sábado, 2 de maio de 2015

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – LIVRO I – DO PROCESSO EM GERAL – TÍTULO I - DISPOSIÇÕES PRELIMINARES - TITULO II – DO INQUÉRITO POLICIAL - DECRETO LEI N. 3.689 DE 3 DE OUTUBRO DE 1941 - VARGAS DIGITADOR



CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – LIVRO I – DO PROCESSO EM GERAL – TÍTULO I - DISPOSIÇÕES PRELIMINARES -  TITULO II – DO INQUÉRITO POLICIAL - DECRETO LEI N. 3.689 DE 3 DE OUTUBRO DE 1941 - VARGAS DIGITADOR

Art. 1º.  O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro por este Código, ressalvados:
·       O Decreto n. 4.388, de 25-9-2002, promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.

I – os tratados, as convenções e regras de direito internacional;
·       O Decreto n. 3.167, de 14-9-1999, promulga a Convenção sobre a Prevenção e punição de Crimes contra Pessoas que Gozam de Proteção Internacional.
II – as prerrogativas constitucionais do Presidente da república, dos ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade (Constituição, arts. 86, 89, § 2º, e 100)
** Os artigos citados são da Constituição de 1937. Vide arts. 50, § 2º, 52, I e parágrafo único, 85, 86, § 1º, II, e 102, I, b, da CF.

III – os processos da competência da Justiça Militar;
** Nos termos do art. 124, caput, da CF, a competência para processar e julgar os crimes militares é da Justiça Militar.
·       CPP Militar: Decreto-lei n. 1002,de 21-10-1969.

IV – os processos da competência do tribunal especial (Constituição, art. 122, n. 17);
** Refere-se o texto à CF de 1937.

V – os processos por crimes de imprensa.
** O STF, no julgamento de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 130-7, em 30-4-2009, declarou a não recepção da Lei n. 5.250, de 9-2-1967 (Lei de Imprensa), pela Constituição Federal.

Parágrafo único. Aplicar-se-á, entretanto, este Código aos processos referidos nos nºs. IV e V, quando as leis especiais que os regulam não dispuserem de modo diverso.

Art. 2º. A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.
·       Vide arts. 1º a 3º do CP.

Art. 3º.  A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.
·       Vide art. 1º do CP.

TITULO II – DO INQUÉRITO POLICIAL

Art. 4º.  A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.
** Caput com redação determinada pela Lei n. 9.043, de 9-5-1995.
·       Vide art. 144, § 1º, IV, da CF.
·       Vide art. 107 do CPP.
Parágrafo único. a competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.
** vide Súmula 397 do STF.
·       Vide arts. 51,IV,52, XIII, e 58, § 3º da CF.

Art. 5º.  Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:
I – de ofício;
II -  mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

§ 1º. O requerimento a que se refere o n. II conterá sempre que possível:
a)    a narração do fato, com todas as circunstâncias;
b)    a individualização do indicado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer;
c)    a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência.

§ 2º. Do despacho que indefere o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia.
§ 3º. Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.
§ 4º. O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado.
§ 5º. Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la.
·       Vide arts. 24 e 30 do CPP.
·       Vide art. 100 do CP.
·       Vide Súmula 594 do STF.

Art. 6º. Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
I – dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;
** Inciso I com redação determinada pela Lei n. 8.862, de 28-3-1994.
·       Vide arts. 158 a 184, deste Código, sobre exame de corpo de delito e pericias.
·       A Lei n. 5.970, de 11-12-1973, exclui os casos de acidente de trânsito da aplicação deste artigo.

II – apreender os objetos que tiverem relação como fato, após liberados pelos peritos criminais;
** inciso II com redação determinada pela Lei n. 8.862, de 28-3-1994.
·        Vide art. 91, II, a e  b, do CP, sobre eleitos da condenação.

III – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;
** vide arts. 155 a 250 do CPP, sobre prova.

IV – ouvir o ofendido;
·       Vide art. 201 do CPP, sobre perguntas ao ofendido.

V – ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por 2 (duas) testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura;
** Vide arts. 185 a 196 do CPP, sobre interrogatório do acusado.

VI – Proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações;
·       Vide arts. 226 a 228 (reconhecimento de pessoas e coisas), 229 e 230 (acareação)  do CPP.

VII – Determinar se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;
·       Vide arts. 158 a 184 do CPP, sobre exame de corpo de delito e das perícias em geral.

VIII – Ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;
** vide Lei n. 12.037, de 1º-10-2009.
·       Vide art. 5º, LVIII, da CF.

IX -  averiguar a vida pregressa do indiciado, so o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.
** vide arts. 240 a 250 do CPP, sobre busca e apreensão.
·       Vide art. 59 do CP.

Art. 7º. Para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a modalidade ou a ordem pública.

Art. 8º.  Havendo prisão em flagrante, será observado o disposto no Capítulo II do Título IX deste livro.
·       Vide arts. 292, 294, 301 a 310, 325, § 2º, 332, 530, 564 e 581, V, do CPP, sobre prisão em flagrante.

Art. 9º.  Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade.
·       Vide Súmula Vinculante 14.

Art. 10.  O inquérito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trinta) dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.

** Nos crimes contra a economia popular, prazo de 10 dias, para indiciado solto ou preso (art. 10, § 1º, da Lei n. 1.521, de 26-12-1951).
** Nos inquéritos atribuídos à polícia federal: prazo de 15 dias (indiciado preso), podendo ser prorrogado por mais 15 (art. 66 da Lei n. 5.010, de 30-5-1966).
** Nos inquéritos militares: prazo de 20 (indiciado preso) e 40 dias (indiciado solto), podendo, neste último caso, ser prorrogado por mais 20 dias (art. 20 do Decreto-lei n. 1002, de 21-10-1969).
** Nos crimes da Lei de Drogas: prazo de 30 (indiciado preso) e 90 dias (se solto) (art. 51 da Lei n. 11.343, de 23-8-2006).

§ 1º. A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará os autos ao juiz competente.
·       Vide art. 23 do CPP.
·       Vide art. 52, I, da Lei in. 11.343, de 23-8-2006.

§ 2º.  No relatório poderá a autoridade indicar testemunhas que não tiverem sido inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser encontradas.

§ 3º. Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz.

Art. 11. Os instrumentos do crime, bem como os objetos que interessarem à prova,acompanharão os autos do inquérito.
·       Vide arts. 155 a 250 do CPP, sobre prova.

Art. 12.  O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra.

Art. 13. Incumbirá ainda à autoridade policial:
I – fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos;
II – realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público;
III – Cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias;
IV – representar acerca da prisão preventiva.

Art. 14. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade.
·       Vide Súmula Vinculante 14.

Art. 15. Se o indiciado for menor, ser-lhe-á nomeado curador pela autoridade policial.
** Vide Lei n. 8.069, de 13-7-1990 (ECA).
** Vide art. 5º do CC.
** Vide Súmula 352 do STF.
·       Vide art. 262 e 564, III, c, do CPP.

Art. 16. O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.
·       Vide art. 129, VIII, da CF.

Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito.
·       Vide arts. 42 e 576 do CPP

Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia.
·       Vide art. 28 do CPP.
·       Vide Súmula 524 do STF.

Art. 19. Nos crimes em que não couber ação pública, os autos do inquérito serão remetidos ao juízo competente, onde aguardarão a iniciativa do ofendido ou de seu representante legal, ou serão entregues ao requerente, se o pedir, mediante traslado.

Art. 20.  A autoridade assegurará  no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.
Parágrafo único. nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quais quer anotações referentes a instauração de inquérito contra os requerentes, salvo no caso de existir condenação anterior.
** Parágrafo único acrescentado pela Lei n. 6.900, de 14-4-1981.

Art. 21.  A incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de desfecho nos autos e somente será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir.

Parágrafo único.  A incomunicabilidade, que não excederá de 3 (três) dias, será decretada por despacho fundamentado do juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do órgão do Ministério Público, respeitado, em qualquer hipótese,o disposto no art. 89, III, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n. 4.215, de 27 de abril de 1963).
** Parágrafo único com redação determinada pela Lei n. 5.010, de 30-5-1966.
** A Lei in. 4.215, de 27-4-1963, encontra-se revogada pela lei n. 8.906, de 4-7-1994 (EAOAB).
** Vide arts. 5º, LXII e LXIII, e 136, § 3º, IV, da CF.
·       Vide art. 7º, III, da Lei n. 8.906, de 4-7-1994

Art. 22.  No Distrito Federal e nas comarcas em que houver mais de uma circunscrição policial, a autoridade com exercício em uma delas poderá, nos inque´ritos a que esteja procedendo, ordenar diligências em circunscrição de outra, independentemente de precatórias ou requisições, e bem assim providenciará, até que compareça a autoridade competente, sobre qualquer fato que ocorra em sua presença, noutra circunscrição.


Art. 23. Ao fazer a remessa dos autos do inquérito ao juiz competente, a autoridade policial oficiará ao Instituto de Identificação e Estatística, ou repartição congênere, mencionando o juízo a que tiverem sido distribuídos, e os dados relativos á infração penal e à pessoa do indiciado.

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – DECRETO LEI N. 3.689, DE 3-10-1941 – MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E NEGÓCIOS INTERIORES – GABINETE DO MINISTRO – VARGAS DIGITADOR.



EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – DECRETO LEI N. 3.689, DE 3-10-1941 – MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E NEGÓCIOS INTERIORES – GABINETE DO MINISTRO – VARGAS DIGITADOR.

Senhor Presidente:
Tenho a honra de passar as mãos de Vossa Excelência o projeto do Código de Processo Penal do Brasil.

Como sabe Vossa Excelência, ficará inicialmente resolvido que a elaboração do projeto de Código único para o processo penal não aguardasse a reforma, talvez demorada do Código Penal de 90.

Havia um dispositivo constitucional a atender, e sua a execução não devia ser indefinidamente retardada. Entretanto, logo após a entrega do primitivo projeto, organizado pela Comissão oficial e afeiçoado à legislação penal substantiva ainda em vigor, foi apresentado pelo Senhor Alcântara Machado, em desempenho da missão que lhe confiara o Governo, o seu anteprojeto de novo Código Penal: A  presteza com que o insigne e pranteado professor da Faculdade de Direito de são Paulo deu conta de sua árdua tarefa fez com que se alterasse o plano traçado em relação ao futuro Código de Processo Penal. Desde a relativa remodelação da nossa antiquada lei penal material, deixava de ser aconselhado que se convertesse em lei o projeto acima aludido, pois estaria condenado a uma existência efêmera.

Decretado o novo Código Penal, foi então empreendida a elaboração do presente projeto, que resultou de um cuidadoso trabalho de revisão e adaptação do projeto anterior.

Se for convertido em lei, não estará apenas regulada a atuação da justiça penal em correspondência com o referido novo Código e com a Lei de Contravenções (cujo projeto, nesta data, apresento igualmente à  apreciação de Vossa Excelência): estará, no mesmo passo, finalmente realizada a homogeneidade do direito judiciário penal do Brasil, segundo reclamava, de há muito, o interesse da boa administração da justiça, aliado ao próprio interesse da unidade nacional.

A REFORMA DO PROCESSO PENAL VIGENTE

II – De par com a necessidade de coordenação sistemática das regras do processo penal num Código único para todo o Brasil, impunha-se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiência e energia da ação repressiva do Estado contra os que delinquem. As nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos réus ainda que colhidos em flagrante ou confundidos pela evidência das provas, um tão extenso catálogo de garantias e fatores, que a repressão se torna necessariamente, defeituosa e retardatária, decorrendo daí um indireto estímulo à expansão da criminalidade. Urge que seja abolida a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da tutela social. Não se pode continuar a contemporizar com pseudodireitos individuais em prejuízo do bem comum. O indivíduo, principalmente quando vem de se mostrar rebelde à disciplina jurídico-penal da vida em sociedade,não pode invocar, em face do Estado, outras franquias ou imunidades além daquelas que o assegurem contra o exercício do poder público fora da medida reclamada pelo interesse social. Este o critério que presidiu à elaboração do presente projeto de Código. No seu texto, não são reproduzidas as fórmulas tradicionais de um mal-avisado favorecimento legal aos criminosos. O processo penal é aliviado dos excessos de formalismo e joeirado de certos critérios normativos com que, sob o influxo de um mal compreendido individualismo ou de um sentimentalismo mais ou menos equívoco, se transige com a necessidade de uma rigorosa e expedita aplicação da justiça penal.

As nulidades processuais, reduzidas ao mínimo, deixam de ser o que têm sido até agora, isto é, um meandro técnico por onde se escoa a substância do processo e se perdem o tempo e a gravidade da justiça. É coibido o êxito das fraudes, subterfúgios e alicantinas. É restringida a aplicação do in dubio pro reo. É ampliada a noção do flagrante. A decretação da prisão preventiva, que, em certos casos, deixa de ser uma faculdade, para ser um dever imposto ao juiz, adquire a suficiente elasticidade para tornar-se medida plenamente assecuratória da efetivação da justiça penal. Tratando-se de crime inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará à prisão, desde que o preso seja imediatamente apresentado ao juiz que fez expedir o mandado. É revogado o formalismo complexo da extradição interestadual de criminosos. O prazo da formação da culpa é ampliado, para evitar o atropelo dos processos ou a intercorrente e prejudicial solução de continuidade da detenção provisória dos réus. Não é consagrada a irrestrita proibição do julgamento ultra petitum. Todo um capítulo é dedicado às medidas preventivas assecuratórias da reparação do dano ex delicto.

Quando da última reforma do processo penal na Itália, o Ministro Rocco, referindo-se a algumas dessas medidas e outras análogas, introduzidas no projeto preliminar,  advertia que elas certamente iriam provocar o desagrado daqueles que estavam acostumados a aproveitar e mesmo abusar das inveteradas deficiências e fraquezas da processualística penal até então vigente. A mesma previsão é de ser feita em relação ao presente projeto, mas são também de repetirem-se as palavras de Rocco: “Já se foi o tempo em que a alvoroçada coligação de alguns poucos interessados podia frustrar as mais acertadas e urgentes reformas legislativas”.

E, se, por um lado, os dispositivos do projeto tendem a fortalecer e prestigiar a atividade do estado na sua função repressiva, é certo, por outro lado, que asseguram, com muito mais eficiência do que a legislação atual, a defesa dos acusados. Ao invés de uma simples faculdade outorgada a estes e sob a condição de sua presença em juízo, a defesa passa a ser, em qualquer caso, uma indeclinável injunção legal, antes, durante e depois da instrução criminal. Nenhum réu, ainda que ausente do distrito da culpa, foragido ou oculto, poderá ser processado sem a intervenção e assistência de um defensor. A pena de revelia não exclui a garantia constitucional da contrariedade do processo.  Ao contrário das leis processuais em vigor, o projeto não pactua, em caso algum, com a insídia de uma acusação sem o correlativo da defesa.

SUBSÍDIO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE E PROJETOS ANTERIORES

III – À parte as inovações necessárias à aplicação do novo Código Penal e as orientadas no sentido da melhor adaptação das normas processuais à sua própria finalidade, o projeto não altera o direito atual, senão para corrigir imperfeições apontadas pela experiência, dirimir incertezas da jurisprudência ou evitar ensejo à versatilidade dos exegetas. Tanto quanto o permitiu a orientação do projeto, foi aproveitado o material da legislação atual. Muito se respigou em vários códigos de processo penal estaduais, e teve-se também em conta não só o projeto elaborado pela Comissão Legislativa nomeada pelo Governo Provisório em 1931, como o projeto de 1936, este já norteado pelo objetivo de unificação, do direito processual penal.

A respeito de algumas das inovações produzidas e da fidelidade do projeto e certas práticas e critérios tradicionais, é feita, a  seguir, breve explanação.

A CONSERVAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL

IV – Foi mantido o inquérito policial como processo preliminar ou preparatório da ação penal, guardadas as suas características atuais. O ponderado exame da realidade brasileira, que não é apenas a dos centros urbanos, serão também a dos remotos distritos das comarcas do interior, desaconselha o repúdio do sistema vigente.

O preconizado juízo de instrução, que importaria limitar a função da autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas, só é praticável sob a condição de que as distâncias dentro do seu território de jurisdição sejam fácil e rapidamente superáveis. Para atuar proficuamente em comarcas extensas, e posto que deva ser excluída a hipótese de criação de juizados de instrução em cada sede do distrito, seria preciso que o juiz instrutor possuísse o dom da ubiquidade. De outro modo não se compreende como poderia presidir a todos os processos nos pontos diversos da sua zona de jurisdição, a grande distância uns dos outros e da sede da comarca, demandando, muitas vezes, com os morosos meios de condução ainda praticados na maior parte do nosso hinterland, vários dias de viagem. Seria imprescindível, na prática, a quebra do sistema: nas capitais e nas sedes de comarca em geral, a imediata intervenção do juiz instrutor, ou a instrução única;  nos distrititos longínquos, a continuação do sistema atual. Não cabe, aqui, discutir as proclamadas vantagens do juízo de instrução.

Preliminarmente,a sua adoção entre nós, na atualidade, seria incompatível com o critério de unidade da lei processual. Mesmo, porém, abstraída essa consideração, há em favor de inquérito policial, como instrução provisória antecedendo à propositura da ação penal, um argumento dificilmente contestável: é ele uma garantia contra apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime ou antes que seja possível uma exata visão de conjunto dos fatos, nas SUS circunstâncias objetivas e subjetivas. Por mais perspicaz e circunspecta, a autoridade que dirige a investigação inicial, quando ainda perdura o alarma provocado pelo crime, está sujeita a equívocos ou falsos juízos a priori, ou a sugestões tendenciosas. Não raro, é preciso voltar atrás, refazer tudo, para que a investigação se oriente no rumo certo, até então despercebido. Por que, então, abolir-se o inquérito preliminar ou instrução provisória, expondo-se a justiça criminal aos azares do detetivismo, às marchas e contramarchas de uma instrução imediata e única? Pode ser mais expedito o sistema de unidade de instrução, mas so nosso sistema tradicional com o inquérito preparatório, assegura uma justiça menos aleatória, mas prudente e serena.

A AÇÃO PENAL

V – o projeto atende ao princípio ne procedat judex ex officio, que, ditado pela evolução do direito judiciário penal e já consagrado pelo novo Código Penal, reclama a completa separação entre o juiz e o órgão da acusação, devendo caber exclusivamente a este a iniciativa da ação penal. O procedimento ex officio só é mantido em relação às contravenções, que, dado o caráter essencialmente preventivo que assume, na espécie, a sanção penal, devem ser sujeitas a um processo particularmente célere, sob pena de frustrar-se a finalidade legal. A necessidade de se abolirem, nesse caso, as delongas processuais motivou mesmo a transferência, respeitada pelo projeto de se permitir à autoridade policial, para o efeito de tal processo, excepcional função judiciária.

É devidamente regulada a formalidade da representação, de que depende em certos casos, na conformidade do novo código Penal, a iniciativa do Ministério Público.

São igualmente disciplinados os institutos da renunciai e do perdão, como causas de extinção da punibilidade nos crimes de ação privada.

Para dirimir dúvidas que costumam surgir no caso de recusa do promotor da justiça em oferecer denúncia, adotou o projeto a seguinte norma: “Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao Procurador-Geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender”.

A REPARAÇÃO DO DANO “EX DELICTO”

VI – O projeto,ajustando-se ao Código Civil e ao novo Código Penal, mantém a separação entre a ação penal e a ação civil ex delicto,  revelando o instituto ambíguo da constituição de “parte civil” no processo penal. A obrigação de reparar o dano resultante do crime não é uma consequência de caráter penal, embora se torne certa quando haja sentença condenatória no juízo criminal. A invocada conveniência prática da economia de juízo não compensa o desfavor que acarretaria ao interesse da repressão a interferência de questões de caráter patrimonial no curso do processo penal. É indissimulável o mérito da argumentação de Sá Ferreira na “Exposição de Motivos” do seu “Projeto de Código Penal”, refutando as razões com que se defende o deslocamento da reparação do dano ex delicto para o campo do direito público:

“A meu ver, o que há de verdade nessas alegações não atinge os dois pontos seguintes: 1) que a reparação do dano é matéria de direito civil, e 2) que a repressão sofreria, se,,no crime, a pleiteássemos. Se há lesão patrimonial, a reparação há de ser pedida a um outro patrimônio, e se me afigura impossível deslocar esta relação entre dois patrimônios no capo do direito privado para o do direito público, como querem os positivistas. Abrir no processo-crime a necessária margem à ação reparadora seria ou fazer marcharem simultaneamente as duas ações no mesmo processo, o que se tornaria tumultuário, ou paralisar o processo-crime para que o cível o alcançasse no momento final de pronunciamento da sentença que aplicasse a pena e ficasse a indenização. Não creio que a repressão ganhasse com isto alguma coisa; ao contrário, perderia muito de sua prontidão e rapidez”.

Limita-se o projeto a outorgar ao juiz da actio civilis ex delicto a faculdade de sobrestar no curso desta até o pronunciamento do juízo penal. Desde que exista julgamento definitivo no processo-crime, prevalece o disposto no art. 1.525 do Código Civil, isto é, a prejudicialidade daquele sobre o julgamento no cível, relativamente à existência do fato, ou quem seja o seu autor. É expressamente  declarado que faz coisa julgada no cível a sentença peal que reconhecer,no caso concreto, qualquer das hipóteses do art. 19 do Código Penal.não será prejudicial da ação cível a decisão que,no juízo penal: 1) absolver o acusado, sem reconhecer,categoricamente, a inexistência material do fato; 2) ordenar o arquivamento do inquérito ou das peças de informação, por insuficiência de prova quanto á existência do crime ou sua autoria; 3) declarar extinta a punibilidade; ou 40 declarar que o fato imputado não é definido como crime.

O projeto não descurou de evitar que se torne ilusório o direito à reparação do dano, instituindo ou regulando eficientemente medidas assecuratórias (sequestro e hipoteca legal dos bens do indicado ou do responsável civil), antes mesmo do início da ação, ou do julgamento definitivo, e determinando a intervenção do Ministério Público, quando o titular do direito à indenização não disponha de recursos pecuniários pra exercê-lo, ficará, assim, sem fundamento a crítica, segundo a qual, pelo sistema do direito pátrio, a reparação do dano ex delicto não passa de uma promessa vã ou platônica da lei.

AS PROVAS

VII – O projeto abandonou radicalmente o sistema  chamado da certeza legal. Atribui ao juiz a faculdade de iniciativa de provas complementares ou supletivas, quer  no curso da instrução criminal, quer a final,, antes de proferir a sentença. Nãoa serão atendíveis as restrições à prova estabelecidas pela lei civil, salvo quanto ao estado das pessoas; nem é prefixada uma hierarquia de provas:  na livre apreciação destas, o juiz formará, honesta e lealmente, a sua convicção. A própria confissão do acusado  não constitui, fatalmente, a prova plena de sua culpabilidade. Todas as provas são relativas; nenhuma delas terá, ex vi legis valor decisivo, ou  necessariamente maior prestígio que outra. Se é  certo que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, não é menos certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, através delas, a verdade material. O juiz criminal é, assim, restituído à sua própria consciência. Nunca é demais, porém, advertir  que livre convencimento não quer dizer puro capricho de opinião ou mero arbítrio na apreciação das provas. O juiz está livre de preconceitos legais na aferição das provas, mas não pode abstrair-se ou alhear-se ao seu conteúdo. Não estará ele dispensado de motivar a sua sentença. E precisamente nisto reside a suficiente  garantia do direito das partes e do interesse social.

Por outro lado, o juiz deixará de ser um espectador inerte da produção de provas. Sua intervenção natividade processual é permitida,, não somente para dirigir a marcha da ação penal e julgar a final, mas também para ordenar, de ofício, as provas que lhe parecerem úteis ao esclarecimento da verdade. Para a indagação desta, nãoestará sujeito a preclusões. Enquanto não estiver averiguada a matéria da acusação ou da defesa, e houver uma fonte de prova ainda não explorada, o juiz não deverá pronunciar o in dubio pro reo ou o non liquet.

Como corolário do sistema de livre convicção do juiz, é rejeitado o velho brocardo testis unus testis  nullus. Não se compreende a prevenção legal contra  a voix d’un, quando, tal seja o seu mérito, pode bastar á elucidação da verdade e a certeza moral do juiz. Há atualidade,aliás, a exigência da lei, como se sabe, é contornada por uma simulação prejudicial ao próprio decoro ou gravidade da justiça, qual à consistente em suprir-se o mínimo legal de testemunhas com pessoas cuja insciência acerca do objeto do processo é previamente conhecida, e que somente vão a juízo para declarar que nada sabem.

Outra inovação, em matéria de prova, diz respeito ao interrogatório do acusado. Embora mantido o princípio de que nemo tenetur se detegere não estando o acusado na estrita obrigação de responder o que se lhe perguntar, já não será esse termo do processo, como atualmente, uma série de perguntas predeterminadas, sacramentais, a que o acusado dá as respostas de antemão estudadas, para não comprometer-se, mas uma franca oportunidade de obtenção de prova. É facultado ao juiz formular ao acusado quaisquer perguntas que julgue necessárias à pesquisa da verdade, e se é certo que o silêncio do réu não importará confissão, poderá, entretanto, servir, em face de outros indícios, à formação do convencimento do juiz.

O projeto ainda inova quando regula especialmente como meio de prova o “reconhecimento de pessoas e coisas’, quando estabelece a forma de explicação de divergência entre testemunhas presentes e ausentes do distrito de culpa, e, finalmente, quando, ao regular a busca, como expediente de consecução pessoal, para disciplinar diversamente, como é justo, as duas espécies.

A PRISÃO EM FLAGRANTE E A PRISÃO PREVENTIVA

VIII – A prisão em flagrante e a prisão preventiva são definidas com mais latitude do que na legislação em vigor. O clamor público deixa de ser condição necessária para que se equipare ao estado de flagrância o caso em que o criminoso, após a prática do crime, está a fugir. Basta que, vindo se cometer o crime, o fugitivo seja  perseguido “pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração”; preso em tais condições, entende-se preso em flagrante delito. Considera-se, igualmente, em estado de flagrância o indivíduo que, logo em seguida à perpetração do crime, é encontrado “com o instrumento, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser autor da infração”. O interesse da administração pode continuar a ser sacrificado por obsoletos escrúpulos formalísticos, que redundam, em assegurar, com prejuízo da futura ação penal, a afrontosa intangibilidade de criminosos surpreendidos na atualidade ainda palpitante do crime e em circunstâncias  que  evidenciam sua relação com este.

A prisão preventiva, por sua vez, desprende-se dos limites estreitos até agora traçados à sua admissibilidade. Pressuposta a existência de suficientes indícios para a imputação da autoria do crime, a prisão preventiva poderá ser decretada toda vez que o reclame o interesse da ordem pública, ou da instrução criminal, ou da efetiva aplicação da lei penal. Tratando-se de crime a que seja cominada pena de reclusão por tempo, no máximo, igual ou superior  a  10 (dez) anos, a decretação da preventiva será obrigatória, dispensando outro requisito além da prova indiciária contra o acusado. A duração da prisão provisória continua a  ser condicionada, até o encerramento da instrução criminal, à efetividade dos atos processuais dentro dos respectivos prazos; mas estes são razoavelmente dilatados.

Vários são os dispositivos do projeto que cuidam de prover a maior à maior praticabilidade da captura de criminosos que já se acham sob decreto de prisão. Assim, a falta de exibição do mandado, como já  foi, de início acentuado, não obstará a prisão, ressalvada a condição de ser o preso conduzido imediatamente à presença da autoridade que decretou a prisão.

A prisão do réu ausente do distrito da culpa, seja qual for o ponto do território  nacional em que se encontre, será feita mediante entendimento entre estas por  via telegráfica ou telefônicas, tomadas as necessárias precauções para evitar ludíbrios ou ensejo a maliciosas vinditas. Não  se compreende ou não se justifica que os Estados, gravitando dentro da unidade nacional, se oponham mutuamente obstáculos  na pronta  repressão da delinquência.

A autoridade policial que recebe um mandado de prisão para dar-lhe cumprimento poderá, de sua própria iniciativa, fazer tirar tantas cópias quantas forem necessárias às diligências.

A LIBERDADEE PROVISÓRIA

IX – abolida a pluralidade do direito formal, já não subsiste razão para que a liberdade provisória mediante fiança, que é matéria tipicamente de caráter  processual, continue a ser regulada pela lei substantiva. O novo Código Penal não cogitou do instituto da fiança, precisamente para  que o  futuro Código de Processo Penal reivindicasse a regulamentação de assunto que lhe é pertinente. Inovando na legislação atual, o presente projeto cuidou de imprimir à fiança um cunho menos rígido. O quantum da fiança continuará subordinado a uma tabela graduada, mas as regras para a sua fixação tornam possível sua justa correspondência aos casos concretos. É declarado que, “para determinar o valor da fiança, a autoridade terá em conta a natureza  da infração, as condições pessoais, de fortuna e vida pregressa do acusado, as circunstancias indicativas de sua periculosidade, bem como a importância provável das custas do processo, até final julgamento.” Ainda mais: o juiz não estará inexoravelmente adstrito à tarifa legal, podendo aumentar até o triplo a fiança, quando “reconhecer que, em virtude da situação econômica do réu,nãoassegurará a ação da justiça, embora fixada no máximo”

Não é admitida a fiança fidejussória, mas o projeto contém o seguinte dispositivo, que virá conjurar uma iniquidade frequente no regime legal atual, relativamente aos réus desprovidos de recursos pecuniários: “Nos casos em que couber fiança, o juiz,verificando ser impossível ao réu  prestá-la, por motivo de pobreza, poderá conceder-lhe a liberdade provisória...”.

Os casos de inafiançabilidade são taxativamente previstos, corrigindo-se certas anomalias da lei vigente.

A INSTRUÇÃO CRIMINAL

X – O prazo da instrução criminal ou formação da culpa é ampliado (em cotejo com os estabelecidos atualmente) estando o réu preso, será de 20 (vinte) dias, estando o réu solto ou afiançado, de 40 (quarenta) dias.

Nesses prazos, que começarão a correr da data do interrogatório, ou da em que deverá ter-se realizado, terminando com a inquirição da última testemunha de acusação, não será computado o tempo de qualquer impedimento.

O sistema de inquirição das testemunhas é o chamado presidencial, isto é,ao juiz que preside à formação da culpa cabe privativamente fazer perguntas diretas á testemunha. As perguntas das partes serão feitas por intermédio do  juiz, a cuja censura ficarão sujeitas.

O ACUSADO

XI – Suprindo uma injustificável omissão da atual legislação processual, o projeto autoriza que o acusado, no caso em que não caiba a prisão preventiva, seja forçadamente conduzido à  presença da autoridade, quando, regularmente intimidado pra ato que, sem ele, não possa realizar—se, deixa de comparecer sem motivo justo. Presentemente, essa medida compulsória é aplicável somente à testemunha faltosa, enquanto ao réu é concedido o privilégio de desobedecer à autoridade processante, ainda que a sua presença seja necessária para esclarecer ponto relevante da acusação ou da defesa. Nenhum acusado,ainda que revel,será processado ou julgado sem defensor, mas a sua ausência (salvo tratando-se de crime da competência do Tribunal do Júri) nãosuspenderá o julgamento, nem o prazo para o recurso, pois, de outro modo, estaria a lei criando uma prerrogativa em favor de réus foragidos, que, garantidos contra o julgamento  à revelia, poderiam escapar, indefinidamente, à categoria de reincidentes. Se algum erro  judiciário daí provier, poderá  ser  corrigido pela  revisão ou por um decreto de graça.

A SENTENÇA

XII – O projeto, generalizando um princípio já consagrado pela atual Lei do Júri,, repudia a proibição de sentença condenatória ultra petitum ou a a de classificação in pejus do crime imputado. Constituía um dos exageros do liberalismo o transplante dessa proibição, que é  própria do direito  privado, para a esfera de direito processual penal, que é um ramo do direito público. O interesse da defesa social não pode ser superado pelo unilateralíssimo interesse pessoal dos criminosos. Não se pode reconhecer ao réu, em prejuízo do bem social, estranho direito adquirido a um quantum de pena  injustificadamente diminuta, só porque o Ministério Público, ainda que por equívoco, não tenha pleiteado maior pena. Em razão do antigo sistema, ocorria, frequentemente, a seguinte inconveniência: não podendo retificar a classificação feita na denúncia, para impor ao réu sanção mais grave, o juiz era obrigado a julgar nulo o processo ou improcedente a ação penal, conforme o caso, devendo o Ministério Público apresentar nova denúncia,  se é que já não estivesse extinta a punibilidade pela prescrição. Se o réu estava preso, era posto em liberdade, e o êxito do segundo processo tornava-se, as mais das vezes, impossível, dado o intercorrente desaparecimento dos elementos de prova. Inteiramente diversa é a solução dada pelo projeto, que distingue duas hipóteses: o fato apurado ao sumário é idêntico ao descrito na denúncia ou queixa, mas esta o classificou erradamente, ou o fato apurado ocorreu em circunstâncias diversas não contidas explícita ou implicitamente na peça inicial do processo, e estas deslocam a classificação. E os dois casos são assim resolvidos: no primeiro, é conferida ao juiz a faculdade de alterar a classificação,ainda que para aplicar pena mais grave; no segundo, se a circunstância apurada não estava contida,explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa, mas nãoa carreta a nova classificação penal mais grave, deverá o juiz conceder ao acusado o prazo de 8 9oito) dias para alegação e provas, e se importa classificação que acarrete pena mais grave, o juiz baixará o processo, a fim de que o Ministério Público adite a denúncia ou a queixa e, em seguida, marcará novos prazos sucessivos á defesa, para alegações e prova.

Vê-se que o projeto,ao dirimir a questão,atendeu á necessidade de assegurar a defesa e, ao mesmo tempo, impedir que se repudie um processo realizado com todas as formalidades legais.

É declarado, de modo expresso, que, nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada.

Quando o juiz da sentença nãofor o mesmo que presidiu à instrução criminal, é-lhe facultado ordenar que esta se realize novamente, em sua presença.

A sentença deve ser motivada. Com o sistema do relativo arbítrio judicial na aplicação da pena, consagrado pelo novo Código Penal, e o do livre convencimento do juiz, adotado pelo presente projeto, é a motivação da sentença que oferece garantia contra os excessos, os erros de apreciação, as falhas de raciocínio ou de lógica ou os demais vícios de julgamento. No caso de absolvição, a parte dispositiva da sentença deve conter, de modo preciso, a razão específica pela qual é o réu absolvido. É minudente o projeto, ao regular a motivação e o dispositivo da sentença.

AS FORMAS DO PROCESSO

XIII – São estabelecidas e devidamente reguladas as várias formas do processo.

O processo sumário é limitado às contravenções penais e aos crimes a que sejam cominadas penas de detenção. Para o efeito da aplicação de medida de segurança nos casos do parágrafo único do art. 76 do Código Penal, é instituído processo especial.

Ao cuidar do processo por crimes contra a honra (ressalvada a legislação especial sobre os “crimes de imprensa”) o projeto contém uma inovação, o juízo preliminar de reconciliação entre as partes. Antes de receber a queixa, o juiz deverá ouvir, separadamente, o querelante e o querelado e, se julgar possível a reconciliação, promoverá um entendimento entre eles, na sua presença. Se efetivamente se reconciliarem, será lavrado termo de desistência e arquivada a queixa. Os processos por calúnia, difamação ou injúria redundam, por vezes, em agravação de uma recíproca hostilidade. É de boa política, portanto, tentar-se, in limine litis, o apaziguamento dos ânimos, sem quebra da dignidade ou amor próprio de qualquer das partes.

O processo por crime de falência é atribuído integralmente ao juízo criminal, ficando suprimido, por sua consequente inutilidade, o termo de pronúncia. Nãosão convenientes os argumentos em favor da atual dualidade de juízos, um para o processo até pronúncia e outro para o julgamento. Ao invés das singularidades de um processo anfíbio, com instrução no juízo cível e julgamento no juízo criminal, é estabelecida a competência deste ab initio, restituindo-se-lhe uma função específica e ensejando-se-lhe mais segura visão de conjunto, necessária ao acerto da decisão final.

O JÚRI

XIV – Com algumas alterações, impostas pela lição da experiência e pelo sistema de aplicação da pena adotado pelo novo Código Penal, foi incluído no corpo do projeto o Decreto-lei n. 167, de 5 de janeiro de 1938. Como atestam os aplausos recebidos, de vários pontos do país, pelo Governo da República, e é notório, têm sido excelentes os resultados desse Decreto-lei que veio afeiçoar o tribunal popular á finalidade precípua da defesa social. A aplicação da justiça penal pelo júri deixou de ser uma abdicação, para ser uma delegação do Estado, controlada e orientada no sentido do superior interesse da sociedade. Privado de sua antiga soberania, que redundava, na prática, numa sistemática indulgência para com os criminosos, o júri está, agora, integrado na consciência de suas graves responsabilidades e reabilitado na confiança geral.

A relativa individualização da pena, segundo as normas do estatuto penal que entrará em vigor a 1º de janeiro do ano vindouro, (leia-se 1942). Não pode ser confiada ao conselho de sentença, pois exige, além da apreciação do fato criminoso em si mesmo, uma indagação em tono de condições e circunstâncias complexas, que não poderiam ser objeto de quesitos, para respostas de plano. Assim, ao conselho de sentença, na conformidade do que dispõe o projeto, apenas incumbirá afirmar ou negar o fato imputado, as circunstâncias elementares ou qualificativas, a desclassificação do crime acaso pedida pela defesa, as causas de aumento ou diminuição especial de pena e as causas de isenção de pena ou de crime. No caso em que as respostas sejam no sentido da condenação, a medida da pena caberá  exclusivamente ao presidente do tribunal, pois, com o meditado estudo que já tem do processo, estará aparelhado para o ajustamento in concreto da pena aplicável ao réu. Também ao presidente do tribunal incumbe, privativamente, pronunciar-se sobre a aplicação de medidas de segurança e penas acessórias.

A decisão do conselho  de sentença, prejudicial da sentença proferida pelo juiz-presidente, é reformável, de meritis, em grau de apelação,, nos estritos casos  em que  o  autoriza a legislação atual; mas do pronunciamento do juiz-presidente cabe apelação segundo a regra geral.

O RECURSO “EX  OFFICIO” DA CONCESSÃO DE “HABEAS CORPUS” NA PRIMEIRA INSTÂNCIA

XV – O projeto determina o recurso ex officio da sentença proferida pelos juízes inferiores concedendo habeas corpus. Não é exato que a Constituição vigente tenha suprimido, implicitamente, essa providência de elementar cautela de administração da justiça penal. A opinião contrária levaria a admitir que tais sentenças são atualmente irrecorríveis, pois delas, pela  mesma lógica, não caberia recurso do Ministério Público, ainda que se tornasse obrigatória a intervenção deste nos processos de habeas corpus.

A Constituição, em matéria de processo de habeas Corpus, limita-se a dispor que das decisões denegatórias desse remedium juris, proferidas “em última ou única  instância’, há recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal.

A última instância, a que se refere o dispositivo constitucional e o tribunal de apelação, sendo existente que, salvo os caos de competência originária deste, a decisão denegatória de habeas corpus, de que há recurso para o Supremo Tribunal, pressupõe um anterior recurso, doo juiz inferior para o Tribunal de Apelação. Ora, se admitiu recurso para o Tribunal de Apelação, da sentença do juiz inferior no caso de denegação do habeas corpus, não seria compreensível que a Constituição, visceralmente informada no sentido da incontrastável supremacia do interesse social, se propusesse á abolição do recurso ex officio, para o mesmo Tribunal de Apelação, da decisão  concessiva do  habeas corpus, também emanada do juiz inferior, que passaria a ser, em tal caso, instância única. É facilmente imaginável o desconchavo que daí poderia resultar. Sabe-se que um dos casos taxativos de concessão de habeas corpus é o de não constituir infração penal o fato que motiva o constrangimento à liberdade de ir e vir. E não se poderia conjurar,na prática, a seguinte situação aberrante: o juiz inferior,errada ou injustamente, reconhece penalmente lícito o fato imputado ao paciente, e, em consequência, não somente ser este posto em liberdade, como também impedido o prosseguimento da ação penal, sem o pronunciamento da segunda instância.

Não se pode emprestar à Constituição a intenção de expor a semelhante desgarantia o interesse da defesa social. O que ela fez foi apenas deixar bem claro que ela fez foi  apenas deixar bem claro que das decisões sobre habeas corpus, proferidas pelos Tribunais de apelação, como última ou única instância, somente caberá recurso para o supremo Tribunal quando denegatórias. No caso de decisão denegatória, não se tratando de habeas corpus originário de tribunal de apelação, haverá, excepcionalmente, três instâncias, se a decisão, porém, E concessiva da medida, duas apenas, segundo a  regra  geral, serão as instâncias.

OS NOVOS INSTITUTOS DA LEI PENAL MATERIAL

XVI – O projeto configura capítulos especiais à detalhada regulamentação dos institutos que, estranhos à lei penal ainda vigente, figuram no novo Código Penal, como sejam as medidas de segurança  e a reabilitação do mesmo modo que prevê à disciplina da execução das penas principais e acessórias, dentro da sistemática do referido código.

AS NULIDADES

XVII – Como já foi dito de início, o projeto é infenso ao excessivo rigorismo formal, que dá ensejo,atualmente, à infindável série das nulidades processuais. Segundo a justa advertência de ilustre processualista italiano, “um bom direito processual penal deve limitar de sanções de nulidade àquele estrito mínimo que não pode ser abstraído sem lesar legítimos e graves interesses do Estado e dos cidadãos.”

O projeto não deixa respiradouro para o frívolo curialismo, que se compraz em espiolhar nulidades. É consagrado no princípio geral de que nenhuma nulidade ocorre se não há prejuízo para a acusação ou a defesa.

Não será declarada a nulidade de nenhum ato processual, quando este não haja influído concretamente na decisão da causa ou na apuração da verdade substancial. Somente em casos excepcionais é declarada insanável a nulidade.

Fora desses casos, ninguém pode invocar direito à irredutível subsistência da nulidade.

Sempre que o juiz deparar com uma causa de nulidade, deve prover imediatamente á sua eliminação, renovando ou retificando o aato irregular, se possível, mas, ainda que o não faço, a nulidade considera-se sanada:

a)    Pelo silêncio das partes;
b)    Pela efetiva consecução do escopo visado pelo ato não obstante sua irregularidade;
c)    Pela aceitação, ainda que tácita, dos efeitos do ato irregular.
Se a parte interessada não argui a irregularidade ou com esta implicitamente se conforma, aceitando-lhe os efeitos, nada mais natural que se entenda haver renunciado ao direito de argui-la. Se toda formalidade processual visa um determinado fim, e este fim é alcançado, apesar de sua irregularidade, evidentemente carece esta de importância. Decidir de outro modo será incidir no despropósito de considerar-se a formalidade um fim em si mesma.

É igualmente firmado o princípio de que não pode arguir a nulidade quem lhe tenha dado causa ou não tenha interesse na sua declaração. Não se compreende que alguém provoque a irregularidade e seja admitido em seguida, a especular com ela, nem tampouco que, no silêncio da parte prejudicada, se permita à outra parte investir-se no direito de pleitear a nulidade.

O ESPÍRITO DO CÓDIGO

XVIII – Do que vem de ter ressaltado, e de vários outros critérios adotados pelo projeto, se evidencia que este se norteou no sentido de obter equilíbrio entre o interesse social e o da defesa individual, entre o direito do estado à punição dos criminosos e o direito do indivíduo às garantias e seguranças de sua liberdade. Se ele nãoi transige com as sistemáticas restrições ao poder público, não o inspira, entretanto, o espírito de um incondicional autoritarismo do Estado ou de uma sistemática prevenção contra os direitos e garantias individuais.

É justo, ao finalizar esta Exposição de Motivos, deixe aqui consignada a minha homenagem aos autores do projeto, Drs.Vieira Braga, Nelson Hungria, Narcélio de Queiróz, Roberto Lyra, Desembargador Florêncio de Abreu e o saudoso Professor Cândido Mendes de Almeida, que revelaram rara competência dos problemas de ordem técnica e de ordem prática que o Código se propõe resolver.

Na redação final do projeto contei com a valiosa colaboração do Dr. Abgail Renault.

Aproveito a oportunidade para enviar a Vossa Excelência os protestos de meu mais profundo respeito.


Francisco Campos