quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Direito Civil Comentado – Art. 1.419, 1.420, 1.421 Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.419, 1.420, 1.421

Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo I – Disposições Gerais

Título X - Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – (Art. 1.419 a 1.430) - digitadorvargas@outlook.com - vargasdigitador.blogspot.com

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 Art. 1.419. Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação. 

Aprendendo com Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame abre o título que disciplina os direitos reais de garantia no Código Civil de 2002. O título é composto de um capítulo dedicado às disposições gerais, aplicáveis a todos os direitos reais de garantia e três capítulos subsequentes, dedicados, respectivamente, ao penhor, à hipoteca e à anticrese. Lembre-se de o Código Civil de 2002 ter tratado da propriedade fiduciária como modalidade da propriedade e não como direito real de garantia. Graças, porém à afetação do instituto, nitidamente voltado a garantir o adimplemento de uma obrigação, diversos dos dispositivos estudados a seguir se estendem à propriedade fiduciária.

Como explica Caio Mário da Silva Pereira, ligada à ideia de patrimônio está a noção de garantia. O patrimônio da pessoa responde por suas obrigações. É uma garantia geral, ou comum, efetivada mediante meios técnicos previstos nas normas processuais, como arresto, penhora, sequestro e arrecadação. Com o preço obtido com a excussão dos bens do devedor, em hasta pública, o credor satisfaz su crédito (Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 18. ed. atualizada. Rio de Janeiro, Forense, 1995, v. IV, p. 321-2). Nem sempre, porém, o credor se satisfaz com a garantia geral ou comum e exige privilégios e garantias especiais, fidejussórias ou reais. São fidejussórias quando uma pessoa estranha à relação obrigacional se responsabiliza pelo adimplemento da obrigação. São reais quando se vincula um determinado bem do devedor ou de terceiro ao pagamento de uma dívida.

Diferem os direitos reais de gozo e fruição dos direitos reais de garantia. Os primeiros não são acessórios e conferem ao titular a faculdade de usar ou gozar a coisa diretamente. Já os segundos - de garantia - são sempre acessórios a uma obrigação e apenas afetam um bem ao cumprimento de uma obrigação, através da realização de seu preço em hasta pública, ou de sua renda. 

O artigo em exame reproduz quase integralmente o contido no art. 755 do Código Civil de 1916. Apenas substitui o termo coisa por bem; o que se mostra apropriado, pois existe penhor sobre créditos e títulos, i.é, sobre bens incorpóreos. 

Os dois principais efeitos dos direitos reais de garantia são preferência (salvo quanto à anticrese) e sequela. O dispositivo em estudo trata da sequela e destaca o bem ficar sujeito por vínculo real ao cumprimento da obrigação. Isso quer dizer a garantia real aderir ao bem e o acompanhar independente de seu titular. O bem, embora alienado a terceiros, continua afetado ao cumprimento da obrigação, diante da oponibilidade geral do direito real. Essa oponibilidade autoriza o credor munido de garantia real a perseguir a coisa em poder de quem se encontre. 

Não se esqueça, porém, o teor da recente Súmula n. 308 do STJ, objeto do comentário ao CC 1.417, que cria importante exceção à sequela do credor hipotecário frente ao compromissário comprador do imóvel dado em garantia, quando houver, por parte do credor, afronta aos deveres de cuidado e diligência na constituição da garantia real. Tem a súmula o seguinte teor: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. 

O artigo destaca, também, o caráter acessório dos direitos reais de garantia, que se vinculam ao cumprimento de uma obrigação. O crédito garantido pode ser atual, sob condição ou mesmo crédito futuro. São direitos reais garantindo direitos pessoais e seguem a sorte jurídica destes; nula ou extinta a obrigação, nula ou extinta a garantia real. Em razão da falta de autonomia, a garantia real não pode ser transmitida sem transmissão do direito principal. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.509-10. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No comentar de Guimarães e Mezzalira, além de certos privilégios estabelecidos em lei, podem as partes convencionar uma segurança especial de recebimento de crédito, denominada garantia. A garantia pode ser pessoal ou fidejussória, quando terceiro se responsabiliza pela solução da dívida, ou real, quando determinado bem fica vinculado ao pagamento da dívida. 

A garantia real é mais eficaz, pois vincula determinado bem do devedor ao pagamento da dívida. Ao invés de ter em garantia o patrimônio do devedor, que poderá não existir por ocasião da execução do débito inadimplido, o bem dado em garantia real fica vinculado à satisfação da dívida, ainda que a coisa esteja em poder de terceiro (Gonçalves, 2010, fls. 524). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.419 de 2002, acessado em 30.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Acompanhando o artigo de Wellington Cacemiro, onde o autor fala sobre o “Código Civil brasileiro e os direitos reais de garantia: fragmentos de estudo do diploma legal à luz da doutrina contemporânea”, publicado em novembro de 2016 no site Jus.com.br, quando pesquisas bibliográficas no campo jurídico costumam ser tratadas com certa desconfiança por parte dos estudiosos. Não raro questiona-se a cientificidade de focar esforços em obras doutrinárias e na análise de normas postas pelo diploma legal objeto de estudo. Controverte-se, sobretudo, quando há notória ausência no sentido de relacionar o tema escolhido com questões de ordem prática, focando mais na teoria do que na realidade imposta pelo caso concreto. Longe da pretensão de aprofundar-se em tal escaramuça (mas, certamente sem perde-la de vista), discorre-se aqui sobre os direitos reais de garantia, matéria sabidamente imprescindível para a necessária formação do civilista.

Assim, inicia-se com análise sumária do instituto em tela. Para faze-lo válido invocar o que preceitua o eminente jurista Silvio de Salvo Venosa. Aduz o autor (2013, p. 531 que “a compreensão histórica dos direitos reais de garantia passou por longa evolução”. Neste sentido assevera: “A princípio, a garantia não se desvincula da própria pessoa do devedor, até que depois passasse seu patrimônio a responder pelas dívidas. Longa construção prática e doutrinária foi necessária para que a garantia se ligasse a um bem, com eficácia de direito real, erga omnes, não vinculando estrita e unicamente o devedor, mas a coisa (Venosa, 2013, p. 531).

Destarte, do que se depreende do fragmento é possível afirmar que se tem nos direitos reais de garantia direito que se exerce sobre a coisa, o quê, resta claro, trata-se de algo mais do que simples contrato. 

O próprio Venosa (2013, p. 24) ensina que nos direitos reais de garantia, “o respectivo titular extrai modalidade de segurança para o cumprimento de obrigação. A garantia está relacionada com uma obrigação, que fica colocada como direito principal”. Esta (garantia) é, por conseguinte, acessória, existindo tão somente se houver dívida, com a finalidade de garantir o credor.

Com fulcro no que preleciona Sobral Pinto (2014, p. 905) é possível adentrar um pouco mais em semelhante linha de raciocínio. Para o autor, “os direitos reais de garantia são direitos subjetivos constituídos pelo devedor ou por um terceiro em favor do credor, mediante a afetação de um bem, cujo valor representativo, no momento da execução, garantirá o cumprimento da obrigação”.

Sobre tal perspectiva também se manifestam Farias e Rosenvald. Ambos instruem serem quatro os direitos reais previstos pelo diploma vigente. Nesse sentido asseveram: Quatro são os direito reais de garantia elencados no Código Civil: hipoteca, penhor, anticrese e propriedade fiduciária. Excluindo-se a propriedade fiduciária – regida com especificidade pelos CC 1.361 a 1.368, aos outros três direitos reais aplicam-se os preceitos comuns inseridos na teoria geral dos direitos de garantia (CC 1.419 a 1.430) (Farias e Rosenvald, 2012, p. 859).

Importa, no entanto, fazer breve advertência ao fato de que os direitos reais de garantia se distinguem das garantias pessoais ou fidejussórias, como apropriadamente adverte Tartuce: Não se pode esquecer que os direitos reais de garantia não se confundem com as garantias pessoais ou fidejussórias, eis que no primeiro caso um bem garante a dívida por vínculo real (CC 1.419); enquanto que no último a dívida é garantida por uma pessoa (exemplo: fiança). Como garantias que são, os institutos têm nítida natureza acessória, aplicando-se o princípio da gravitação jurídica (o acessório segue o principal), (Tartuce, 2015, p. 864). Na precisa lição de Tartuce “são direitos reais de garantia sobre coisa alheia o penhor, a hipoteca e a anticrese, que têm regras gerais entre os CC 1.419 e 1.430. (Wellington Cacemiro, onde o autor fala sobre o “Código Civil brasileiro e os direitos reais de garantia: fragmentos de estudo do diploma legal à luz da doutrina contemporânea”, publicado em novembro de 2016 no site Jus.com.br, acessado em 30.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.420. Só aquele que pode alienar poderá empenhar, hipotecar ou dar em anticrese; só os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor, anticrese ou hipoteca. 

§ 1º A propriedade superveniente toma eficaz, desde o registro, as garantias reais estabelecidas por quem não era dono.

§ 2º A coisa comum a dois ou mais proprietários não pode ser dada em garantia real, na sua totalidade, sem o consentimento de todos; mas cada um pode individualmente dar em garantia real a parte que tiver. 

O artigo cm exame corresponde aos arts. 756 e 757 do Código Civil de 1916, com significativas alterações, especialmente no referente aos §§ 1º e 2º. 

Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, os requisitos de validade dos direitos reais de garantia são três: quem pode dar em garantia (requisito subjetivo), o que pode ser dado em garantia (requisito objetivo) e como pode ser ciado em garantia (requisito formal). O artigo em exame trata dos dois primeiros requisitos, subjetivo e objetivo. 

O primeiro período do artigo em estudo diz somente poder dar em garantia real aquele que pode alienar. A regra tem razão de ser. Os direitos reais de garantia se consideram alienação em potencial, pois um bem é destacado do patrimônio do devedor, ou de terceiro, e afetado à solução de uma obrigação. O inadimplemento acarreta faculdade do credor de promover a excussão do bem dado em garantia. Por isso, diz-se somente o proprietário poder outorgar garantia real. Pouco importa o bem estar gravado com direito real e gozo e fruição, ou mesmo por outra garantia real, caso no qual eventual arrematante deverá respeitar o ônus preexistente.

Não basta, todavia, ser somente proprietário, pois se exige ter também a livre disposição da coisa, i.é, que se possa exercer pessoalmente o direito de onerar. Diversos proprietários não têm capacidade para alienar, enquanto outros não têm legitimação para tanto. 

Quanto à falta de capacidade, os absolutamente incapazes são representados e relativamente assistidos pelos titulares do poder familiar. Exige-se, porém, na forma do CC 1.691, ao qual se remete o leitor, autorização judicial para alienar e gravar de ônus real os imóveis dos filhos. A falta de autorização judicial culmina de nulidade o ato, inclusive quanto aos relativamente incapazes (parágrafo único do CC 1.691). Note-se a restrição alcançar somente bens imóveis, de tal modo que os bens móveis podem ser alienados e, portanto, ser dados em penhor e garantia fiduciária. No referente aos bens de tutelados e curatelados, contra a opinião de Clóvis Bevilaqua, o entendimento é no sentido de tanto os bens móveis como os imóveis poderem ser onerados, desde que mediante prévia autorização judicial.

Não legitimados, falidos e inventariante, em relação aos bens do espólio, dependem de prévia autorização judicial, e o Poder Público, de autorização legislativa para onerar os bens. As pessoas casadas, salvo o regime da separação absoluta de bens, não podem outorgar garantia real sobre coisa imóvel sem outorga uxória. O entendimento majoritário, contra a opinião de Washington de Barros Monteiro, é no sentido de poderem os ascendentes hipotecar bens para garantir obrigações com descendentes, pois eventual excussão será feita a terceiros em hasta pública.

Pode ser a garantia real constituída mediante representação legal, como visto, ou convencional. No caso de representação convencional, deve o mandatário ter poderes expressos para hipotecar e especiais para gravar certo e determinado bem. O entendimento dominante do Superior Tribunal de Justiça, com base em lição de Pontes de Miranda, é no sentido de que “expresso é o poder de vender, hipotecar, e especial é a identificação do ato concreto, ou melhor dizendo, usando as palavras do mestre, poderes especiais são os poderes outorgados para a prática de algum ato determinado ou de alguns atos determinados. Não pode hipotecar o imóvel o mandatário que tem procuração para hipotecar, sem dizer qual o imóvel recebeu poder expresso, mas poder geral, e não especial” (STJ, REsp n. 98.143/PR, rel. Min. Menezes Direito).

Mais ainda: o conflito de interesses entre mandante e mandatário torna anulável o negócio, por força dos CC 117 e 119 e nulo, no regime do Código de Defesa do Consumidor. Entendeu o STJ ser nula a cláusula-mandato autorizando a construtora hipotecar imóvel de promitente comprador que já quitou o preço ou não utilizará financiamento. O segundo período do caput do CC 1.420 trata do requisito objetivo, o que pode ser dado em garantia real. Reza que só os bens que se podem alienar são passíveis de ser onerados por garantia real. A razão da regra é a já exposta, de a oneração real constituir alienação em germe, em razão da possível excussão no caso de inadimplemento.

Nosso ordenamento jurídico contempla diversos casos de inalienabilidade. No próprio Código Civil, os CC 1.848 e 1.911 preveem a cláusula de inalienabilidade, imposta em doação ou testamento. Também o CC 101 reza os bens públicos de uso comum do povo e de uso especial serem inalienáveis enquanto conservarem sua qualificação. O CC 1.717 dispõe o bem de família somente poder ser alienado após consentimento dos interessados, seus representantes legais e ouvido o Ministério Público. Há, ainda, os bens considerados indisponíveis por força de leis especiais, como os casos de improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92, art. 7º) e administradores de instituições financeiras em intervenção, liquidação extrajudicial ou falência (Lei n. 6.024/74, art. 36).

Não se confundem inalienabilidade e impenhorabilidade. Há bens impenhoráveis por força de lei, mas que admitem a alienação - e, portanto, oneração voluntária. Tomem-se como exemplos, tirados do art. 833 do Código de Processo Civil: anel nupcial, retratos de família, livros, máquinas e utensílios necessários ou úteis ao exercício profissional. De igual modo, o imóvel residencial e os bens que guarnecem a casa, impenhoráveis por força do disposto na Lei n. 8.009/90, são alienáveis e passíveis de oneração real, caso no qual, como é evidente, são passíveis de constrição na execução da garantia (Mamede, Gladston. Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 51).

Nada impede, por outro lado, serem alienados e, portanto, objeto de instituição de garantia real, bens litigiosos, ou que se encontrem penhorados, arrestados ou sequestrados. Apenas se ressalta a garantia ser ineficaz frente ao anterior credor, que poderá levar o bem à hasta pública sem conceder preferência ao credor garantido. 

O § 1º do artigo em estudo, no dizer de Pontes de Miranda, trata da “pós-eficalização” da garantia real constituída a non domino (Tratado de direito privado. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1983, t. XX, p. 27). Impecável a redação do preceito no Código Civil de 2002. A garantia outorgada por quem não é dono, ao contrário do dito no Código de 1916, não se revalida, simplesmente por não ser inválida, mas apenas ineficaz em relação ao verdadeiro proprietário. A regra tem estreita simetria com o disposto no CC 1.268, que trata da aquisição de coisa móvel a non domino, que ganha plena eficácia se for adquirida a posteriori pelo alienante. Não há, aqui, promessa de outorga de garantia, mas mera garantia ineficaz, que ganha, de modo automático e independentemente de qualquer outra emissão de vontade das partes, plenos efeitos se a coisa for adquirida pelo outorgante. Lembre-se, finalmente, do atual Código ter eliminado a indesejada menção da pessoa que “possuía a título de proprietário”. É absolutamente indiferente o outorgante possuir ou não o bem; basta, pela redação atual, a garantia recair sobre bem do qual não é o outorgante dono. 

O § 2° do artigo em exame corrige outra imperfeição do revogado Código Civil. Inicia o preceito enunciando regra de senso comum, de um condômino não poder, sem o consentimento dos demais, dar em garantia real a totalidade da coisa comum. É evidente não poder onerar - porque ineficaz - a parte ideal alheia da coisa comum. A novidade está na segunda parte do § 2º, dizendo poder o condômino onerar em garantia real sua parte ideal sem anuência dos demais condôminos. Se pode o condômino o mais, alienar sua parte ideal, pode o menos, dá-la em garantia real. O Código Civil de 1916, porém, exigia, se a coisa fosse indivisível, a anuência dos demais condôminos. A preocupação era com especialização da garantia e direito de preferência do art. 1.139 do Código Civil de 1916, correspondente ao CC 504 do Código Civil de 2002, que não se justificavam, pois a garantia pode recair sobre parte ideal, e a preferência somente seria exercida se a coisa comum fosse à hasta pública. O Código Civil de 2002 elimina a incorreção e permite que o condômino dê em garantia real sua parte ideal, quer o bem seja divisível, quer seja indivisível, sem necessidade de ouvir seus comunheiros. A questão de eventual preferência somente se revolverá no momento da alienação de parte ideal da coisa comum. 

Ressalte-se a existência de julgado do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que “hipotecado o bem imóvel, não pode a penhora, em execução movida a um dos proprietários, recair sobre parte dele. Sendo indivisível o bem, importa indivisibilidade da garantia real” (STJ, REsp n. 143.804/SP, rel. Min. Waldemar Zveiter. No mesmo sentido, STJ, Ag. Reg. n. 198.099/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito). Tal posição, todavia, é frontalmente contrária ao teor do dispositivo ora comentado, que permite, de modo explícito, a hipoteca sobre parte ideal de coisa indivisível, sem anuência dos demais condôminos. Como adverte Gladston Mamede, o aresto implica o que a lei visa evitar, ou seja, que o gravame atinja todo o bem, lesionando direito de terceiros, em decorrência de obrigação assumida por só um dos condôminos (op. cit., p. 56). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.511-13. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Segundo a versão de Guimarães e Mezzalira, a validade da garantia real depende da capacidade geral para os atos da vida civil e da especial para alienar, uma vez que a submissão do bem a esse regime pode resultar na sua alienação judicial.

 

A garantia ofertada pelo coerdeiro deve ser limitada à sua quota, sendo ineficaz se incidir sobre bem da herança considerado singularmente, podendo, todavia, produzir efeitos se o herdeiro cedente vier a ser contemplado como proprietário do aludido bem na partilha (Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil brasileiro, Volume V, 2010, p. 528).

 

Em se tratando de constituição de garantia real sobre coisa alheia, possível a sua revalidação nos casos em que o bem, em si mesmo, possa ser alienado, mas não poderia ter sido realizada pelo agente por não lhe pertencer. A garantia considerada ineficaz revigora-se com a ulterior aquisição do domínio.

 

Como requisito objetivo, estabelece o Código só os bens alienáveis podem ser objeto de penhor, hipoteca e anticrese. Bens fora do comércio, como os bens públicos, não podem ser objeto da garantia.

Súmula 364 do Superior Tribunal de Justiça: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.420 de 2002, acessado em 30.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Quanto aos requisitos legais, aponta Wellington Cacemiro, emana do CC 1.420, regra basilar para o perfeito entendimento das hipóteses em que se aplicam os direitos reais de garantia. Pode-se afirmar, consequentemente, que o artigo citado estabelece dois requisitos distintos e relevantes para que haja, de fato, direito real de garantia. Objetivamente, par example, tem-se claro no texto que o bem penhorado, hipotecado ou oferecido em anticrese será, necessariamente, alienável (por alienável entenda-se o bem que se pode transferir para outrem o domínio ou a propriedade deste).

Já o segundo requisito (este de ordem subjetiva) refere-se ao fato de “somente quem é proprietário poderá oferecer o bem em garantia real” (Tartuce, 2015, p. 866). Nesse sentido adverte o jurista: “Não se pode esquecer que se o proprietário for casado, haverá necessidade de outorga conjugal (uxória ou marital) – em regra e salvo no regime da separação absoluta de bens -, para que o seu imóvel seja hipotecado ou oferecido em anticrese (CC 1.647, I). Isso, sob pena de anulabilidade do ato de constrição (CC 1.649). Além disso, exige-se a capacidade genérica para os atos de alienação (Tartuce, 2015, p. 866). É, admita-se, acepção didática “de per si”. Ajuda, obviamente, a estabelecer noção fundamental sobre o assunto.  (Wellington Cacemiro, onde o autor fala sobre o “Código Civil brasileiro e os direitos reais de garantia: fragmentos de estudo do diploma legal à luz da doutrina contemporânea”, publicado em novembro de 2016 no site Jus.com.br, acessado em 30.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.421. 0 pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título ou na quitação.

O artigo em exame disciplina um dos efeitos dos direitos reais de garantia: sua indivisibilidade. Francisco Eduardo Loureiro inicia seus comentários citando Cio Mário da silva Pereira, para quem a indivisibilidade se compreende em dois sentidos. No primeiro, significa sua adesão ao bem por inteiro e em cada uma de suas partes. O devedor não consegue eximir a coisa do ônus, sob argumento de excesso de garantia (Instituições de direito civil, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1995, v. IV, p. 330). Nada impede, por outro lado, o credor optar por penhorar apenas um ou alguns dos bens dados em garantia real. Além disso, o gravame abrange os acessórios da coisa, ressalvada a hipótese das pertenças, que devem constar do título. Em um segundo sentido, significa persistir a garantia real integralmente sobre o bem onerado, no caso de pagamento parcial da dívida, ainda que compreenda vários bens.

O art. 1.429 do Código Civil de 2002, adiante comentado, em complementação ao princípio da indivisibilidade da garantia real, veda ao herdeiro do devedor a faculdade de fazer a remição parcial da dívida, liberando os respectivos quinhões. Note-se, porém, a norma ser dispositiva, de tal modo que pode ser afastada por convenção em contrário contida no próprio título, admitindo a liberação parcial da garantia, na medida da redução da dívida. Deve constar do título quais bens serão liberados e em qual ordem, para evitar a preferência da liberação ficar a cargo do juiz; que, em tal caso, atenderá ao princípio da menor oneração do devedor.

Além disso, prevê a lei poderem, na própria quitação parcial, as partes liberarem determinado bem da garantia, ainda que não o tenham convencionado no título, fazendo menção de qual bem se trata. 

Lembre-se, finalmente, o CC 1.488, adiante comentado, criar importante exceção ao princípio da indivisibilidade, nos casos de imóveis loteados ou sobre os quais for instituído condomínio edilício. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.514. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).


No lecionar de Guimarães e Mezzalira, no princípio da indivisibilidade o pagamento parcial da dívida não acarreta na liberação da garantia na proporção do pagamento, salvo disposição expressa no título ou na quitação. A coisa inteira continuará garantindo o restante da dívida. 

A indivisibilidade, contudo, não é da essência dos direitos reais de garantia, uma vez que o legislador admite convenção no sentido da exoneração parcial (Carlos Roberto Gonçalves, Direito das Coisas, 2010, p. 538). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.421 de 2002, acessado em 30.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na amplitude do comentário de Wellington Cacemiro, não se pode negar que o legislador, ao formalizar a previsão normativa dos direitos reais de garantia, cuidou para simplifica-la. Pautando-se no que preceitua a melhor doutrina é possível conceituar os institutos do penhor, hipoteca e anticrese de forma bastante sucinta. 

Tome-se, por exemplo, definição de Nader. Apesar de eventuais distinções e conceitos próprios do autor, de modo geral, tem-se em sua obra pontos que merecem maior destaque pela acepção precisa à presente temática. Concernente aduz: A hipoteca é gravame incidente sobre imóvel que passa a garantir o crédito, permanecendo na posse do devedor. Igual função exerce o penhor, que recai sobre a coisa móvel e fica em poder do credor. A anticrese é instituto em desuso, que consiste na percepção, pelo credor, de frutos e rendimentos de imóvel que lhe é entregue pelo devedor para explorar e a fim de satisfazer diretamente o seu crédito. (Nader, 2016, p. 375). Consoante ao afirmado cabe breve delimitação sobre cada um dos institutos citados.

O penhor, trata-se do primeiro direito real de garantia sobre coisa alheia. Em regra estabelece-se na prática que serão dados como garantias bens móveis. Como presumível, não quitada a dívida, objeto do negócio jurídico, ocorre à transferência efetiva do bem do credor. Sobre o tema prelecionam Donizetti e Quintela: “O penhor consiste em modalidade de garantia real que recai sobre bem móvel, o qual é entregue pelo devedor ao credor, chamador de pignoratício. Apesar de o direito real ser constituído pela tradição (CC 1.431), a lei exige, ademais, que o instrumento do penhor seja levado a registro, por qualquer dos contratantes, devendo o penhor comum ser registrado no cartório de Títulos e documentos (CC 1.432). Nos casos dos penhores especiais – penhor rural, industrial, mercantil e de veículos -, as coisas objeto da garantia continuam na posse do devedor, o qual deve guarda-las e conservá-las, como depositário (CC 1.431, parágrafo único). Deve-se tomar muito cuidado com a terminologia, para jamais confundir o penhor, direito real de garantia, com a penhora, instituto do processo civil, nem o verbo correspondente ao penhor, empenhar, com o relativo à penhora, penhorar. (Donizetti; Quintela, 2016, p. 917).

Por fim, necessário destacar alguns pontos importantes. Primeiro, para todos os efeitos, até que a obrigação garantida pelo penhor seja integralmente cumprida, tem o credor o direito de reter a coisa empenhada ou parte dela. Segundo, o penhor se extingue por qualquer das causas elencadas no rol taxativo do CC 1.436. Por último, mas não menos importante, como emanado do texto supracitado pode haver penhor rural, penhor industrial e mercantil, penhor de veículos e, até mesmo, penhor de direitos e títulos de crédito.

Da hipoteca: não sem motivo a hipoteca é considerada “o direito real de garantia sobre coisa alheia com maior repercussão prática” (Tartuce, 2015, p. 873). Trata-se de modalidade de garantia real que recai, por regra, sobre bens imóveis, mas que também pode incidir sobre bens moveis. Neste caso consideram-se hipotecáveis aqueles enumerados pela vigente legislação.

Tartuce (2015, p. 873) lembra que, “por razões óbvias, a hipoteca deve ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis”. O autor adverte, citando Lacerda de Almeida, que hipoteca não registrada é hipoteca inexistente. 

Sobre tal instituto cumpre observar ainda com atenção o que ensinam Donizetti e Quintela: segundo o CC 1.473, pode a hipoteca recair sobre: bens imóveis, e acessórios dos imóveis, em conjunto com eles; o domínio direito; o domínio útil; as estradas de ferro; os recursos naturais a que se refere o CC 1.230; os navios; as aeronaves; o direito de uso especial para fins de moradia; o direito real de uso; a propriedade superficiária. O § 1º do dispositivo salienta que a hipoteca de navios e de aeronaves se regula por lei especial. No caso de hipoteca do direito real de uso ou da propriedade superficiária, o direito de garantia se limita à duração da concessão do uso ou do direito de superfície, se estes houverem sido transferidos por tempo determinado (CC 1.473, § 2º). O direito real de hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel, e não interfere nos demais ônus reais sobre o mesmo imóvel, constituídos e registrados antes dela própria (CC 1.474). No contrato em que se ajusta a hipoteca, não se admite cláusula que proíba ao proprietário alienar o imóvel hipotecado, mas pode-se estabelecer o vencimento antecipado da dívida, nessa hipóteses (CC 1.475, caput e parágrafo único). (Donizetti; Quintela, 2016, p. 923-4). 

Há que se ter em mente ainda que a legislação admite, com base no CC 1.476, a possibilidade de mais de uma hipoteca sobre o mesmo imóvel, não importando se em favor do mesmo credor ou de terceiro. 

Da anticrese – parte considerável da doutrina contemporânea entende tratar-se a anticrese de direito real de garantia em notório desuso, mantida no código vigente por eventual preciosismo do codificador, de modo semelhante ao que o foram outros institutos, como o uso e a habilitação. 

Divergências à parte, consiste a anticrese em modalidade de garantia que recai sobre a posse do imóvel. Esta é transmitida ao credor para que perceba os frutos e eventuais rendimentos da coisa como compensação da dívida. Neste sentido determina o caput do CC 1.506, que “pode o devedor ou outrem por ele, com a entrega do imóvel do credor, ceder-lhe o direito de perceber, em compensação da dívida, os frutos e rendimentos”.

Tartuce teve apropriada crítica ao explicar o instituto em pauta: “De fato, o instituto continua não tendo concreção na vigência da atual codificação, relevando-se uma categoria inútil e sem qualquer incidência prática. [...] Como se percebe, a anticrese está no meio do caminho entre o penhor e a hipoteca, tendo características de ambos. Com a hipoteca tem em comum o fato de recair sobre imóveis, como é corriqueiro. Do penhor, há a similaridade em relação à transmissão da posse. De diferente, a retirada dos frutos do bem. (Tartuce, 2015, p. 883).

Feitas tais explanação resta posto que, o que diferencia o penhor e a hipoteca da anticrese, é que, no caso dos dois primeiros, a garantia do credor emana da própria coisa alienável judicialmente caso o devedor não honre a obrigação contraída. Na anticrese, por sua vez, a garantia estará representada tão somente pela produtividade da coisa. (Wellington Cacemiro, onde o autor fala sobre o “Código Civil brasileiro e os direitos reais de garantia: fragmentos de estudo do diploma legal à luz da doutrina contemporânea”, publicado em novembro de 2016 no site Jus.com.br, acessado em 30.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.417 e 1.418 Do Direito do Promitente Comprador – VARGAS, Paulo S. R.

 

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.417 e 1.418

Do Direito do Promitente Comprador – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo IV – Título IX

Do Direito do Promitente Comprador – (Art. 1.417 e 1.418)

 - digitadorvargas@outlook.com - vargasdigitador.blogspot.com

 

 Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

Historicamente, o presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto, permanecendo, assim, a sugestão trazida a lume pela Comissão, no sentido de ampliar o rol dos direitos reais, incluindo, entre eles, o direito do promitente comprador do imóvel, em face das razões de natureza socioeconômicas que envolvem este instituto jurídico e as suas consequências de ordem prática.

Durante a fase final de revisão do texto legal, foi apresentada sugestão modificativa, que terminou por ser aprovada, para substituir-se a palavra “inscrita” por “registrada”, na expressão “... registrada no Cartório de Registro de Imóveis ...“, justificando-se a modificação com base na melhor técnica e harmonização jurídica, de acordo com a Lei dos Registros Públicos (cf. LRL art. 167, 1, n. 9 e 18) e a terminologia do próprio Código.

Como explica Ricardo Fiuza em sua Doutrina, o instituto jurídico da promessa de compra e venda, tal como inserida no Código Civil, decorrente da inscrição do instrumento público ou particular celebrado entre as partes, devidamente registrado no Registro de Imóveis, não confere ao promitente comprador direito real, equiparável ao direito de propriedade. O que se verifica, isto sim, é a existência de um novo direito real, voltado a garantir, efetivamente, aquele que se compromete a adquirir um imóvel. Trata-se, em outras palavras, de direito à aquisição para o futuro. É direito real em toda a sua extensão e profundidade para os fins definidos neste Título IX; contudo, a aquisição da propriedade, como consequência lógica dessa relação contratual, envolvendo, também, um direito real, dependerá da configuração de novos requisitos específicos. Para o compromisso de compra e venda, em linhas gerais, celebram as partes contrato sinalagmático, no qual definem, previamente, e em comum acordo, o cumprimento sucessivo das obrigações (parcelas vincendas), forma de aquisição e pagamento, objeto (imóvel), especificações relacionadas aos valores devidos e respectivas correções, tempo para a quitação, entre outras avenças. Diferentemente do que se verificava no regime de 1916, o NCC, ao conferir direito real ao promitente comprador, amplia a efetiva possibilidade de inserção de cláusula de imissão de posse em momento precedente ao término do pagamento, ou seja, da plena quitação (v. g., após o pagamento do sinal ou da primeira prestação), conferindo-lhe posse relativa direta (ou imprópria direta), tendo-se em conta que o promitente vendedor reservará para si, até o momento da consumação da negociação, a qualidade de possuidor absoluto (posse absoluta indireta). 

Havendo cláusula de arrependimento, não há que se falar em possibilidade jurídica de constituição do direito real em questão, por se tarde manifesto óbice, previamente estipulado pelas partes contratantes. 

Súmulas do STF: 166 — É inadmissível o arrependimento no compromisso de compra e venda sujeito ao regime do Decreto-lei 58, de 10 de dezembro de 1937; 167 — Não se aplica o regime do Decreto-lei 58, de 10 de dezembro de 1937, ao compromisso de compra e venda não inscrito no registro imobiliário, salvo se o promitente vendedor se obrigou a efetuar o registro; 168 — Para os efeitos do Decreto-lei 58, de 10 de dezembro de 1937, admite-se a inscrição imobiliária do compromisso de compra e venda no curso da ação; 412 — No compromisso de compra e venda com cláusula de arrependimento, a devolução do sinal, por quem o deu, ou a sua restituição em dobro, por quem o recebeu, exclui indenização maior, a título de perdas e danos, salvo os juros moratórios e os encargos do processo.

Sumulas do STJ: 76 — A falta de registro do compromisso de compra e venda do imóvel não dispensa a prévia interpelação para constituir em mora o devedor; 84 — É admissível a oposição de Embargos de Terceiros fundados em alegação de posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido de registro.

Continua em vigor toda a legislação extravagante correlata ao tema referente ao compromisso de compra e venda (v. g., Decreto-lei n. 58/37; Decreto n. 3.079/38; Lei n. 4.505/64; Lei n. 6.766/79 etc.). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 723-24, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 29/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em prólogo necessário ao comentário explica Francisco Eduardo Loureiro: “Nesta quarta edição do Código Civil Comentado, acrescentei parte do texto que escrevi recentemente sobre o compromisso de compra e venda (“Responsabilidade civil no compromisso de compra e venda”. In: silva, Regina Beatriz Tavares da (coord.). Responsabilidade civil e sua repercussão nos tribunais. Saraiva, série Direito-GV, p. 167-219). Justifica-se a inserção, pois os CC. 1.417 e 1.418 regulam apenas o direito real do promitente comprador, enquanto o contrato, de uso extremamente frequente, encontra-se disciplinado em diversas leis especiais”.

“Define-se contrato preliminar, ou pré-contrato, ou contrato promessa, ou pactum de contrahendo na lição de Pontes de Miranda, como ‘o contrato pelo qual uma das partes, ou ambas, se obrigam a concluir outro negócio jurídico’ (Pontes de Miranda. Tratado das ações. vol. V IL São Paulo, Revista dos Tribunais, 1978, p. 284). As partes, ou uma delas, prometem celebrar mais tarde outro contrato, que será o principal (Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. vol. III. 11. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 81). 

Múltiplas razões justificam a utilização do contrato preliminar: assegura-se a realização do contrato prometido, em um momento que existe algum obstáculo material ou jurídico à sua imediata conclusão, ou as partes não podem observar as formalidades legalmente exigidas; uma das partes não dispõe da soma ou de outros meios necessários, mas desde logo quer estabelecer vínculo negocial; vantagens fiscais em postergar a celebração do contrato prometido, com diferimento do recolhimento de impostos e emolumentos; o contrato definitivo refere-se à coisa futura ou alheia; é preciso obter o consentimento de terceiros (Costa, Mário Júlio de Almeida. Contrato-promessa. Uma síntese do regime atual. 4. ed. revista e atualizada. Coimbra, Livraria Almedina, 1996, p. 13). 

Uma nova e relevante função atípica a um contrato preliminar, via de regra não cogitada pela doutrina, é a de servir de instrumento de garantia ao recebimento do preço. Especialmente na promessa de compra e venda, é comum que o promitente vendedor retenha a propriedade do imóvel vendido, até satisfação integral de seu crédito. Ao invés de utilizar a garantia real da hipoteca, ou da propriedade fiduciária sobre imóveis (Lei n. 9.514/97), que exigem a excussão do objeto da garantia, optam pelo compromisso de compra e venda, a ser resolvido no caso de inadimplemento do promitente comprador, com consequente devolução do imóvel ao promitente vendedor. Essa escolha de mecanismos de garantia vai provocar profundos efeitos quanto à possibilidade de retomar a coisa prometida à venda e quanto à devolução das parcelas do preço pagas.

A multiplicidade e a diversidade de funções do contrato preliminar não permitem, por consequência, afirmar que o seu objeto sempre será a celebração de um contrato futuro, sem a criação de efeitos substanciais, que podem apenas ser antecipados em caráter excepcional. Claro que a celebração de um contrato preliminar que tem por objeto mediato coisa alheia, ou futura, ou que dependa do consentimento de terceiros, ou de estudos e documentos não disponíveis no momento de sua celebração, terá escassa produção de efeitos substanciais e, sem dúvida, o objeto principal será a celebração de um contrato definitivo. Situação diametralmente diversa é a dos contratos preliminares que têm por função apenas a garantia do recebimento do preço parcelado, ou a obtenção de vantagens fiscais. Em tais funções, o contrato preliminar produz desde logo efeitos substanciais e a celebração do contrato definitivo é apenas mais uma das obrigações - nem sempre a principal - assumida pelas partes.

O contrato principal, ou final, por seu turno, variará de acordo com a função do contrato preliminar, com preponderância de natureza solutória, ou liberatória, enquanto consistir no cumprimento de obrigações assumidas no contrato precedente, e constitutivo, no concernente às novas relações que dele resultarem em caráter definitivo (Andrade, Darcy Bessone de Oliveira. Da compra e venda: promessa & reserva de domínio. Belo Horizonte, Editora Bernardo Álvares S.A., 1960, p. 99).

O CC 462 dispõe que o ‘contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos do contrato definitivo’. Adotou nosso Código posição intermediária, exigindo a presença dos requisitos essenciais do contrato principal a ser celebrado, mas não a presença de um acordo completo. Há espaço a uma hierarquização de assuntos, deixando as partes lacunas que serão mais tarde objeto de nova regulamentação convencional, ou, na falta de consenso futuro, poderão encontrar solução na lei, nos usos ou na equidade. O que se exige para o contrato preliminar é um mínimo de precisão, de tal modo que se possibilite a identificação fundamental de seu conteúdo, permitindo a conclusão do contrato definitivo sem deixar ao arbítrio das partes questões que comprometam o seu equilíbrio (Bdine Júnior, Hamid Charaf. Compromisso de compra e venda em face do Código Civil de 2002: contrato preliminar e adjudicação compulsória, in Revista dos Tribunais, vol. 843, p. 64). Ressalvou o legislador, porém, a não incidência do princípio da atração das formas entre o contrato preliminar e o definitivo, pondo fim à dúvida doutrinária e consolidando sedimentado entendimento jurisprudencial que sempre admitiu o compromisso de compra e venda de bens imóveis por instrumento particular. Diga-se, aliás, que a liberdade de formas cumpre exatamente uma das funções do contrato preliminar, vinculando as partes até que celebrem o negócio solene.

O compromisso de compra e venda como contrato preliminar impróprio. Defende José Osório de Azevedo Júnior, em obra que já se tornou clássica sobre o tema, ser o contrato de compromisso de compra e venda preliminar impróprio. Partiu da premissa da prática negocial revelar que ‘os tradicionais poderes inerentes ao domínio (jus utendi, fruendi et abutendi) são transferidos ao compromissário comprador, enquanto o compromitente vendedor conserva para si a propriedade nua, vazia, ou menos ainda que propriedade nua (Azevedo Júnior, José Osório de. Compromisso de compra e venda. 5. ed. revista e atualizada. São Paulo, Malheiros, 2006, p. 18).

O domínio remanesce em poder do promitente vendedor afetado ao recebimento do preço, como mecanismo de garantia. E arremata José Osório, ‘à medida que o crédito vai sendo recebido, aquele pouco que restava do direito do promitente vendedor, i. é, aquela pequena parcela do poder de dispor, vai desaparecendo, até se apagar de todo’ (José Osório, op. cit., p. 19). Pago o preço, de modo paradoxal o domínio formal que se encontra em nome do promitente vendedor não lhe confere mais nenhum direito, mas apenas o dever inexorável de outorgar a escritura definitiva. 

O fato é que a jurisprudência, de modo consciente ou não da natureza imprópria do contrato de compromisso de compra e venda, ou apenas intuindo tal situação, passou gradativamente a antecipar todos os efeitos da escritura definitiva para o momento do contrato preliminar. Reconhecem os tribunais que a carga negocial, as consequências práticas, o conteúdo econômico do negócio se concentram no primeiro contrato e não no segundo. 

Os exemplos são enumerados de modo didático por José Osório de Azevedo Júnior (José Osorio, op. cit., p. 49): a) as questões relativas à capacidade das partes e vícios do negócio jurídico são examinadas tendo em vista a data da celebração do compromisso, inclusive a fraude contra credores. Disso decorre que o prazo decadencial para ajuizamento da ação pauliana tem termo inicial na data do registro do compromisso, ou na data que teve ciência do negócio o credor, o que antes ocorrer; b) o promitente comprador devidamente imitido na posse do imóvel, ainda que sem o registro do contrato, pode afastar a penhora sobre o imóvel, em execução movida por credor do promitente vendedor, se foi o negócio celebrado antes da citação do executado. Recente julgado do Superior Tribunal de Justiça bem elucida o entendimento sobre o tema: ‘É assente na jurisprudência desta Corte de Justiça que a celebração de compromisso de compra e venda, ainda que não tenha sido levado a registro no Cartório de Registro de Imóveis, constitui meio hábil a impossibilitar a constrição do bem imóvel, discutido em execução fiscal, e impede a caracterização de fraude à execução, aplicando-se o disposto no enunciado da Súmula n. 84 do STJ: É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro.’ (REsp n. 974062/RS, rel. Min. Denise Arruda, j. 20.09.2007); c) o direito de preferência do condômino sobre coisa indivisível (CC 504) e da Lei do Inquilinato pode ser exercido contra o compromissário comprador, não havendo por que se esperar a lavratura da escritura de venda e compra. O prazo começa a contar da data do registro do compromisso ou da data em que o condômino tomou ciência da promessa, o que antes ocorrer (REsp n. 198516/SP, rel. Barros Monteiro, j. 23.02.1999, LEXSTJ 129/131 e RSTJ 133/391, que, embora diga respeito a contrato de compra e venda não registrado, no corpo do voto estende a preferência ao pré-contrato); d) a superveniência de leis novas criando obstáculos ou entraves não alcança imóveis já prometidos à venda, ainda que não tenha sido o contrato registrado. Idem a indisponibilidade de bens já prometidos à venda anteriormente (Embargos de terceiro. Liquidação extrajudicial de instituição financeira. Indisponibilidade e arresto do patrimônio dos administradores, com fundamento na Lei n. 6.024/74. Prova cabal de que o embargante adquiriu o imóvel mais de uma década antes da liquidação. Compromisso de compra e venda com firmas reconhecidas e imissão do promitente comprador na posse do imóvel. Embargos procedentes. TJSP, Ap. cível n. 383.194.4/3-00, rel. Francisco Loureiro, j. 24.05.2007); e) do mesmo modo que se exige alvará para a alienação de imóvel de incapaz, também se exige em caso de compromisso de compra e venda; f) é válida a escritura definitiva outorgada após a morte do mandante, em cumprimento a compromisso de compra e venda, irretratável e irrevogável, com o preço inteiramente pago, na forma do CC 684; g) cabe ação reivindicatória ajuizada por promitente comprador com contrato irretratável levado ao registro imobiliário. Julgou em data recente o Superior Tribunal de Justiça que ‘promessa de compra e venda irretratável e irrevogável transfere ao promitente comprador os direitos inerentes ao exercício do domínio e confere-lhe o direito de buscar o bem que se encontra injustamente em poder de terceiro. Serve, por isso, como título para embasar ação reivindicatória’ (REsp n. 252020/RJ, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 05.09.2000); h) é anulável a promessa de compra e venda de ascendente a descendente sem consentimento dos demais descendentes e do cônjuge;  i)A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel’ (Súmula n. 308 do Superior Tribunal de Justiça); j) o promitente comprador com contrato não registrado, mas imitido na posse, é parte legítima para figurar no polo passivo de ação de cobrança de despesas de condomínio edilício.

Verifica-se, em resumo, que os tribunais gradativamente e de modo mais ousado antecipam para o momento do contrato preliminar impróprio de compromisso de compra e venda todos os efeitos típicos do contrato definitivo. É, sem dúvida, o reconhecimento de que em muitos casos, o compromisso, usado em função e como mecanismo de garantia do recebimento do preço, concentra a carga negocial e as consequências da escritura definitiva. 

O direito real de promitente comprador. Os CC 1.417 e 1.418 disciplinam o direito real de promitente comprador com título levado ao registro. O contrato compromisso de compra e venda, desde que subordinado a certos requisitos - impossibilidade de arrependimento e registro imobiliário -, converte-se de direito de crédito em direito real de aquisição.

O Código Civil de 1916 não contemplava o direito real de promitente comprador, que, em vez disso, tinha em seu art. 1.088 perigosa armadilha, uma vez que permitia ao promitente vendedor arrepender-se do negócio até o momento da escritura definitiva.

Leis especiais, porém, já conferiam a possibilidade de registro ao compromisso de compra e venda, garantindo-lhe eficácia contra terceiros e impossibilitando o arrependimento. A primeira delas, inspirada na legislação uruguaia, foi o Decreto-lei n. 58/37, que se destinava somente aos imóveis loteados. Posteriormente, a Lei n. 649/49 estendeu o regime jurídico do compromisso de compra e venda do Decreto-lei n. 58/37 aos imóveis não loteados. Finalmente, a Lei n. 6.766/79 disciplinou o parcelamento do solo urbano e também o compromisso de compra e venda de imóveis loteados. A Lei n. 4.591/64, que trata do condomínio edilício e da incorporação imobiliária, também contém dispositivos sobre promessa de compra de unidade autônoma futura. A doutrina apenas divergia quanto à natureza do compromisso de compra e venda levado a registro. A maioria se posicionava no sentido de que consistia verdadeiro direito real de aquisição, embora determinados autores defendessem que se tratava de mero contrato com eficácia real.

O que se extrai do preceito em estudo é a presença de dois requisitos cumulativos, para que o contrato de compromisso de compra e venda, que gera apenas direito de crédito, converta-se em direito real e ganhe oponibilidade contra todos, a saber: a) não contenha cláusula de arrependimento; b) seja registrado no Registro Imobiliário competente. 

Aos dois requisitos explicitados no artigo em exame devem ser somados os previstos nos CC 462 e 463, que disciplinam o gênero dos contratos preliminares, no qual se insere a espécie compromisso de compra e venda. Assim, os contratos preliminares, salvo quanto à forma, devem conter todos os requisitos do contrato principal, no caso a compra e venda, declinando as partes contratantes, o objeto e o preço. 

Examine-se os dois requisitos previstos neste artigo, individualmente. O primeiro é a ausência de cláusula de arrependimento. O contrato de compromisso de compra e venda não é daqueles que, nos termos do CC 473, anteriormente comentado, admitem por força de lei ou de sua natureza a resilição unilateral. A cláusula de arrependimento ou a opção de denúncia devem ser expressamente previstas no contrato. Podem importar na perda do sinal pago, como nas arras penitenciais, ou nem isso. O que importa é que, no silêncio do contrato, não há possibilidade de arrependimento unilateral de qualquer das partes. Mais ainda: no regime dos contratos relativos aos imóveis loteados (art. 25 da Lei n. 6.766/79), norma de ordem pública impõe que os contratos sejam irretratáveis. Logo, sob tal regime, eventual cláusula se considera não escrita e não impede o registro nem a aquisição do direito real. 

Mesmo nos contratos relativos a imóveis não loteados, o entendimento pacificado dos tribunais é no sentido de que o direito de arrependimento, expressamente pactuado, encontra limites nos princípios da boa-fé objetiva, equilíbrio e função social do contrato. Assim, não se admite o direito de arrependimento quando o preço se acha integralmente pago (Súmula n. 166 do STF), ou, em corrente mais avançada, quando já se iniciou a execução do contrato. Dizendo de outro modo, quando a cláusula de arrependimento se dá mediante a figura das arras penitenciais, deve ser exercida a faculdade de retratação no prazo assinado. Ultrapassado o pagamento do sinal e iniciado o pagamento do preço, não mais se fala em arras penitenciais, que passam a integrar o valor da coisa. Quando a cláusula de arrependimento é pactuada sem prazo, o exercício de ato de execução implica renúncia à faculdade de se retratar, em vista da estabilidade e da firmeza dos contratos. Em suma, o direito de arrependimento somente pode ser exercido até o início da execução do contrato de compromisso de compra e venda (José Osório de Azevedo Júnior, op. cit., p. 263; Pontes de Miranda. Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, v. X III, n. 3, § 1.525). 

Disso decorre que, mesmo nos casos de imóveis não loteados com cláusula de arrependimento expressa, escoado o prazo das arras penitenciais, ou iniciada a execução do contrato, não mais cabe a retratação e, por consequência, pode o compromisso ser levado a registro e se converter em direito real.

O segundo requisito é o registro imobiliário do contrato de compromisso de compra e venda. Como vimos anteriormente, o registro é constitutivo da propriedade e de outros direitos reais adquiridos a título derivado e inter vivos. Antes do registro, há mero direito de crédito entre as partes. Após o registro, converte-se em direito real, com oponibilidade contra todos, de modo que eventuais novos atos de disposição ou de oneração praticados pelo promitente vendedor em benefício de terceiros, ainda que de boa-fé, são ineficazes frente ao promitente comprador. Lembre-se que retroage ao registro - e todos os seus efeitos - à data do ingresso e à prenotação do título no registro imobiliário.

Note-se que, embora o art. 167,1, n. 9, da Lei n. 6.015/73, disponha serem títulos registráveis os contratos de compromisso de compra e venda, de cessão deste e de promessa de cessão, com ou sem cláusula de arrependimento [...]’, o Código Civil - lei posterior que, apesar de geral, trata da mesma matéria - dispôs de modo diverso, exigindo a característica da irretratabilidade. Prevalece, portanto, o disposto na lei posterior, de tal modo que, atualmente, somente podem ingressar no registro os compromissos irretratáveis. 

Das prestações principais, acessórias e os deveres laterais de conduta assumidos pelas partes no compromisso de compra e venda - Provocou o princípio da boa-fé uma revolução na maneira de encarar a relação obrigacional, que deixou de ser considerada somente um direito de crédito, em contraposição a um dever de prestar, e passou a significar uma relação jurídica total entre as partes, uma relação complexa, visualizada como um processo, composto por uma sucessão de atos tendentes a um fim, qual seja, a satisfação do interesse do credor (SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. São Paulo, Editora José Buchatsky, 1976, p. 10).

No contrato de compromisso de compra e venda, segundo a doutrina majoritária, o objeto seria a celebração do contrato definitivo. Logo, manifestar consentimento no contrato definitivo consistiria a prestação principal. Já as prestações secundárias ou acidentais consistiriam nos deveres de pagar o preço, fornecer a documentação relativa ao imóvel, certidões pessoais dos promitentes vendedores, certidões fiscais e previdenciárias, autorizações e alvarás administrativos, enfim, tudo aquilo que possa interessar à perfeição da prestação principal.

Além dos deveres de prestação, a obrigação como relação complexa, destinada à satisfação do interesse do credor, gera também deveres laterais de conduta, com o escopo de garantir o desenvolvimento regular do contrato como um todo, de modo a não frustrar a confiança da parte contrária. São deveres que não têm conteúdo fixo e nem número determinado e se revelam apenas na medida em que necessários para a realização das finalidades da própria relação obrigacional (NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo, Saraiva, 1994, p. 160). Criam condições para uma consecução sem estorvos do fim contratual.

Vimos acima que o contrato de compromisso de compra e venda pode ser, em determinados casos, preliminar impróprio, porque antecipa carga negocial e os efeitos do contrato definitivo. De igual modo, os efeitos principais e acessórios de prestação, bem como os laterais (ou anexos) de conduta decorrentes da boa-fé objetiva, são antecipados de acordo com a causa do contrato.

A par da prestação principal das partes manifestarem consentimento na celebração do contrato principal, há múltiplos deveres acessórios de prestação, ainda que não previstos no contrato pelas partes. Tomem-se como exemplo os deveres de fornecer toda a documentação relativa ao imóvel, bem como certidões e documentos pessoais das partes (inclusive fiscais e previdenciárias) e a regularização de construções existentes sobre o solo.

Há ainda deveres laterais (anexos) de conduta, que abrangem não somente as fases de formação e execução do contrato, como também as fases pré e pós-contratual. São deveres que não se definem a priori, mas que surgirão desde as negociações preliminares e se projetam até mesmo depois da celebração do contrato definitivo. Tomem-se como exemplos os deveres pré-contratuais, na fase da pontuação, de se alertar o adquirente sobre restrições ou limitações administrativas existentes sobre o imóvel, questões relevantes de vizinhança, alterações iminentes no zoneamento, problemas relativos à solidez da obra e de composição do solo. Os deveres pós-contratuais de fornecer documentos que porventura tenha o alienante em mãos, que auxiliem discussões dominiais, ou facilitem a retificação do registro imobiliário.

A cláusula geral da boa-fé objetiva, na sua função de controle, interfere de modo significativo na execução do contrato de compra e venda. Controla o exercício abusivo de direitos, que não tragam benefícios ao credor e gerem desproporcional sacrifício do devedor, confere efeitos à inércia prolongada (surrectio e supressió) e ao comportamento contraditório (venire contra factum proprio) dos contratantes. Evita, mais, que qualquer dos contratantes invoque em seu proveito normas que ele próprio violou (tu quoque).

Tomem-se como exemplos a resolução do contrato em razão de inadimplemento de pequena monta da outra parte, que não compromete a economia do contrato (teoria do adimplemento substancial), a prolongada inércia quanto à cobrança de determinadas verbas ou de multa moratória, e a própria exceção do contrato não cumprido, com especial enfoque para o cumprimento imperfeito (exceptio non rite adimpleti contractus).

É verdade, porém, que cada vez mais, em atenção aos princípios da boa-fé objetiva e função social, o princípio da relatividade dos contratos recebe nova leitura. A Súmula n. 308 do Superior Tribunal de Justiça dispõe: ‘A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel’.

A súmula acima referida constitui importante marco e tem relevante aplicação nas relações negociais. É o reconhecimento pelos tribunais de que, em determinadas situações jurídicas, o contrato de compromisso de venda e compra, mesmo não levado a registro, ganha eficácia frente a terceiros. Como constou de julgado do Superior Tribunal de Justiça, ‘ao celebrar o contrato de financiamento, facilmente poderia o banco inteirar-se das condições dos imóveis, necessariamente destinados à venda, já oferecidos ao público e, no caso, com preço total ou parcialmente pago pelos terceiros adquirentes de boa-fé’ (REsp n. 329.968/DF, DJ 04.02.2002).

A tendência de se conferir efeitos contra terceiros ao compromisso de compra e venda não levado a registro também se extrai da Súmula n. 84 do STJ de seguinte teor: ‘É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro’.

As obrigações do promitente comprador. O dever de consentir na celebração do contrato definitivo. O pagamento do preço. A mora. A resolução. A cláusula penal. As benfeito­rias e acessões. Na função de mero contrato preparatório, sem dúvida a prestação principal de ambas as partes no compromisso de compra e venda será a de prestar consentimento no contrato definitivo. Cuida-se de obrigação de fazer, juridicamente fungível, passível de substituição por sentença judicial, na forma dos arts. 461 do Código de Processo Civil de 1973, (hoje elencado no CPC/2015, art. 497) e CC 464. Comum tomar-se tal obrigação como devida pelo promitente vendedor em benefício do promitente comprador.

A obrigação, porém, é recíproca. Existe o direito de o promitente comprador liberar-se da obrigação de outorgar a escritura, de recuperar a sua liberdade e evitar todos os ônus de um imóvel registrado em seu nome, por exemplo, lançamento de impostos, despesas condominiais e eventual responsabilidade civil pelo fato da coisa. Na visão contemporânea do direito obrigacional, o pagamento, em sentido amplo, é não somente um dever, como também um direito do devedor para liberar-se da prestação. Cabe, assim, ação de obrigação de fazer também do promitente vendedor contra o promitente comprador, para que a sentença substitua a escritura injustamente negada pelo adquirente. Problema surge com o registro da escritura, ou da sentença que a substitui, que exige o recolhimento do IT BI e o pagamento das custas e emolumentos devidos ao registrador e ao Estado, ou de imposto predial em atraso. Em tal caso, abre-se em favor do promitente vendedor uma obrigação alternativa. Ou recolhe os impostos e taxas, faz o registro e posteriormente pede o reembolso, ou requer ao juiz a fixação de multa (art. 461 do CPC de 1973, hoje elencado no CPC/2015, art. 497) até que o promitente comprador promova o recolhimento das citadas verbas e o registro.

Em caso recente, a Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu o seguinte: ‘Ação ajuizada pelos promitentes vendedores contra os promitentes compradores para compeli-los a receber a escritura do imóvel, cujo preço se encontra integralmente pago. Interesse dos promitentes vendedores para que as taxas e tributos ou mesmo obrigações propter rem, ou responsabilidade civil por ruína do prédio, não recaiam sobre quem mantém formalmente o domínio, mas despido de todo o conteúdo, já transmitido aos adquirentes’ (TJSP, Ap. cível n. 466.654.4/8-00, 4ª Câm. Dir. Privado, j. 7.12.2006).

O contrato de compromisso de compra e venda, na frequente função de instrumento de garantia do recebimento do preço, ou de contrato preliminar impróprio, desloca a prestação principal do promitente comprador, de consentir na celebração da escritura definitiva, para o pagamento do preço. A prestação de pagar o preço, via de regra, é positiva, líquida e a termo, o que, na forma do CC 397, torna a mora ex re, independentemente de qualquer notificação ou interpelação. Vigora o aforismo dies interpellat pro homine, razão pela qual a multa e os juros moratórios são devidos desde o vencimento da dívida. Para cobrar as parcelas do preço, não há necessidade de qualquer interpelação ou notificação ao devedor. Mais de uma vez julgou o Superior Tribunal de Justiça que ‘para a simples cobrança das prestações inadimplidas, é desnecessária a interpelação judicial prevista no art. 1º do Decreto-lei n. 745, de 1969, só exigível quando se quer rescindir o contrato. Recurso especial não conhecido’ (REsp n. 480435/RJ). É por isso que ‘para a simples cobrança das prestações, a citação faz as vezes da interpelação prevista no Decreto-lei n. 745, de 07.08.69’ (REsp n. 109716/SP).

Discute-se se o crédito relativo ao preço é líquido e constitui título executivo. A questão não comporta resposta única. Dependerá da função do contrato de compromisso e do estágio de cumprimento em que se encontra. Se o promitente vendedor já tiver cumprido suas prestações substanciais - a entrega da posse do imóvel, ou a realização das obras de infraestrutura, se for o imóvel loteado, ou a conclusão da obra, se for unidade autônoma em construção - restando apenas ao promitente comprador o pagamento do preço, perde o contrato a sua bilateralidade. Resta apenas ao promitente comprador cumprir a sua prestação principal de pagamento do preço. É por isso que os tribunais, embora não seja o tema pacífico, em mais de uma oportunidade assentaram que ‘tem a jurisprudência, inclusive a do Colendo Superior Tribunal de Justiça, proclamado que o contrato bilateral pode servir de título executivo quando o credor desde logo comprova o integral cumprimento da sua prestação (arts. 585, II, e 615 do CPC de 1973, hoje elencados no CPC/2015, arts. 784, II e 799, respectivamente). (REsp n. 170.446/SP, 4ª T., rel. Min. Ruy Rosado, DJU 14.09.1998, p. 82). Ou, ainda: O contrato bilateral pode servir de título executivo de obrigação de pagar quantia certa, desde que definida a liquidez e certeza da prestação do devedor, comprovando o credor o cumprimento integral da sua obrigação (RSTJ 85/278). Essa jurisprudência formou-se em face da nova redação dada ao inciso II do art. 784 II, que considera título executivo o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas, afastando as restrições que anteriormente existiam, podendo abranger, hoje, qualquer tipo de obrigação’ (TJSP, AI n. 208.214-4/8). Caso o contrato ainda tenha prestações recíprocas a serem cumpridas, a cobrança pode ser feita pela via da ação monitoria.

A penhora, no caso de execução de parcelas do preço, pode recair nos direitos do promissário comprador sobre o próprio imóvel, ainda que o único de natureza residencial. Entendeu o Superior Tribunal de Justiça que, assumida a dívida para aquisição da moradia, não se aplica ao caso a regra da impenhorabilidade do art. 1º da Lei n. 8.009/90, mas sim as ressalvas previstas no art. 3º do mesmo diploma (REsp n. 54.740-7/DF, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar; no mesmo sentido, RT 723/417). Pode parecer estranho que o promitente vendedor, ainda titular do domínio, requeira recaia a penhora sobre bem próprio, onerado por direitos do promitente comprador. Ocorre que os direitos de compromissário comprador têm natureza patrimonial e são passíveis de alienação - cessão - a terceiros, inclusive por mero trespasse. Logo, são perfeitamente penhoráveis e aptos à excussão. O arrematante se sub-rogará na posição de promitente comprador, com os créditos e obrigações inerentes ao contrato. Pode ainda o credor adjudicar os direitos de promitente comprador, na forma prevista no Código de Processo Civil, ou arrematar para si o imóvel. 

Em razão do inadimplemento da obrigação do pagamento do preço, abre-se ao promitente vendedor obrigação alternativa: ou executa a prestação ou pede a resolução do contrato. Os efeitos econômicos são radicalmente distintos, inclusive no caso de arrematação por terceiro, pelo próprio exequente, ou de adjudicação. Isso porque não há, em tal hipótese, devolução das parcelas pagas pelo promitente comprador, não incidindo as normas cogentes do art. 53 do Código de Defesa do Consumidor e do CC 413, impeditivos ou limitativos das cláusulas de perdimento, ou de decaimento. Como decidiu em data recente o Tribunal de Justiça de São Paulo, a unidade autônoma não retorna às mãos do credor, diante da ilegalidade da incidência da cláusula comissória. O credor apenas promove a excussão do imóvel, vendendo-o em hasta pública. Se o preço apurado for superior ao crédito, a sobra é devolvida ao devedor; se inferior, remanesce crédito a ser executado (TJSP, Al n. 455.955- 4/8-00, 4ª Câm. Dir. Privado, j. 29.06.2006).

No regime dos imóveis loteados (art. 38 da Lei n. 6.766/79) cabe lembrar que o preço do imóvel somente é exigível se o loteamento se encontrar devidamente registrado e com as obras de infraestrutura concluídas dentro do prazo legal. Como decidiu recentemente o Tribunal de Justiça de São Paulo, ‘a Lei n. 6.766/79, que trata do parcelamento do solo urbano, exige que o projeto de loteamento seja aprovado e submetido a registro junto ao Oficial de Registro Imobiliário, acompanhado dos documentos elencados no art. 18. Entre esses documentos, figura o comprovante da aprovação de cronograma das obras de infraestrutura, com a duração máxima de 4 (quatro) anos’ (TJSP, Ap. cível n. 501.986.4/6-00, 4ª Câm. Dir. Privado, j. 29.11.2007). É uma espécie de exceptio non adimpleti contractus de ordem pública, que permite ao promissário comprador sustar o pagamento do preço, e ao juiz conhecer de ofício da matéria. Pode-se dizer que a regularidade do empreendimento constitui pressuposto para o válido desenvolvimento do processo, de modo que pode o juiz, já no despacho inicial, determinar ao autor que junte certidão atualizada comprovando o registro do loteamento e, se for o caso, a averbação da conclusão das obras de infraestrutura.

Como acima mencionado, a ausência de pagamento do preço, por parte do promitente comprador, abre ao promitente vendedor obrigação alternativa a seu favor: ou executa a prestação ou resolve o contrato. Como diz Caio Mário da Silva Pereira, ‘descumprido o contrato bilateral, abre-se uma alternativa para o lesado, para exigir sua execução ou resolvê-lo com perdas e danos’ (Instituições de direito civil, 11. ed. Rio de Janeiro, Forense, v. III, p. 156). A opção pela resolução, porém, não se opera de pleno direito, ainda que tenham as partes convencionado cláusula resolutiva expressa, na forma do CC 473. As leis especiais que disciplinam o contrato de compromisso de compra e venda - Decreto-lei n. 58/37, Leis n. 6.766/79 e 4.591/64 -, atenuam a dureza da cláusula e, por normas cogentes, impõem notificação premonitória para o fim de converter a mora, que, como visto, normalmente é ex re, em inadimplemento absoluto. Os prazos exigidos nas leis são, respectivamente, de 15 dias para imóveis não loteados, 30 dias para imóveis loteados e 10 dias para unidades autônomas futuras construídas pelo regime de administração (ou preço de custo).

Como o exercício do direito de resolução supõe e requer uma manifestação de vontade unilateral do contratante lesado, com o propósito de formar ou extinguir relações jurídicas concretas, a doutrina mais moderna o tem tratado como direito potestativo. Fala-se, assim, em direito formativo (porque transforma um estado jurídico) extintivo (porque essa transformação desfaz a eficácia jurídica já produzida) (Aguiar Júnior, Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor- resolução. 2. ed. atualizada. Rio de Janeiro, Aide, 2003, p. 26). Ao contrário do que afirmam alguns doutrinadores, a cláusula resolutiva expressa não se confunde com a condição resolutiva. No dizer de Pontes de Miranda, não se pode elevar o inadimplemento a uma condição, em sentido técnico. Na verdade, o inadimplemento faz apenas nascer ao credor o direito formativo à resolução. A condição seria, então, o exercício desse direito pelo credor, o que é inadmissível (Pontes de Miranda. Tratado de direito privado. Revista dos Tribunais, 1984, t. XXV, p. 338). Em termos diversos, ocorrendo o inadimplemento do promitente comprador, o contrato não se encontra extinto, mas nasce para o promitente vendedor a opção entre cobrar o preço ou resolver o contrato. A notificação, assim, não serve para constituir o promitente comprador em mora, mas sim para convertê-la em inadimplemento absoluto e, com isso, abrir caminho para o exercício do direito potestativo de resolução. Tanto isso é verdade que o pagamento das parcelas fora da data aprazada, mas antes da interpelação, certamente será acrescido dos juros e multa moratórios (Azevedo Júnior , José Osório de. ‘Compromisso de Compra e Venda’. In: Cahali, Youssef (coord.). Contratos nominados: doutrina e jurisprudência. Editora Saraiva, 1995, p. 286). 

O descumprimento que dá margem à resolução é o definitivo, pela impossibilidade do devedor ou pela inutilidade da prestação para o credor. Cabe invocar, aqui, a clássica lição de Agostinho Alvim, para quem ‘há inadimplemento absoluto quando não mais subsiste para o credor a possibilidade de receber a prestação; há mora quando persiste essa possibilidade’ (Alvim Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. Editora Saraiva, 1959, p. 46). Há, assim, falta imputável ao devedor, que torna irrecuperável o cumprimento da prestação, ainda que tardio. A obrigação, pois, não foi cumprida, nem poderá mais sê-lo. Disso decorre ser inviável a resolução decorrente de simples mora, ou seja, quando persiste, ainda, a possibilidade e o interesse do credor no recebimento da prestação. A mora, no caso, tem dois efeitos fundamentais: por um lado obriga o devedor a reparar os danos que causa ao credor o atraso no cumprimento; por outro, lança sobre o devedor o risco da impossibilidade da prestação. A resolução do contrato, porém, não é um efeito da mora, mas só nasce para o credor quando a mora se converter em não cumprimento definitivo da obrigação (Varela, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. 6. ed. Coimbra, Almedina, 1996, v. II, p. 124).

A notificação pode ser judicial ou extrajudicial. Já se admitiu inclusive a notificação por simples carta com aviso de recebimento, desde que resulte inequívoco que o devedor tomou conhecimento do ato (TJSP, Ap. cível n. 497.173.4/4-00, 4ª Câm. Dir. Privado, j. 25.05.1997). Não se aceitam, porém, simples convites para comparecimento à sede da credora, ou meras cartas ou avisos de cobrança, sem a ressalva expressa da finalidade de conversão da mora em inadimplemento absoluto (TJSP, Ap. cível n. 337.153.4/5-00, 4ª Câm. Dir. Privado, j. 09.03.2006). Encontra-se em plena vigência a Súmula n. 76 do Superior Tribunal de Justiça: ‘A falta de registro do compromisso de compra e venda de imóvel não dispensa a prévia interpelação para constituir em mora o devedor’. Em determinados casos, quando litigam as partes em ação diversa - consignação em pagamento, anulatória de cláusula contratual, inexigibilidade de crédito - e resulta claro que o promitente comprador não deseja purgar a mora, mas discutir ou negar a dívida, a notificação perde sua finalidade e pode ser dispensada. Nos demais casos, a ausência de notificação leva à carência da ação de resolução do contrato, por falta de inadimplemento absoluto. 

Não é qualquer inadimplemento que leva à resolução do contrato, mas somente o substancial. A sanção radical da extinção do contrato deve corresponder à falta de proporcional gravidade, sob pena de se violar o princípio da boa-fé objetiva, na sua função de controle. O melhor entendimento, adotado por inúmeros julgados do Superior Tribunal de Justiça, é o de que a extinção do contrato por inadimplemento do devedor somente se justifica quando a mora causa ao credor dano de tal envergadura que não lhe interessa mais o recebimento da prestação devida, pois a economia do contrato está afetada. O Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior, no julgado líder, assentou posição de que ‘o adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso’ (REsp n. 272.739/MG). 

Caso típico de incidência da teoria do adimplemento substancial é o do compromisso de compra e venda com preço diferido ao longo do tempo, quando restam apenas algumas poucas parcelas sem pagamento. As parcelas já pagas atingem percentual elevado do preço total, de modo que o equilíbrio contratual já não mais é rompido pelo descumprimento. Em tal caso, pode o promitente vendedor executar as parcelas faltantes do preço, mas não pedir a resolução do contrato. Aplica-se então a teoria da mitigação (doctrine of mitigation), segundo a qual o credor deve colaborar, apesar da inexecução do contrato, para que não se agrave, por sua ação, o resultado danoso (Aguiar Júnior, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por do devedor. 2. ed. Rio de Janeiro, Aide, p. 136).

A resolução do contrato por inadimplemento depende de intervenção judicial ou, decorrido o prazo de purgação da mora, opera extrajudicialmente? No que se refere aos imóveis não loteados, o entendimento amplamente majoritário é no sentido de que ainda na presença de cláusula resolutiva expressa, não pode a estipulação persistir, à luz do art. 1° do Decreto-lei n. 745/69, que alterou o art. 22 do Decreto-lei n. 58/37, norma de natureza cogente. O novo Código Civil não alterou as normas de leis especiais que regem a matéria. A resolução depende de reconhecimento judicial, e o pedido de reintegração de posse é cumulativo e sucessivo. Em termos diversos, a reintegração pressupõe necessariamente a resolução do contrato e dela é consequência. 

Reconheço a existência de alguma vacilação jurisprudencial, mas o entendimento predominante do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de se exigir a prévia resolução do contrato e a consequente reintegração de posse, como pedido sucessivo. Nesse sentido, assentou o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira julgado com a seguinte ementa: I - A cláusula de resolução expressa, por inadimplemento, não afasta a necessidade da manifestação judicial para verificação dos pressupostos que justificam a resolução do contrato de promessa de compra e venda de imóvel. II - A ação possessória não se presta à recuperação da posse, sem que antes tenha havido a rescisão (rectius, resolução) do contrato. Destarte, inadmissível a concessão de liminar reintegratória em ação de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel’ (REsp n. 204.246/MG). 

Seguiu tal julgado a esteira de anterior precedente do Superior Tribunal de Justiça, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, no REsp n. 237.539/SP, nestes termos: ‘Logo, o litígio há de ser solucionado em juízo, e no processo será apreciada não apenas a existência da cláusula, mas também a verificação das circunstâncias que justifiquem a resolução do contrato, pois bem pode acontecer que o inadimplemento não tenha a gravidade suficiente para extinguir o contrato. Com isso quero dizer que a cláusula de resolução expressa não afasta, em princípio, a necessidade da manifestação judicial, para verificação dos pressupostos que justificam a cláusula de resolução. A própria lei já tratou de flexibilizar o sistema do Código ao exigir a notificação prévia (art. 1º do Decreto-lei n. 745/69), a mostrar que as relações envolvendo a compra e venda de imóveis, especialmente em situação como a dos autos, de conjunto habitacional para população de baixa renda, exigem tratamento diferenciado, com notificação prévia e apreciação em concreto das circunstâncias que justificam a extinção do contrato, atendendo ao seu fim social. No sistema brasileiro, a regra é que a resolução ocorra em juízo, uma vez que somente ali poderá ser examinada a defesa do promissário, fundada, entre outras causas, em fato superveniente e no adimplemento substancial, as quais, se presentes, impediriam a extinção do contrato’. 

No que se refere aos imóveis loteados, o art. 32 da Lei n. 6.766/79 dispõe que no caso de inadimplemento de qualquer das parcelas do preço, após interpelação dos compromissários compradores, o contrato estará automaticamente resolvido, com cancelamento do registro imobiliário, e a posse do compromissário comprador se tornará injusta, em razão da precariedade, cabendo a reintegração de posse do imóvel. Apesar do expresso texto de lei, parece melhor exigir-se a resolução judicial do contrato. As razões dessa equiparação são expostas com clareza por José Osório de Azevedo Júnior: a) inadimplemento absoluto ou relativo pressupõe culpa do devedor, sem o que é mero retardamento, e envolve o exame de matéria de fato, insuscetível de análise pelo registrador, sem prévio contraditório; b) se a resolução de compromisso de imóvel não loteado exige pronunciamento judicial, seria um contrassenso que no caso de imóvel loteado, em que há maior disparidade de forças, dispensasse-se a intervenção do Poder Judiciário; c) se a resolução opera com força ex tunc, devem retornar as partes ao status quo ante e seria impossível, na esfera administrativa, o Oficial do Registro Imobiliário apurar o quantum do preço devolvido, além de indenizações por acessões e benfeitorias (Azevedo Júnior, José Osório de. Compromisso de compra e venda. 3. ed. Malheiros, p. 112/114). Embora a jurisprudência colecione precedentes em ambos os sentidos, recente julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo assentou o seguinte: ‘Compromisso de Compra e venda. Imóvel loteado. Inadimplemento do compromissário comprador. Resolução extrajudicial do contrato, com fundamento no art. 32 da Lei n. 6.766/79. Ajuizamento de ação de reintegração de posse com pedido de concessão de liminar. Impossibilidade sem prévia resolução judicial do contrato. Extensão aos imóveis loteados do regime resolutório dos imóveis não loteados. Indeferimento da liminar mantida. Recurso não provido’ (A I n. 422.973.4/1- 00,24.11.2005).

Finalmente, no que se refere às unidades autônomas futuras, construídas por regime de administração, os tribunais admitem a aplicação do art. 63 da Lei n. 4.591/64. Após notificação do condômino inadimplente para purgar a mora em 10 dias, o contrato se resolve sem intervenção judicial, e os direitos do promissário comprador podem ser levados a leilão extrajudicial, para com o produto reembolsar os adiantamentos dos demais condôminos para levantamento da obra.

Persiste dúvida se o mesmo regime jurídico se estende às unidades futuras construídas em regime de empreitada a preço global, certo e determinável. Aparentemente existe contradição entre as regras do art. 63, que pressupõem a reversão do produto do leilão extrajudicial da uni­dade aos condôminos que custearam a obra, e a construção a preço fechado, em que a edificação é paga pela construtora/incorporadora, sem repasse da quota do inadimplente aos demais adquirentes. Ocorre que a Lei n. 4.864/65, em seu art. 1º, VII, estende às incorporações a preço fechado a possibilidade de resolução e venda extrajudicial da unidade futura do inadimplente ao construtor e incorporador. O que acima foi dito em relação ao imóvel loteado aqui se reproduz, pois a resolução e venda extrajudicial impedem a aferição de inadimplemento culposo e subtraem o mecanismo de devolução de parte do preço pago pelo adquirente.

Há, porém, precedente do Tribunal de Justiça de São Paulo estendendo às incorporações por empreitada a preço certo o regime do art. 63 da Lei n. 4.591/64: ‘Incorporação. Regime de empreitada a preço certo. Alienação extrajudicial de unidade, decorrente de rescisão do compromisso em razão da mora dos adquirentes. Alegação de nulidade do leilão, por não previsto expressamente no contrato, só cabível para o regime de construção a preço de custo e inadequado para obra já pronta e com posse entregue. Vícios inexistentes. Incidência das disposições da Lei n. 4.864, de 29.11.1965, que criou medidas de estímulo à construção civil e ampliou o âmbito das vendas extrajudiciais decorrentes do inadimplemento dos compradores, com poderes, para tanto, delegados à própria incorporadora. Improcedência da ação declaratória dos adquirentes e procedência da ação de imissão de posse do arrematante. Sentença mantida. Apelação não provida’. (Ap. cível n. 180.020-4/0-00, rel. José Roberto Bedran, j. 08.082006).

A resolução, nos contratos de execução diferida e fracionada, provoca efeitos ex tunc, retornando as partes ao estado anterior, com composição das perdas e danos por parte do contratante inadimplente. No dizer de Ruy Rosado de Aguiar Júnior, a resolução produz efeitos liberatórios e recuperatórios. Produz a liberação de ambas as partes, que tornam ao estado anterior. Produz o direito à restituição das prestações já pagas, que, no caso do compromisso de venda e compra, implica na devolução da coisa ao promitente vendedor e do preço ao promitente comprador (Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2. ed. Aide, p. 259). O promitente vendedor devolve o preço e o promitente comprador devolve a coisa ocupada, como consequência natural da resolução e independentemente de pedido expresso da parte. Fixou o Superior Tribunal de Justiça em inúmeras oportunidades, que ‘em havendo rescisão do compromisso de compra e venda, o desfazimento da relação contratual implica, automaticamente, como decorrência lógica e necessária, na restituição das prestações pagas, reservada uma parte, que fica deduzida, em favor da alienante, para ressarcir-se de despesas administrativas, sendo desnecessário que tal devolução conste nem do pedido exordial (quando o autor é o vendedor), nem da contestação (quando o autor é o comprador), por inerente à natureza da lide’ (REsp n. 500038/SP, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior). Logo, resolvido o contrato, não há necessidade de reconvenção ou mesmo de pedido contraposto para a devolução das parcelas pagas pelo promitente comprador, compensadas com as perdas e danos. O juiz pode de ofício determinar a restituição, como seu efeito natural. 

O retorno ao estado anterior decorrente da natureza da resolução, com composição de perdas e danos, levou à interessante situação, na qual o promitente comprador que deixou de pagar as parcelas do preço tem interesse em postular a extinção do contrato, para reaver ao menos parte do valor já pago. Como explica o autorizado Ruy Rosado de Aguiar Júnior, ‘o devedor pode propor a demanda quando fundamentar o pedido na superveniente modificação das circunstâncias, com alteração da base objetiva do negócio. É o que tem sido feito com muita intensidade relativamente a contratos de longa duração para aquisição de unidades habitacionais, em que os compradores alegam a insuportabilidade das prestações reajustadas por índices superiores aos adotados para a atualização dos salários’ (Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2. ed. Aide, p. 165).

O Superior Tribunal de Justiça, em dezenas de julgados, assentou admitir-se ‘a possibilidade de resilição do compromisso de compra e venda por iniciativa do devedor, se este não mais reúne condições econômicas para suportar o pagamento das prestações avençadas com a empresa vendedora do imóvel’ (EREsp n. 59.870/SP, rel. Min. Barros Monteiro, DJU 09.12.2002; REsp n. 78.221/SP, rel Min. Aldir Passarinho Júnior, j. 26.08.2003, DJ 29.09.2003 p. 253, muitos outros). 

A posição, que se encontrava absolutamente sedimentada nos tribunais, teve recente revés. Julgado do Superior Tribunal de Justiça criou limitação temporal ao direito do promitente comprador pedir a resolução do contrato por impossibilidade superveniente. Entendeu que a iniciativa somente pode ser tomada pelo adquirente até a entrega das chaves ou imissão na posse do imóvel (REsp n. 476780/MG, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 11.06.2008). 

Constam do corpo do aresto as seguintes passagens, para justificar a limitação temporal do pedido de resolução: ‘deve haver, evidentemente, um limite fático-temporal para o exercício deste direito reconhecido na situação em que, diversamente do comum dos casos, ele é investido na posse do imóvel e passa a ocupá-lo ou alugá-lo a terceiros, transformando o apartamento, que era novo, em usado, iniciando o desgaste que ocorre com a ocupação, alterando o valor comercial do bem, que naturalmente, quando vendido na denominada 1ª locação, tem maior valia’.

E arremata o julgado: ‘se a desistência unilateral pelo comprador puder ser postergada para além da ocupação do imóvel, isso ameaça a integridade de obras futuras, posto que um capital disponibilizado para um empreendimento seguinte, já em andamento, sofrerá corte pela restituição que se imporá ante a desconstituição de uma venda implementada em todos os sentidos, notadamente pela entrega e ocupação do imóvel, que passa de novo a usado’.

A crítica que se faz à recente alteração de posicionamento é que, na verdade, a justificativa do pedido de resolução por iniciativa do adquirente nunca foi o simples arrependimento, pois o contrato é irretratável, mas sim a impossibilidade superveniente de arcar com o pagamento do preço. O inadimplemento fatalmente ocorrerá, com a resolução do contrato ou a execução do preço, e a consequência prática da alteração é apenas impedir a iniciativa do adquirente, após a imissão na posse.

Parece mais razoável, ao invés de limitar a iniciativa do pedido de resolução no tempo, limitando-a à data da imissão na posse, exigir prova da impossibilidade superveniente do promitente comprador e dosar com rigor as perdas e danos sofridas pelo promitente vendedor com a utilização e depreciação do imóvel pelo adquirente. Constata-se que em sede de cumprimento de sentença de muitos julgados, as perdas e danos do promitente vendedor foram subestimados, de modo que o valor a restituir, muitas vezes, iguala-se ou mesmo supera o valor atual e depreciado do imóvel. A correção de tal distorção não se dá pela limitação da iniciativa do pedido de resolução, mas sim pelo cálculo cuidadoso das perdas e danos sofridos pelo promitente vendedor, a serem compensados com a devolução de parcelas do preço, especialmente determinando valor de mercado de retribuição pelo uso do imóvel, com termo inicial na data da ocupação.

Tem o juiz a delicada tarefa de calibrar a cláusula penal, tornando-a proporcional aos reais prejuízos do promitente vendedor. Deve levar em conta, assim, as despesas administrativas, fiscais e com intermediação da venda frustrada por circunstância superveniente imputável aos adquirentes. Não se pode esquecer de eventual depreciação, ou mesmo de valorização do imóvel, para chegar ao justo montante das perdas e danos. Deve levar em conta, sobretudo, eventual período de ocupação do imóvel pelo promitente comprador, desde a entrega da posse direta até a efetiva devolução das chaves ao promitente vendedor. Note-se que a indenização pela ocupação, ao contrário do que se vê em muitos julgados, deve ter termo inicial na data da imissão da posse, e não na data do inadimplemento, sem o que não haveria efetivo retorno das partes ao estado anterior, diante do enriquecimento sem causa do promitente comprador, que ocuparia gratuitamente o imóvel durante certo lapso de tempo. Todas essas verbas devem ser compensadas com a devolução das parcelas do preço pagas. Em certos casos, mesmo a perda integral das parcelas do preço não será suficiente para cobrir os danos da parte inocente do contrato. 

No que se refere às arras, ou sinal, é entendimento corrente do Superior Tribunal de Justiça que ‘compreendem-se no percentual a ser devolvido ao promitente comprador todos os valores pagos à construtora, inclusive as arras’ (REsp n. 355.818/MG, rel. Min. Aldir Passarinho Junior; REsp n. 23.118/MG, rel. Min. Nancy Andrighi; REsp n. 257.582/PR, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar). Entender o contrário seria, por via oblíqua, consagrar o enriquecimento sem causa do promitente vendedor, em frontal vulneração ao princípio cogente do equilíbrio contratual, especialmente quando se trate de arras confirmatórias. Também se entende ‘abusiva a cláusula que fixa a multa pelo descumprimento do contrato com base não no valor das prestações pagas, mas no valor do imóvel, onerando demasiadamente o devedor’ (Ag. Reg. nos Emb. Decl. no AI n. 664744/MG, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 26.08.2008). 

Decidiu em data recente o Tribunal de Justiça de São Paulo que o crédito relativo à devolução das parcelas é da natureza da resolução, de modo que a pretensão está sujeita ao prazo prescricional ordinário, não ao trienal do enriquecimento sem causa (TJSP, Ap. cível n. 486.081.4/9-00, 4ª Câm. Dir. Privado j. 24.05.2007).

Além disso, o crédito correspondente à devolução de parte das parcelas pagas rende juros de mora. A dúvida que persiste é o termo inicial da contagem dos juros. Inicialmente, entendeu-se que a mora não é do descumprimento do contrato resolvido, mas sim da obrigação de devolução de parte do preço pago. Decidiu em tal sentido o Superior Tribunal de Justiça que, ‘tratando-se de responsabilidade contratual, a mora constitui-se a partir da citação, e os juros respectivos devem ser regulados, até a data da entrada em vigor do novo Código, pelo art. 1.062 do diploma de 1916, e, depois dessa data, pelo CC 406 do atual Código Civil’ (REsp n. 594486/MG, rel. Min. Castro Filho). Decisão mais recente da mesma Corte, contudo, adotou posicionamento diferente, entendendo que ‘na hipótese de resolução contratual do compromisso de compra e venda por simples desistência dos adquirentes, em que postulada, pelos autores, a restituição das parcelas pagas de forma diversa da cláusula penal convencionada, os juros moratórios sobre as mesmas serão computados a partir do trânsito em julgado da decisão (REsp n. 1008610/RJ, rel. Min. Aldir Passarinho, j. 26.03.2008). Entendo mais adequada a primeira corrente, que manda pagar os juros moratórios contados da citação, momento em que tem o promitente vendedor conhecimento da pretensão de restituição de parte do preço pago pelo adquirente. A segunda corrente, que manda pagar os juros de mora a contar do trânsito em julgado, aparentemente viola o que dispõe o CC 405, além de estimular a litigância e o retardamento dos julgamentos, com sucessivas interposições de recursos, postergando o momento trânsito.

A cláusula que determina a perda das acessões e benfeitorias erigidas pelo promitente comprador segue o mesmo regime jurídico acima referido. Tem, sem dúvida, a natureza de cláusula penal compensatória, sujeita, portanto, ao regime do CC 413. O art. 34 da Lei n. 6.766/79, norma cogente aplicável aos imóveis loteados, dispõe serem indenizáveis as benfeitorias necessárias e úteis levadas a efeito pelo adquirente. Apenas diz não serem indenizáveis as benfeitorias erigidas em desacordo com o contrato ou com a lei. Não há como acolher, porém, a tese de que a acessão não é indenizável, porque clandestina e irregular junto a órgãos municipais. O que menciona o art. 34, parágrafo único, da Lei n. 6.766/79, não é a aprovação da construção, mas sim que esteja esta de acordo com a lei. Entender o contrário significaria que a construção irregular na esfera administrativa, mas com inegável valor de mercado, seria adquirida a título gratuito pelo promitente vendedor, em manifesto enriquecimento sem causa. Claro que as despesas correspondentes à regularização do imóvel deverão ser abatidas da indenização, como decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, em caso recente (TJSP, Ap. cível n. 425.300.4/3-00, 4ª Câm. Dir. Privado, j. 01.03.2007). 

Não se pode também deixar de perceber nítida tendência dos empreendedores cm tentar a fuga das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor e do CC 413 sob a criação de novas formas societárias. A tendência dos tribunais é no sentido de desprezar a estrutura jurídica da empreendedora - associação, clube de investimento, cooperativa ou sociedade - com o objetivo de alienação de unidades autônomas futuras, em construção ou a construir, ou de alienação de lotes. O que se privilegia é a natureza da atividade, que sempre consiste, com maior ou menor variação, em serviços remunerados de construção de unidade autônoma futura, vinculada a fração ideal de terreno, ou de lotes (cf., entre dezenas de outros, TJSP, Ap. cível n. 479.000.4/4-00, 4ª Câm. Dir. Privado j. 24.05.2007). Questão delicada é a da necessidade das cooperativas promoverem o registro da incorporação imobiliária, antes de lançar ao público empreendimentos de venda associativa de unidades autônomas futuras ou em construção. São omissas a Lei n. 4.591/64 e as Normas da Corregedoria Geral cia Justiça de São Paulo a respeito do tema. A princípio, não há necessidade da incorporação, pois inútil aos cooperados, que constroem pelo regime associativo de preço de custo da obra. Admite-se, porém, a necessidade do aludido registro, inclusive de sua efetivação por determinação judicial, desde que presentes dois requisitos cumulativos: a) a existência de indícios de que a forma social cooperativa mascara atividade empresarial; b) a utilidade do registro aos cooperados, permitindo-lhes maior e eficaz garantia do recebimento das unidades autônomas futuras (TJSP, AI n. 471.689.4/9-00, 4ª Câm. Dir. Privado, j. 07.12.2006)”. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.489-502. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 29/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD). 

No lecionar de Guimarães e Mezzalira, o artigo 1.417 em comento, trata de um novo direito real de aquisição – direito do promitente comprador do imóvel (CC 1.225, VII) – não se tratando de fruição ou de garantia e diferindo em relação à propriedade por não ser um direito pleno ou ilimitado.

A promessa irretratável de venda é o contrato em que o compromitente-vendedor se obriga a vender ao compromissário-comprador determinado imóvel, pelo preço, condições e modos especificados, outorgando-lhe a escritura definitiva tão logo se dê o adimplemento da obrigação. Uma vez pago o preço, o promissário-comprador adquire direito real à aquisição do bem, podendo exigir a escritura do vendedor ou de terceiros cedidos e, em caso de recusa, socorrer-se-á da adjudicação compulsória (Diniz, 2011, p. 419).

São características do instituto a irretratabilidade do negócio, não podendo haver cláusula de arrependimento, recaindo sobre bens imóveis loteados ou não, onde o preço seja pago à vista ou mediante prestações periódicas, com registro no cartório de imóveis que assegure o direito real de aquisição mencionado.

O contrato pode ser particular ou por via de escritura pública, não exigindo a legislação civil forma preordenada. 

Súmula 239 do STJ: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.

Os devedores devem ser interpelados para resgatarem as prestações vencidas e não pagas (mora solvendi), sob pena de não configurar fundamento para a rescisão do contrato (RT 184/125)

Súmula 76 STJ: “A falta de registro do compromisso de compra e venda de imóvel não dispensa a prévia interpelação para constituir em mora o devedor”.

Enunciado 253 CJF: “O promitente comprador, titular de direito real (CC 1.417), tem a faculdade de reivindicar de terceiro o imóvel prometido à venda”. 

É necessária a outorga uxória quando relacionada à alienação de bens imóveis (CC 1.647, I), aplicando-se a mesma regra em relação ao compromisso de compra e venda, sob pena de nulificação do ato, no prazo de até dois anos após o término da sociedade conjugal, exceto no regime da separação de bens (CC 1.647). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.417 de 2002, acessado em 29.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

No entendimento de Francisco Eduardo Loureiro, nesta  quarta edição do Código Civil Comentado, tal como no artigo anterior, acrescentou-se trechos de texto escrito recentemente sobre o compromisso de compra e venda (“Responsabilidade civil no compromisso de compra e venda”. In: Silva, Regina Beatriz Tavares da (coord.). Responsabilidade civil e sua repercussão nos tribunais. Saraiva, série Direito-GV, p. 167-219). Justifica-se a inserção, pois o CC 1.418 regula apenas a adjudicação compulsória, mas não loca nas demais prestações acessórias e deveres laterais de conduta que derivam do compromisso de compra e venda e que com extrema frequência ocorrem nos tribunais. 

“As obrigações do promitente vendedor. O dever de consentir na celebração do contrato definitivo. A adjudicação compulsória. A entrega da posse. A documentação relativa ao imóvel. De modo simétrico ao que foi dito no artigo anterior, as obrigações do promitente vendedor variarão de acordo com a função, o objetivo, a operação econômica desejada pelas partes no contrato de compromisso de compra e venda. Caso cumpra o contrato o papel de mero preliminar, enquanto as partes se preparam para a celebração da escritura de compra e venda, sem dúvida a obrigação principal do promitente vendedor consistirá em consentir no contrato definitivo. Essa obrigação de manifestar vontade consiste num facere, juridicamente fungível, porque pode ser suprida por decisão judicial. Desde o Decreto-lei n. 58/37, admite-se que a emissão do consentimento prometido e injustamente negado seja suprida por sentença judicial.

A adjudicação compulsória, na lição de Ricardo Arcoverde Credie, pode ser definida como ‘a ação pessoal que pertine ao compromissário comprador, ou ao cessionário de seus direitos à aquisição, ajuizada com relação ao titular do domínio do imóvel - que tenha prometido vendê-lo através de contrato de compromisso de venda e compra e se omitiu quanto à escritura definitiva - tendente ao suprimento judicial desta outorga, mediante sentença constitutiva com a mesma eficácia do ato não praticado’ (Credie,  Ricardo Arcoverde. Adjudicação compulsória. 7. ed. São Paulo, Malheiros, 1997). 

Embora defenda José Osório de Azevedo Júnior a tese da possibilidade da dispensa da escritura definitiva, substituída pelo compromisso acompanhado de prova da quitação, tal conclusão implica violação ao disposto no CC 108 (‘O compromisso de compra e venda’. In: Franciuli, Neto , Domingos (coord.), Mendes, Gilmar Ferreira & Martins Filho, Ives Gandra da Silva. O novo Código Civil: estudos em homenagem ao prof. Miguel Reale. São Paulo, LTr, 2003, p. 450). 

Não pode prevalecer, portanto, o Enunciado n. 87 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, por ocasião da Jornada de Direito Civil realizada entre 11 e 13 de setembro de 2002, cujo teor é o seguinte: ‘Considera-se também título translativo, para fins do CC 1.245, a promessa de compra e venda devidamente quitada (CC 1.417 e 1.418 e § 6º do art. 26 da Lei n. 6.766/79)’. 

Possível, porém, que compromissos de compra e venda de imóveis de valores inferiores a trinta salários-mínimos, desde que contenham todos os requisitos do negócio principal, sejam neste convertidos (CC 170) e, recolhidos os impostos correspondentes, levados diretamente a registro, com transferência plena do direito de propriedade, em homenagem ao que dispõem os CC 104 e 108, anteriormente comentados. De igual modo, no que se refere a imóveis loteados destinados à população de baixa renda, o art. 26 da Lei n. 6.766/79 admite a transferência da propriedade plena mediante registro do compromisso de venda e compra acompanhado da prova da respectiva quitação (Bdine Júnior, Hamid Charaf. Compromisso de compra e venda, R T 843/58 e ss).

Para que o compromisso de compra e venda gere direito à adjudicação compulsória, deve preencher determinados requisitos, a saber: a) que o contrato preliminar tenha sido celebrado com observância do disposto no CC 462, ou seja, que contenha todos os requisitos essenciais do contrato a ser celebrado, com exceção da forma; b) que do contrato preliminar não conste cláusula de arrependimento. Caso contrário, as partes terão a possibilidade de desistir da celebração do negócio definitivo, de modo que não faria sentido admitir a execução específica, restando ao prejudicado receber o valor da cláusula penal (CC 408), as arras (CC 420) ou indenização por perdas e danos. Lembre-se, porém, que a lei e a jurisprudência colocam diversos limites à cláusula de arrependimento e ao momento em que pode ser alegada; c) que o promitente vendedor esteja em mora; d) que haja adimplemento da contraprestação devida pelo promitente comprador, se exigível. 

O CC 1.418, ora comentado, menciona dever ser o compromissário comprador titular de direito real, vale dizer, o compromisso de compra e venda se encontrar registrado, para que possa exigir a adjudicação compulsória. Tal exigência constitui manifesto retrocesso e ofende todo o entendimento doutrinário e jurisprudencial construído sobre o tema. A Súmula n. 239 do Egrégio STJ condensa o entendimento dos tribunais: ‘O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis’. 

Admitir interpretação literal do CC 1.418, ou seja, o registro como requisito para a adjudicação, criaria manifesta contradição em termos. Os demais contratos preliminares admitiriam execução específica, à exceção do mais relevante deles, que é o compromisso de compra e venda. Além disso, geraria situação de manifesta injustiça. Colocaria o promitente comprador, cujo contrato não obteve registro por falha meramente formal - erro na menção de um dado pessoal das partes, ou de uma medida perimetral - nas mãos do promitente vendedor, que poderia exigir vantagem indevida para outorgar a escritura devida.

Para contornar a exigência absurda criada pelo atual Código Civil, necessária se faz interpretação construtiva, com saída técnica e razoável para a questão. Basta entender que adjudicação compulsória é espécie do gênero execução de obrigação de fazer, de prestar declaração para concluir contrato (art. 498 do CPC). Logo, o promitente comprador com título registrado usa a espécie adjudicação compulsória (CC 1.418), enquanto o promitente comprador sem título registrado usa o gênero do art. 498 do Código de Processo Civil, que alberga todos os contratos preliminares. O resultado prático é rigorosamente o mesmo e produzirá a sentença judicial todos os efeitos do contrato ou declaração não emitida. 

A única e relevante diferença entre ambas as situações - contrato registrado e sem registro - é a oponibilidade perante terceiros. Se o imóvel tiver sido alienado nesse meio tempo a terceiro de boa-fé, que obteve o registro, o promitente comprador sem título registrado terá direito apenas de exigir do promitente vendedor a devolução do preço, mais perdas e danos, mas não a sentença substitutiva da escritura de venda e compra. Se o contrato estiver registrado, produz efeito erga omnes e impede a disposição e a criação de direito real antagônico. 

Em suma, o registro do contrato preliminar no oficial competente não é requisito para que o contratante possa exigir a celebração do contrato principal, mas mero pressuposto de oponibilidade a terceiros de boa-fé. 

Situação extremamente comum é a do promitente vendedor não ter o domínio do imóvel ou, ainda, a outorga de escritura registrável depender de uma série de providências para a regularização da propriedade, tais como aprovação de loteamento, desmembramento, instituição de condomínio edilício, retificação do registro, apresentação de certidões negativas fiscais, ou outros entraves. Em tais casos, a sentença de adjudicação compulsória, ou sentença substitutiva de vontade, será inócua, porque inábil para ingressar no registro imobiliário. Lembre-se que a sentença apenas substitui o contrato definitivo e está sujeita, como qualquer título, ao exame qualificador do oficial registrador e à obediência aos princípios registrários.

O promitente comprador, diante de tais obstáculos, terá execução de obrigação de fazer distinta contra o promitente vendedor, qual seja, a de promover a regularização do imóvel para, ato subsequente, outorgar a escritura, ainda que em pedidos sucessivos formulados na mesma inicial. Se a obrigação de regularizar não for juridicamente fungível, como na prática via de regra não o é, o pedido cominatório se mostra perfeitamente adequado para compelir o devedor a cumprir com exatidão a prestação de transmitir domínio hígido ao adquirente. Muitas vezes, não resta outra opção ao adquirente que pretenda regularizar a situação dominial de seu imóvel que não a ação de usucapião. Ainda que a prestação de regularizar não esteja expressamente avençada, é um daqueles deveres acessórios, ou laterais, que interessam ao exato cumprimento da prestação principal, em homenagem ao princípio da boa-fé objetiva e da obrigação vista como processo. 

Em casos excepcionais, em que a regularização dos entraves formais ao registro da escritura - e da sentença que a substitui - encontre-se em vias de ser atingida, pode ter a ação de adjudicação compulsória utilidade ao promitente comprador. Estará o adquirente munido de título, ciente, porém, de que o ingresso no registro de imóveis está subordinado a prévias medidas ou providências formais. Em caso recente, assim julgou o Tribunal de Justiça de São Paulo: ‘Compromisso de venda e compra. Contrato particular quitado, porém não levado a registro perante o Oficial de Registro de Imóveis. Impossibilidade de registro de lote situado em loteamento irregular. Carência da ação afastada. Apreciação do mérito, com fulcro no art. 1.013, § 3º, do CPC. Loteamento que se encontra em vias de regularização, já obtida a aprovação da Prefeitura Municipal de Guarulhos. Interesse em postular a adjudicação. Reconhecimento do direito dos autores ao suprimento judicial da outorga da escritura definitiva do imóvel, ressalvando-se que a aquisição do domínio pelo registro somente poderá ser feita após a regularização do empreendimento. Remessa dos autos ao Ministério Público para apuração de crime previsto na Lei n. 6.766/79. Ação parcialmente procedente. Recurso provido em parte’ (TJSP, Ap. cível n. 341.210.4/0-00, j. 07.08.2008). 

O inadimplemento do promitente vendedor faz nascer obrigação alternativa em favor do promitente comprador. Pode ajuizar a execução de obrigação de fazer - ou adjudicação compulsória - ou, ainda, pedir a resolução do contrato, cumulada com perdas e danos. 

Não está sujeita a adjudicação compulsória a prazo prescricional. Cuida-se de direito potestativo, podendo ser exercido a qualquer tempo em face do promitente vendedor, que somente cede frente a usucapião consumado em favor de terceiro (STJ, REsp n. 369206/MG, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar). 

Além da obrigação de outorgar a escritura definitiva, assume o promitente vendedor outras obrigações, especialmente no caso de o compromisso de compra e venda ter a função de garantia do recebimento do preço. Ganha relevo, nessa hipótese, a obrigação de entregar a posse da coisa desimpedida ao adquirente. O inadimplemento gera ao promitente comprador a pretensão de ver-se imitido na posse, estando ou não o seu contrato registrado. Mostra-se rigorosamente irrelevante o nome que se dê à ação. O que interessa é seu fundamento no ius possidendi, vale dizer, o direito de obtenção da posse como efeito da titularidade de uma relação jurídica de direito pessoal ou real preexistente. O Superior Tribunal de Justiça, em mais de uma oportunidade, assentou não ser ‘necessário o registro para o ingresso da ação petitória de imissão de posse, na forma de precedente da Corte’ (REsp n. 25871 l/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 24.04.2001). Isso porque, segundo aquele tribunal, ‘obrigando-se o promitente vendedor no contrato a proceder a entrega do imóvel ao compromissário comprador, desde logo ou em determinado tempo, a este é facultado o exercício da ação de imissão de posse, ainda que não esteja a promessa registrada no álbum imobiliário” (REsp n. 93015/PR, rel. Min. Barros Monteiro, RST) 92/283). 

Ocorre que em casos frequentes a entrega da posse ao promissário comprador está subordinada à prévia construção da acessão, especialmente sob a forma de unidade autônoma, no regime da incorporação imobiliária da Lei n. 4.591/64. A obrigação deixa de ser apenas de dar e envolve um fazer que, via de regra, é juridicamente infungível. Cabe ao promissário comprador exigir a entrega da coisa, sob pena de incidência de multa, ou, então, resolver o contrato por inadimplemento do promitente vendedor, recuperando a totalidade das parcelas pagas, acrescidas de danos materiais e, em certos casos, também morais. Note-se que aqui não se cogita de impossibilidade superveniente do adquirente, mas de inadimplemento do alienante, razão pela qual a devolução é da integralidade das parcelas pagas, sem qualquer retenção e acrescida de perdas e danos. Decidiu o Superior Tribunal de Justiça que ‘resolvida a relação obrigacional por culpa do promitente vendedor que não cumpriu a sua obrigação, as partes envolvidas deverão retornar ao estágio anterior à concretização do negócio, devolvendo-se ao promitente vendedor faltoso o direito de livremente dispor do imóvel, cabendo ao promitente comprador o reembolso da integralidade das parcelas já pagas, acrescida dos lucros cessantes’. (REsp n. 644984/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi). 

Questão ligada à entrega da posse do imóvel, interessante e atual, a ser abordada como pressuposto da resolução é a da quebra antecipada do contrato. Há situações em que se pode deduzir, conclusivamente, que o contrato não será cumprido, de tal forma que não seria razoável aguardar o vencimento da prestação, ou obrigar o contratante fiel e cumprir, desde logo, a prestação correspectiva. Não há, propriamente, quebra da prestação principal ainda não vencida, mas sim quebra da confiança no cumprimento futuro, pautada em elementos objetivos e razoáveis. Admite-se, em tais casos, a resolução do contrato, desde logo. Tomem-se como exemplos casos recentes, em que se contratou a aquisição futura de apartamento, a ser construído, mediante pagamento parcelado. Aproximando-se a data da entrega da unidade, sem que nem as fundações do edifício estivessem concluídas, razoável supor que não seria entregue na data aprazada ou próxima. Viável a resolução, abrindo desde logo ao adquirente a possibilidade de reaver os valores pagos e de exonerar-se dos pagamentos vincendos. No dizer de Ruy Rosado de Aguiar Júnior, é possível o inadimplemento antes do tempo sempre que o devedor pratica atos nitidamente contrários ao cumprimento, de tal sorte que se possa deduzir conclusivamente, diante dos dados objetivos existentes, que não haverá cumprimento. Evidenciada a impossibilidade da prestação, há quebra da confiança e desaparece o interesse social na manutenção de um vínculo que somente gerará lesão ao contratante inocente (Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2. ed. revista e atualizada. Aide, p. 130). Foi decidido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo o seguinte, a respeito do tema: ‘Compromisso de compra e venda. Resolução do contrato por atraso na entrega da obra. Quebra antecipada por violação positiva do contrato. Descompasso entre o cronograma e o andamento da obra, com clara indicação de não entrega na data prevista. Inadimplemento antecipado da obrigação da empreendedora. Efeito ex tunc da sentença resolutória. Restituição integral, atualizada e imediata das parcelas pagas. Ação procedente. Recurso improvido’ (TJSP, Ap. cível n. 306.617.4/1-00, 4ª Câm. Dir. Privado, j. 02.02.2006). 

Não basta a entrega física da posse do imóvel ao promitente comprador. A celebração do contrato definitivo de compra e venda exige também perfeição jurídica. Isso envolve, no caso de promessa de venda de unidade autônoma futura, a expedição do habite-se e a instituição do condomínio edilício (Lei n. 4.591/64). No caso de imóvel loteado, o prévio registro do loteamento e a realização de obras de infraestrutura (Lei n. 6.766/79). Não se pode esquecer que o compromisso de compra e venda é contrato translativo, que visa, em última análise, a aquisição da propriedade imóvel. Por isso, deve o promitente vendedor atender todos os requisitos substanciais, formais, fiscais e administrativos para que o contrato e a futura escritura possam ingressar no registro imobiliário e provocar a aquisição da propriedade. Desdobros, desmembramentos, retificações do registro, averbações de construções, certidões negativas fiscais e previdenciárias, enfim, tudo o que estiver sob o crivo do princípio da legalidade e passível de qualificação pelo Oficial do Registro constituem prestações acessórias e, ainda que não previstas no contrato, são devidas pelo promitente vendedor, para viabilizar a prestação principal e atender o interesse do promitente comprador. 

Em todos os casos, qualquer que seja o regime jurídico do compromisso de compra e venda, indispensável a apresentação de documentação completa do imóvel, do promitente vendedor e, se o caso, de seus antecessores, de modo a evitar a ocorrência de evicção total ou parcial. As certidões pessoais do alienante devem proporcionar segurança jurídica ao adquirente. Por isso, são levadas em conta as condições e as qualificações pessoais do promitente vendedor. O crescente desenvolvimento da desconsideração da personalidade jurídica faz com que sejam exigíveis pesquisas em nome da pessoa jurídica da qual o promitente vendedor é cotista, a fim de conhecer a existência de passivos fiscais, previdenciários e trabalhistas que possam afetar de algum modo o patrimônio dos sócios. 

A ausência ou deficiência da documentação podem provocar tanto o efeito da suspensão da exigibilidade de parcelas do preço, proporcionais ao risco - exceptio non rite adimpleti contractus - como em casos mais graves, nos quais se constate violação que comprometa a economia do contrato e afete de modo substancial o interesse da parte, até mesmo a resolução (TJSP, Ap. cível n. 503.502.4/3-00, 4ª Câm. Dir. Privado, j. 29.11.2007). Evidente que, violado o dever acessório de prestação, abre-se em favor do promitente comprador obrigação alternativa de exigir o exato cumprimento da obrigação ou de resolver o contrato”. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.504-08. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 29/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Segundo o panorama exposto na Doutrina de Ricardo Fiuza, para o promitente comprador fazer uso da ação (de direito material) cujos contornos aparecem delineados nesse dispositivo conjugado com o precedente, faz-se mister a configuração dos seguintes requisitos de ordem substantiva (mérito propriamente dito): a) cumprimento cabal do que lhe competia conforme avençado no contrato; b) recusa injustificada do promitente vendedor ou de terceiros a quem os direitos forem cedidos, em firmar a escritura definitiva de compra e venda do imóvel; c) inexistência de cláusula de arrependimento; d) registro do instrumento público ou privado no Cartório de Registro de Imóveis. Sobre esse último requisito, merece destaque a perda de eficácia da Súmula 239 do STJ, ao preconizar que “o direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”, tendo em vista que se trata de condição necessária definida no próprio CC 1.417, ou seja, requisito que se opera ex lege para a configuração do próprio direito real, não podendo ser rechaçado por orientação pretoriana, ainda que sumulada, nada obstante perfeitamente adequada, antes do advento do novo CC. 

• Atingindo o contrato o seu termo, e cumprindo integralmente o promitente comprador com a sua pane, conforme avençado, o sistema positivado faculta-lhe a tutela jurisdicional para a obtenção da satisfação de sua pretensão resistida, por meio da utilização de diversas ações (materiais), variando conforme a relação jurídica apresentada na hipótese em concreto, senão vejamos: a) adjudicação compulsória; b) adjudicação compulsória de imissão de posse; c) indenização por perdas e danos; d) adjudicação compulsória c/c imissão de posse e perdas e danos; e) ação cognitiva de obrigação de fazer com pedido cominatório; ação de execução de título extrajudicial. A ação de adjudicação compulsória tramitará pelo rito sumário (art. 16. caput, do Decreto-lei n. 58/37 c/c arts. 275 usque 281 do CPC/1973, [V. art. 1.046, § 1.º e 1.049 e 1.063 relacionados no CPC/2015). (sobre o tema processual v. SoeI Dias Figueira Jr., Comentários ao CPC/1973, v. 42, t, 1, arts. 270 a 281, p. 306 a 483, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001); v. interessante estudo de MI*CC16 Abelha Rodrigues e Flávio Cheim Jorge, intitulado Meios processuais para a efetivação do direito do credor titular de compromisso de compra e venda registrado e a ausência de tipicidade de ações no sistema processual brasileiro (RePro, 103t210-22).

• Legitimidade ativa e passiva: pelo princípio da aderência, donde exsurge o chamado direito de sequela (oponibilidade erga omnes), o titular do direito real de promessa de compra e venda (autor da ação = parte ativa legítima ad causam) haverá de dirigir a demanda contra o promitente vendedor ou contra terceiros, a quem os direitos forem cedidos, com a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme ajustado no contrato preliminar (parte passiva legitima ad causam). 

• Súmula do STF: 413 — O compromisso de compra e venda de imóveis, ainda que não loteados, dá direito à execução compulsória, quando reunidos os requisitos legais.

• Súmula do STJ: 239 — O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.

• Conforme já assinalado anteriormente, entende-se que esta Súmula perde sua eficácia com o advento do novo CC e a implementação do rol com o direito real de compromisso de compra e venda. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 724-25, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 29/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No dizer de Guimarães e Mezzalira, o compromissário-comprador passa a ter direito real de aquisição em relação ao bem tão logo se veja quitado de todas suas prestações e obrigações, sendo titular do respectivo direito de sequela em face do vendedor – ou a quem o imóvel tenha sido transferido – dado o efeito erga omnes gerado pelo registro imobiliário. 

Havendo recusa para entrega da escritura do bem, o compromissário-comprador poderá valer-se da ação judicial de adjudicação compulsória, demonstrando o cumprimento total de suas obrigações pactuadas na avença.

A ação de adjudicação compulsória tem por finalidade obter, através de sentença, a denominada carta de adjudicação, a qual substitui a lavratura da escritura definitiva – recusada por quem tinha o dever de emiti-la – devendo a respectiva decisão ser levada a cartório para registro. 

Caso o vendedor esteja recusando, de má-fé, o recebimento das prestações faltantes, para livrar-se da adjudicação compulsória com o intuito de impedir a transferência do bem, cabe ao comprador consignar em juízo os respectivos pagamentos, para o posterior ajuizamento da competente ação (RT 783/438). 

Enunciado 95 do CJF: “O direito à adjudicação compulsória (CC 1.418), quando exercido em face do promitente vendedor, não se condiciona ao registro da promessa de compra e venda no cartório de registro imobiliário (Súmula 239 do STJ)”. 

O registro imobiliário do contrato de compromisso de compra e venda em cartório legitima o compromissário-comprador a receber a indenização integral em virtude de eventual desapropriação sobre o imóvel, desde que sua obrigação esteja quitada (STF, MS nº 24.908).

O procedimento da ação de adjudicação compulsória se operava pelo rito sumário previsto no CPC de 1973, o qual deixou de existir pela novel lei processual (Lei 13.105/2015), não tendo sido contemplada esta demanda, entretanto, dentre aquelas de procedimento especial (art. 539 e ss), o que a remete ao procedimento comum. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.418 de 2002, acessado em 29.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).