terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.425, 1.426, 1.427 Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.425, 1.426, 1.427

Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo I – Disposições Gerais

Título X - Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – (Art. 1.419 a 1.430) - 

digitadorvargas@outlook.com - vargasdigitador.blogspot.com

Whatsap: +55 22 98829-9130 Phone Number: +55 22 98847-3044
fb.me/DireitoVargasm.me/DireitoVargas

 

 Art. 1.425. A dívida considera-se vencida:

I - se, deteriorando-se, ou depreciando-se o bem dado em segurança, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a reforçar ou substituir;

II - se o devedor cair em insolvência ou falir; 

III - se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez que deste modo se achar estipulado o pagamento. Neste caso, o recebimento posterior da prestação atrasada importa renúncia do credor ao seu direito de execução imediata; 

IV - se perecer o bem dado em garantia, e não for substituído; 

V - se se desapropriar o bem dado em garantia, hipótese na qual se depositará a parte do preço que for necessária para o pagamento integral do credor.

§ 1º Nos casos de perecimento da coisa dada em garantia, esta se sub-rogará na indenização do seguro, ou no ressarcimento do dano, em benefício do credor, a quem assistirá sobre ela preferência até seu completo reembolso.

§ 2º Nos casos dos incisos IV e V, só se vencerá a hipoteca antes do prazo estipulado se o perecimento, ou a desapropriação recair sobre o bem dado em garantia, e esta não abranger outras; subsistindo, no caso contrário, a dívida reduzida, com a respectiva garantia sobre os demais bens, não desapropriados ou destruídos.

Dando ênfase ao entendimento de Francisco Eduardo Loureiro, a garantia real é sempre acessória a uma obrigação principal e segue sua sorte jurídica, inclusive o termo da dívida garantida. É o denominado vencimento normal. Pode ocorrer, ainda, vencimento antecipado da obrigação em geral, que, como é evidente, acarreta também vencimento do acessório. 

Ao lado do vencimento antecipado da obrigação em geral, previsto no CC 333, ou de casos previstos pelas partes no contrato, desde que sem ofensa aos princípios da boa-fé objetiva e equilíbrio do contrato, elenca o artigo em exame outros casos legais, independentemente de estipulação. São casos nos quais se reforça a garantia do credor, em razão do agravamento dos riscos por fatos supervenientes.

O inciso I prevê o caso de deterioração ou depreciação do bem objeto da garantia. Deterioração é o estrago, a degradação física; enquanto depreciação é a desvalorização econômica do bem. Não alude a lei a suas causas, podendo o estrago ter qualquer origem, imputável ou não ao devedor, ou mesmo proveniente de caso fortuito ou força maior, desde que superveniente à constituição da garantia. Apenas o fato imputável ao próprio credor - tome-se como exemplo o penhor - não provoca o vencimento antecipado da dívida. Anota Gladston Mamede, com razão, que a pronta iniciativa do devedor, ou do terceiro proprietário garantidor, em recuperar a coisa deteriorada, mantém incólume a garantia do credor e evita o vencimento antecipado (Mamede, Gladston. Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 91). A depreciação natural da coisa, pelo uso razoável e decurso do tempo, não produz vencimento antecipado da dívida, assim como a deterioração mínima, desproporcional à consequência alvitrada na lei. Reza o preceito o vencimento antecipado não ser automático, exigindo prévia intimação do devedor para que reforce ou substitua a garantia, em prazo razoável, compatível com a complexidade da operação. Decorrido o prazo, considera-se, a partir daí, vencida a obrigação. 

O inciso II prevê o vencimento antecipado se o devedor cair em insolvência ou falir. Falência, recuperação judicial, liquidação extrajudicial de instituição financeira e insolvência civil provocam, por expressa força de lei, vencimento antecipado das dívidas do falido, insolvente ou liquidando. As três primeiras situações somente se caracterizarão por força de decisão judicial e acarretarão vencimento antecipado e habilitação na execução coletiva, como crédito privilegiado. Já o termo cair em insolvência não exige decretação da insolvência civil do devedor, mas a mera constatação de fato de tal estado, no qual o passivo supera o ativo, apurável no curso da execução (Carvalho Santos. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1953, v. X, p. 73). 

Podem as partes convencionar outros fatos, que não caracterizam tecnicamente a insolvência, como protesto de títulos, ajuizamento de execuções contra o devedor, ou penhora do bem dado em garantia real, por credor diverso, provocarem também vencimento antecipado da dívida, por majorarem o risco do credor. Sem previsão contratual, porém, tais situações não caracterizam, por si, insolvência ou falência, nem são causa legal de vencimento antecipado.

O inciso III prevê a hipótese de falta de pagamento pontual das prestações, se acordaram as partes o parcelamento do preço, ou da solução da obrigação. O não pagamento de qualquer das parcelas provoca o vencimento antecipado das demais. Vence-se a dívida toda e, por consequência, a garantia real. A regra é dispositiva, valendo no silêncio do contrato, mas nada impede que se convencione o contrário. Embora divirja a doutrina, a corrente majoritária afirma o não pagamento dos juros, que vencidos incorporam-se ao capital, também provocarem vencimento antecipado da dívida e da garantia. O preceito do vencimento antecipado é previsto na lei em benefício do credor, podendo haver renúncia expressa ou tácita. O recebimento posterior da prestação em atraso é modalidade tácita de renúncia da benesse.

É evidente a regra do inciso III dever ser lida em consonância com os princípios cogentes que regem o direito contratual, em especial boa-fé objetiva, função social e equilíbrio. O atraso no pagamento da prestação deve revestir-se de certa gravidade para provocar o efeito severo do vencimento antecipado e total da dívida. Atraso mínimo, que não acarreta maior prejuízo ao credor, nem altera de modo significativo a utilidade da prestação, pode ainda ser pago, sem necessidade de solução integral da obrigação, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça.

O inciso IV trata do perecimento da coisa, tomado em sentido lato, de desaparecimento, destruição ou esgotamento, qualquer que seja sua causa, com ou sem culpa do devedor. Apenas se ressalta o perecimento por culpa exclusiva do credor, como no caso do penhor, que não altera o vencimento da obrigação. Note-se que se perde a garantia, mas permanece íntegro o crédito como quirografário. Tem o devedor o direito potestativo de substituir a garantia por outra, de valor igual ou superior, para evitar o vencimento antecipado da obrigação. 

O § 1º do artigo em exame trata da hipótese de pagamento de indenização da garantia perecida, por seguradora ou por terceiro causador do dano. Há o vencimento antecipado e se opera sub-rogação do objeto da garantia, substituído pelo valor da indenização. A seguradora ou o causador do dano, em tal caso, deve pagar diretamente ao credor com garantia real até o valor do bem destruído, sob pena de pagar mal. Decorrência disso, embora duvidosa a questão, é a possibilidade do credor com garantia real cobrar diretamente a dívida do causador do dano ou da seguradora. 

O último inciso trata da desapropriação do bem objeto da garantia real, caso no qual o expropriante pagará ao credor preferencial, que se habilitará na desapropriação e dela será citado, o valor integral do crédito. Se houver sobras, são devidas ao proprietário do bem, que o deu em garantia real. Por outro lado, se a indenização for insuficiente para extinguir a obrigação, remanesce crédito quirografário contra o devedor.

Finalmente, o § 2° trata do perecimento ou desapropriação (incisos IV e V ) que atingem somente uma parte dos bens objeto da garantia real. Embora o preceito somente aluda à hipoteca, não se vê razão para não estendê-lo às demais garantias reais, em especial à propriedade fiduciária. Diz a regra que se todos os bens dados em garantia forem atingidos há vencimento antecipado. Se somente parte dos bens forem atingidos, parte proporcional da obrigação, correspondente à redução da garantia, vence antecipadamente, desde que, é óbvio, seja a prestação divisível. Finalmente, se remanescerem bens suficientes para a garantia do crédito, a garantia permanece incólume, e razão não há para vencimento antecipado. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.520-21. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 05/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Para o conhecimento no nobre relator Ricardo Fiuza em sua doutrina, o artigo enumera taxativamente as hipóteses de vencimento da dívida. Deteriorando-se a coisa dada em garantia ou ocorrendo sua depreciação, a dívida será considerada vencida, a não ser que o devedor reforce a garantia, sendo que esse reforço será considerado uma nova garantia, que terá sua duração contada a partir de seu registro. Ocorrendo a falência ou insolvência, com a execução geral do devedor, todos os créditos são reunidos, fundidos e equiparados, o que faz desaparecer os prazos, vencendo todas as dívidas do falido, inclusive as garantidas por esses direitos reais. O não-pagamento da prestação no seu vencimento infringe o contrato e permite ao credor executar a dívida. Pode o credor receber, por mera liberalidade, as prestações vencidas, hipótese em que estará ele renunciando, por ora, à execução imediata. O perecimento (perda do objeto, v. g., por incêndio) do bem e sua não-substituição provocam também o vencimento da dívida e sua imediata execução. Havendo desapropriação, vencer-se-á a dívida, devendo a garantia recair sobre o preço. Ocorrendo o perecimento da coisa ou sua degradação, satisfeito o dano sofrido pelo devedor, sobre a indenização ou o valor pago pelo segurador, transfere-se o vínculo da garantia real. Esses fatos não provocam a extinção do direito nem tomam a dívida exigível. O valor da indenização pago por terceiro ou pelo seguro deverá ser consignado em favor do credor até que atinja o montante que leve ao pagamento integral da dívida. Idêntica solução é dada para o caso de o bem onerado por garantia real ser desapropriado (art. 31 do Dec.-Lei n. 3.365/41). • Este dispositivo equipara-se ao art. 762 do Código Civil de 1916, com considerável melhora em sua redação. No mais, deve ser dispensado à matéria o mesmo tratamento doutrinário dado ao dispositivo mencionado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 728-29, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 05/01/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Buscando Guimarães e Mezzalira,, o prazo para o pagamento da dívida é um dos requisitos de eficácia dos contratos referentes aos direitos reais de garantia. Como forma de reforçar a garantia, o legislador estipulou hipóteses em quem o vencimento da dívida é antecipado, permitindo que o credor adote providências para fazer valer o seu privilégio.

O inciso I trata dos casos de deterioração ou depreciação da coisa, hipóteses em que ocorre a sua desvalorização, cabendo ao devedor reforçar a garantia ou substituí-la. A insolvência ou a falência do devedor também são causas que antecipam o vencimento da dívida. 

A impontualidade do devedor é sinal indicativo da sua insolvência, o que autoriza considerar a dívida vencida coo forma de manutenção da integralidade da garantia, pois a eventual cobrança judicial de parte da dívida implicaria na perda da segurança. O recebimento posterior implica na renúncia ao direito de execução imediata. 

Se perecer o bem dado em garantia, e não for substituído. Nesse caso, o credor tem o direito de optar entre a execução imediata e o pedido de reforço da garantia. Se houver seguro da coisa gravada, o credor com garantia real se sub-roga na indenização paga pela seguradora, até ser completamente reembolsado (Carlos Roberto Gonçalves, 2010, p. 542). 

A desapropriação do bem dado em garantia também constitui causa de antecipação do vencimento da dívida. Se mais de um bem for dado em garantia e a desapropriação recair sobre apenas um deles, o vencimento antecipada da dívida será apenas parcial, proporcionalmente ao desfalque patrimonial. Ocorrerá uma exceção ao princípio da indivisibilidade da garantia real, em favor do devedor, pois o credor não teria motivos para a antecipação integral do débito. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.425, acessado em 05.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.426. Nas hipóteses do artigo anterior, de vencimento antecipado da divida, não se compreendem os juros correspondentes ao tempo ainda não decorrido.

Segundo entendimento de Loureiro, o preceito determina, no caso de vencimento antecipado da obrigação e da garantia, redução dos juros compensatórios - ou remuneratórios - relativos ao tempo ainda não decorrido. É regra que visa a evitar enriquecimento sem causa do credor. É natural, se a obrigação teve vencimento antecipado por qualquer das hipóteses do artigo anterior, e será adimplida de imediato pelo devedor, decotarem-se os juros relativos ao período vindouro. Se o devedor não usará o capital alheio pelo prazo previsto, a remuneração deve ser reduzida de modo proporcional e de acordo com a taxa convencionada. 

Como anota Gladston Mamede, o preceito alcança descontos para pagamento à vista que, na verdade, significam remuneração indireta para pagamentos a prazo, além de outros encargos, como prêmios de seguro, taxas administrativas e correção monetária prefixada (Código civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 105). É evidente que se houver vencimento antecipado, mas sem pagamento, os juros compensatórios serão abatidos, mas o crédito será acrescido de juros moratórios contados do vencimento (mora ex re) ou da interpelação ou citação (mora ex persona).

A norma em questão, que traduz aplicação das cláusulas gerais que vedam o enriquecimento sem causa e asseguram o equilíbrio contratual, tem natureza cogente e não comportam previsão negocial em sentido contrário. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.523.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 05/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para os autores Guimarães e Mezzalira, o dispositivo trata dos juros compensatórios, pois o pagamento antecipado é incompatível com a incidência de juros moratórios. Os juros seriam destinados a compensar o tempo em que o devedor esteve em poder, o capital pertencente ao credor. Se houve redução do tempo com a antecipação do vencimento da dívida, o valor dos juros deve ser reduzido de forma proporcional. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.426, acessado em 05.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Na palavra de Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, na Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, a teoria do inadimplemento que se estruturou a partir dos estudos de Robert Pothier e consolidou-se no Código Civil francês baseia-se na sobreposição dos conceitos de relação obrigacional abstrata e de prestação principal. Nesta perspectiva, em que a análise da relação obrigacional circunscreve-se aos eventos relacionados à prestação principal, toda manifestação de inadimplemento pode e deve ser enquadrada, por meio de um silogismo simples, na dicotomia mora/impossibilidade. Em ocorrendo o não-cumprimento da obrigação no omento devido, cabe ao jurista apenas indagar se ela ainda é realizável. Em caso positivo, a situação classificar-se-ia como um caso de mora; em não o sendo, aplicar-se-iam as consequências da impossibilidade.

Ocorre que, há tempos, o pressuposto de tal construção não é mais aceito no plano teórico-dogmático. É reconhecido que, ao lado do denominado dever principal, coexistem na relação obrigacional miríades de deveres outros – como os deveres laterais e os deveres secundários – cujo descumprimento não se enquadra na dicotomia de Pothier. É o que ocorre com os sempre citados casos de violação de deveres de cooperação entre as partes, de cumprimento defeituoso da prestação ou de repúdio à relação contratual, que, embora sejam claras manifestações de inadimplemento, não permitem o enquadramento nas figuras tradicionais. (Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, p. 206, 2008).

Quanto ao inadimplemento antecipado e seu enquadramento teórico, um exemplo dessas novas modalidades de inadimplemento é o denominado inadimplemento antecipado da prestação.

Na construção teórica anterior, a obrigação era vista como uma “espada” que, pendendo sobre a cabeça do devedor, deveria ameaça-lo em caso de não-cumprimento no termo da prestação. Até o momento em que o cumprimento seria devido, entretanto, essa “espada” nada exigia do devedor, sendo apenas esta ameaça futura. Após o termo, aí sim, a espada poderia fazer sentir toda a sua força sobre o devedor inadimplente. Assim, sob tal perspectiva, durante o lapso temporal que se inicia com o nascimento da obrigação e termina no momento em que aquele deve satisfazer sua obrigação, nada haveria além de um vazio prestacional. O devedor que se obriga a realizar determinada conduta (seja obrigação dar, fazer ou não fazer) de forma diferida no tempo, até o referido momento, não seria obrigado a nada.

Muito embora tal perspectiva não possa ser refutada por completo, pois é certo que toda obrigação só precisa ter seu adimplemento final no momento devido, ela equivoca-se ao considerar o fenômeno obrigacional apenas em sua perspectiva estática, na qual suas fases (nascimento, prestação, inadimplemento etc.) são tratadas de forma isolada.

 Ocorre que, hoje, a relação obrigacional é analisada por um outro prisma: o dinâmico. Nesta nova perspectiva, a relação obrigacional torna-se uma presença constante e vinculante, compelindo o devedor a praticar determinados atos voltados ao desfecho daquela relação.

Assim, os dois momentos (nascimento da obrigação e adimplemento), que até então eram repletos desse “vazio prestacional”, são conectados por uma série de atos interpostos e instrumentais em relação à fase final da relação obrigacional, o adimplemento. Esses obrigam as partes a adotarem continuamente um comportamento que corresponda ao standard de conduta determinado pelos princípios da boa-fé e da confiança.

Nessa perspectiva dinâmica, determinados atos ou condutas são exigidos do devedor a qualquer tempo, de forma que o seu não-cumprimento deve ser caracterizado como um inadimplemento da obrigação. 

Importante notar que, sob esse novo enfoque, a vontade do indivíduo em cumprir, ou melhor, sua vontade de realizar os atos necessários ao adimplemento da obrigação, não deve ser manifestada apenas no momento inicial ou no momento em que a prestação torna-se exigível. Toda manifestação de vontade contrária ao cumprimento da obrigação a qualquer momento, é contrária ao modo como deve exprimir-se constantemente a vontade do devedor, bem como uma violação do dever de correção que deve marcar toda relação obrigacional. À fortiori, se o devedor colocar-se, por vontade, em posição que torne impossível o cumprimento da obrigação, também haverá uma violação da própria relação obrigacional, o que se configura em inadimplemento, ou, mais propriamente, um inadimplemento antecipado da prestação (V. Aguiar, Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2ª ed. Rio de Janeiro: Aide, 2004, p. 126) (Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, p. 207-08, 2008). (Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, acessado em 05.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.427. Salvo cláusula expressa, o terceiro que presta garantia real por dívida alheia não fica obrigado a substituí-la, ou reforçá-la, quando, sem culpa sua, se perca, deteriore, ou desvalorize.

No pensar de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame é norma dispositiva. Comporta, assim, cláusula negocial em sentido contrário, pela qual assume o terceiro prestador da garantia real integralmente os riscos por deterioração ou perecimento da coisa e o dever de substituí-la ou reforçá-la. É possível a um terceiro não devedor prestar garantia real. Não se torna, com isso, fiador ou devedor solidário, pois apenas vincula bem especializado de seu patrimônio ao adimplemento de obrigação alheia. A responsabilidade se limita ao bem dado em garantia, pois o terceiro não é devedor. Feita a excussão, não responde o terceiro por eventual saldo devedor.

A regra é no sentido de não se estender ao terceiro prestador da garantia real o regime jurídico dos incisos I e IV do CC 1.425, comentado. O terceiro somente é obrigado a substituir ou reforçar o bem dado em garantia real que se deteriorou, pereceu ou desvalorizou por culpa sua. Se o evento não lhe é imputável, a obrigação se vence antecipadamente para devedor, mas sem obrigação do terceiro repor ou reforçar a garantia. 

De outro lado, se o fato é imputável ao terceiro, por dolo ou qualquer grau de culpa, a solução é outra. Cabe ação de obrigação de fazer, para reforço ou substituição da garantia contra o terceiro, tanto ao credor como ao devedor prejudicados. Este último pode, ainda, cobrar do terceiro inadimplente perdas e danos decorrentes do vencimento antecipado da obrigação. 

Aplicam-se ao terceiro as regras que envolvem sub-rogação da garantia por seu valor indenizado por seguradora, causador do dano ou expropriante, previstas no inciso V e §1º do CC 1.425. O regime jurídico do artigo em estudo, ao contrário do sustentado por parte da doutrina, não se estende ao terceiro adquirente do bem dado em garantia real. A alienação não produz efeitos frente ao credor preferencial, em vista dos efeitos erga omnes da garantia real, não sendo justo se este tivesse situação mais desfavorável do que frente ao devedor. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.523.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 05/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo no verbo de Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, o inadimplemento antecipado pode ser caracterizado como o inadimplemento que ocorre quando uma das partes da relação obrigacional, antes do momento em que deveria executar determinada prestação, renuncia ao contrato ou coloca-se, por ato próprio, em posição que torne impossível o cumprimento da obrigação. (TREITEL. G. H. The law of contract. 9. ed. London: Sweet & Maxwell, 1995, p. 769).

Têm-se nessa definição os principais elementos do instituto: i) ela constitui-se em uma forma de inadimplemento; ii) que ocorre, necessariamente, antes do termo da prestação; iii) esta forma de inadimplemento pode manifestar-se seja por uma renúncia (expressa ou tácita) ao cumprimento da obrigação, ou pelo fato de o obrigado colocar-se em posição que torne o adimplemento impossível; e iv) ele deve ser provocado por ato próprio do obrigado, de forma incontroversa e definitiva.

Do elemento temporal – a principal diferença entre o inadimplemento antecipado e as figuras do inadimplemento tradicional (i.é, a mora e a impossibilidade da prestação) é justamente o fato de ainda não haver uma prestação exigível. Ao contrário, o credor possui apenas uma expectativa de que o devedor cumprirá de forma espontânea aquilo a que se obrigou.

O inadimplemento antecipado pode ocorrer, portanto, a partir do nascimento da obrigação até o momento anterior àquele em que a obrigação deveria ser cumprida. Esse é o caso, par example, com o importador de mercadorias que deve pedir autorização específica a órgão de fiscalização (v.g., Ibama ou Ministério da Defesa) para poder trazer determinado produto para o país. O não-cumprimento desta exigência pode representar mora, caso seja possível não só fazer o pedido de autorização para importação, ainda que contratualmente intempestivo, e o cumprimento da obrigação com pequeno atraso ainda se revista de utilidade socioeconômica para o credor ou ficar claro a recusa do devedor em cumprir esta obrigação.

Situação que também merece atenção é a dos contratos cuja prestação desenvolve-se ao longo de grande período de tempo, e, ao longo de sua execução, o objeto da prestação é desenvolvido em fases, mas cujo produto só é entregue ao final, como ocorre com os Turnkey Construction Contracts. Nesses casos, independentemente de quanto já foi construído, considera-se possível a ocorrência do inadimplemento antecipado, contanto que ainda não tenha atingido o termo para a entrega final da obra ou do projeto.

Por outro lado, uma consequência desse requisito temporal é a impossibilidade de inadimplemento antecipado por violação de deveres laterais, visto que o seu cumprimento é exigível a qualquer momento pela outra parte. Fato diverso ocorre com os denominados “deveres secundários instrumentais à consecução dos deveres principais”, cujo inadimplemento pode gerar um caso de mora ou de inadimplemento antecipado (neste caso, não seria possível a figura da impossibilidade, visto que ela confundir-se-ia com o inadimplemento antecipado da prestação). Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, p. 209. 

Além do elemento temporal, outro ponto que particulariza o inadimplemento antecipado é o comportamento do devedor que se recusa a realizar a prestação futura ou coloca-se em posição de impossibilidade de cumprir a prestação. O primeiro desses comportamentos, a recusa, compreende a manifestação inequívoca da intenção do devedor em não cumprir a prestação futura. Esta manifestação pode ocorrer tanto de forma expressa, ou seja, por meio de enunciação escrita ou verbal endereçada ao credor, notificando-o de que não quer, ou não possui condições para – cumprir a obrigação; quando tácita, i.é, através de uma conduta que demonstre a vontade da parte em não cumprir o avençado. 

Tal é o caso, por exemplo, da construtora que, tendo celebrado promessa de compra e venda de determinado apartamento, anuncia ao mercado a sua desistência em construir o conjunto habitacional do qual o apartamento faria parte, ou, ainda, age de modo tal que se torna inconteste a sua desistência de continuar com o projeto (por exemplo, colocando à venda o terreno selecionado para a construção do imóvel ou, tempos depois  de iniciado o prazo para o início das obras, mantendo-se inerte).

Um exemplo do aqui exposto ocorreu no caso Peruzzo v. Centro Médico de Porto Alegre. Em meados de 1977, Peruzzo foi procurado por um corretor do Centro Médico Hospitalar de Porto alegre Ltda., com a proposta de assinatura de dois contratos, em conta de participação em empreendimento, com o objetivo de viabilizar a construção de um hospital. Além da participação nos lucros do empreendimento, seria franqueado a Peruzzo atendimento gratuito no estabelecimento mediante o pagamento de quota fixa.

Pois bem. Após celebrar o segundo contrato, Peruzzo resolveu averiguar os andamentos da obra e descobriu, para sua surpresa, que esta seque havia sido iniciada. E pior: nem mesmo o terreno para a obra havia sido comprado. Após analisar os contratos e perceber que estes não previam qualquer prazo para o início ou término da obra, Peruzzo resolveu,, simplesmente, suspender o pagamento das cotas do fundo. O Centro Médico, em consequência, lançou a protesto duas promissórias em nome de Peruzzo. (Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, p. 210). 

Diante dessa situação, Peruzzo recorreu à Justiça, pedindo a rescisão dos contratos, a nulidade de todas as notas promissórias vinculadas, a sustação de todos os protestos e a condenação da demandada a devolver todos os valores recebidos, com juros e correção monetária, além de perdas e danos. 

em primeira instância, a Juíza entendeu que não estaria caracterizado o inadimplemento, devido à inexistência de prazo fixado para o início e término da construção do estabelecimento hospitalar. Em recurso, o então desembargador Athos Gusmão de Carneiro ponderou: 

A Dra. Pretora refere que no contrato não estava previsto nenhum prazo para o Centro ‘construir, instalar e operar estabelecimento hospitalar na Cidade de Porto alegre’. Todavia, considero evidente, como bem alega o apelante, que isso não significa que goze um dos contratantes da faculdade de retardar ad infinitum o cumprimento das suas obrigações, e o o outro seja obrigado a adimplir as suas com pontualidade, sob pena do protesto de títulos. A sentença esquece toda a comutatividade contratual. Vejo, aqui, caso de completo inadimplemento por parte de um dos contratantes. Já transcorreram mais de 5 anos e o Centro Médico Hospitalar existe apenas de jure. De fato, esta sociedade de objetivos tão ambiciosos e capital pequeníssimo, simplesmente não existe mais. Citada editalmente, foi revel. O hospital permanece no plano das miragens, e assim as demais vantagens prometidas aos subscritores das quotas.” (ApCív 582000378, TJRS, 1ª Câm. Cível, Rel.. des. Athos Gusmão de Carneiro).

Por outro lado, também constitui inadimplemento antecipado quando o devedor coloca-se em determinada situação na qual fique inconteste a impossibilidade de cumprir a obrigação, ainda que não haja qualquer manifestação expressa sobre o desejo de renunciar ao contrato. Tal impossibilidade decorre do fato de que a prestação, quando atingido o termo da obrigação, tornou-se impossível ou imprestável para o credor.

Entretanto, é importante observar que – diferentemente do caso de recusa – a impossibilidade de cumprir a prestação antes do prazo caracteriza-se não pelo elemento subjetivo mas pelo elemento objetivo. Esse compreende o fato de o devedor estar em situação que impossibilitará a concretização do negócio ao qual se obrigou, por ato próprio. 

Portanto, no inadimplemento antecipado por impossibilidade, não há quaisquer indagações sobre a intenção (dolo) do devedor em colocar-se na posição de impossibilidade de prestar, mas apenas sobre a contribuição de sua culpa, exclusiva ou concorrente, para este resultado. 

As causas da impossibilidade podem ser das mais variadas naturezas. A título meramente exemplificativo, teremos: i) o esgotamento do prazo para realizar ato necessário ao cumprimento da prestação futura; ii) a ausência de recursos materiais necessários à consecução da obrigação; iii) a não realização de atos prévios ou o não comprimento de deveres necessários à consecução da obrigação; iv) o planejamento equivocado, que impedirá a consecução da obra etc.

Outro importante sobre o inadimplemento antecipado da obrigação por impossibilidade da prestação é que ela pode ocorrer tanto por ato quanto por omissão do devedor. 

O ponto de maior confusão refere-se à necessidade da recusa ou à impossibilidade de manifestarem-se de forma incontroversa. Em outras palavras, em caso de recusa, esta deve claramente demonstrar a intenção do devedor em não cumprir o avençado; em caso de impossibilidade, ela deve representar uma clara projeção de que a prestação tornar-se-á impossível ou imprestável quando do transcurso do termo.

É relevante que, em caso de recusa, o caráter incontroverso pode decorrer não apenas daquela diretamente formulada ao credor, como também do comportamento inegavelmente contrário à intenção de inadimplir, conforme pactuado. Por outro lado, no caso de impossibilidade, o simples medo ou receio do credor de que o devedor não venha a cumprir suas obrigações (ainda que existam indícios que fundamentem estas suposições) não são suficientes para a configuração do inadimplemento antecipado da obrigação. Ele deve ser inegável e irreparável, sendo necessária esta comprovação objetiva para valer-se do instituto. 

Também é relevante a observação feita por Ruy Rosado de Aguiar de que os ordenamentos jurídicos, com maior tradição na aplicação do instituto, têm como pacífica a vedação de se obter do devedor a recusa (tácita ou expressa) por meio de interpelação realizada antes do vencimento da obrigação. Caso contrário, tal hipótese figuraria como uma forma inaceitável de obter o vencimento antecipado de uma dívida. 

Essa orientação negativa, porém, deve ser vista com reserva, porquanto a interpretação pode simplesmente demonstrar a preocupação do credor em definir uma situação já evidenciada pelos fatos antecedentes. Portanto, se a iniciativa do credor tem fundado amparo nas circunstâncias, especialmente diante do anterior comportamento do devedor, não há como, desde logo, recriminar o comportamento do credor que quiser obter uma definição sobre a real intenção do devedor a respeito do contrato”. (Op. cit., p. 129). (Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, p. 210-13, acessado em 05.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Dando desenvolvimento ao comentário do CC 1.427, Guimarães e Mezzalira explicam que em se tratando de garantia real outorgada por terceiro, ressalvada convenção em sentido contrário, ele não fica obrigado a substituir ou a reforçar a garantia se a coisa gravada se deteriorar ou sofrer desvalorização, uma vez que não possui vínculo pessoal.

Nesses casos, o credor poderá exigir que o devedor preste nova garantia, sob pena de antecipação do vencimento da dívida, exigência que não poderá ser feita em relação ao terceiro.

O terceiro poderá ser obrigado a restaurar a garantia se houver cláusula neste sentido ou se perda ou desvalorização decorrerem de culpa sua. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.427, acessado em 05.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).