quarta-feira, 15 de abril de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 916, 917 - continua Do Título à Ordem - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 916, 917 - continua
Do Título à Ordem - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título VIII – Dos Títulos de Crédito
(Art. 910 a 920) Capítulo III – Do Título À Ordem
– vargasdigitador.blogspot.com

Art. 916. As exceções, fundadas em relação do devedor com os portadores precedentes, somente poderão ser por ele opostas ao portador, se este, ao adquirir o título, tiver agido de má-fé.

Como ensina Marcelo Fortes Barbosa Filho, o princípio da inoponibilidade das exceções não é aplicável no caso de má-fé do portador do título de crédito que, mesmo conhecedor da existência de um vício atinente à relação causal mantida pelo emitente (devedor) e pelo beneficiário (credor original), adquire, na qualidade de endossatário, o título à ordem. A má-fé coloca-se como obstáculo à aplicação das regras gerais, devendo sempre ser provada, nunca presumida. Frente ao portador de má-fé, defesas pessoais, também chamadas vícios da emissão, são oponíveis e atingem a exigibilidade do crédito, cabendo levar em consideração sempre o momento do endosso para aferir o conhecimento de um eventual vício, pois não há como exigir que perdure indefinidamente a crença na idoneidade do documento e do crédito incorporado. Não é realizada uma investigação relativa à subsistência da culpa do portador. A simples possibilidade de ser obtido conhecimento relativo a vícios ou máculas materiais, como o erro, o dolo, a coação e a simulação ou a aquisição a non domino, derivada, por exemplo, do furto do documento após o surgimento da vinculação cartular, não abala a posição do endossatário. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 921 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 15/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No diapasão de Fiuza, esta disposição não foi objeto de emenda no curso da tramitação do projeto no Congresso Nacional. O art. 17 da Lei Uniforme de Genebra em matéria de letra de câmbio e nota promissória (Decreto n. 57.663/65), assim como o art. 25 da Lei do Cheque (Lei n. 7.357/85), estabelecem o mesmo princípio geral da inoponibilidade das exceções pessoais nas relações cambiais.

Este artigo compreende também a aplicação do princípio da inoponibilidade das exceções pessoais. Na hipótese de o portador haver adquirido o título de má-fé, com o intuito de prejudicar o devedor, visando praticar ato consciente em seu detrimento, o devedor poderá opor contra ele qualquer exceção pessoal que lhe caberia discutir com os portadores anteriores. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 470, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 15/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No dizer de Wille Duarte Costa, a má-fé, nestes casos, não é facilmente provada. Contudo, o artigo está de acordo com as demais normas, pois a boa-fé do possuidor impede que possa ser oposta defesa pessoal e anterior contra o seu direito. É novamente o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais. (Wille Duarte Costa, Títulos de crédito no Novo Código Civil) extraída da Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, p. 311, Acesso 15/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Por sua vez, Maria Bernadete Miranda crê que o devedor somente poderá opor exceções ao portador, baseadas nas suas relações com os portadores precedentes, se ele (portador) tiver agido de má-fé ao adquirir o título, ou seja, tiver adquirido o título dolosamente. (Comentários aos Títulos de Crédito no Código Civil Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 Maria Bernadete Miranda – Revista Virtual Direito Brasil – Volume 2 – nº 1 – 2008, acessado em 15/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 917. A cláusula constitutiva de mandato, lançada no endosso, confere ao endossatário o exercício dos direitos inerentes ao título, salvo restrição expressamente estatuída.

§ 1º. O endossatário de endosso-mandato só pode endossar novamente o título na qualidade de procurador, com os mesmos poderes que recebeu.

§ 2º. Com a morte ou a superveniente incapacidade do endossante, não perde eficácia o endosso-mandato.

§ 3º. Pode o devedor opor ao endossatário de endosso-mandato somente as exceções que tiver contra o endossante.

Segundo conhecimento de Marcelo Fortes Barbosa Filho, além do endosso translativo, a mais comum e antiga das espécies desse negócio jurídico, cuja finalidade é viabilizar a transmissão da propriedade do título de crédito e, por consequência, do crédito incorporado, outras espécies surgiram, por via da prática e dos usos comerciais, assumindo novas funções econômico-jurídicas, mantida apenas a proximidade da forma adotada. Dessas novas espécies, a mais utilizada e de maior relevância é, sem dúvida, o endosso-mandato, também chamado de endosso-procuração. Nesse caso, o endossador não transmite a propriedade do título ou a titularidade dos direitos incorporados ao documento, mas simplesmente a posse do documento, cabendo ao endossatário praticar atos na qualidade de representante do verdadeiro proprietário, por conta e em nome de tal pessoa. O endosso-mandato trouxe vários benefícios práticos ao comércio, evitando deslocamentos e possibilitando, por exemplo, a terceirização, para usar uma expressão atual, da cobrança.

A indicação da natureza específica do endosso realizado deve ser sempre literal e exterior. Ao ser efetivado o endosso com a oposição da assinatura do endossador-mandante, é preciso ser ela acompanhada, no título cambiário, das expressões “valor a cobrar”, “para a cobrança” ou “por procuração”, tal como previsto no art. 18 da LUG, sob pena de se reconhecer como efetivado um endosso comum, i.é, translativo. O endossatário-mandatário age como se fosse proprietário da letra, podendo apresenta-la para aceite, remeter o título a protesto ou receber, ante o adimplemento, a quantia paga. Os poderes conferidos ao endossatário-mandatário podem, no entanto, ser limitados. Nada impede a assunção da cláusula ad juditia junto ao endosso-mandato, como lembra Waldemar Ferreira (Tratado de direito comercial. São Paulo, saraiva, 1962, v. VIII, p. 258-9), restringindo-se os poderes e a atuação do representante somente ao âmbito do juízo. A limitação, todavia, há de ser expressa, usando-se, por exemplo, a fórmula “p.p. em cobrança ad juditia”. Pode tal pessoa, ainda, endossar novamente o título, mas, nesse caso, transmitindo meramente os direitos de representação que lhe foram conferidos, i.é, efetivando um verdadeiro substabelecimento, jamais a propriedade do título, dado que a ninguém é permitido transmitir mais direitos do que aqueles de que é titular. O novo endossatário-mandatário recebe, assim, apenas os poderes conferidos a seu antecessor, o qual poderá, nessa hipótese, efetivar, também, se for de sua conveniência, expressa limitação.

O mandato conferido por endosso distingue-se, porém, de maneira absoluta, do contrato nominado próprio ao direito comum, uma vez que perde sua natureza personalíssima e não é passível de se extinguir pela morte do mandante ou pelo advento posterior da incapacidade deste, contrariando as regras comuns do contrato de mandato. Apenas a morte, a falência ou a incapacidade do mandatário (nunca a do mandante) são capazes de provocar a extinção do mandato exteriorizado por endosso. A revogação voluntária do mandato conferido, por sua vez, exprime-se com a efetivação do já referido cancelamento, simplesmente riscando o endosso efetivado. Qualquer das exceções pessoais não pode ser invocada com relação ao endossatário-mandatário. O titular dos direitos de crédito continua a ser outra pessoa, o endossador-mandante, e é por isso que lhe devem ser dirigidas as exceções passiveis de serem alegadas. É necessário assinalar que, mesmo com a efetivação do endosso, uma eventual ação de execução terá de ser proposta em nome do endossador, e não em nome do próprio endossatário. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 921-22 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 15/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na visão de Ricardo Fiuza, este artigo se refere à hipótese de endosso-mandato ou endosso-procuração, quando o credor endossa o título em favor de terceiro apenas para que este o represente na cobrança do crédito em face do devedor, para posterior prestação de contas. O procurador do endosso-mandato somente pode transferir o título mediante novo endosso-mandato, para os mesmos fins e com idênticos poderes. A morte ou incapacidade superveniente do endossante não extingue os poderes do mandatário. O procurador ou mandatário age por ordem e conta do endossante, razão pela qual o devedor somente pode opor contra ele as exceções pessoais de que se poderia valer contra o próprio endossante. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 470, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 15/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Maria Bernadete Miranda, endosso-mandato ou endosso-procuração é aquele que tem por finalidade exclusiva a constituição do endossatário em um mandatário do endossante. Assim, o endossatário tem poderes para realizar a cobrança e dar a quitação do título, sem no entanto dispor do valor do crédito, o qual pertence ao endossante.

O endosso-mandato não é um meio de transferência da propriedade do título e nem atribui ao endossador a responsabilidade de garantir o seu pagamento. Ele identifica-se pela inserção da cláusula “por procuração”, ou expressão equivalente.

Dispõe o artigo 18 da Lei Uniforme de Genebra, Decreto n. 57.663, de 24/01/66 “Quando o endosso contém a menção “valor a cobrar” (Valeur en recouverment), “para cobrança” (pour encaissement), “por procuração” (pour procuration), ou qualquer outra menção que implique um simples mandato, o portador pode exercer todos os direitos emergentes da letra, mas só pode endossá-la na qualidade de procurador. (Código Civil Italiano, artigo 2.012 – “Obblighi Del girante. Salvo diversa disposizione di legge o clausola contraria risultante dal titolo, il girante non è obbligatio per l´inadempimento della prestazione da parte dell´emitente”. Código Civil Italiano, artigo 2.013 – “Girata per incasso o per procura. Se allá girata à apposta uma clausola Che importa conferimento di uma procura per incaso, il giratario può esercitare tutti i diritti inerenti al titolo, ma non può girarei l titolo, furchè, per procura. L´emittente può opporre al giratario per procura soltanto lê eccezioni opponibili al girante. L´efficacia della girata per procura non cessa per la morte o per la sopravvenuta incapacita Del girante”.).

Determina o § 1º que o endossatário do endosso-mandato somente poderá endossar novamente o título na qualidade de procurador (mandatário), se tiver os mesmos poderes que recebeu.

O § 2º faz referencia a morte ou incapacidade do endossante-mandante, dispondo que, se houver o falecimento ou a incapacidade do endossante-mandante, o endosso-mandato não se extingue, não perdendo assim a sua eficácia.

Diz o § 3º que o devedor somente poderá opor ao endossatário-mandatário as exceções ou defesa que tiver contra o endossante-mandante.

O endossante-mandante não transmite a propriedade do título ao endossatário-mandatário, mas o investe na sua posse, a fim de que promova, na condição de mandatário, a sua cobrança e passe a respectiva quitação. O endosso-mandato não priva o titular dos seus direitos cambiais, mas apenas transfere ao mandatário ou procurador o exercício e conservação desses direitos. (Comentários aos Títulos de Crédito no Código Civil Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 Maria Bernadete Miranda – Revista Virtual Direito Brasil – Volume 2 – nº 1 – 2008, acessado em 15/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No parecer de Wille Duarte Costa, constitui-se o mandato com o endosso-mandato, neste incluindo expressões “valor a cobrar”, “para cobrança” ou equivalente. O endossatário, com isso, recebe todos os poderes para exercer o direito inerente ao título, para receber, dar quitação total ou parcial, protestar o título e praticar todos os atos possíveis para receber, dar quitação total ou parcial, protestar o título e praticar todos os atos possíveis para receber o valor do título. O endossante poderá restringir os direitos do mandatário.

Um novo endosso do mandatário só pode ser na qualidade de procurador, transmitindo-lhe os mesmos direitos que recebeu.

O parágrafo 2º do artigo contraria a regra geral contida no inciso II do CC 682. A regra geral determina que “cessa o mandato pela morte ou interdição de uma das partes”. Neste artigo a solução é outra, pois “com a morte ou superveniente incapacidade do endossante, não perde eficácia o endosso-mandato”. Pensa-se que a exceção está correta e já consta da LUG, na 3ª alínea de seu artigo 18.

No exercício de seu mandato, o mandatário age em nome do mandante. Assim sendo, se vai ajuizar alguma ação para cobrança, esta deverá ser em nome do mandante e não em nome do mandatário. Em verdade, a redação do parágrafo não está correta pois, se o mandatário ajuizar alguma ação, não pode fazê-lo em seu próprio nome. Se o fizer em nome do mandante, que é correto, a defesa só pode ser contra o endossante, autor da ação.  O endossatário é parte ilegítima “ad causam” para participar da ação como autor. É claro que sabemos existir, no processo, a figura da substituição em alguns casos. Mas neste, não se trata disso. O mandatário age em nome do mandante em todas as hipóteses e só responde perante o mandante pelas faltas que cometer. Assim, entende-se que a redação do 3º parágrafo está incorreta.

No entanto, errada ou não a redação do 3º parágrafo, proposta a ação em nome do endossante, que é o possuidor do título e titular do direito, a exceção que tiver contra o endossante pode ser proposta ainda assim. Com ou sem a lei. Mas como não existiu relação causal ou subjacente com o endossatário, este não vai responder por nada, menos ainda por ser possuidor de um simples mandato para cobrança. (Wille Duarte Costa, Títulos de crédito no Novo Código Civil) extraída da Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, p. 312-13, Acesso 15/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).