins urbanísticos, aplicável ao
proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que se
recuse a promover o seu adequado aproveitamento.
Nessa
hipótese, a indenização é feita em títulos da dívida pública de emissão
previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos,
em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da
indenização e os juros legais (CF, art. 182, § 4o, III).
Finalmente,
temos a desapropriação confiscatória, prevista no art. 243 da Constituição
Federal, que se consuma sem o pagamento de qualquer indenização ao
proprietário.
DESAPROPRIAÇÃO
INDIRETA
Desapropriação
indireta é o fato administrativo por meio do qual o Estado se apropria de bem
particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização
prévia.
Na
desapropriação indireta, repudiada pela doutrina, o Estado apropria-se de bem
particular sem o devido processo legal: não declara o bem como de interesse
público e não paga a justa e prévia indenização. Exemplo: a apropriação de
áreas privadas pela administração pública para a abertura de estradas sem processo
pertinente e sem o prévio pagamento de indenização.
O
fundamento legal para a desapropriação indireta está no artigo 35 do
Decreto-lei 3.365/1941, que caracteriza o denominado “fato consumado”, nos
seguintes termos:
“Art.
35. Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser
objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação.
Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos.”
Pode
ser também traduzida a figura do “fato consumado” gerador da desapropriação
indireta: ocorrendo a incorporação fática de um bem ao patrimônio público,
mesmo sendo nulo (ou inexistente) o processo de desapropriação, o proprietário
não terá o direito ao retorno do bem ao seu patrimônio; em vez de postular o
retorno do bem a sua propriedade, só poderá postular em juízo reparação pelas
perdas e danos causados pelo expropriante.
A
ação deve ser proposta no foro do local do imóvel e, uma vez julgado
procedente, não afastará, de forma alguma, o direito de propriedade da administração
pública sobre o bem. A sentença se limitará a condenar o Estado a indenizar o
ex proprietário pelos prejuízos ocasionados pela desapropriação total.
DIREITO
DE EXTENSÃO
Direito
de extensão é o direito do expropriado de exigir que a desapropriação e a
respectiva indenização alcancem a totalidade do bem, quando o remanescente
resultar esvaziado de seu conteúdo econômico.
O
direito de extensão surge no caso de desapropriação parcial, quando a parte não
expropriada do bem fica prática ou efetivamente inútil, inservível, sem valor
econômico, ou de difícil utilização. Para que não fique apenas com a
propriedade dessa parte inservível, requer o proprietário que a desapropriação
(e a consequente indenização) seja estendida a todo o bem, convertendo-se a
desapropriação parcial em desapropriação total.
O
direito de extensão deve ser pleiteado pelo expropriado durante as fases:
administrativa ou judicial do procedimento de desapropriação. Não se admite o
pedido após o término da desapropriação.
Tredestinação
é a destinação desconforme com o plano inicialmente previsto no ato
expropriatório. Na tredestinação, o poder público desiste dos fins da
desapropriação e transfere a terceiro o bem desapropriado ou pratica desvio de
finalidade, permitindo que terceiro se beneficie de sua utilização.
Seria
o caso de o poder público desapropriar certa área para a construção de uma
escola e, de fato, em vez de efetivar esse fim administrativo, conceder
permissão para que certa empresa utilize tal área para outros fins. Nesse caso,
resulta configurada a tredestinação ilícita, resultante de desvio de
finalidade, em que a desapropriação deve ser considerada nula.
A
doutrina aponta, também, a hipótese de tredestinação lícita em que, mantida a
finalidade de interesse público, o poder público expropriante dá ao bem
desapropriado destino diverso daquele inicialmente planejado. É o caso, por
exemplo, de o Estado desapropriar uma área para a construção de uma escola e,
dado o interesse público superveniente, vir a construir no local um hospital.
Conforme já deixou assente o STJ, “se ao bem expropriado for dada destinação
que atende ao interesse público, ainda que diversa da inicialmente prevista no
decreto expropriatório, não há desvio de finalidade” (REsp 968.414/SP). Nessa
hipótese, não há o que se falar em ilicitude.
A
retrocessão está disciplinada no art. 519 do Código Civil nos seguintes termos:
Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública,
ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não
for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de
preferência, pelo preço atual da coisa.
A
retrocessão surge quando há desinteresse superveniente do poder público pelo
bem que desapropriou: o expropriante passa a ter a obrigação de oferecer ao exproprietário
o bem desapropriado para que ele, desejando, exerça o direito de preferência,
pelo valor atual do bem, caso em que este será a ele devolvido. Também surge
para o expropriado o direito à retrocessão quando ocorre a denominada tredestinação
ilícita. Na hipótese de não ser possível o retorno do bem ao domínio do expropriado,
a obrigação do Estado e o direito do expropriado resolvem-se em perdas e danos.
A
retrocessão não deve ser confundida com a desistência da desapropriação: a
desistência da desapropriação ocorre antes da incorporação do bem ao patrimônio
do poder público, antes de efetivada a transferência da propriedade do bem;
aquela (a retrocessão) surge depois de já concluído o processo de desapropriação,
após a transferência da propriedade do bem, por motivo de desinteresse público
ALEXANDRINO,
Marcelo; PAULO, Vicentino. Resumo de Direito Administrativo. 6 ed. Rio de
Janeiro: Forense;
São
Paulo: Método, 2013.