quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO - Das Provas - Art. 372 - VARGAS, Paulo S.R.



CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO - Art. 372 - VARGAS, Paulo S.R.
PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM CAPÍTULO XII  – DAS PROVAS - Seção I – Disposições gerais
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Art. 372. O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.

Sem correspondência no CPC/1973

1.    PROVA EMPRESTADA

A regra concernente à produção da prova é que esta se realize dentro do processo em que será utilizada como meio de convencimento do juiz. Em determinados casos, entretanto, em respeito ao princípio da economia processual, é possível aplicar no processo prova já produzida em outro processo, em fenômeno conhecido por “prova emprestada”. A utilização de prova já produzida em outro processo responde aos anseios de economia processual, dispensando a produção de prova já existente, e também da busca da verdade possível, em especial quando é impossível reproduzi-la.
            Não existe prova emprestada documental, porque se a prova é documental, basta a extração de uma cópia do processo de origem e juntada no processo de destino. Tratar-se-á, tanto num como noutro, de prova documental. A prova emprestada deve ter natureza de prova oral ou pericial no processo de origem, sendo documentada em termo de audiência ou em laudo pericial, que será juntado no processo de destino. Tratar-se á de prova atípica, com conteúdo oral ou pericial e forma documental.
            O empréstimo de provas não encontra limitação pela natureza do processo ou mesmo pela Justiça na qual a prova foi produzida. É possível o empréstimo entre processos em trâmite em diferentes Justiças, como também é admissível o empréstimo de provas colhidas em processo criminal para o processo cível, não havendo, nesse caso, a necessidade de se aguardar o trânsito em julgado do processo penal (informativo 536/STJ: 1ª Turma, AgRg no AResp 24.940/RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 18.02.2014, DJe 24.02.2014). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 652. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    RESPEITO AO CONTRADITÓRIO

Apesar de inegável importância da possibilidade aberta às partes de se aproveitarem de prova já produzida em outro processo, há corrente doutrinária que afirma ser imprescindível que a prova tenha sido produzida entre as mesmas partes, sob pena de infração ao princípio do contraditório. A lição deve ser admitida com reservas.
            Parece correto entender que o contraditório é o limite da utilização da prova emprestada, sendo inclusive nesse sentido o art. 372 do CPC, mas esse limite deve ser analisado no caso concreto, sendo admissível que a parte que não participou da produção da prova pretenda utilizá-la contra a parte que o fez. O contraditório é justamente a conjugação da informação + possibilidade de reação + poder de influência, e caso a parte abra mão dessa reação, nada haverá de irregular ou viciado. Imagine-se uma ação civil pública movida pelo Ministério Público contra uma empresa de petróleo em razão de poluição ambiental em alguma região litorânea. A perícia realizada é francamente favorável ao Ministério Público, indicando a poluição e a responsabilidade da empresa. Caso os pescadores da localidade tenham ações individuais contra a empresa poluidora cobrando seus prejuízos em razão do mesmo fato, é inegável que poderão emprestar a prova pericial produzida em processo do qual não participaram.
            O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de admitir o empréstimo de prova mesmo diante de difenteça das partes no processo de origem e de destino da prova, afirmando que o essencial é o respeito ao contraditório e não à identidade subjetiva das duas demandas (informativo 532/STJ: Corte Especial, EREsp 617.428/SP, REl. Min. Nancy Andrighi, j. 04.06.2014, DJe 17.06.2014).
            Outra situação-limite interessante é aquela na qual a prova produzida em outro processo simplesmente não pode mais ser produzida, como no caso do falecimento de uma testemunha ou do perecimento do bem que serviria de objeto da perícia. Nesse caso, o juiz se verá diante de um choque inevitável de princípios: qualidade de prestação jurisdicional (com a utilização da prova em seu convencimento) e o contraditório (com a impossibilidade da parte que não participou da produção da prova de realmente reagir contra a sua formação). A solução, nesse caso, se dá por meio da aplicação da regra da proporcionalidade, pesando, o juiz, os interesses envolvidos e buscando a melhor solução com o fito de gerar o menor prejuízo possível às partes.
            Na hipótese de direitos transindividuais (difusos e individuais homogêneos), é possível que o Ministério Público instaure inquérito civil anteriormente à propositura de demanda judicial. Trata-se de procedimento administrativo facultativo de legitimidade exclusiva do Ministério Público, com o objetivo de colher elementos de convicção para embasar eventual propositura da ação coletiva, celebração de compromissos de ajustamento de conduta ou até mesmo para evitar ações sem fundamento sério. No inquérito civil, invariavelmente, o contraditório não é respeitado, de forma a serem repetidas, em juízo, todas as provas já produzidas em tal procedimento. De qualquer forma, no caso de a prova ser de impossível produção no momento do processo, ou ainda ser muito onerosa a produção probatória, o juiz, sempre, à luz do princípio do livre convencimento motivado, poderá utilizar as provas produzidas no inquérito civil para formar o seu convencimento.
            O art. 372 do CPC se limita a exigir o respeito ao contraditório no empréstimo da prova, não esclarecendo em que termos tal princípio deve ser respeitado. Ao não prever expressamente se o contraditório exigido diz respeito ao processo de origem, de destino, ou a ambos, a divergência doutrinária e a tendência  jurisprudencial já existentes, não devem sofrer alterações na vigência do Novo Código de Processo Civil.
            Quanto ao respeito ao contraditório na prova emprestada, o Enunciado 52 do FPPC indica que “para a utilização da prova emprestada, faz-se necessária a observância do contraditório no processo de origem, assim como no processo de destino, considerando-se que, neste último, a prova mantenha a sua natureza originária”. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 652/653. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

3.    VALORAÇÃO DA PROVA EMPRESTADA

Nos termos do art. 372 do CPC, o juiz do processo de destino atribuirá à prova emprestada a carga valorativa que entender adequada à situação concreta, aplicando-se ao caso o disposto no art. 371 do Novo Código. Significa dizer que o empréstimo se restringe à prova, sendo a valoração da prova um ato personalíssimo do juiz, não pode ser objeto de empréstimo. Assim, mesmo a prova que não convenceu o juiz do processo de origem pode convencer o juiz do processo de destino e vice-versa.
            A prova emprestada para que possa ser valorada pelo juízo de destino não pode ter sido anulada no processo de origem. A análise sobre a regularidade formal da prova oral ou pericial é exclusiva do juízo que a produz, de forma que sendo anulada tal prova no processo de origem, mesmo que o juiz do processo de destino entenda não haver razão legal para tal anulação, não poderá utilizá-la como prova emprestada. Afinal, a valoração só deve ser realizada de prova formalmente perfeita.
            Como já tive oportunidade de defender, entendo que o contraditório não é imprescindível ao empréstimo da prova, que deve ser admitida, ainda que em situações excepcionais, mesmo que ausente o princípio do contraditório. Mas quanto à valoração da prova emprestada, acredito que o contraditório tenha um papel de extrema relevância, já que quanto mais o contraditório for respeitado, maior será a carga probatória das provas produzidas, em razão de sua maior confiabilidade. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 653/654. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

4.    PROVA PRODUZIDA EM OUTRO PROCESSO

Há no art. 372 do CPC uma novidade que promete gerar polêmica. Nos termos do dispositivo legal, há previsão no sentido de que a prova deve ser produzida em processo para poder ser emprestada.
            O aproveitamento das provas colhidas em sede de inquérito civil para fundamentar decisão da ação coletiva é entendimento tranquilo no Superior Tribunal de Justiça, ainda que com uma série de importantes – e nem sempre justificáveis – limitações. É corrente, por exemplo, o entendimento de que as provas colhidas no inquérito civil têm eficácia probatória relativa para fins de instrução da ação civil pública (STJ, 2ª Turma, REsp 1.280.321/MG, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 06.03.2012, DJe 09.03.2012).
            É tranquila a admissão de documentos juntados aos autos do inquérito civil. As mesmas decisões, entretanto, só dão valor à prova testemunhal colhida no inquérito civil por terem sido repetidas na esfera judicial, o que mostra claramente a resistência à aceitação das provas oral e pericial exclusivamente produzidas no inquérito civil (STJ, 1ª Turma, AgRg no AREsp 113.436/SP, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 10.04.2012, DJe 18.05.2012, STJ, 2ª Turma, REsp 401.472/RO, rel. Min. Herman Benjamin, j. 16.06.2010, DJe 27.04.2011).
            Por outro lado, existem decisões que somente afastam as provas colhidas no inquérito civil se houver contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzida sob a vigilância do contraditório. Entendo absolutamente correta a decisão, porque descarta a possibilidade de desconsiderar a prova simplesmente por não ter sido produzida pelo crivo do contraditório, mas ao mesmo tempo alerta que tal princípio empresta à prova produzida sob seu crivo uma maior carga de convencimento, conforme já defendido (STJ, 2ª Turma, REsp 849.841/MG, rel. Min. Eliana Calmon, j. 28.08.2007, p. 216; STJ, 2ª Turma, REsp 644.994/MG, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 17.02.2005, DJ 21.03.2005, p. 336).
            O Superior Tribunal de Justiça também entende cabível a utilização de prova produzida em inquérito policial em ação civil pública, desde que produzida dentro da legalidade (STJ 5ª Turma, RHC 52.209/RS, rel. Min. Jorge Mussi, j. 20.11.2014, DJe 27.11.2014).
            Não sendo o inquérito civil ou policial um processo, mas um procedimento investigativo, uma previsão expressa que condiciona o empréstimo da prova à sua produção em outro processo é promessa certa de polêmica. Particularmente, entendo que a novidade legislativa não será suficiente para alterar a atual jurisprudência. O caminho mais simples, ainda que tecnicamente incorreto, Será afirmar que a prova não está sendo tecnicamente emprestada, mas somente aproveitada na ação judicial, de forma a ser inaplicável o art. 372 do CPC. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 654/655. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO - Art. 371 - VARGAS, Paulo S.R. PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM – CAPÍTULO XII – DAS PROVAS - Seção I – Disposições gerais



CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO - Art. 371 - VARGAS, Paulo S.R.
PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM CAPÍTULO XII  – DAS PROVAS - Seção I – Disposições gerais
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Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.

Correspondência no art. 131 do CPC/1973 com a seguinte redação: o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes, mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.

1.    MEIOS DE VALORAÇÃO DA PROVA

Existem diferentes formas de valoração da prova, ou seja, sistemas consagrados pelo legislador ou pelo direito consuetudinário que devem guiar o juiz na distribuição da carga de convencimento que cada prova terá, no caso concreto, para a formação de seu convencimento. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 648. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    ORDÁLIAS E JUÍZOS DE DEUS

Atualmente não se fala mais em ordálias (ou juízos de Deus), sistema probatório no qual a valoração de provas era fundada em desafios físicos – como atravessar uma fileira de brasa ou se despejar óleo quente – em consultas aos deuses. De fato, tais “meios de prova” nada provam, demonstrando tão somente uma ainda incipiente técnica processual, se é possível qualificar tal sistema de técnico. O desenvolvimento do processo, e da própria humanidade, com a desvinculação do direito da religião, demonstrou, de forma clara, o absurdo de tais atividades, sendo que o sistema das ordálias tem importância meramente histórica. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 648. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).


3.    PROVA LEGAL (PROVA TARIFADA)

No sistema de prova legal, ou prova tarifada, a carga probatória já vem pré-estabelecida em norma escrita, tornando o juiz um simples matemático, que somava as provas produzidas para verificar a ocorrência dos fatos alegados. Nesse sistema, valendo a prova testemunha 1 ponto, a documental, 2 pontos e a confissão, 3 pontos, basta ao juiz somar a prova produzida e declarar vitorioso aquele que somar um maior número de pontos. Obviamente que tal sistema não é adequado, privilegiando a quantidade da prova, e não sua qualidade. Como se verá, entretanto, tal sistema não foi totalmente abandonado por nosso ordenamento, ainda que atualmente exista apenas de forma excepcional.
            O sistema da prova tarifada tinha como ponto central a total ausência de liberdade ao juiz na valoração da prova, pouco importando seu convencimento no caso concreto, já que era obrigado a seguir o estabelecido em lei no tocante à carga de convencimento das provas. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 648/649. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

4.    LIVRE CONVENCIMENTO (PERSUASÃO ÍNTIMA)

O sistema diametralmente oposto ao da prova tarifada é chamado de sistema do livre convencimento ou persuasão íntima, no qual a liberdade do juiz é plena, também peca pelo excesso. Nesse sistema, vale tão somente o convencimento íntimo do juiz, que não se vê obrigado a justificar suas escolhas, podendo até mesmo julgar contra a prova produzida caso assim lhe pareça correto. Como se nota, os extremos de nenhuma liberdade e de liberdade plena ao juiz na valoração da prova criam sistemas de valoração viciados. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 649. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

5.    LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO (PERSUASÃO RACIONAL)

No sistema da persuasão racional, também conhecido pelo princípio do livre convencimento motivado, o juiz é livre para formar seu convencimento, dando às provas produzidas o peso que entender cabível em cada processo, não havendo uma hierarquia entre os meios de prova. Isso, claramente, não significa que o juiz possa decidir fora dos fatos alegados no processo, mas sim que dará, aos fatos alegados, a devida consideração diante das provas produzidas.
            Em tese, portanto, não há uma hierarquia pré-estabelecida da carga probatória dos meios de prova. Diante dessa regra, não seria possível afirmar que um meio de prova é mais importante do que outro, ou que seja insuficiente para demonstrar a ocorrência de determinado fato. É possível, por exemplo, que num determinado processo a prova testemunhal desbancasse a prova pericial, o até mesmo a confissão. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 649. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

6.    SISTEMA ATUAL DE VALORAÇÃO DE PROVAS

Ainda que o nosso sistema de valoração seja o do livre convencimento motivado do juiz, a ausência de hierarquia entre os meios de prova, entretanto, não é regra absoluta em nosso ordenamento. Tomem-se, como exemplo, as hipóteses de presunção legal absoluta e as excepcionais vedações pontuais a determinados meios de prova, resquícios do sistema da prova tarifada.
            Também os arts. 215 e 225 do CC, com a indicação da prova plena no caso de escritura pública e das reproduções mecânicas. A ideia de prova plena agride frontalmente o princípio do livre convencimento motivado, não devendo ser entendida como regra absoluta, mas como simples parâmetro para a decisão judicial. Admitir que a veracidade que decorre da fé pública do oficial público é absoluta, é incorrer em grave equívoco, tratando-se de presunção relativa, podendo obviamente ser afastada por meio de outras provas produzidas (Informativo 541/STJ: 3ª Turma, REsp 1.438.432-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 22.04.2014, DJe 19/05/2014). Dessa forma, apesar da previsão expressa do Código Civil, é mantido, sem alterações, o sistema de apreciação da força probatória dos instrumentos públicos e das reproduções mecânicas (arts. 405 e 422 do CPC atual).
            Note-se que o sistema do livre convencimento motivado deixa o juiz parcialmente livre na apreciação da prova. Se o peso probatório deve ser dado pelo juiz no caso concreto, não pode livremente decidir sobre tal carga probatória, devendo obrigatoriamente motivar sua decisão. Nesse sentido, o disposto no art. 479 deste código do CPC, que afirma não estar o juiz adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos (Informativo 519/STJ), 4ª Turma, REsp 1.095.668-RJ, rel. Min. Luiz Felipe Salomão, j. 12.03.2013). Até mesmo a confissão deve receber a carga devida no caso concreto, podendo perfeitamente ser enfrentada por outras provas produzidas nos autos. Dará, portanto, a carga probatória que entender cabível, mas deverá motivar sua decisão exteriorizando as razões pelas quais deu maior força probatória a uma prova produzida em detrimento de outra. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 649/650. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

7.    O NOVO CPC EXTIRPOU O SISTEMA DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO?

Entendo que o novo CPC manteve o sistema de valoração do livre convencimento motivado, anteriormente previsto no art. 131 do CPC/1973 e atualmente consagrado no art. 371 do novo livro, não me impressionando com a supressão do ordenamento processual a todas as referencias ao termo livre convencimento e a outras expressões em sentido parelho.
            Há certa confusão nesse entendimento porque o sistema de livre convencimento motivado tradicionalmente é vinculado à parte fática da decisão, de forma que as novas exigências de fundamentação quanto à parte jurídica não têm aptidão para alterar o sistema de valoração de provas adotado por nosso sistema processual.
            Afirmar que a mudança legislativa leva ao respeito às decisões dos tribunais superiores ou a exigência de que o juiz enfrente todas as questões arguidas pelas partes demonstram bem a confusão entre a valoração da prova e a fundamentação jurídica da decisão.
            Não há como discordar da corrente doutrina que ensina nunca ter existido discricionariedade do juiz quanto à prova, não sendo razoável se concluir que o princípio do “livre convencimento” legitimaria exame irracional das provas produzidas, tendo servido apenas para se contrapor ao sistema da prova tarifada. Por isso, discordo que a mudança legislativa teria afastado uma discricionariedade na valoração da prova, que em meu entendimento já não existia na vigência do CPC/1973.
            E nesses termos, o livro atual não traz qualquer novidade, porque continua o juiz livre – no sentido de não estar condicionado à valoração abstrata feita por lei – a dar a carga de convencimento a cada meio de prova no caso concreto.
            Também não concordo com corrente doutrinária que defende que a mudança legislativa estabeleceu o dever do juiz de apreciar não a prova que livremente escolher, mas todo o conjunto probatório existente nos autos. O sistema do livre convencimento jamais admitiu tal exclusão de provas da fundamentação do juiz, exigindo, inclusive, que o juiz confrontasse todas as provas produzidas para formar seu convencimento.
            Por outro lado, decisões proferidas com base em expressões vazias tais como “conforme a prova dos autos”, “diante do robusto conjunto probatório formado pela parte”, “as provas produzidas pela parte não deixam margem a dúvida”, além de nada terem a ver com as técnicas de valoração das provas, são nulas. Eram nulas na vigência do CPC/1973 e são nulas na vigência do Livro atual.
            Na realidade, o legislador perdeu excelente oportunidade de criar mecanismos mais efetivos de controle à valoração da prova pelo juiz, sendo insuficiente para esse fim a fundamentação quanto às opções valorativas. É preciso reconhecer que a exigência de fundamentação da valoração probatória não é suficiente para evitar arbítrios judiciais, e que é preciso melhores meios de controle da atividade jurisdicional nesse âmbito.
            Como se pode notar de simples leitura do § 1º, do art. 489 do CPC, nenhuma das exigências quanto à fundamentação da decisão diz respeito à valoração das provas e, por consequência, à decisão da parte fática da demanda. Insisto mais uma vez que se perdeu uma ótima oportunidade de fazê-lo, mas não há como querer criar aquilo que não está previsto. Se nenhuma exigência quanto à fundamentação da parte fática da demanda está prevista no dispositivo legal, exatamente como ele poderia modificar o atual sistema de valoração das provas?
            Uma excelente forma de controle, que poderia ter sido acrescida ao princípio do livre convencimento motivado pelo Atual Código de processo Civil é o que Malatesta chamou de sociabilidade do convencimento que busca afastar a valoração de apreciações subjetivas do juiz. Para o jurista, a valoração deve ser a mesma que seria realizada por qualquer outra pessoa racional, o tradicionalmente chamado “homem médio”, devendo o juiz se convencer da mesma forma como seria convencida qualquer pessoa.
            No mesmo sentido, as lições de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira ao afirmar que a valoração da prova deve respeitar as expectativas do ambiente a que se dirige, de forma que a decisão proferida se mostre convincente ou pelo menos aceitável. Afirma, corretamente o jurista que o juiz deve, em sua valoração da prova, buscar o consenso mais generalizado possível da sociedade em que inserida, proferindo uma decisão que atenda às expectativas sociais.
            São lições que me agradam imensamente porque a valoração das provas diz respeito aos fatos da demanda, o que, portanto, não exige qualquer conhecimento jurídico para ser feita. Significa dizer que qualquer pessoa racional, ainda que sem formação jurídica, tem capacidade de valorar a prova, em situação obviamente diferente daquela verificada na interpretação e aplicação do direito objetivo ao caso concreto.
            Como a valoração da prova não é essencialmente uma atividade jurisdicional sob a perspectiva do conhecimento do Direito, cabe ao juiz se portar como se portaria qualquer pessoa racional em seu lugar. A motivação quanto aos fatos, portanto, não é livre, mas guiada e vigiada pela percepção social do que se espera que o juiz faça em termos de valoração.
            Não pode, por exemplo, o juiz ignorar um laudo pericial de DNA juntado aos autos afirmando ser descrente na ciência. Como também não pode “fundamentar” sua decisão afirmando que não levará as testemunhas em consideração porque o ser humano não merece confiança. Até se pode dizer que, nesses casos, o juiz justificou suas opções valorativas da prova, mas é manifesto que tal “fundamentação” não pode ser admitida. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 650/651. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

8.    PRINCÍPIO DA COMUNHÃO DE PROVAS

Nos termos do art. 371 deste CPC, o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido. A valoração, portanto, independe da prova ter sido requerida pelas partes, pelo Ministério Público como fiscal da ordem jurídica ou determinada de ofício pelo juiz. Até porque, o que interessa na valoração é o resultado da prova e não o responsável pela sua promoção.
            Segundo o princípio da comunhão das provas, adotado pelo direito processual brasileiro, a prova produzida é prova do processo, de forma que, após sua produção, em nada interessa quem foi o responsável por ter arroladoa testemunha, juntado o documento aos autos ou pela realização da perícia. Sendo prova do processo, não tem dono, devendo ser todas as provas valoradas da mesma forma. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 651/652. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO - Art. 370 - PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM – CAPÍTULO XII – DAS PROVAS - Seção I – Disposições gerais



CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO - Art. 370 - VARGAS, Paulo S.R.

PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM CAPÍTULO XII  – DAS PROVAS - Seção I – Disposições gerais
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Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.
Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

Correspondência no art. 130 do CPC/1973 com a seguinte redação: Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

1.    SUPOSTOS IMPEDIMENTOS PARA A ADMISSÃO DA PRODUÇÃO DE PROVA DE OFÍCIO

Durante muito tempo pensava-se no juiz como figura, além de imparcial, absolutamente desinteressado com o resultado do processo. Dizia-se que o bom juiz era aquele que interferia o mínimo possível no processo, deixando, às partes, as iniciativas postulatórias e probatórias, tudo em respeito ao princípio dispositivo. Confundia-se imparcialidade com omissão e neutralidade, preferindo-se o juiz distante ao juiz participativo. Era a época do chamado “juiz-Olimpo”.
         Essa visão está intimamente ligada à ideia do processo como coisa das partes, em nítida associação do processo com o direito privado. A doutrina moderna repele tal entendimento, parecendo não haver grande dúvida entre os doutrinadores que defendem a natureza pública do processo. A partir dessa mudança de entendimento, passou-se também a encarar a missão do juiz do processo de uma nova forma, sob um novo ângulo de visão. A figura do juiz distante e desinteressado, que tudo deixava às partes, em especial no que tange ao conjunto probatório, não mais responde aos anseios de uma prestação jurisdicional de qualidade.
         As justificativas que impediam a atuação oficiosa do juiz, no campo probatório, foram corretamente afastadas pela melhor doutrina.
         Afirmava-se que, sendo o direito material disponível, a parte poderia dispor das provas, o que impediria a atuação do juiz em razão do princípio dispositivo. Para parcela da doutrina, o princípio dispositivo deve expressar somente as limitações impostas ao juiz, referentes aos atos processuais das partes voltados diretamente ao direito disponível, e não à sua atuação probatória. Por outro lado, ainda que o direito seja disponível, o juiz não é obrigado a compactuar com o desleixo probatório da parte, o que naturalmente prejudica a qualidade da tutela jurisdicional prestada. Deve homologar os atos dispositivos do direito, o que não significa sacrificar a qualidade de sentença genuína de mérito em razão da ausência de prova.
         O principio da igualdade das partes não pode servir de argumento válido à proibição da produção de prova de ofício, considerando-se que a isonomia real exige um tratamento diferenciado dos sujeitos desiguais, nos limites de sua desigualdade. A igualdade de partes desiguais, em termos econômicos ou técnicos, só poderá ser efetivada no processo com a permissão da atividade instrutória de ofício, o que evitará que a vitória ocorra em razão de superioridade econômica ou técnica de uma delas. A paridade de armas, exigência fundamental do contraditório efetivo, muitas vezes exige do juiz uma posição mais ativa na instrução probatória, como forma de igualar, concretamente, as chances de ambas as partes se sagrarem vitoriosas na demanda.
         Por fim, a atividade instrutória do juiz não contamina sua indispensável imparcialidade, até mesmo porque o juiz não tem condições de terminar a priori o resultado da prova, sendo incorreto imaginar que a determinação da produção de prova possa beneficiar autor ou réu. Na realidade, se a prova efetivamente convencer o juiz, seu resultado beneficiará o titular do direito material, sendo esse o objetivo precípuo da atividade jurisdicional. Por outro lado, não seria parcial o juiz que deixa de produzir prova quando possível, beneficiando a parte que não tinha o ônus de provar? Juiz imparcial não é juiz neutro e tampouco juiz desinteressado na qualidade da prestação jurisdicional. A imparcialidade do juiz não se garante ao impedi-lo de produzir prova de ofício, mas ao exigir o respeito ao contraditório em sua produção e a motivação de suas opções no tocante ao aspecto fático da demanda. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 646. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    PRODUÇÃO DE PROVA DE OFÍCIO E A REQUERIMENTO DAS PARTES

Na primeira parte do art. 370, caput, deste CPC, abre-se ao juiz a possibilidade de, mesmo diante da inércia das partes no tocante à produção probatória, a determinação de tal produção de ofício. Tal postura, permitida pela lei, deve, até mesmo pela própria lógica do sistema, somente ser adotada após as partes terem esgotado as provas que pretendiam produzir. Após a realização da prova pelas partes, e ainda havendo questão não clara ao juiz, nenhum problema haverá se o juiz determinar a sua produção de ofício. Havendo pedido das partes para a produção de prova, cabe ao juiz analisar sua pertinência e relevância e decidir fundamentadamente (art. 93, IX, da CF c.c. art. 11, caput, deste CPC).
         Observe-se que, mesmo quando o juiz se lança à instrução probatória de ofício, estará adstrito aos fatos jurídicos que compõem a causa de pedir do autor e eventualmente aos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos alegados pelo réu em sua contestação. O que o art. 370, caput, do CPC permite é simplesmente uma atuação oficiosa no que se refere à produção da prova, jamais um alargamento dos fatos que, narrados pelas partes, sempre limitarão a atividade do juiz, em respeito ao princípio dispositivo, que se bem verdade atualmente é visto com alguma ponderação, ainda é a regra geral no tocante ao interesse maior, sendo permitido ao juiz não soa a produção da prova, mas também fundamentar sua decisão em fato não alegado pelas partes, aplicando-se no caso o princípio da cooperação ao exigir a prévia oitiva das partes em contraditório. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 647. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

3.    “PODERES” INSTRUTÓRIOS DO JUIZ?

Entendo que o art. 370, caput, deste livro do CPC, perdeu uma excelente oportunidade de desmistificar a ideia corrente de que a atividade oficiosa na instrução probatória é um poder do juiz. Poderia ter o dispositivo esclarecido que a produção de provas de ofício não é um dever do juiz, mas sim uma faculdade, não sendo nula a sentença que aplica o ônus da prova mesmo quando o juiz poderia ter produzido prova de ofício. Seria uma ótima forma de reconhecer que os chamados “poderes instrutórios” do juiz, na realidade, são faculdades instrutórias.
         Como não acredito que exista efetivamente um poder instrutório do juiz, é preciso analisar com redobrada atenção o Enunciado 297 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): “O juiz que promove julgamento antecipado do mérito por desnecessidade de outras provas não pode proferir sentença de improcedência por insuficiência de provas”.
         O elogio ou a crítica ao Enunciado dependerá da premissa criada pelo juiz para considerar desnecessária a produção da prova. Se o fez porque já estava plenamente convencido, não há qualquer motivo lógico ou jurídico que legitime um julgamento antecipado do mérito fundado na regra do ônus da prova. Afinal, essa regra de julgamento só é aplicável quando existe dúvida do juiz a respeito dos fatos. Por outro lado, se a desnecessidade decorreu da postura das partes, que expressamente pediram o julgamento antecipado do mérito, a aplicação da regra do ônus da prova é legítima, justamente porque o juiz não tem dever de produzir prova de ofício, mas somente a faculdade de assim proceder. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 647. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

4.    PROVA DE OFÍCIO E ÔNUS PROBATÓRIO

É importante consignar que a existência da regra do ônus da prova em nada interfere nos poderes instrutórios do juiz. Pelo aspecto subjetivo, já foi afirmado que a atuação oficiosa do juiz não favorece quem tinha o ônus da prova e dele não se desincumbiu, mas a parte que efetivamente tem o direito material. E também quando o ônus da prova é analisado sob o seu aspecto, ou seja, como regra de julgamento diante da ausência ou insuficiência de prova, o encargo não desaparecerá necessariamente pelo fato de o juiz ter produzido prova de ofício. Basta imaginar que, apesar de ter sido produzida por iniciativa do juiz, tal prova não tenha gerado elementos suficientes para a formação de seu convencimento. O que é preciso ficar claro é que mesmo tendo sido produzida a prova de ofício pelo juiz, tal postura ativa não o impedirá de aplicar a regra do ônus da prova sempre que a prova produzida tenha se mostrado inconclusiva.