segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

DIREITO ADMINISTRATIVO II - TODA A MATÉRIA DO SEMESTRE PARA A TURMA DO 7º PERÍODO QUE INICIA 2015, VARGAS DIGITADOR - 8º PERÍODO

DIREITO ADMINISTRATIVO II – Professor Emerson Tinoco - Toda a matéria de N1 e N2 para a Turma do 7º período que se inicia em 1º semestre de 2015 – com exercícios correspondentes a ambas as provas. Divirtam-se – VARGAS DIGITADOR – 8º período. - FAMESC - BJI

DIR. ADMINISTRATIVO II

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO I

Em nosso ordenamento jurídico, um ato praticado por uma pessoa pode acarretar consequências, essencialmente em três esferas distintas. Na esfera penal, se o ato for tipificado em lei como crime ou contravenção. Na esfera administrativa, se o ato caracterizar infração a normas administrativas (funcionais, contratuais ou de polícia). Na esfera cível, se o ato acarretar dano patrimonial, ou dano moral. Regra geral, as esferas são independentes entre si e as sanções previstas em cada uma podem ser aplicadas cumulativamente (por exemplo, um ato de corrupção passiva pode acarretar a prisão do culpado, sua demissão e o dever de indenizar o Estado). Há hipóteses, entretanto, em que a esfera penal, e só ela, pode produzir consequências nas outras esferas.

A responsabilidade civil, também denominada de responsabilidade extracontratual, decorre de condutas (comissivas ou omissivas) que causem dano patrimonial, dano moral, ou ambos. A responsabilidade civil sempre se esgota com a indenização do dano.

A moderna teoria do órgão público sustenta que as condutas praticadas por agentes públicos, no exercício de suas atribuições, devem ser imputadas ao Estado. Assim, quando o agente público atua, considera-se que o Estado atuou.

Nesse contexto, é natural que o Estado responde pelos prejuízos patrimoniais causados pelos agentes públicos e particulares, em decorrência do exercício da função administrativa.

Levando em conta a natureza patrimonial dos prejuízos ensejadores dessa reparação, conclui-se que tal responsabilidade é civil. A responsabilidade é extracontratual por vincular-se a danos sofridos em relações jurídicas de sujeição geral.

Assim, o tema responsabilidade do Estado investiga o dever estatal de ressarcir particulares por prejuízos civis e extracontratuais experimentados em decorrência de ações ou omissões de agentes públicos no exercício da função administrativa. Os danos indenizatórios podem ser materiais, morais ou estéticos.

O tema é disciplinado pelo artigo 37, parágrafo 6o, da Constituição Federal: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Três fases:

1) Teoria da Irresponsabilidade Estatal (até 1873)

A Teoria da irresponsabilidade do Estado era própria dos Estados absolutistas nos quais a vontade do Rei tinha força de lei. Assim, a exacerbação da ideia de soberania impedia admitir que os súditos pudessem pleitear indenizações por danos decorrentes da atuação governamental. Em grande parte, essa situação resultou da então concepção politicoteológica que sustentava a origem divina do poder.

O grande evento que motivou a superação da teoria da irresponsabilidade foi a decisão de 8 de fevereiro de 1873, tomada pelo Tribunal de Conflitos na França, conhecida como Aresto Blanco.

O Tribunal de Conflitos é o órgão da estrutura francesa que decide se uma causa vai ser julgada pelo Conselho de Estado ou pelo Poder Judiciário. Em 8 de fevereiro de 1873, sob a relatoria do conselheiro David, o Tribunal de Conflitos analisou o caso da menina Agnès Blanco que, brincando nas ruas da cidade de Bordeaux, foi atingida por um pequeno vagão da Companhia Nacional de Manufatura de Fumo. O pai da criança entrou com ação de indenização fundada na ideia de que o Estado é civilmente responsável pelos prejuízos causados a terceiros na prestação de serviços públicos. O Aresto Blanco foi o primeiro posicionamento definitivo favorável à condenação do Estado por danos decorrentes do exercício das atividades administrativas. Por isso, o ano de 1873 pode ser considerado o divisor de águas entre o período da irresponsabilidade estatal e a fase da responsabilidade subjetiva.

Atualmente, não há mais nenhum caso de país ocidental que ainda adote a teoria da irresponsabilidade.

2) Teoria da Responsabilidade Subjetiva (1874 até 1946)

A Teoria da responsabilidade subjetiva foi a primeira tentativa de explicação a respeito do dever estatal de indenizar particulares por prejuízos decorrentes da prestação de serviços públicos.

Indispensável para a admissibilidade da responsabilidade estatal foi uma nova concepção política chamada de teoria do fisco. A teoria do fisco sustentava que o Estado possuía dupla personalidade: uma pessoa soberana, infalível, encarnada na figura do monarca e, portanto, insuscetível a condenação indenizatória; e outra, pessoa exclusivamente patrimonial, denominada “fisco”, capaz de ressarcir particulares por prejuízos decorrentes da atuação de agentes públicos.

A visão “esquizofrênica” da dupla personalidade estatal foi decisiva para, num primeiro momento, conciliar a possibilidade de condenação da Administração e a noção de soberania do Estado.

A teoria subjetiva estava apoiada na lógica do direito civil na medida em que, o fundamento da responsabilidade é a noção de culpa. Daí a necessidade de a vítima comprovar, para receber a indenização, a ocorrência simultânea de quatro requisitos:

a) ato;
b) dano;
c) nexo causal;
d) culpa ou dolo.

Assim, para a teoria subjetiva é sempre necessário demonstrar que o agente público atuou com intenção de lesar (dolo), com culpa, erro, falta do agente, falha, atraso, negligência, imprudência, imperícia.

Embora tenha representado grande avanço em relação ao período anterior, a teoria subjetiva nunca se ajustou perfeitamente às relações de direito público diante da hipossuficiência do administrado frente ao Estado. A dificuldade da vítima em comprovar judicialmente a ocorrência da culpa ou dolo do agente público prejudicava a aplicabilidade e o funcionamento prático da teoria subjetiva.

Foi necessário desenvolver uma teoria adaptada às peculiaridades da relação desequilibrada entre o Estado e o administrado. Entretanto, excepcionalmente, a teoria subjetiva ainda é aplicável no direito público brasileiro, em especial quanto aos danos por omissão e na ação regressiva.

3) Teoria da Responsabilidade Objetiva (1947 até hoje)

Mais apropriada à realidade do Direito Administrativo a teoria objetiva, afasta a necessidade de comprovação de culpa ou dolo do agente público e fundamenta o dever de indenizar na noção de risco administrativo (art. 527, § único, do Código Civil). Quem presta um serviço público assume o risco dos prejuízos que eventualmente causar, independentemente da existência de culpa ou dolo. Assim, a responsabilidade prescinde de qualquer investigação quanto ao elemento subjetivo.

A doutrina costuma afirmar que a transição para a teoria publicista deveu-se à concepção de culpa administrativa, teoria que representou uma adaptação da visão civilista à realidade da Administração Pública.

Via de regra, a adoção da teoria objetiva transfere o debate sobre culpa ou dolo para a ação regressiva a ser intentada pelo Estado contra o agente público, após a condenação estatal na ação indenizatória.

Para a teoria objetiva, o pagamento da indenização é efetuado somente após a comprovação, pela vítima, de três requisitos:

a) ato;
b) dano;
c) nexo causal.

Ao invés de indagar sobre a falta do serviço, como ocorreria com a teoria subjetiva, a teoria objetiva exige apenas um fato do serviço, causador de danos ao particular.

A teoria objetiva baseia-se na ideia de solidariedade social, distribuindo entre a coletividade os encargos decorrentes de prejuízos especiais que oneram determinados particulares. É por isso, também, que a doutrina associa tal teoria às noções de partilha de encargos e justiça distributiva.

Duas correntes internas disputam a primazia quanto ao modo de compreensão da responsabilidade objetiva: a teoria do risco integral e a teoria do risco administrativo.

Teoria do Risco Integral

É uma variante radical da responsabilidade objetiva, sustentando que a comprovação de ato, dano e nexo é suficiente para determinar a condenação estatal em qualquer circunstância, sempre que o Estado causar prejuízo a particulares, sem qualquer excludente. Embora seja a visão mais favorável à vítima, o caráter absoluto dessa concepção produz injustiça, especialmente diante de casos em que o dano é produzido em decorrência de ação deliberada da própria vítima. Não há notícia de nenhum país moderno cujo direito positivo tenha adotado o risco integral como regra geral aplicável à responsabilidade do Estado, jamais tendo sido adotada entre nós. Sua admissibilidade transformaria o Estado em verdadeiro indenizador universal.

A teoria do risco integral, entretanto, é aplicável no Brasil em situações excepcionais:

a) acidente de trabalho (infortunística): nas relações de emprego público, a ocorrência de eventual acidente de trabalho impõe ao Estado o dever de indenizar em quaisquer casos, aplicando-se a teoria do risco integral;

b) indenização coberta pelo seguro obrigatório para automóveis (DPVAT): o pagamento de indenização do DPVAT é efetuado mediante simples prova do acidente e do dano decorrente, independentemente da existência de culpa, haja ou não resseguro, abolida qualquer franquia de responsabilidade do segurado (art. 5o da Lei n. 6.194/74);

c) atentados terroristas em aeronaves: por força do disposto nas Leis n. 10.309/2001 e n. 10.744/2003, a União assumiu despesas de responsabilidade civil perante terceiros na hipótese de ocorrência de danos a bens e pessoas, passageiros ou não, provocados por atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, ocorridos no Brasil ou no exterior, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público, excluídas as empresas de táxi-aéreo (art. 1o. Da Lei n. 10.744/2003). Tecnicamente, trata-se de uma responsabilidade estatal por ato de terceiro, mas que se sujeita à teoria do risco integral porque não prevê excludentes ao dever de indenizar. A curiosa Lei n. 10.744/2003 foi uma resposta do governo brasileiro à crise no setor de aviação civil após os atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos. O objetivo dessa assunção de responsabilidade foi reduzir o valor dos contratos de seguro obrigatórios para companhias aéreas e que foram exorbitantemente majorados após o 11 de Setembro;

d) dano ambiental: por força do art. 225, §§ 2o e 3o, da Constituição Federal, há quem sustente que a reparação de prejuízos ambientais causados pelo Estado seria submetida à teoria do risco integral. Porém, considerando a posição majoritária entre os jusambientalistas, é mais seguro defender em concursos a aplicação da teoria do risco administrativo para danos ambientais;

e) dano nuclear: assim como ocorre com os danos ambientais, alguns administrativistas têm defendido a aplicação da teoria do risco integral para reparação de prejuízos decorrentes da atividade nuclear, que constitui monopólio da União (art. 177, V, da CF). Entretanto, a Lei de Responsabilidade Civil por Danos Nucleares – Lei n. 6.653/77, prevê diversas excludentes que afastam o dever de o operador nuclear indenizar prejuízos decorrentes de sua atividade, tais como: culpa exclusiva da vítima, conflito armado, atos de hostilidade, guerra civil, insurreição e excepcional fato da natureza (art. 6o e 8o). Havendo excludentes previstas diretamente na legislação, impõem-se a conclusão de que a reparação de prejuízos nucleares, na verdade sujeita-se à teoria do risco administrativo.

Teoria do Risco Administrativo

O direito positivo brasileiro, com as exceções acima mencionadas, adota a responsabilidade objetiva na variação teoria do risco administrativo. Menos vantajosa para a vítima do que a do risco integral, a teoria do risco administrativo reconhece excludentes da responsabilidade estatal. Excludentes são circunstâncias que, ocorrendo, afastam o dever de indenizar. São três:

a) culpa exclusiva da vítima: ocorre culpa exclusiva da vítima quando o prejuízo é consequência da intenção deliberada do próprio prejudicado. São casos em que a vítima utiliza a prestação do serviço público para causar dano a si própria. Exemplos: suicídio em estação do Metrô; pessoa que se joga na frente de viatura para ser atropelada.

Diferente é a solução para o caso da culpa concorrente, em que a vítima e o agente público provocam, por culpa recíproca, a ocorrência do prejuízo. Nesses casos, fala-se em concausas. Exemplo: acidente de trânsito causado porque a viatura e o carro do particular envolvem ao mesmo tempo a pista alheia. Nos casos de culpa concorrente, a questão se resolve com a produção de provas periciais para determinar o maior culpado. A maior culpa, desconta-se a menor, realizando um processo denominado compensação de culpas. A culpa concorrente não é excludente da responsabilidade estatal, como ocorre com a culpa exclusiva da vítima. Na verdade, a culpa concorrente é fator de mitigação ou causa atenuante da responsabilidade. Diante da necessidade de discussão sobre culpa ou dolo, nos casos de culpa concorrente aplica-se a teoria subjetiva;

b) força maior: é um acontecimento involuntário, imprevisível e incontrolável que rompe o nexo de causalidade entre a ação estatal e o prejuízo sofrido pelo particular. Exemplo: erupção de vulcão que destrói vila de casas. Já no caso fortuito, o dano é decorrente de ato humano ou de falha da Administração. Exemplo: rompimento de adutora. O caso fortuito não exclui a responsabilidade estatal;

c) culpa de terceiro: ocorre quando o prejuízo pode ser atribuído a pessoa estranha aos quadros da Administração Pública. Exemplo: prejuízo causado por atos de multidão. Mas, no dano provocado por multidão, o Estado responde se restar comprovada sua culpa.

A doutrina indaga sobre o impacto que as excludentes causam sobre os requisitos da teoria objetiva. Predomina o entendimento de que culpa exclusiva da vítima, força maior e culpa de terceiro são excludente da causalidade, rompendo o nexo causal entre a conduta e o resultado lesivo.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO II

Art. 37, § 6o, da CF e a teoria da imputação volitiva de Otto Gierke.

A CF de 1988 adotou expressamente a teoria da imputação volitiva de Otto Gierke ao afirmar no art. 37, § 6o, que as pessoas jurídicas respondem pelos danos que seus agentes “nessa qualidade” causarem a terceiros.

A adoção dessa teoria, implica três consequências principais:

1) Impede a propositura de ação indenizatória diretamente contra a pessoa física do agente se o dano foi causado no exercício da função pública (precedente do STF: RE 327.907/SP);

2) Impossibilita a responsabilização civil do estado se o dano foi causado pelo agente público fora do exercício da função pública. Exemplo: policial de folga que atira no vizinho;

3) Autoriza a utilização das prerrogativas do cargo somente nas condutas realizadas pelo agente durante o exercício da função pública. Desse modo, as prerrogativas funcionais não são dadas intuitu personae, não acompanham a pessoa do agente público o dia todo, para onde ele for. Fora do horário do expediente, no trânsito, em casa, o agente está temporariamente desacompanhado das prerrogativas especiais decorrentes da sua função pública, sob pena de cometer excesso de poder ou desvio de finalidade.

As cinco teorias decorrentes do art. 37, § 6o, da CF

O art. 37, § 6o, da CF/88 é o fundamento normativo de cinco teorias fundamentais em matéria de responsabilidade do Estado.

a) Teoria da responsabilidade objetiva do Estado: na referência aos termos “agentes”, “danos” e “causarem” residem os três requisitos da teoria objetiva, que fundamenta a responsabilidade estatal: ato, dano e nexo causal;

b) Teoria da imputação volitiva de Otto Gierke: ao dizer que as pessoas jurídicas responderão pelos danos que seus agentes “nessa qualidade” causarem a terceiros, o dispositivo adota expressamente a teoria de Gierke;

c) Teoria do risco administrativo: a Constituição optou pela adoção de uma variante moderada da responsabilidade estatal: a teoria do risco administrativo. Tal teoria reconhece excludentes do dever de indenizar, como culpa exclusiva da vítima, força maior e culpa de terceiros;

d) Teoria da responsabilidade subjetiva do agente: a responsabilidade pessoal do agente público, apurada na ação regressiva, pressupõe a comprovação de culpa ou dolo, sendo por isso subjetiva e não objetiva;

e) Teoria da ação regressiva como dupla garantia: surgida no âmbito da jurisprudência do STF (RE 327.904/SP), tal teoria afirma que a ação regressiva (Estado x agente) representa garantia em favor:

1) do Estado: pois se o dano foi causado durante o exercício da função pública, o STF não admite que o agente seja diretamente acionado pela vítima ao propor ação indenizatória.

FUNDAMENTOS DO DEVER DE INDENIZAR

O dever estatal de indenizar particulares por danos causados por agentes públicos encontra dois fundamentos: legalidade e igualdade.

Quando o ato lesivo for ilícito, o fundamento do dever de indenizar é o princípio da legalidade, violado pela conduta praticada em desconformidade com a legislação.

No caso, porém de ato lícito causar prejuízo especial a particular, o fundamento para o dever de indenizar é a igual repartição dos encargos sociais, ideia derivada do princípio da isonomia.

CARACTERÍSTICA DO DANO INDENIZÁVEL

De acordo com a doutrina, para que o dano seja indenizável deve possuir duas características: ser anormal e específico.

Dano anormal é aquele que ultrapassa os inconvenientes naturais e esperados da vida em sociedade. Isso porque o convívio social impõe certos desconfortos considerados normais e toleráveis, não ensejando o pagamento de indenização a ninguém. Exemplo de dano normal: funcionamento de feira livre em rua residencial.

Considera-se dano específico aquele que alcança destinatários determinados, ou seja, que atinge um indivíduo ou uma classe delimitada de indivíduos. Por isso, se o dano for geral, afetando difusamente a coletividade, não surge o dever de indenizar. Exemplo de dano geral: aumento no valor da tarifa de ônibus.

Presentes os dois atributos, considera-se que o dano é antijurídico, produzindo o dever de pagamento de indenização pela Fazenda Pública.

RESPONSABILIDADE POR ATOS LÍCITOS

Para configuração da responsabilidade estatal é irrelevante a licitude ou ilicitude do ato lesivo, bastando que haja um prejuízo decorrente de ação ou omissão de agente público para que surja o dever de indenizar. Em regra, os danos indenizáveis derivam de condutas contrárias ao ordenamento. Porém, há situações em que a Administração Pública atua em conformidade com o direito e, ainda assim, causa prejuízo a particulares. São os danos decorrentes de atos lícitos e que também produzem o dever de indenizar. Exemplo: obras para asfaltamento de rua diminuindo a clientela de estabelecimento comercial.

Se o prejuízo for causado em decorrência de obra pública, o Estado é responsável pelo ressarcimento integral do dano, aplicando-se a teoria objetiva. Entretanto, se a lesão patrimonial decorreu de culpa exclusiva do empreiteiro contratado pelo Estado para a execução da obra, é o empreiteiro que detém a responsabilidade primária, devendo ser acionado diretamente pela vítima com a aplicação da teoria subjetiva, respondendo o Estado em caráter subsidiário.

DANOS POR OMISSÃO

Quando o Estado deixa de agir e, devido a tal inação, não consegue impedir um resultado lesivo. Nessa hipótese, fala-se em dano por omissão. Os exemplos envolvem prejuízos decorrentes de assalto, enchente, bala perdida, queda de árvore, buraco na via pública e bueiro aberto sem sinalização causando dano a particular. Tais casos têm em comum a circunstância de inexistir um ato estatal causador do prejuízo.

A doutrina tradicional sempre entendeu que nos danos por omissão a indenização é devida se a vítima comprovar que a omissão produziu o prejuízo, aplicando-se a teoria objetiva. Entretanto, Celso Antônio Bandeira de Mello sustenta há vários anos que os danos por omissão submetem-se à teoria subjetiva. Atualmente, é também o entendimento adotado pelo STF (RE 179.147) e pela doutrina majoritária.

RELAÇÕES DE CUSTÓDIA

Quanto aos danos causados a pessoas e bens submetidos a relações de sujeição especial, conhecidas também como relações de custódia, a responsabilidade do Estado é mais acentuada do que nas relações de sujeição geral, à medida que o ente público tem o dever de garantir a integridade das pessoas e bens custodiados. Por isso, a responsabilidade estatal é objetiva inclusive quanto a atos de terceiros.Os exemplos mais comuns são: o preso morto na cadeia por outro detento; a criança vítima de briga dentro da escola pública; bens privados danificados em galpão da Receita Federal.

Cabe, porém, advertir que a responsabilidade estatal é objetiva na modalidade do risco administrativo, razão pela qual a culpa exclusiva da vítima e a força maior excluem o dever de indenizar. Assim, por exemplo, o preso assassinado na cadeia por outros detentos durante rebelião gera dever de o Estado indenizar a família. Entretanto, se a morte teve causas naturais (força maior) ou foi proveniente de suicídio (culpa exclusiva da vítima), não há dever de indenizar.

Quanto ao fato de terceiro, não constitui excludente da responsabilidade nos casos de custódia, em razão do mais acentuado dever de vigilância e de proteção atribuído ao Estado nessas relações de sujeição especial.

AÇÃO INDENIZATÓRIA

Todo aquele que for patrimonialmente lesado por conduta omissiva ou comissiva de agente público pode pleitear administrativa ou judicialmente a devida reparação. Na esfera administrativa, o pedido de ressarcimento pode ser formulado à autoridade competente, que instaurará processo administrativo para apuração da responsabilidade e tomada de decisão sobre o pagamento da indenização. Mais comum, entretanto, é a opção pela via judicial por meio da propositura da ação indenizatória. Ação indenizatória é aquela proposta pela vítima contra a pessoa jurídica à qual o agente público causador do dano pertence.

DENUNCIAÇÃO À LIDE

Indaga-se sobre a possibilidade, ou não, de o Poder Público chamar o agente causador do dano para integrar a demanda indenizatória. O fundamento da denunciação é o art. 70, III do CPC: “A denunciação da lide é obrigatória: (...) III – àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda”.

A denunciação da lide é visivelmente prejudicial aos interesses da vítima à medida que traz culpa ou dolo do agente público, ampliando o âmbito temático da lide em desfavor da celeridade na solução do conflito.Por essa razão, a doutrina majoritária rejeita a possibilidade de denunciação à lide ao argumento de que a inclusão do debate sobre culpa ou dolo na ação indenizatória representa um retrocesso histórico à fase subjetiva da responsabilidade estatal.

A jurisprudência e os concursos públicos, entretanto, têm admitido a denunciação do agente público à lide como uma faculdade em favor do Estado, o qual poderia decidir sobre a conveniência, ou não, de antecipar a discussão a respeito da responsabilidade do seu agente, evitando com isso a propositura da ação regressiva. Em abono à denunciação da lide, comparecem razões ligadas à economia processual, eficiência administrativa e maior celeridade no ressarcimento dos prejuízos causados aos cofres públicos.

AÇÃO REGRESSIVA

A ação regressiva é proposta pelo Estado contra o agente público causador do dano, nos casos de culpa ou dolo (art. 37, § 6, da CF). Sua finalidade é a apuração da responsabilidade pessoal do agente público. Tem como pressuposto já ter sido o Estado condenado na ação indenizatória proposta pela vítima. Como a CF determina que a ação regressiva é cabível nos casos de culpa ou dolo, impõe-se a conclusão de que a ação regressiva é baseada na teoria subjetiva. Caberá ao autor da ação (entidade estatal) demonstrar a ocorrência dos requisitos ensejadores da responsabilidade do agente: ato, dano, nexo e culpa/dolo.

A inexistência do elemento subjetivo (dolo ou culpa) no caso concreto exclui a responsabilidade do agente público na ação regressiva. Exemplo: acidente de trânsito comprovadamente causado por problemas mecânicos na viatura.

Em razão do princípio da indisponibilidade, a propositura da ação regressiva, quando cabível, é um dever imposto á Administração, e não uma simples faculdade.

São pressupostos para a propositura da ação regressiva:

1) condenação do Estado na ação indenizatória;
2) trânsito em julgado da decisão condenatória (não precisa aguardar o levantamento do precatório);
3) culpa ou dolo do agente;
4) ausência de denunciação da lide na ação indenizatória.

RESPONSABILIDADE DOS CONCESSIONÁRIOS DE SERVIÇOS PÚBLICOS

O art. 2o, III, da Lei n. 8.987/95 define concessão de serviço público: “A delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado”.

A referida norma legal evidencia que o concessionário de serviço público assume a prestação do serviço público “por sua conta e risco”. Assim, a responsabilidade primária pelo ressarcimento de danos decorrentes da prestação é do concessionário, cabendo ao Estado concedente responder em caráter subsidiário.

Além de direta (primária), a responsabilidade do concessionário é objetiva à medida que o pagamento da indenização não depende da comprovação de culpa ou dolo.

O caráter objetivo da responsabilidade dos concessionários decorre do art. 37, § 6o, primeira parte, da CF: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros”.

DANOS CAUSADOS POR AGENTE FORA DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO

Só é possível responsabilizar o Estado por danos causados pelo agente público quando forem causados durante o exercício da função pública. Estando o agente, no momento em que realizou a ação ensejadora do prejuízo, fora do exercício da função pública, seu comportamento não é imputável ao Estado e a responsabilidade será exclusiva e subjetiva do agente. Nesse caso, a ação indenizatória proposta pela vítima contra a pessoa física do agente público prescreve em três anos (art. 206, § 3o, V, do Código Civil).

1. Considere este dispositivo constitucional:

Art. 37, § 6o: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Analise a seguinte sentença que contém duas asserções:

Caso um agente público, nessa qualidade, cause dolosamente dano a terceiro, o Estado responderá, mas o fundamento da responsabilidade civil do Estado não será o art. 37, § 6o, da Constituição Federal,

PORQUE o art. 37, § 6o, da Constituição Federal, trata da responsabilidade objetiva do Estado. É correto afirmar que:

a) as duas asserções estão corretas e a segunda justifica a primeira.
b) as duas asserções estão corretas e a segunda não justifica a primeira.
c) a primeira asserção está correta e a segunda está incorreta.
d) a primeira asserção está incorreta e a segunda está correta.
e) as duas asserções estão incorretas.

2. A teoria do risco integral obriga o Estado a reparar todo e qualquer dano, independentemente de a vítima ter concorrido para o seu aperfeiçoamento.

CERTO            ERRADO

3. Todos os anos, na estação chuvosa, a região metropolitana de determinado município é acometida por inundações, o que causa graves prejuízos a seus moradores. Estudos no local demonstraram que os fatores preponderantes causadores das enchentes são o sistema deficiente de captação de águas pluviais e o acúmulo de lixo nas vias públicas. Considerando essa situação hipotética, julgue os itens subsequentes.

De acordo com a jurisprudência e a doutrina dominante, na hipótese em pauta, caso haja danos a algum cidadão e reste provada conduta omissiva por parte do Estado, a responsabilidade deste será subjetiva.

CERTO ERRADO

4. Determinado cidadão sofreu prejuízos em razão da conduta de agente público federal atuando nessa qualidade. De acordo com a Constituição Federal e com a Lei no 8.112/1990,

a) a União é obrigada a reparar o dano, podendo exercer o direito de regresso em face do servidor somente no caso de comprovada a conduta dolosa do mesmo.
b) a União é obrigada a reparar o dano, respondendo o agente perante esta, em ação regressiva, caso comprovado ato comissivo ou omissivo, doloso ou culposo.
c) a União é obrigada a reparar o dano, desde que comprovada a conduta dolosa ou culposa do agente.
d) o servidor é obrigado a ressarcir a Fazenda Pública, em ação regressiva, sempre que a União for condenada a reparar o dano.
e) o servidor é obrigado a ressarcir a Fazenda Pública, em ação regressiva, somente na hipótese de comprovada conduta comissiva, dolosa ou culposa.

5. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos e seus agentes respondem, solidária e objetivamente, por danos causados a terceiros. PORQUE as empresas públicas prestadoras de serviços públicos são pessoas jurídicas de  direito privado submetidas a regime jurídico híbrido, sendo o regime de responsabilidade civil a elas aplicável fundamentado na teoria do risco administrativo.

Analisando-se as afirmações acima, conclui-se que:

a) as duas afirmações são verdadeiras, e a segunda justifica a primeira.
b) as duas afirmações são verdadeiras, e a segunda não justifica a primeira.
c) a primeira afirmação é verdadeira, e a segunda é falsa.
d) a primeira afirmação é falsa, e a segunda é verdadeira.
e) as duas afirmações são falsas.

6. João, servidor público, conduzia veículo oficial a serviço da Administração federal e envolveu-se em acidente de trânsito do qual resultou prejuízo de grande monta a particular. O particular acionou a União e esta foi condenada a indenizá-lo. De acordo com os dispositivos constitucionais e legais que regem a matéria, o direito de regresso da Administração em face do servidor:

a) independe de comprovação de dolo ou culpa, dada a sua natureza objetiva.
b) é afastado se configurada responsabilidade objetiva do Estado.
c) depende da comprovação de dolo e é afastado no caso de culpa, salvo se configurada inobservância de dever legal.
d) depende da comprovação de conduta dolosa ou culposa, dada a natureza subjetiva da responsabilidade do agente.
e) é sempre possível, em razão da responsabilidade objetiva do agente, salvo quando comprovada culpa exclusiva da vítima ou causas excludentes da ilicitude.

7. A responsabilidade civil do Estado exige três requisitos para a sua configuração: ação atribuível ao Estado, dano causado a terceiros e nexo de causalidade.

 CERTO ERRADO

8. As empresas públicas e as sociedades de economia mista que exploram atividade econômica respondem pelos danos que seus agentes causarem a terceiros conforme as mesmas regras aplicadas à demais pessoas jurídicas de direito privado.

 CERTO ERRADO


1) A correção ou regularização de determinado ato, desde a origem, de tal sorte que os efeitos já  produzidos passem a ser considerados efeitos válidos, não passíveis de desconstituição e esse ato  permaneça no mundo jurídico como ato válido, apto a produzir efeitos regulares, denomina-se

2) Com base na Lei n.o 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal, julgue os itens subsecutivos.

A administração pode anular seus próprios atos por motivo de conveniência ou oportunidade.

CERTO ERRADO

3) A Administração constatou irregularidades em atos de concessão de benefícios salariais a determinados servidores. Nessa situação, de acordo com a Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que  regula o processo administrativo, a Administração.

a) poderá anular o ato, apenas se constatar que o servidor concorreu para a prática da ilegalidade,  assegurado o contraditório e a ampla defesa.

b) não poderá anular o ato, se de tal anulação decorrer a redução dos vencimentos dos servidores.

c) deverá anular o ato, exceto se transcorrido o prazo decadencial de 5 anos.

d) poderá convalidar o ato, apenas em relação aos seus aspectos pecuniários, apurando-se a responsabilidade administrativa pelas concessões irregulares.

e) poderá revogar o ato, caso constatada a ilegalidade da concessão, a critério da autoridade

4) Considere a seguinte hipótese: a Administração Pública aplicou pena de suspensão a determinado  servidor, quando, pela lei, era aplicável a sanção de repreensão. O fato narrado caracteriza:

a) vício na finalidade do ato administrativo e acarretará sua revogação.

b) ato lícito, tendo em vista o poder discricionário da Administração Pública.

c) vício no objeto do ato administrativo e acarretará sua anulação.

d) vício no motivo do ato administrativo, porém não necessariamente constitui fundamento para sua invalidação.

e) mera irregularidade formal, não constituindo motivo para sua anulação.

5) Pedro Luís, servidor público federal, verificou, no ambiente de trabalho, ilegalidade de ato administrativo e decidiu revogá-lo para não prejudicar administrados que sofreriam efeitos danosos em consequência da aplicação desse ato. Nessa situação, a conduta de Pedro Luís está de acordo com o previsto na Lei n.o 9.784/1999.

CERTO            ERRADO

6) Conforme a legislação que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, ao constatar a existência de um ato ilegal, a Administração

a) não poderá anulá-lo, já que a competência para anular atos é do Poder Judiciário.

b) tem o dever de anulá-lo, sem a necessidade de recorrer ao Poder Judiciário.

c) poderá anulá-lo, apenas, se houver pedido do Ministério Público.

d) deverá revogá-lo por conveniência e oportunidade da Administração.

e) poderá punir o funcionário público que o praticou, mas não terá poderes para anular o ato.

7) Determinado servidor público proferiu decisão em procedimento administrativo, conferindo licença de instalação de estabelecimento comercial a particular e, posteriormente, constatou-se que não possuía competência para prática do ato, mas apenas para atuar na fase instrutória do procedimento. O particular não tinha ciência dessa circunstância e deu início ao funcionamento do estabelecimento.
Diante da situação narrada, a decisão,

a) não é convalidável pela autoridade competente, por se tratar de ato vinculado, podendo conceder nova licença, se presentes os requisitos para a sua edição, sem efeitos retroativos.

b) é convalidável pela autoridade competente, se não se tratar de competência privativa ou exclusiva, desde que presentes os pressupostos para sua edição e não haja lesão ao interesse público ou prejuízo a terceiros.

c) é convalidável pela autoridade competente, de acordo com critérios de conveniência e oportunidade, por se tratar de ato discricionário.

d) é convalidável, se presentes os requisitos para a sua edição e não se evidencie prejuízo ao interesse público, não sendo admitida a retroação dos efeitos à data da edição da decisão original.

e) não é convalidável, administrativamente, porém pode ser ratificada, judicialmente, em processo intentado para este fim pelo particular.

8) Sendo a revogação a extinção de um ato administrativo por motivos de conveniência e oportunidade,  é ela, por essência, discricionária.

 CERTO           ERRADO

9) Os atos administrativos do Poder Executivo não são passíveis de revogação pelo Poder Judiciário.

CERTO            ERRADO

10) Por meio da revogação, a administração extingue, com efeitos ex tunc, um ato válido, por motivos  de conveniência e oportunidade, ainda que esse ato seja vinculado.

CERTO            ERRADO

Atos Administrativos – CONTINUAÇÃO...

1. ATRIBUTOS DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

Atributos são qualidades ou características dos atos administrativos. Enquanto os requisitos dos atos administrativos constituem condições que devem ser observadas para a sua válida edição, seus atributos podem ser entendidos como as características inerentes aos atos administrativos.

Os atributos dos atos administrativos descritos pelos principais autores são:

a) presunção de legitimidade;
b) imperatividade;
c) autoexecutoriedade;
e) exigibilidade.

Os atributos imperatividade e autoexecutoriedade são observáveis somente em determinadas espécies de atos administrativos.

1.1. Presunção de legitimidade – A presunção de legitimidade ou presunção de legalidade é o único atributo presente em todos os atos administrativos, quer imponham obrigações, quer reconheçam ou confiram direitos aos administrados.

É uma presunção relativa (juris tantum), ou seja, admite prova em contrário. O fato de ser uma presunção relativa leva à principal consequência desse atributo: o ônus da prova da existência de vício no ato administrativo é de quem alega, ou seja, do administrado.

Por outras palavras, uma vez praticado o ato, ele se presume legítimo e, em princípio, apto a produzir os efeitos que lhes são próprios; incumbe ao administrado a prova de eventual vício no ato, caso pretenda ver afastada a sua aplicação (o administrado terá que obter algum provimento judicial que suspenda a aplicação do ato, ou interpor algum recurso administrativo ao qual a lei atribua efeito. Registramos que a Professora Maria Sylvia Di Pietro desmembra esse atributo em duas facetas, uma relativa ao plano normativo e outra ao plano fático, desta forma:

a) presunção de legitimidade ou legalidade, significando que são corretas a interpretação e a aplicação da norma jurídica pela administração;

b) presunção de veracidade, significando que os fatos alegados pela administração existem, ocorreram, são verdadeiros.

1.2. Imperatividade – Rigorosamente, imperatividade traduz a possibilidade de a administração pública, unilateralmente, criar obrigações para os administrados, ou impor-lhes restrições.

A imperatividade decorre do denominado 1poder extroverso do Estado. É um atributo que não está presente em todos os atos administrativos. Por exemplo, não são imperativos atos que reconheçam ou confiram direitos ao particular, ou declarem situações preexistentes, entre outros.

1 É o poder que o Estado tem de constituir, unilateralmente, obrigações para terceiros, com extravasamento dos seus próprios limites. Da mesma forma que ocorre relativamente à presunção de legitimidade (e em decorrência dela), os atos revestidos de imperatividade podem, em princípio, ser imediatamente impostos aos particulares a partir de sua edição, mesmo que estejam sendo questionados administrativa ou judicialmente quanto à sua validade, salvo nas hipótese de recurso administrativo que tenha efeito suspensivo, ou de decisão judicial que suste ou impeça a aplicação do ato.

1.3. Autoexecutoriedade – Atos autoexecutórios são os que podem ser materialmente implementados pela administração, diretamente, inclusive mediante o uso da força, se necessária, sem que a administração precise obter autorização judicial prévia. Entenda-se bem: a autoexecutoriedade nunca afasta a apreciação judicial do ato; apenas dispensa a administração de obter ordem judicial prévia para poder praticá-lo. Aliás, nada impede até mesmo o controle judicial prévio de um ato executório, desde que provocado pelo particular que seria o destinatário do ato. Se o particular, com antecedência, souber que a administração praticará determinado ato autoexecutório, pode conseguir no Judiciário uma liminar impedindo sua prática, desde que demonstre a potencial ilegalidade do ato que seria praticado. O que nunca é necessário no ato autoexecutório é que a administração, previamente, procure o Poder Judiciário para ser autorizado a praticá-lo.

Não é atributo presente em todos os atos administrativos. Os atos autoexecutórios mais comuns são os atos de polícia, como a apreensão de mercadorias entradas ou encontradas no País irregularmente, a retirada dos moradores de um prédio que ameaça desabar, a demolição desse mesmo prédio, a destruição de alimentos impróprios para o consumo encontrados numa prateleira de supermercado, a demolição de obras clandestinas que ponham em risco a segurança da população, a dissolução de uma passeata etc. Exemplo tradicional de ato não revestido de autoexecutoriedade é a cobrança de multa, quando resistida pelo particular. Nesses casos, em que o particular se recusa a pagar, a administração somente pode haver a quantia a ela devida mediante uma ação judicial de cobrança, denominada execução fiscal, ou seja, não pode a administração obter por meios próprios, sem a interveniência do Poder Judiciário, o valor a ela devido.

Segundo importantes administrativistas, a autoexecutoriedade está presente em duas situações:

a) quando a lei expressamente a prevê; e

b) em situações de urgência, quando for necessária a adoção imediata de medida destinada a evitar um prejuízo maior para o interesse público.

1.4. Tipicidade – Para a Professora Maria Sylvia Di Pietro, a tipicidade “é o atributo pelo qual o ato administrativo deve corresponder a figuras definidas previamente pela lei como aptas a produzir determinados resultados”. O fundamento desse atributo é a segurança jurídica, representando uma garantia para o administrado. Na prática, essa exigência de que haja um ato específico para cada medida que se pretenda adotar não é observada, de maneira nenhuma, na administração pública brasileira; não obstante, a tipicidade é usualmente mencionada pela doutrina como um atributo dos atos administrativos.

1.5. Exigibilidade – A Administração Pública aplica sanções (coerção indireta) sem a necessidade de ordem judicial. EX.: Uma multa de trânsito. N1 – Término.

N2 – Início

2.0. EXTINÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

O ato administrativo em vigor permanecerá no mundo jurídico até que algo capaz de alterar esta situação lhe aconteça. Uma vez publicado, esteja eivado de vícios ou não, terá vigência e deverá ser cumprido, em respeito ao atributo da presunção de legitimidade, até que ocorra formalmente o seu desfazimento.

O desfazimento do ato administrativo poderá ser resultante do reconhecimento de sua ilegitimidade, de vícios na sua formação, ou poderá simplesmente advir da desnecessidade de sua existência, isto é, mesmo legítimo, o ato pode tornar-se desnecessário e pode ser declarada inoportuna ou inconveniente a sua manutenção. Poderá, ainda, resultar da imposição de um ato sancionatório ao particular que deixou de cumprir com os requisitos exigidos para a manutenção do ato.

Dessa distinção surge a noção de revogação, anulação e cassação, espécies do gênero desfazimento do ato administrativo.

2.1. Anulação – A anulação deve ocorrer quando há vício no ato, relativo à legalidade ou legitimidade (ofensa à lei ou ao direito como um todo). É sempre um controle de legalidade, nunca um controle de mérito.

Esse vício de legalidade ou legitimidade pode ser sanável ou não. Quando for insanável, a anulação é obrigatória; quando for sanável, o ato pode ser anulado ou convalidado (a convalidação é ato discricionário, privativo da administração).

Tanto atos vinculados quanto atos discricionários são passíveis de anulação. O que nunca existe é anulação de um ato discricionário por questão de mérito administrativo, ou seja, a esfera do mérito não é passível de controle de legalidade; significa dizer que um ato nunca pode ser anulado por ser considerado inoportuno ou inconveniente.

Como a anulação retira do mundo jurídico atos com defeito de validade (atos inválidos), ela retroage seus efeitos ao momento da prática do ato (ex tunc). Dessa forma, todos os efeitos produzidos pelo ato devem ser desconstituídos. O ato inválido não gera direitos ou obrigações para as partes e não cria situações jurídicas definitivas; ademais, caso se trate de um ato nulo, não é possível sua convalidação.

Devem, entretanto, serem resguardados os efeitos já produzidos em relação aos terceiros de boa-fé. Isso não significa que o ato nulo gere direito adquirido. Não há direito adquirido à produção de efeitos de um ato nulo. O que ocorre é que os efeitos já produzidos até a data da anulação, perante terceiros de boa-fé, não serão desfeitos.

A anulação pode ser feita pela administração, de ofício ou mediante provocação, ou pelo Poder Judiciário, mediante provocação. Na esfera federal, o artigo 54 da Lei 9.784/1999 estabelece em cinco anos o prazo para anulação de atos administrativos ilegais, quando os efeitos do ato forem favoráveis ao administrado, salvo comprovada má-fé (o ônus da prova, nesse caso, é da administração).

2.2. Revogação – Revogação é a retirada do mundo jurídico, de um ato válido, mas que segundo critério discricionário da administração, tornou-se inoportuno ou inconveniente. A revogação tem fundamento no poder discricionário. Ela somente se aplica aos atos discricionários.  A revogação é, em si, um ato discricionário, uma vez que decorre exclusivamente de critério de oportunidade e conveniência. A revogação somente produz efeitos prospectivos, para frente (ex nunc), porque o ato revogado era válido, não tinha vício nenhum. Além disso, devem ser respeitados os direitos adquiridos. A revogação é ato privativo da administração pública que praticou o ato revogado. O Poder Judiciário jamais pode revogar um ato administrativo editado pelo Poder Executivo ou pelo Poder Legislativo. O poder de revogação da administração pública sofre uma série de restrições. De fato, existem determinadas situações, seja pela natureza do ato praticado, seja em razão dos efeitos por ele já produzidos, que são insuscetíveis de modificação pela administração, com base em critérios de conveniência ou oportunidade. São as hipóteses de atos irrevogáveis ou situações em que a revogação não é cabível, decorrentes das limitações ao poder de revogar.

São insuscetíveis de revogação:

a) os atos consumados, que exauriram seus efeitos (a impossibilidade de revogá-los decorre de uma questão lógica, uma vez que, sendo a revogação prospectiva, ex nunc, não faz sentido revogar um ato que não tem mais nenhum efeito a produzir);

b) os atos vinculados, porque não comportam juízo de oportunidade e conveniência;

c) os atos que já geraram direitos adquiridos (CF, art. 5o, XXXVI);

d) os atos que integram um procedimento, porque, sendo o procedimento administrativo uma sucessão ordenada de atos, a cada ato praticado passa-se a uma nova etapa do procedimento, ocorrendo a preclusão administrativa relativamente à etapa anterior, ou seja, torna-se incabível uma nova apreciação do ato anterior quanto ao seu mérito;

e) os atos denominados pela doutrina “meros atos administrativos”, que simplesmente declaram situações preexistentes, a exemplo de uma certidão ou um atestado.

Também não é cabível a revogação quando já se exauriu a competência da autoridade que editou determinado ato. Por exemplo, se uma pessoa apresentou recurso administrativo contra uma decisão proferida em um processo administrativo, e o recurso já está sendo apreciado pela instância superior, a autoridade que praticou o ato recorrido não mais poderá revogá-lo, porque já está exaurida sua competência nesse processo. Por fim, é oportuno lembrar que tanto a revogação de atos administrativos quanto a anulação destes pela própria administração pública são decorrências do denominado poder de autotutela administrativa, consagrado em nosso ordenamento jurídico desde a edição da Súmula 473 do STF, cujo enunciado estabelece:

473 – A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. Não obstante tratar-se de um verdadeiro poder-dever da administração pública, cumpre ressaltar que nossa Corte Suprema entende que o exercício da autotutela administrativa, quando implique desfazimento de atos administrativos que afetem interesse do administrado, modificando desfavoravelmente uma situação jurídica, deve ser precedido da instauração de procedimento no qual se dê a ele oportunidade de contraditório, isto é, de apresentar alegações que eventualmente demonstrem ser indevido o desfazimento do ato (RE 594.296 MG).

2.3. Cassação – A cassação é a extinção do ato administrativo quando o seu beneficiário deixa de cumprir os requisitos que deveria permanecer atendendo, como exigência para a manutenção do ato e de seus efeitos. No mais das vezes, a cassação funciona como uma sanção para aquele particular que deixou de cumprir as condições exigidas para a manutenção de um determinado ato.  Por exemplo, a cassação de uma licença para construir, concedida pelo poder público sob determinadas condições previstas em lei, na hipótese de o particular vir a descumprir tais condições; a cassação de uma licença para o exercício de certa profissão, quando o profissional incorrer numa das hipóteses em que a lei autorize essa medida.

2.4. Outras formas de extinção dos atos administrativos:   A anulação, a revogação e a cassação são classificadas como formas do chamado desfazimento volitivo, resultante da manifestação expressa da autoridade com competência para desfazer o ato. Há, porém, formas de extinção do ato administrativo que independem de manifestação expressa relativa ao ato extinto, ou mesmo que independem de qualquer manifestação ou declaração. Enumeramos as principais delas a seguir:

A extinção natural desfaz um ato administrativo pelo mero cumprimento normal de seus efeitos. Por exemplo, uma permissão de uso concedida por dois meses será extinta, naturalmente, no termo final desse prazo.

A extinção subjetiva ocorre quando há o desaparecimento do sujeito que se beneficiou do ato. Por exemplo, uma autorização para o porte de arma para o particular extingue-se com o seu falecimento.

A extinção objetiva se dá quando desaparece o próprio objeto do ato praticado. Em razão de um ato superveniente, o ato fica sem objeto, desfazendo-se. Por exemplo, o ato de interdição de um estabelecimento é desfeito se este vem a ser extinto pela empresa de que ele fazia parte.

A caducidade acontece quando uma nova legislação impede a permanência da situação anteriormente consentida pelo poder público. Surge uma nova norma jurídica que contraria aquela que respaldava a prática do ato. O ato, que passa a contrariar a nova legislação, extingue-se. O Prof. José dos Santos Carvalho Filho cita o seguinte exemplo: “uma permissão para uso de bem público; se, supervenientemente, é editada lei que proíbe tal uso privativo por particular, o ato anterior, de natureza precária, sofre caducidade, extinguindo-se”.

Por fim, cabe citar a contraposição, na qual um ato, emitido com fundamento em uma determinada competência, extingue outro ato, anterior, editado com base em competência diversa, ocorrendo a extinção porque os efeitos daquele são opostos ao deste. O ato anterior será extinto pelo ato superveniente cujos efeitos são a ele contrapostos. O exemplo dado pela Professora Maria Sylvia Di Pietro é a exoneração, que tem efeitos contrapostos aos da nomeação (o ato de nomeação é extinto automaticamente pelo ato de exoneração, sem que seja necessário praticar um terceiro ato, afirmando que ficou “cancelada”, ou que se tornou “sem efeitos” a nomeação do servidor exonerado).

3. CONVALIDAÇÃO DE ATOS ADMINISTRATIVOS

Para os atos administrativos, a regra geral é os vícios de legalidade ou legitimidade acarretarem sua nulidade. Por outras palavras, como regra, a inobservância de qualquer dos elementos ou requisitos de validade dos atos administrativos implica considerar o ato nulo, sendo, nesses casos, obrigatória a sua anulação, pela administração pública, de ofício ou provocada, ou pelo Poder Judiciário, desde que provocado. Algumas poucas hipóteses de vícios de legalidade, entretanto, dão origem a atos meramente anuláveis,  isto é, atos que, a critério da administração pública, poderão ser anulados ou convalidados.

Convalidar um ato é “corrigi-lo”, “regularizá-lo”, desde a origem (ex tunc), de tal sorte que: (a) os efeitos já produzidos passem a ser considerados efeitos válidos, não passíveis de desconstituição; e (b) esse ato permaneça no mundo jurídico como um ato válido, apto a produzir efeitos regulares.

A convalidação de atos administrativos, na esfera federal, está inteiramente disciplinada no artigo 55 da Lei 9.784/1999, cuja redação é:

Art. 55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração. Temos, portanto, as seguintes condições para que um ato possa ser convalidado: (i) defeito sanável; (ii) o ato não acarretar lesão ao interesse público; (iii) o ato não acarretar prejuízo a terceiros.

Os defeitos sanáveis são:

a) vícios relativos à competência quanto à pessoa (não quanto à matéria), desde que não se trate de competência exclusiva;
b) vício de forma, desde que a lei não considere a forma elemento essencial à validade daquele ato.  Uma observação faz-se oportuna: a Lei 9.784/1999 não emprega, em nenhum ponto, a expressão “atos anuláveis”. A doutrina administrativista, entretanto, frequentemente utiliza a expressão “atos anuláveis” como sinônimo de “atos com defeitos sanáveis”, ou seja, atos passíveis de convalidação expressa.

A Lei 9.784/1999 trata a convalidação como um ato discricionário: “os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração”. Além disso, a lei trata a convalidação como ato privativo da administração (isso é evidente, uma vez que só a própria administração pode praticar atos discricionários, exatamente porque eles dependem de juízo privativo de conveniência e oportunidade administrativas).

A convalidação pode recair sobre atos vinculados ou discricionários, uma vez que não se trata de controle de mérito, e sim de controle de legalidade, relativo a vícios sanáveis verificados nos elementos competência ou forma (caso se tratasse de controle de mérito, teria que recair sobre os elementos motivo e objeto; ademais, o controle de mérito só pode acarretar a revogação de um ato; o controle de mérito não é, em nenhuma hipótese, uma escolha entre anular e convalidar um ato).

É oportuno lembrar que o artigo 54 da Lei 9.784/1999, aplicável no âmbito federal, estipula o prazo decadencial de cinco anos para a administração pública anular atos ilegais favoráveis ao administrado, salvo comprovada má-fé. Passado esse prazo sem que ocorra a anulação, ela não mais poderá fazê-lo, ainda que se trate de vício insanável.

Ora, como o ato, depois da decadência do direito de anulá-lo, permanecerá no mundo jurídico produzindo efeitos que passarão a ser considerados válidos desde sempre, pode-se afirmar que ocorreu a sua convalidação. Note-se, porém, que, nesse caso, não há um ato de convalidação, e sim, uma omissão do poder público cujo resultado é impedir a anulação de um ato inicialmente viciado, acarretando a sua manutenção no mundo jurídico como se fora um ato válido e eficaz.

Alguns juristas não admitem que se chame de convalidação a hipótese em que um ato com vício insanável permanece operante por ter ocorrido a decadência do direito de anulá-lo. Tais autores chamam a essa situação estabilização ou consolidação do ato administrativo e reservam o termo “convalidação” para os casos em que um ato expresso – e não uma omissão associada ao decurso de prazo – corrige o defeito de um ato que tenha sido inicialmente praticado com vício sanável, regularizando-o desde a origem.

Convém observar que a Lei 9.784/1999 realmente não emprega o vocábulo “convalidação” para se referir à regra de decadência do direito de anular atos ilegais constante de seu artigo 54 – mas também não usa a palavra estabilização ou convalidação; simplesmente fala em decadência do direito de anular.

De toda sorte, importante é ter em mente que os fundamentos gerais dessa norma são os princípios da segurança jurídica e da proteção à boa-fé e à confiança legítima. E que, não obstante, o STF já decidiu pela inaplicabilidade do art. 54 da Lei 9.784/1999 a atos administrativos que contrariem flagrantemente a Constituição Federal (MS 28.279/DF).

Estes podem ser anulados a qualquer tempo, isto é, a anulação de tais atos não está sujeita a prazo extintivo – eles nunca podem ser “estabilizados” ou “convalidados por decurso de prazo” (conforme a denominação que se prefira adotar).

Conteúdo extraído do livro: ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de direito
Administrativo Descomplicado. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.
Direto Administrativo II – Apostila VII

Direto Administrativo II – Apostila VII

ANULAÇÃO

Artigo 55 da Lei 9.784/1999

Diferenças entre: a anulação, a revogação e a convalidação de atos administrativos.

ANULAÇÃO – Retirada de atos inválidos, com vício, ilegais. Opera retroativamente, resguardados os efeitos já produzidos perante terceiros de boa-fé. Pode ser efetuada pela administração, de ofício ou provocada, ou pelo judiciário se provocado. Pode incidir sobre atos vinculados e discricionários, exceto sobre o mérito administrativo. A anulação de ato com vício insanável é um ato vinculado. A anulação de ato com vício sanável que fosse passível de convalidação é um ato discricionário.

REVOGAÇÃO – Retirada de atos válidos, sem qualquer vício. Efeitos prospectivos; não é possível revogar atos que já tenham gerado direitos adquiridos. Só pode ser efetuada pela própria administração que praticou o ato. Só incide sobre atos discricionários (não existe revogação de ato vinculado). A revogação é um ato discricionário.

CONVALIDAÇÃO – Correção de atos com vícios sanáveis, desde que tais atos não tenham acarretado lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros. Opera retroativamente. Corrige o ato, tornando regulares os seus efeitos, passados e futuros. Só pode ser efetuada pela própria administração que praticou o ato. Podem incidir sobre atos vinculados e discricionários. A convalidação é um ato discricionário. Em tese, a administração pode optar por anular o ato, mesmo que ele fosse passível de convalidação.

Direito Administrativo II Apostila 8

INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE PRIVADA

O Estado brasileiro fundado pela Constituição de 1988 tem índole marcadamente social. A Carta vigente, de forma explícita e implícita, determina ou autoriza diversas formas de intervenção do Estado na propriedade privada (há casos, não muito comuns, em que o Estado pode intervir também em propriedade pública, por exemplo, quando a União desapropria um bem público de um município).

Com efeito, logo no seu art. 5o - no qual estão enumerados os mais relevantes direitos e garantias fundamentais do nosso ordenamento jurídico -, a Constituição da República assegura o direito individual à propriedade (inciso XXII), mas desde já, expressamente, condiciona o exercício desse direito ao atendimento da função social da propriedade (CF, art. 5o, XXIII). E, nos dois incisos seguintes, prevê a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, observado o procedimento que a lei estabeleça (inciso XXIV), e a requisição de propriedade particular por autoridade administrativa, no caso de iminente perigo público (inciso XXV).

Ainda exemplificando, no §2o de seu artigo 182, a Constituição, ao cuidar da política urbana, preceitua:

§2o A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. Assim, o legislador constituinte deixou expresso que o atendimento da função social da propriedade urbana está condicionado à observância das regras estabelecidas no plano diretor do município. Se não for atendida a função social da propriedade urbana, nos termos traçados no plano diretor, a própria
Constituição já confere aos municípios poderes de intervenção na propriedade particular, a fim de obrigar o proprietário a providenciar a sua adequada utilização. Caso não sejam observadas as exigências do município, tem ele o poder de impor o parcelamento ou a edificação compulsórios do solo, ou ainda, em caso extremo, de promover a desapropriação com indenização em títulos públicos (CF, art. 182, §4.o).

Na mesma toada, o texto constitucional estabelece condições mínimas para que se considere atendida a função social da propriedade rural (art. 186), autorizando a União a desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, com indenização

Por fim, cabe citar o §1o do art. 216, que impõe ao poder público a proteção do patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

Enfim, o Estado (todos os entes da Federação) dispõe de uma grande quantidade de instrumentos jurídicos – todos eles lastreados em seu poder de império – passíveis de utilização para o cumprimento do seu dever constitucional de assegurar que a propriedade cumpra a sua função social. Em geral, esses instrumentos implicam limitações ou condicionamentos ao exercício dos poderes inerentes ao domínio (uso, fruição, disposição e reivindicação), hipóteses a que a doutrina se refere como “intervenção restritiva”. Especificamente no caso da desapropriação, entretanto, não se tem apenas uma limitação, e sim a perda da propriedade, que é transferida, de regra, para o domínio público. A desapropriação, por esse motivo, é classificada como “intervenção supressiva” (José dos Santos Carvalho Filho).

É importante ressaltar que nem todas as formas de intervenção do Estado na propriedade estão expressamente previstas em disposições constitucionais. Há hipóteses tratadas somente em leis administrativas. Ademais, a disciplina detalhada das diversas modalidades de intervenção sempre estará contida em leis, gerais ou específicas, regulamentadas, no mais das vezes, em diversos atos de natureza meramente administrativa (expedidos nos termos e limites das leis a que se refiram).

Ao afirmar que “a propriedade atenderá a sua função social” (art. 5o, XXIII), a Carta Política de 1988 respalda também formas de intervenção na propriedade não explicitamente nela descritas, observados, evidentemente, o devido processo legal e outros direitos e garantias fundamentais pertinentes. Aliás, o Código Civil, reforçando essa exigência constitucional, estabelece que “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas” (art. 1.228, § 1.o).

Principais hipóteses de intervenção do Estado na propriedade, tanto as expressamente previstas no texto constitucional, quanto as estabelecidas tão somente em leis administrativas:

1. SERVIDÃO ADMINISTRATIVA

Servidão administrativa é o direito real público que autoriza o poder público a usar da propriedade imóvel para permitir a execução de obras e serviços de interesse coletivo.

É a servidão administrativa um ônus real, incidente sobre um bem particular, com a finalidade de permitir uma servidão pública.

Embora a regra seja a instituição de servidão administrativa sobre imóvel particular, nada impede que, em situações especiais, possa ela incidir sobre bem público (a União pode instituir servidão sobre bens estaduais e municipais).

Não há uma disciplina normativa específica para as servidões administrativas; a base legal para sua instituição é o art. 40 do Decreto-lei 3.365/1941, que, ao cuidar da desapropriação por utilidade pública, prescreve que “o expropriante poderá constituir servidões, mediante indenização na forma desta lei”. Por força desse dispositivo, aplicam-se ao procedimento de servidão as regras para a desapropriação por utilidade pública, no que couber.

A instituição de servidão administrativa não é ato administrativo autoexecutório. A servidão administrativa somente se constitui mediante acordo ou sentença judicial.

A servidão administrativa implica, tão somente, o direito de uso pelo poder público de imóvel alheio, para o fim de prestação de serviços públicos. Não há perda da propriedade pelo particular, como ocorre na desapropriação. Por esse motivo, a indenização, se houver, não será pela propriedade do imóvel, mas sim pelos danos ou prejuízos que o uso dessa propriedade pelo poder público efetivamente causar ao imóvel.

A regra, portanto, é o não cabimento de indenização por parte do Estado. Se o uso da propriedade particular pelo poder público não provocou prejuízo ao proprietário, não se há de cogitar indenização. Só o exame de cada caso concreto é que permitirá avaliar se haverá ou não direito a indenização. Se houver prejuízo, deverá o proprietário ser indenizado em montante equivalente ao respectivo prejuízo; se não houver prejuízo, a administração nada terá que indenizar. O ônus da prova cabe ao proprietário: a ele cabe provar o prejuízo; não o fazendo, presume-se que a servidão não produziu qualquer prejuízo.

São exemplos de servidão administrativa: a instalação de redes elétricas, de redes telefônicas e a implantação de gasodutos e oleodutos em áreas privadas para a execução de serviços públicos; a colocação em prédios privados de placas e avisos para a população, como nome de ruas etc.

2, REQUISIÇÃO

Requisição é o instrumento de intervenção estatal mediante o qual, em situação de perigo público iminente, o Estado utiliza bens móveis, imóveis ou serviços particulares, com indenização ulterior, se houver dano.

CF, art. 5o, XXV – no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;

A requisição administrativa pode ser civil ou militar. A requisição militar objetiva o resguardo da segurança interna e a manutenção da soberania nacional, diante de conflito armado, comoção intestina etc.; a requisição civil visa a evitar danos à vida, à saúde e aos bens da coletividade, diante de inundação, incêndio, sonegação de gêneros de primeira necessidade, epidemias, catástrofes etc.

Presente a situação de perigo iminente, a requisição pode ser decretada de imediato, sem necessidade de prévia autorização judicial. O ato administrativo que formaliza a requisição é autoexecutório, não depende de qualquer apreciação judicial prévia.

A requisição é instituto de natureza transitória: sua extinção ocorre tão logo desapareça a situação de perigo público iminente que justificou a sua instituição. Vale frisar que só haverá indenização se ficar comprovada a existência de dano – e a indenização, quando houver, será sempre posterior ao ato de requisição.

3. OCUPAÇÃO TEMPORÁRIA

Ocupação temporária é a forma de intervenção pela qual o poder público usa transitoriamente imóveis privados, como meio de apoio à execução de obras e serviços públicos.

Ocorre, usualmente, quando a administração tem necessidade de ocupar terreno privado para nele depositar equipamentos e materiais destinados à realização de obras e serviços públicos nas cercanias.

 A instituição da ocupação temporária dá-se por meio da expedição de ato pela autoridade administrativa competente, que deverá fixar, desde logo, e se for o caso, a justa indenização devida ao proprietário do imóvel ocupado. É ato autoexecutório, que não depende de apreciação prévia do Poder Judiciário.

A extinção da ocupação temporária dá-se com a conclusão da obra ou serviço pelo poder público – a propriedade privada deve ser desocupada tão logo esteja concluída a atividade pública que deu causa à ocupação.

Na ocupação temporária, a indenização é também condicionada à ocorrência de prejuízo ao proprietário. Em princípio não haverá indenização alguma, mas esta deverá ocorrer se o uso do bem particular acarretar prejuízo ao seu proprietário. Exemplos: A ocupação temporária de terrenos de particulares contíguos a estradas (em construção ou reforma), para a guarda de máquinas, equipamento e materiais que estejam sendo empregados na obra.

Em períodos de eleições, ou em campanhas de vacinação pública, o poder público, para a realização das atividades correspondentes, costuma se utilizar de escolas, clubes e outros estabelecimentos privados.

4. LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS

Limitações administrativas são determinações de caráter geral, por meio das quais o Poder Público impõe a proprietários indeterminados obrigações de fazer ou deixar de fazer alguma coisa, com a finalidade de assegurar que a propriedade atenda sua função social.

As limitações administrativas ao uso da propriedade particular são expressas em leis e regulamentos de todos os entes federados, conforme as competências de cada qual.

As limitações administrativas derivam do poder de polícia administrativa – em sentido amplo, pois envolvem atividade normativa (edição de leis e regulamentos). Elas se exteriorizam em imposições unilaterais e imperativas, sob a modalidade positiva (fazer), negativa (não fazer), ou permissiva (permitir fazer). No primeiro caso, o particular fica obrigado a realizar o que a administração lhe impõe; no segundo, deve-se se abster de fazer algo; no terceiro, deve permitir que se faça alguma coisa em sua propriedade.

As limitações administrativas devem ser gerais, dirigidas a propriedades indeterminadas. Não há indenização, ou seja, as limitações administrativas são sempre gratuitas (para o poder público).

Essas limitações podem atingir não só a propriedade imóvel e seu uso como quaisquer outros bens e atividades particulares que tenham implicações com o bem-estar social, com os bons costumes, com a segurança e a saúde da coletividade, com o sossego e a higiene da cidade e até mesmo com a estética urbana.

Em síntese, as limitações administrativas são restrições gerais e gratuitas impostas por leis e regulamentos a propriedades particulares indeterminadas, em benefício da coletividade. Exemplos: a obrigação de observar o recuo de alguns metros das construções em terrenos urbanos; a proibição de desmatamento de parte de área de floresta em cada propriedade rural; a obrigação imposta aos proprietários de efetuarem limpeza de terrenos; a proibição de construir além de determinado número de pavimentos imposta pelo plano diretor do município etc.

Tombamento é a modalidade de intervenção na propriedade por meio da qual o poder público procura proteger o patrimônio cultural brasileiro.

No tombamento, o Estado intervém na propriedade privada para proteger a memória nacional, protegendo bens de ordem histórica, artística, arqueológica, cultural, científica, turística e paisagística. A maioria dos bens tombados é de imóveis de valor arquitetônico de épocas passadas em nossa história. É comum, também, o tombamento de bairros ou até mesmo de cidades, quando retratam aspectos culturais do passado. O tombamento pode, ainda, recair sobre bens móveis.

A Constituição Federal estabelece, expressamente, a autorização para essa modalidade de intervenção na propriedade, nos seguintes termos (CF, art. 216, §1.o):

O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

O tombamento é sempre resultante de vontade expressa do poder público, manifestado por ato administrativo do Poder Executivo.

A competência para legislar sobre a proteção do patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico é concorrente entre a União, os estados e o Distrito Federal (CF, art. 24, VII). A legislação federal e estadual poderá, no que couber, ser suplementada pela legislação municipal, por força do art. 30, II, da Constituição Federal.

Ademais, por força do art. 30, IX, da Carta Política, cabe também ao município a competência para promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observadas a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

É imprescindível para o ato de tombamento a existência de processo administrativo, com observância do princípio constitucional do devido processo legal, no qual se assegure ao proprietário o direito ao contraditório e à ampla defesa, no intuito de que este possa comprovar, se for o caso, a inexistência de relação entre o bem a ser tombado e a proteção ao patrimônio cultural.

O ato de tombamento gera alguns relevantes efeitos no que concerne ao uso e à alienação do bem tombado. Efetivados o tombamento e a respectiva inscrição no Ofício de Registro de Imóveis respectivo, surgem os seguintes efeitos:

a) é vedado ao proprietário, ou ao titular de eventual direito de uso, destruir, demolir ou mutilar o bem tombado;

b) o proprietário somente poderá reparar, pintar ou restaurar o bem após a devida autorização do Poder Público;

c) o proprietário deverá conservar o bem tombado para mantê-lo dentro de suas características culturais; se não dispuser de recursos para proceder às necessárias obras de conservação e de restauração, deverá obrigatoriamente comunicar o fato ao órgão que decretou o tombamento, o qual poderá mandar executá-las as suas expensas;

d) independentemente de solicitação do proprietário, pode o poder público, no caso de urgência, tomar a iniciativa de providenciar as obras de conservação;

e) no caso de alienação do bem tombado, o poder público tem direito de preferência;

f) o tombamento do bem não impede o proprietário de gravá-lo por meio de penhor, anticrese ou hipoteca;

g) não há obrigatoriedade de o poder público indenizar o proprietário do imóvel no caso de tombamento.

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de Direito Administrativo Descomplicado. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.

Direito Administrativo II Apostila 9

DESAPROPRIAÇÃO

Desapropriação é o procedimento de direito público pelo qual o poder público transfere para si a propriedade de terceiro, por razões de utilidade pública, de necessidade pública, ou de interesse social, normalmente mediante o pagamento de justa e prévia indenização.

Ao contrário das demais formas de intervenção na propriedade estudadas, em que o poder público apenas condicionava o uso da propriedade, na desapropriação o objetivo da atuação estatal é a transferência do bem desapropriado para o acervo do expropriante.

A doutrina classifica a desapropriação como forma originária de aquisição da propriedade, porque não provém de nenhum título anterior, e, por isso, o bem expropriado torna-se insuscetível de reivindicação e libera-se de quaisquer ônus que sobre ele incidissem precedentemente, ficando eventuais credores sub-rogados no preço.

A desapropriação é efetivada mediante um procedimento administrativo, na maioria das vezes, acompanhado de uma fase judicial. Esse procedimento tem início com a fase administrativa, em que o poder público declara seu interesse na desapropriação e dá início às medidas visando à transferência do bem. Se houver acordo entre o poder público e o proprietário do bem, o que é raro, o procedimento esgota-se nessa fase. Na ausência de acordo, o procedimento entra na fase judicial, em que o magistrado solucionará a controvérsia.

PRESSUPOSTOS

a) a utilidade pública ou a necessidade pública;

b) o interesse social.

Ocorre a utilidade pública quando a transferência do bem para o poder público é conveniente, embora não seja imprescindível. Exemplo: a desapropriação de um imóvel para a construção de uma escola.

A necessidade pública decorre de situações de emergência, cuja solução exija a desapropriação do bem.

Na necessidade pública, faz-se necessária a transferência urgente de bens de terceiros para o poder público. Exemplo: a desapropriação imediata de estoques de alimentos para enfrentar efeitos de uma situação de calamidade pública.

As hipóteses de desapropriação por interesse social são aquelas em que mais se realça a exigência de que a propriedade atenda a sua função social. A expropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária é o caso típico (mas não o único) de desapropriação por interesse social, pois tem a finalidade de assegurar que o uso da terra atenda sua função social.

AUTORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL

1) Regra geral - A regra matriz do instituto da desapropriação está no art. 5o, XXIV, da Constituição Federal, que assim dispõe:

XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social mediante “justa e prévia indenização em dinheiro”, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;

Além dessa regra geral, contemplada no art. 5o, XXIV, da Carta Política, temos ainda no texto constitucional outras três previsões específicas de desapropriação:

2) Desapropriação urbanística – Essa hipótese está no art. 182, § 4o, III, da Constituição Federal. Possui caráter sancionatório e pode ser aplicada ao proprietário de solo urbano que não atenda à exigência de promover o adequado aproveitamento de sua propriedade, nos termos do plano diretor do município. O expropriante, nessa hipótese, será o município, segundo as regras gerais de desapropriação estabelecidas em lei federal. A indenização será mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor da indenização e os juros legais.

3) Desapropriação rural – Está prevista no art. 184 da Constituição Federal. Incide sobre imóveis destinados à reforma agrária. Cuida-se em verdade, de desapropriação por interesse social com finalidade específica (reforma agrária), incidente sobre imóveis rurais que não estejam cumprindo sua função social. O expropriante nessa hipótese é exclusivamente a União, e a indenização será em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

Requisitos para cumprimento da função social:
a) aproveitamento racional e adequado;
b) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
c) observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
d) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Por outro lado a Constituição considera insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária (CF, art. 185):

a) a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;

b) a propriedade produtiva.

O STF já deixou assente que, a classificação da propriedade segundo a extensão, visando a desapropriação para fins de reforma agrária, não podem ser excluídas as parcelas inaproveitáveis do imóvel rural, a exemplo das áreas de preservação permanente (MS 25.066/DF). Sem prejuízo dessa orientação, cabe observar que, para determinar a classificação da propriedade como produtiva ou improdutiva, não são computadas, evidentemente, as áreas em que não se possa produzir.

É relevante enfatizar que, sejam quais forem as suas dimensões, a propriedade produtiva não está sujeita à desapropriação para fins de reforma agrária (pode ser objeto de outra espécie de desapropriação), mas nesse caso, integralmente paga em dinheiro, que é a regra para as desapropriações ordinárias. Além da vedação à sua desapropriação para fins de reforma agrária, diz o parágrafo único do art. 185 da Constituição que “a lei garantirá tratamento especial á propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos à sua função social”.

4) Desapropriação confiscatória - Está prevista no artigo 243 da Constituição Federal. Essa espécie não assegura ao proprietário nenhum direito a indenização, sempre devida nas demais hipóteses de desapropriação. A desapropriação confiscatória incide sobre glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas, que serão, após a transferência de propriedade, destinadas ao assentamento de colonos, para cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas na lei.

O STF já decidiu que a desapropriação confiscatória deve recair sobre a totalidade da área do imóvel, mesmo que a cultura ilegal ocupe apenas uma pequena parte da sua área. Por outras palavras, a expropriação de glebas a que se refere o art. 243 da Constituição deve abranger toda a propriedade, e não apenas a área efetivamente cultivada (RE 543.974/MG).

As regras constitucionais sobre desapropriação são completadas por meio de algumas leis específicas, a saber: Decreto-lei 3.365/1941 (lei geral da desapropriação, que cuida especificamente da desapropriação por utilidade pública); Lei 4.132/1962 (desapropriação por interesse social); Lei 8.257/1991 (desapropriação confiscatória); Lei 8.629/1993 (desapropriação rural); LC 76/1993 (desapropriação rural para fins de reforma agrária).

BENS DESAPROPRIÁVEIS

Como regra a desapropriação pode ter por objeto qualquer espécie de bem susceptível de valoração patrimonial. O bem a ser desapropriado pode ser móvel ou imóvel, corpóreo ou incorpóreo. Admite-se que a desapropriação incida sobre: o espaço aéreo, o subsolo, as ações, as quotas ou direitos de qualquer sociedade etc.

Os bens imóveis, entretanto, só podem ser desapropriados por um ente federado em cujo território estejam situados. Um estado não pode desapropriar bens imóveis localizados no território de outro estado e um município não pode desapropriar bens imóveis situados no território de outro município.

Essa restrição, evidentemente, não se aplica à União, que pode desapropriar bens em qualquer ponto do território nacional.

Há bens que não podem ser desapropriados. São exemplos a moeda corrente do País (pois ela é o próprio meio em que comumente se paga a indenização pela desapropriação) e os chamados direitos personalíssimos, tais como a honra, a liberdade e a cidadania.

São insuscetíveis de desapropriação, segundo a jurisprudência de nossa Corte Suprema, as margens dos rios navegáveis (Súmula 479 do STF).

Também não é cabível a desapropriação de pessoas jurídicas, pois estas são sujeitos de direitos, e não objetos. Dessa forma, embora vulgarmente se diga que uma determinada entidade foi desapropriada, a afirmação incorre em imprecisão técnica, porque o que se desapropria são os bens ou os direitos representativos do capital dessa pessoa jurídica.

Os bens públicos pertencentes às entidades políticas podem ser objeto de desapropriação, mas devem ser observadas as restrições vazadas no § 2o do art. 2o do Decreto-Lei 3.365/1941, dispositivo que nossa jurisprudência entende compatível com a Constituição de 1988:

§ 2o Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa.

São, portanto, dois os requisitos para a desapropriação de bens públicos pertencentes aos entes da Federação:

1o) que a desapropriação se dê dos entes federados de nível territorial mais abrangente para os de nível territorial menos abrangente; e

2o) que exista lei, editada pelo ente federado que procederá à desapropriação, autorizando que ela o faça.

COMPETÊNCIA

Competência Legislativa - A competência para legislar sobre desapropriação é privativa da União, nos termos do art. 22, II, da Constituição. Essa competência privativa, porém, poderá ser delegada aos estados e ao Distrito Federal, para a disciplina de questões específicas, desde que a delegação seja efetivada por meio de lei complementar (CF, art. 22, parágrafo único).

Competência Declaratória - A competência para declarar a necessidade ou utilidade pública ou o interesse social do bem, com vistas à futura desapropriação, é da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Entretanto, há um caso de desapropriação por interesse social em que a competência para a sua declaração é privativa da União: a hipótese de desapropriação por interesse social para o fim específico de promover a reforma agrária (CF, art. 184). Vale repetir, somente para a reforma agrária a competência declaratória é privativa da União; nos demais casos de desapropriação, ainda que por interesse social, a competência para a declaração é de todos os entes federados.

Competência Executória – A competência para promover efetivamente a desapropriação, providenciando todas as medidas e exercendo as atividades que culminarão na transferência da propriedade, é mais ampla, alcançando, além das entidades da administração direta e indireta, os agentes delegados do poder público, como as concessionárias e permissionárias de serviços públicos.

Portanto, além da União, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e das entidades da administração indireta desses entes políticos (autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas), as concessionárias e permissionárias de serviços públicos, pessoas privadas, podem executar a desapropriação, figurando no processo com todas as prerrogativas, direitos, obrigações, deveres e respectivos ônus, inclusive o relativo ao pagamento da indenização.

A indenização deve ser prévia, justa e em dinheiro. São esses os princípios aplicáveis à indenização na desapropriação: precedência, justiça e pecuniariedade.

Para ser justa, a indenização deverá abranger não só o valor atual do bem expropriado, como também os danos emergentes e os lucros cessantes decorrentes da perda da propriedade, além dos juros moratórios e compensatórios, da atualização monetária, das despesas judiciais e dos honorários advocatícios.

Não obstante, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública, serão deduzidas, dos valores depositados pelo expropriante, as dívidas fiscais quando inscritas e ajuizadas. Serão também deduzidas, dos referidos valores, as multas decorrentes de inadimplemento e de obrigações fiscais. A discussão acerca dos valores inscritos ou executados será realizada em ação própria. (DL 3.365/1941, art. 32, § 3o).

Embora a regra geral seja a prévia e justa indenização em dinheiro, há certas exceções: A primeira delas é a desapropriação para fins de reforma agrária, na qual a indenização é feita em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão (CF, art. 184).

A segunda exceção é a desapropriação para fins urbanísticos, aplicável ao proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que se recuse a promover o seu adequado aproveitamento.

Nessa hipótese, a indenização é feita em títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais (CF, art. 182, § 4o, III).

Finalmente, temos a desapropriação confiscatória, prevista no art. 243 da Constituição Federal, que se consuma sem o pagamento de qualquer indenização ao proprietário.

DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA

Desapropriação indireta é o fato administrativo por meio do qual o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia.

Na desapropriação indireta, repudiada pela doutrina, o Estado apropria-se de bem particular sem o devido processo legal: não declara o bem como de interesse público e não paga a justa e prévia indenização. Exemplo: a apropriação de áreas privadas pela administração pública para a abertura de estradas sem processo pertinente e sem o prévio pagamento de indenização.

O fundamento legal para a desapropriação indireta está no artigo 35 do Decreto-lei 3.365/1941, que caracteriza o denominado “fato consumado”, nos seguintes termos:

“Art. 35. Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos.”

Pode ser também traduzida a figura do “fato consumado” gerador da desapropriação indireta: ocorrendo a incorporação fática de um bem ao patrimônio público, mesmo sendo nulo (ou inexistente) o processo de desapropriação, o proprietário não terá o direito ao retorno do bem ao seu patrimônio; em vez de postular o retorno do bem a sua propriedade, só poderá postular em juízo reparação pelas perdas e danos causados pelo expropriante.

A ação deve ser proposta no foro do local do imóvel e, uma vez julgado procedente, não afastará, de forma alguma, o direito de propriedade da administração pública sobre o bem. A sentença se limitará a condenar o Estado a indenizar o ex proprietário pelos prejuízos ocasionados pela desapropriação total.

DIREITO DE EXTENSÃO

Direito de extensão é o direito do expropriado de exigir que a desapropriação e a respectiva indenização alcancem a totalidade do bem, quando o remanescente resultar esvaziado de seu conteúdo econômico.

O direito de extensão surge no caso de desapropriação parcial, quando a parte não expropriada do bem fica prática ou efetivamente inútil, inservível, sem valor econômico, ou de difícil utilização. Para que não fique apenas com a propriedade dessa parte inservível, requer o proprietário que a desapropriação (e a consequente indenização) seja estendida a todo o bem, convertendo-se a desapropriação parcial em desapropriação total.

O direito de extensão deve ser pleiteado pelo expropriado durante as fases: administrativa ou judicial do procedimento de desapropriação. Não se admite o pedido após o término da desapropriação.

Tredestinação é a destinação desconforme com o plano inicialmente previsto no ato expropriatório. Na tredestinação, o poder público desiste dos fins da desapropriação e transfere a terceiro o bem desapropriado ou pratica desvio de finalidade, permitindo que terceiro se beneficie de sua utilização.

Seria o caso de o poder público desapropriar certa área para a construção de uma escola e, de fato, em vez de efetivar esse fim administrativo, conceder permissão para que certa empresa utilize tal área para outros fins. Nesse caso, resulta configurada a tredestinação ilícita, resultante de desvio de finalidade, em que a desapropriação deve ser considerada nula.

A doutrina aponta, também, a hipótese de tredestinação lícita em que, mantida a finalidade de interesse público, o poder público expropriante dá ao bem desapropriado destino diverso daquele inicialmente planejado. É o caso, por exemplo, de o Estado desapropriar uma área para a construção de uma escola e, dado o interesse público superveniente, vir a construir no local um hospital. Conforme já deixou assente o STJ, “se ao bem expropriado for dada destinação que atende ao interesse público, ainda que diversa da inicialmente prevista no decreto expropriatório, não há desvio de finalidade” (REsp 968.414/SP). Nessa hipótese, não há o que se falar em ilicitude.

A retrocessão está disciplinada no art. 519 do Código Civil nos seguintes termos: Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa.

A retrocessão surge quando há desinteresse superveniente do poder público pelo bem que desapropriou: o expropriante passa a ter a obrigação de oferecer ao exproprietário o bem desapropriado para que ele, desejando, exerça o direito de preferência, pelo valor atual do bem, caso em que este será a ele devolvido. Também surge para o expropriado o direito à retrocessão quando ocorre a denominada tredestinação ilícita. Na hipótese de não ser possível o retorno do bem ao domínio do expropriado, a obrigação do Estado e o direito do expropriado resolvem-se em perdas e danos.

A retrocessão não deve ser confundida com a desistência da desapropriação: a desistência da desapropriação ocorre antes da incorporação do bem ao patrimônio do poder público, antes de efetivada a transferência da propriedade do bem; aquela (a retrocessão) surge depois de já concluído o processo de desapropriação, após a transferência da propriedade do bem, por motivo de desinteresse público

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicentino. Resumo de Direito Administrativo. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense;

São Paulo: Método, 2013.