sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 550, 551 - continua - Da Doação – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 550, 551 - continua
- Da Doação – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo IV – Da Doação
Seção I – Disposições Gerais
- vargasdigitador.blogspot.com
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Art. 550. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.

De acordo com os ensinamentos de Nelson Rosenvald, mantendo a redação do Código Civil de 1916, a regra em enfoque invalida com o grau de anulabilidade a doação promovida pelo cônjuge adúltero em prol de seu cúmplice. O prazo decadencial de dois anos, contados da dissolução da sociedade conjugal, é afixado como limite temporal ao exercício do direito potestativo da desconstituição do negócio jurídico.

Questionamos a constitucionalidade da norma, pois a sua aparente finalidade moralizadora pode não corresponder às finalidades éticas erigidas pela Constituição Federal e pelo próprio Código Civil. Com efeito, os padrões sociais vigentes já não admitem o tratamento do adultério como ilícito penal e muito menos a denominação do parceiro do “adúltero” como “cúmplice”.

Há que realizar uma interpretação restritiva da norma, qualificando-se a doação como anulável em relação ao adultério apenas quando o beneficiado for parceiro eventual, demonstrando-se aí a intenção do doador de desprestigiar o cônjuge e seus herdeiros necessários.

Contudo, sem entrar na discutida questão da tipicidade ou não do rol de entidades familiares anunciadas no CF 226 e parágrafos, temos que a separação de fato do casal impede a aplicação da norma, pois o beneficiário da doação será um companheiro em relação de união estável (CC 1.723, § 1º). De fato, findos o afeto entre o casal e a comunhão plena de vida com a separação fática, qualquer doação àquele que partilha de união estável será assegurada em nível constitucional de tutela às entidades familiares.

Se, quanto a esse aspecto, não grassam mais dúvidas na doutrina contemporânea, discute-se uma doação efetuada em um longo concubinato – ou seja, relação simultânea e não sucessiva ao matrimonio – também seria alcançada pela norma em referência. Entendemos que não se pode conceder ao concubinato um status semelhante à união estável, sob pena de criação de modelos de família em que o afeto é distribuído igualmente por três pessoas, quando tanto não se pode alcançar pelo matrimonio. Portanto, pela exiguidade do espaço, concluímos no sentido da impossibilidade da anulação apenas provado que houve o esforço comum do concubino para a aquisição do bem que lhe é doado. A ressalva quanto ao esforço comum é inclusive a exceção à possibilidade de ajuizamento de ação reivindicatória sobre a transferência de bens comuns do casal ao concubino (CC 1.642, V). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 601 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sob o magistério de Ricardo Fiuza, é assegurada proteção ao acervo patrimonial dos cônjuges, durante a constância do casamento, dizendo a lei ser anulável a doação feita pelo cônjuge ao seu cúmplice no adultério. O ato de doação não implica nulidade absoluta, cabendo ao outro cônjuge ou aos herdeiros necessários o pedido de anulação por fraude.

Qualquer dos cônjuges podem reivindicar os bens comuns, moveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que provado que os bens não foram adquiridos pelo esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos (CC 1.642). Observe-se, todavia, que a ação, de prazo prescricional, para a invalidade da transferência dos bens, pode ser promovida durante a vida em comum do casal e não somente, a rigor, a partir de quando dissolvida a sociedade conjugal.

Merece relevo a questão da legitimidade ad causam dos herdeiros necessários para a propositura da ação anulatória. Sustenta Silvio Rodrigues tratar-se de legitimação sucessiva. Roberto Gonçalves comunga de igual posição, acentuando: “A prioridade para o seu ajuizamento é do cônjuge enganado. Enquanto estiver vivo, é o único legitimado, pois o adultério e ofensa cometida contra ele”. Entretanto, a tese que reconhece ao direito do herdeiro lesado a nota de atualidade e não mera expectativa (ver antigo anterior) conforta entendimento contrário e torna oportuna reflexão a respeito.

Sobreleva anotar outro aspecto significativo: a liberalidade atacada circunscreve-se ao período em que o doador se ache em companhia do cônjuge e não dele separado de fato, conforme tem orientado a jurisprudência. O concubinato, na acepção do Código Civil, diz respeito às relações não eventuais entre o homem e a mulher impedidos de casar (CC 1.727), ou, mais precisamente, às relações adulterinas, importando essa caracterização a convivência conjugal. Aplica o CC o conceito moderno de adulterinidade, segundo o qual a separação de fato do casal afasta a hipótese do adultério. Embora o STF não tenha admitido tal conceito por entender vigorante a sociedade conjugal (RE I 12.399-I-RS, j. em 6-10-1987, RI’, 624/251), o STJ vem sustentando posição contemporânea e dominante, diferenciando a companheira da concubina (RI’, 623/170).

Jurisprudência: “(...) nula é a doação feita à concubina, pelo homem casado. A Cumplice no adultério não tem parte nenhuma do acervo conseguido pelo homem casado, com outra mulher” (RI’, 466/95). (Silvio rodrigues, Direito civil; dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 27ed., ver., São Paulo, Saraiva, 2000 (p. 198); Carlos Roberto Gonçalves. Direito das obrigações; parte especial. Coleção Sinopses Jurídicas, 2.ed., ref., São Paulo, Saraiva, 1999 (. 88). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 293 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo a trilha de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o Direito de Família tradicional somente reconhecia para efeitos jurídicos a família fundada no casamento e tinha como princípio a conservação desse tipo de unidade familiar. O dispositivo em comento resulta dessa opção política que passou a ser questionada de forma contundente com a abertura do conceito de família operada pela Constituição de 1988.

As relações paralelas ao casamento eram, na tradição, contrárias à lei, ensejando repercussões jurídicas negativas entre as quais a mais importante era o cometimento do crime de adultério. No plano dos contatos, no mesmo sentido, a legislação considerava e ainda considera anulável a doação feita pelo “cônjuge adúltero ao seu cumplice”.

O dispositivo tende a ser considerado inconstitucional, uma vez que a jurisprudência e a doutrina, gradativamente, admitem o reconhecimento das famílias paralelas.

A rigor, uma vez que a proteção do cônjuge e dos herdeiros necessários já tem fundamento em outros dispositivos que dizem respeito à outorga conjugal e à proteção da legítima, o único fundamento para se considerar anulável a doação feita entre pessoas que mantem relação adulterina é de cunho moral. A restrição atinge a autonomia privada do disponente e somente se justifica diante do juízo de reprovabilidade moral do ato. Atenta contra a proteção devida à família, no entanto, a reprovação jurídica de relação familiar, ainda que paralela a outro núcleo familiar, uma vez que o texto constitucional, ao determinar a proteção da família, o fez de forma ampla, não permitindo ao legislados estabelecer esse tipo de distinção. Desse modo, ainda que a doutrina e a jurisprudência não o reconheçam, entendemos que o referido dispositivo é inconstitucional, devendo prevalecer a autonomia privada do disponente. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 04.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 551. Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual.

Parágrafo único. Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo.

Passeando na cartilha de Nelson Rosenvald, trata a norma da doação conjuntiva, estabelecida em benefício de duas ou mais pessoas (naturais ou jurídicas) sem que o doador expressamente ressalve a parcela do bem doado que incumbirá a cada donatário. Assim, presume-se supletivamente que foram agraciados em partes iguais, pois nada se estipulou em sentido inverso.

Ao contrário das doações com eficácia post mortem - legadas -, os donatários não serão beneficiados pelo direito de acrescer em caso de morte do condômino. A parte do falecido será direcionada a seus sucessores, mantendo-se o estado de indivisão do bem.

Contudo, incidirá o direito de acrescer apenas quando os donatários forem marido e mulher, prestigiando-se o cônjuge sobrevivo com a integralização da doação, desconsiderando-se os sucessores do falecido. Todavia, independentemente da qualificação dos donatários, a autonomia privada do doador permite a estipulação de clausula expressa de direito de acrescer sobre o bem doado seja no próprio título constitutivo da doação, seja em posterior testamento.

A norma guarda conexão com o CC 2.018, que permite a partilha em vida pelo ascendente por ato entre vivos. Efetivada a partilha mediante a forma de escritura de doação, se nada ressalvar o doador, os bens serão proporcionalmente divididos entre os herdeiros necessários. Todavia, é lícito ao ascendente efetuar rateio desproporcional entre os descendentes, desde que não ofenda a sua legítima. Assim, se A possui R$ 90.000,00, poderá destinar R$ 45.000,00 ao filho B e os outros R$ 45.000,00 dividir em partes iguais entre B, C e D. O fato de B receber R$ 60.000,00 não desrespeitará a metade indisponível dos seus irmãos. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 602 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sob o prisma de Ricardo Fiuza, cuida-se da doação conjuntiva, feita em comum e em simultâneo a mais de um donatário, com a presunção de que seja distribuída em partes iguais entre eles, salvo cláusula dispondo diferentemente a proporção dos valores. No caso dos donatários casados entre si, há uma perfeita mutualidade legal para o direito de acrescem: o cônjuge sobrevivo assume, por direito exclusivo, em substituição, a proporção igualitária do outro que faleceu, subsistindo a totalidade da doação em seu favo, não passando o bem aos herdeiros necessários.

Como obrigação divisível, poderá o doador dispor que a parte do que falecer acresça a dos donatários sobreviventes, tal como ocorre na reversão em benefício dos usufrutuários sobrevivos, havendo disposição expressa. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 293 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Para o entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo concretiza no tocante às doações, os princípios estabelecidos nos artigos 257 e seguintes do Código Civil: havendo mais de um credor em obrigação divisível, presume-se que ela é dividida em partes iguais entre os credores; se a obrigação for indivisível, cada um poderá exigir a dívida inteira.

O parágrafo único tem eficácia nas doações divisíveis. Assegura a um cônjuge o direito à parte do outro cônjuge que vier a falecer. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 04.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).