quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.245, 1.246, 1.247 Da Aquisição pelo Registro do Título - VARGAS, Paulo S. R.

 


Direito Civil Comentado - Art. 1.245, 1.246, 1.247

Da Aquisição pelo Registro do Título  - VARGAS, Paulo S. R. 

Parte Especial - Livro IIITítulo III – Da Propriedade

(Art. 1.245 ao 1.247) Capítulo II – Da Aquisição da Propriedade Imóvel

Seção II – Da Aquisição pelo Registro do Título  

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Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

 

§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

 

§ 2º Enquanto não se registrar o titulo translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.


Sob o prisma de Francisco Eduardo Loureiro, são três os princípios que regem a regularização do registro de um imóvel. O caráter constitutivo do registro: Como mencionado no comentário ao CC 1.227, ao qual se remete o leitor, o registro imobiliário é constitutivo da propriedade e demais direitos reais sobre coisa imóvel, adquiridos a título derivado e por ato entre vivos, salvo exceções expressamente previstas em lei; nas aquisições a título originário - tome-se como exemplo a usucapião - o registro tem efeito meramente regularizador e publicitário. De igual modo, nas aquisições a título causa mortis a transmissão da propriedade aos herdeiros, em razão do instituto da saisine, dá-se no exato momento da morte; Os sistemas de aquisição dos direitos reais: Nosso sistema de aquisição da propriedade e de outros direitos reais segue a tradição do Direito romano, exigindo título mais modo, consistente em uma providência suplementar que, somada ao título, provoca a transmissão do direito real. Ao contrário do sistema francês, a propriedade sobre coisas imóveis adquiridas a título derivado não se transmite somente com o contrato (solo consensu), mas, ao contrário, exige o registro do título no registro imobiliário. Até o registro, o adquirente é mero credor do alienante. O registro é que converte o título, simples gerador de crédito, em direito real.

Além disso, nosso sistema de aquisição da propriedade é causai. O registro constitui a propriedade imobiliária, mas permanece vinculado ao título que lhe deu origem. Ao contrário do sistema alemão, no qual o registro sofre processo de depuração e se torna abstrato, em nosso sistema jurídico o registro não se desliga do título. Daí se extraem as duas marcas fundamentais do registro no nosso sistema jurídico: é constitutivo da propriedade e de outros direitos reais sobre coisas imóveis adquiridas a título inter vivos e derivado e é causai, pois se encontra ligado ao título que lhe deu origem.

 Os princípios do registro de imóveis: O registro indica quem, do que e de quanto se é titular sobre a coisa imóvel, até que se prove o contrário. Há necessidade, por consequência, de regular de modo minucioso e dotar o registro de mecanismos de segurança, que impeçam o ingresso de títulos que constituam direitos reais a favor de falsos titulares, ou de direitos de qualidade ou quantidade distintas da realidade.

A Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73) regulamenta minuciosamente o registro de imóveis (arts. 167 a 288). Funda-se a Lei n. 6.015/73 no cadastramento do imóvel em matrículas, que contêm sua descrição e características. Nas matrículas são feitas, em ordem cronológica, registros e averbações (art. 167 da Lei n. 6.015/73). Os mecanismos de segurança e de controle de ingresso dos títulos no registro imobiliário se dão mediante diversos princípios registrários: inscrição; fé-pública ou presunção relativa; publicidade; continuidade; legalidade; prioridade; especialidade.

 

O princípio da inscrição está positivado no caput e no § 1º do artigo em exame. Traduz o caráter constitutivo do registro imobiliário, ou seja, a transmissão e a constituição de direitos reais sobre imóveis por ato entre vivos e derivado somente se dão com o registro, salvo exceções legais, como o casamento pelo regime da comunhão universal de bens. Juntamente ao registro da transmissão devem ser inscritos direitos relativos às condições resolutiva, suspensiva e às cláusulas adjetas, que provocam restrição do direito de dispor. Tomem-se como exemplos a cláusula resolutiva expressa, o pacto de melhor comprador e a retrovenda, que, caso omitidas, não preveniriam de modo eficaz terceiro adquirente de boa-fé.

 

Pelo princípio da fé-pública, positivado no § 2º do artigo em exame, se presume pertencer o direito real à pessoa em cujo nome está o registro. O registro, enquanto não for cancelado, produz todos seus efeitos, como reza o art. 252 da Lei n. 6.015/73. Em razão da natureza causal do registro, a presunção é meramente relativa, pois anulado ou resolvido o direito constante do título, cancela-se o registro dele produto. O cancelamento, se não for voluntário, depende de decisão judicial, e, segundo o preceito em estudo, deve ser promovido por meio de ação própria.

 

O termo ação própria deve ser interpretado com cautela, pois em determinados casos, de nulidade absoluta do título, sua invalidade e, por consequência, o cancelamento do registro podem ser reconhecidos de modo incidente cm ação judicial. Além disso, o art. 214 da Lei de Registros Públicos, com a redação que lhe deu a recente Lei n. 10.931/2004, dispõe que o cancelamento do registro pode ser feito pelo Juiz Corregedor Permanente independentemente de ação própria, desde que ouvidos os atingidos. Deve, portanto, ser feita importante distinção. Se o vício for do título, atingindo o registro apenas de modo reflexo, exige-se comando de cancelamento na esfera jurisdicional, mediante reconhecimento principal ou incidente em ação judicial. Caso, porém, o vício seja do próprio mecanismo de registro, por ofensa aos princípios registrários ou erro do exame qualificador do oficial registrador, o cancelamento pode ocorrer na esfera administrativa, perante o Juiz Corregedor Permanente, após oitiva dos atingidos. Os §§ 3º e 4° do art. 214 da Lei de Registros Públicos, acrescentados pela mencionada Lei n. 10.931/2004, positivam jurisprudência administrativa do Estado de São Paulo, admitindo a figura do bloqueio da matrícula na esfera administrativa, com o escopo de prevenir danos a terceiros de boa-fé. O bloqueio impede o ingresso de novos registros ou averbações, mas admite sua prenotação, que ficará prorrogada, com garantia da prioridade, até que se decida pelo cancelamento do registro, ou por sua liberação. O bloqueio, portanto, é medida provisória e temporária adotada pelo Juiz Corregedor Permanente ao se deparar com irregularidades que possam desembocar no cancelamento do registro. Mantém o registro paralisado, evitando dano a terceiro de boa-fé, até que se avalie a possibilidade de seu saneamento, ou se decida pelo cancelamento. O princípio da publicidade diz que os fatos e atos constantes do registro se presumem conhecidos de todos, não se podendo alegar ignorância de título que consta do registro imobiliário. O princípio tem regra inversa: só se presume conhecido o que consta do registro, pois antes o título gera somente direito de crédito entre as partes.

 

O princípio da continuidade, também chamado trato sucessivo e trato contínuo, está previsto nos arts. 195 e 237 da Lei n. 6.105/73. Expressa a regra que ninguém pode dispor de direitos que não tem, ou de direitos de qualidade e quantidade diversa dos quais é titular. Diz que, em relação a cada imóvel, deve haver uma cadeia de titularidades, à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Não se encontram sujeitos a tal princípio os títulos que expressam modos originários de aquisição da propriedade, como a usucapião e a desapropriação judicial. Cria-se, em outras palavras, um encadeamento de titularidades, ou cadeia dominial, na qual o transmitente de um direito deve necessariamente constar do registro como seu titular. Funciona o registro imobiliário como os elos de uma corrente, um encadeado no outro, sem saltos nem soluções, de tal modo que toda titularidade sobre o imóvel apareça concatenada com a anterior e a sucessiva. O transmitente de hoje será o adquirente de ontem, e o adquirente de hoje será o transmitente de amanhã. O princípio da continuidade repousa no pressuposto lógico de que “ao exigir-se que todo aquele que dispõe de um direito esteja inscrito como seu titular no registro, impede-se que o não titular dele disponha” (Jose Maria Chico y Ortiz, Estúdios sobre Derecho Hipotecário, 3ª Edição Marcial Pons, Madrid, 1994, tomo I, p. 394). E o equivalente registrário do aforismo tiemo dat quod non liabet, ou seja, sem que desfrute do direito de disponibilidade, ninguém pode transferir, nem, tampouco, onerá-lo. A continuidade é a pedra de toque da segurança a que se predispõe o registro, permitindo ao adquirente conhecer a titularidade e a história da filiação dominial mediante simples leitura invertida dos registros e averbações lançados na matrícula. Não se encontram sujeitos a tal princípio os títulos que expressam modos originários de aquisição da propriedade, como a usucapião e a desapropriação judicial.

 

O princípio da legalidade tem estreita ligação com a natureza causal do registro. E o mecanismo que se interpõe entre o título e o registro, assegurando, o quanto possível, a correspondência entre a titularidade presumida e a verdadeira. É o filtro de entrada que segura títulos que rompam a malha da lei, devendo o registrador fazer o exame da obediência do título em seu aspecto formal quanto aos demais princípios registrários e normas cogentes. A essa atividade de verificação da aptidão do título para ingressar no registro dá-se o nome de qualificação do oficial do registrador. Todos os títulos, tanto extrajudiciais, como judiciais, estão sujeitos ao exame qualificador do registrador.

 

Os títulos judiciais podem ser próprios ou impróprios. São próprios os que provocam uma mutação jurídico-real, substituindo ou fazendo as vezes de negócio jurídico como, por exemplo, os formais de partilha, as cartas de adjudicação e as sentenças de adjudicação compulsória, todos sujeitos à observância estrita dos princípios registrários. Os títulos judiciais impróprios consistem cm comandos ao oficial, que não provocam mutação jurídico-real, como mandados de arresto, penhora ou indisponibilidade de bens. Em tais casos, o registrador não questiona seu conteúdo e sua coerência com os princípios registrários, pois não pode a decisão administrativa se sobrepor à proferida na esfera jurisdicional. Caso não se conforme o interessado com as exigências formuladas pelo oficial, deve suscitar dúvida ao Juiz Corregedor Permanente, na forma dos arts. 198 e seguintes da Lei de Registros Públicos. Os princípios da prioridade e da especialidade dos registros serão comentados nos artigos subsequentes, que a eles se referem. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.238-40. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Historicamente, o dispositivo foi objeto de emenda aprovada pela Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. Os vocábulos “transcrição” e “transcrever” foram substituídos pelas expressões “registro” e “registrar”, respectivamente. visando adequar a redação do artigo à Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015/73).

 

Quanto à doutrina referida por Ricardo Fiuza, a este artigo foram acrescentados dois parágrafos que fazem jus à tradição secular do direito brasileiro de que “quem não registra não é dono”, pois, enquanto não for registrado o título competente, o alienante continuará a ser tido como dono do imóvel. É certo, também, que o adquirente continuará a ser havido como dono do imóvel até que seja promovida a ação própria que decrete a invalidade do título translativo (aquele pelo qual se opera a transferência de algum direito), e nele se decrete sua inexistência ou nulidade e mande cancelar seu registro. Corresponde o artigo em exame ao art. 531 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 643, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Sob a lente de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, tal como no Código de 1916, inspirado na tradição germânica de aquisição do domínio, embora com algumas diferenciações, o atual Código Civil traz a orientação de que o simples  contrato não é suficiente para operar a transferência no domínio, gerando, tão-somente, um direito obrigacional, ou de crédito. O registro imobiliário não tem natureza de negócio jurídico, como no direito alemão, tratando-se, em verdade, de um ato jurídico causal, eis que só opera a transferência se o título jurídico (contrato de compra e venda) firmado pelas partes for efetivamente válido, ou seja, se produzir valor jurídico (Mário, 2004, p. 122).

 

Enunciado 87 do Conselho da Justiça Federal: “Considera-se também título translativo, para fins do CC 1.245, a promessa de compra e venda devidamente quitada (CC 1.417 e 1.418 e § 6º do art. 26 da Lei n. 6.766/79)” (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 30.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo.

 

Às vistas de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o registro público gera eficácia a partir do momento em que for apresentado o título ao oficial de registro, e este o prenotar no protocolo. Prenotação é a apresentação do título para registro, que será protocolizado. É a partir desta data que a propriedade considerar-se-á adquirida, ainda que decorra algum tempo entre a data de apresentação do título e o efetivo registro.

 

Assim, nos termos do art. 188 da Lei de Registros Públicos (LRP), uma vez protocolizado o título no registro Imobiliário, seu registro será efetivado em trinta dias, sendo que cada título apresentado ao protocolo terá um número de ordem específico. O título de transferência será feito por escritura pública, necessariamente, quando o valor do imóvel for superior a trinta salários mínimos, como prevê o CC 108. O registro público imobiliário gera uma presunção juris tantum, ou seja, relativa, uma vez que se considera proprietário aquele que tiver seu título translativo devidamente registrado, enquanto este não for anulado e, posteriormente, cancelado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 30.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Segundo parecer de Ricardo Fiuza, em sua Doutrina, a eficácia do registro tem seu início com a apresentação do título ao oficial do registro e com sua prenotação (anotação prévia e provisória. lançada no protocolo, decorrente da sequência rigorosa da apresentação dos títulos dependentes de registros públicos (v. Lei n. 6.015/73, arts. 182, 198, 203. 1. 205 e 286, e Walter Ceneviva, Lei dos Registros Públicos comentada, 14. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 351 e s.), no protocolo (que é o livro em que o oficial toma apontamento dos títulos que lhe são apresentados para as formalidades do registro).  O artigo equipara-se ao art. 534 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 644, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na supervisão de Francisco Eduardo Loureiro, o preceito em exame positiva o princípio da prioridade, que, na expressão de Afrânio de Carvalho, significa que “num concurso de direitos reais sobre um mesmo imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação de precedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento” (Registro de imóveis. Rio de Janeiro, Forense, 1977). Vigora a máxima prius in tempus, mellior in jus, de modo que o título, que traduz simples relação de crédito, converte-se em direito real e ganha eficácia contra terceiros no exato momento no qual é prenotado no registro imobiliário. Entre o protocolo do título e seu efetivo registro decorre certo tempo para que o oficial faça a qualificação, fixado em um máximo de trinta dias no art. 188 da Lei de Registros Públicos. O registro, porém, é feito com a data do protocolo e todos seus efeitos a ela retroagem, pois a eficácia erga omnes nasce com a prenotação. Dispõem os arts. 11 e 12 da Lei de Registros Públicos que todos os títulos ingressados no registro serão protocolados para assegurar a preferência sobre outro eventual direito contraditório. A única exceção a tal regra é a recepção do título para simples exame e cálculo, mediante requerimento expresso do interessado de que não deseja seu registro e tem ciência dos efeitos jurídicos da ausência da prenotação. Tem o princípio da prioridade o escopo principal de evitar o conflito de títulos contraditórios, ou seja, aqueles que têm por objeto direitos que não podem coexistir, relativos ao mesmo imóvel, cuja força dependa da ordem de ingresso no registro imobiliário ( ORLANDI NETO, Narciso. Retificação do registro de imóveis. São Paulo, Oliveira Mendes, 1997, p. 62). Os títulos serão protocolados e prenotados na sequência rigorosa de sua apresentação, como determina o art. 182 da Lei n. 6.015/73. O art. 186 dispõe que “o número de ordem determinará a prioridade do título e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente”.

 

Caso ingressem dois títulos contraditórios, estabelece-se uma sequência de prioridades, pois, nos termos do art. 205 da Lei n. 6.015/73, “cessarão automaticamente os efeitos da prenotação, se, decorridos trinta dias do seu lançamento no protocolo, o título não tiver sido registrado por omissão do interessado em atender as exigências legais”. Cancelada a prenotação do primeiro título, o segundo título assume a prioridade e é, então, submetido à qualificação registrária. A regra geral de que a prioridade é determinada pela ordem de protocolo tem duas exceções, previstas na Lei n. 6.015/73. A primeira está no art. 189 e diz respeito à segunda hipoteca, cujo título, na ausência de registro da primeira hipoteca, aguarda pelo prazo de trinta dias para que os interessados na primeira hipoteca promovam sua inscrição. A segunda está prevista no art. 192 e diz respeito às escrituras públicas lavradas na mesma data e apresentadas a registro no mesmo dia. Em tal caso, a prioridade é conferida não ao título de protocolo inferior, mas àquele lavrado em primeiro lugar, desde que deles conste taxativamente a hora da lavratura. Vimos que a prenotação tem prazo de trinta dias, assegurando nesse período a prioridade ao interessado. Em casos excepcionais, pode haver prorrogação do prazo da prenotação, em razão da impossibilidade de se fazer o registro no trintídio. Tomem-se como exemplos a suscitação da dúvida, os registros de loteamento e de bem de família, que dependem da publicação de editais, ou a própria reapresentação do título defeituoso nos últimos dias do trintídio. Os arts. 188 e 205 da Lei de Registros Públicos encerram certa contradição em termos. Ambos assinam o mesmo prazo de trinta dias, o primeiro para que o oficial proceda ao exame e registro do título e o segundo para que o interessado tenha assegurada a prenotação. Assim, se o oficial devolver o título sem registro no último dia, não teria o interessado como cumprir as exigências formuladas, antes do cancelamento da prenotação. Visando a corrigir tal falha, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo determinou que o prazo para exame e eventual devolução do título pelo registrador é de quinze dias, ficando a segunda quinzena reservada ao interessado, para que atenda eventuais exigências levantadas pelo registrador. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.242-43. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Art. 1.247. Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar que se retifique ou anule.

 

Parágrafo único. Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente.

 

Fechando a seção Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, refletem desde que não haja decisão judicial determinando a invalidade do negócio jurídico subjacente e o respectivo cancelamento do registro imobiliário, considera-se proprietário aquele que tem seu nome ali gravado por último. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 30.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Em visão expandida, vê Francisco Eduardo Loureiro, que o registro imobiliário, nas aquisições derivadas e inter vivos, é constitutivo dos direitos reais e tem presunção relativa de veracidade, até que seja cancelado, por ser causai. Não só constitui propriedade, mas modula sua quantidade e a qualidade. É fundamental, portanto, o registro imobiliário ser sistema seguro e público, devendo espelhar a realidade. Pode ocorrer, em casos excepcionais, que o registro não reflita a realidade, caso no qual poderá o interessado pleitear sua retificação ou, em casos mais graves, até mesmo seu cancelamento. O erro pode dizer respeito ao direito ou aos fatos constantes do registro. Tome-se como exemplo de erro de direito o registro da escritura de doação, com omissão da reserva de usufruto. Poderá o interessado pleitear ao oficial que proceda ao registro do direito real de usufruto. Já a retificação de fato, no dizer de Narciso Orlandi Neto, “destina-se a corrigir imprecisões relativas às características do imóvel ou à identificação das pessoas envolvidas no registro” (Retificação do registro de imóveis. São Paulo, Oliveira Mendes, 1997, p. 81). O cancelamento do registro, por meio de ação na esfera jurisdicional ou pedido deduzido na esfera administrativa, já foi tratado nos comentários ao CC 1.245. Resta a retificação do registro imobiliário, disciplinado nos arts. 212 e 213 da Lei de Registros Públicos, com as profundas alterações introduzidas pela recente Lei n. 10.931/2004. Pode a retificação dar-se em três vias: perante o próprio oficial do registro imobiliário, com ou sem oitiva dos confrontantes; perante o Juiz Corregedor Permanente, ainda na esfera administrativa; nas vias ordinárias, na esfera jurisdicional.

 

O princípio da especialidade não tolera a imprecisão do registro imobiliário e significa que “toda inscrição deve recair sobre um objeto precisamente individuado” (CARVALHO, Afrânio de. Registro de imóveis. Rio de Janeiro, Forense, 1977, p. 219). O art. 176, § I o, 11, 3, da Lei de Registros Públicos dispõe que a matrícula deve descrever com precisão o imóvel especializando-o, de modo a torná-lo inconfundível com qualquer outro. Devem constar as características do imóvel como confrontação, localização, área, logradouro e número, se urbano; denominação, se rural, além de sua designação cadastral. O preceito deve ser lido em consonância com o art. 225, § 2ª da mesma Lei, que dispõe: “a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior”. Da congruência dos dois artigos, tolera-se a abertura de matrícula com exata coincidência com o registro anterior, em que pese a ausência de descrição completa do imóvel, desde que seja possível sua localização geodésica, com um mínimo de certeza de que não haverá sobreposição a registros vizinhos. O inadmissível é a criação de nova unidade imobiliária, por fusão ou desmembramento, de imóveis que não disponham de todas as medidas e características. Prédio com descrição imprecisa não pode dar origem a prédio com descrição perfeita.

 

Complementando tal regra, temos que o interessado não pode incluir unilateralmente no registro alteração das características do imóvel. Embora a propriedade imóvel seja direito patrimonial, o registro é público, pois diz respeito à segurança das relações jurídicas. A imperfeição ou omissão do registro, portanto, devem ser objeto de retificação perante o oficial do registro imobiliário, ou Juiz Corregedor Permanente, ou Juiz de Direito, na esfera jurisdicional. Retificar é corrigir, sanear, adequar o registro à realidade. A Lei n. 10.931/2004, que deu nova redação aos arts. 212 e 213 da Lei dos Registros Públicos, deslocou a retificação do registro da competência do Juiz Corregedor Permanente para a atribuição do oficial do registro imobiliário. A regra é a opção do interessado pela retificação mediante pedido administrativo ao oficial. A exceção, o encaminhamento dos autos ao Juiz Corregedor Permanente. O art. 213 da Lei de Registros Públicos é bipartido. O inciso I trata das retificações de registro ou de averbações a requerimento da parte ou de ofício, sem necessidade de anuência ou notificação dos confinantes. O princípio da instância - o registro não pode ser alterado sem requerimento do interessado - sofreu novas e importantes exceções, por não ter o interessado direito à manutenção do registro errado. As hipóteses de erro ou omissão evidentes foram alargadas. Note-se que, para aplicação do preceito sem oitiva dos confinantes, o erro e sua correção devem ser evidentes. Especialmente no referido à alínea d do inciso I, que trata da inserção de rumos, ângulos de deflexão e coordenadas georreferenciadas, deverá o oficial verificar a ausência de potencialidade danosa a terceiros, ou seja, a certeza de que não se alterará a figura geodésica do imóvel. Sem tal certeza, exigirá a anuência dos confrontantes, na forma do inciso 11 do mesmo art. 213. O inciso II do art. 213 trata das retificações bilaterais, nos casos de inserção ou alteração de medidas perimetrais que resultem, ou não, alteração da área de superfície, a serem postuladas pelos interessados diretamente ao oficial do registro imobiliário, instruídas com planta e memorial descritivo subscritos por profissional habilitado e com anuência dos confrontantes. Por interessado se entende qualquer titular de direito real ou titular de direito pessoal de aquisição - comprador, promissário comprador, donatário - que demonstre a utilidade que lhe trará a retificação. Segundo o § 10 do art. 213, por confrontante se entende lodo titular de direito real sobre imóvel contíguo, sendo desnecessária a anuência do cônjuge. Fala a lei em ocupante, termo impróprio, pois na retificação não se altera posse, mas domínio. Desnecessária, assim, a anuência de detentores ou de possuidores diretos. Apenas o possuidor com posse ad usucapionem deve anuir. Note-se que pode o oficial registrador, em determinados casos, especialmente em áreas rurais com descrições antigas e imprecisas, não dispor de elementos minimamente confiáveis para saber se as pessoas indicadas pelo interessado são realmente confrontantes, ou se a retificação importará em sobreposição a registros vizinhos. Em tal caso, com ou sem impugnação, remeterá os autos ao juiz corregedor permanente, para que determine este a realização de prova pericial.

 

Caso o pedido de retificação não conte com a anuência dos confrontantes, devem ser eles indicados pelo interessado e notificados pelo oficial do registro imobiliário, com prazo de quinze dias para ofertarem impugnação. O silêncio do confrontante significa sua concordância com o pedido, podendo ser averbada a retificação. Se houver impugnação, o oficial do registro imobiliário intimará o requerente para respondê-la e encaminhará os autos ao Juiz Corregedor Permanente. Este, por sua vez, atuando na esfera administrativa, decidirá de plano ou após instrução sumária, desde que não verse a impugnação, na dicção legal, “sobre direito de propriedade”. Não se fala mais em impugnação fundamentada, como fazia a redação original do art. 213, que dizia respeito não à natureza do direito invocado, mas à complexidade da prova a ser produzida. O termo direito de propriedade, antes referido, deve ser entendido como questão que não diga respeito a mero erro registrário, mas que encubra pretensão de natureza reivindicatória, demarcatória ou de usucapião, insuscetível, portanto, de ser dirimida na esfera administrativa. As impugnações fundadas em questões possessórias, de inexistência de posse do requerente ou de existência de posse do impugnante, podem ser rejeitadas de plano, porque a retificação de registro visa a apenas corrigir o domínio e não verificar alterações possessórias. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.244-45. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 Historicamente, o dispositivo foi alvo de emenda aprovada pela Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. O vocábulo “transcrição” foi substituído pela palavra “registro”, visando adequar a redação do artigo à Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015/73). 

Na doutrina finalista de Ricardo Fiuza, este dispositivo trata da retificação e da anulação do registro, inclusive, a qual só é possível judicialmente, indo além, portanto, do art. 213 da Lei n. 6.015, de 31-12-1973, que regula apenas a retificação do registro que não prejudique terceiro. O parágrafo único traz a consequência do cancelamento do registro e a possibilidade de o proprietário reivindicar o imóvel independentemente da boa-fé do terceiro adquirente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 644, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 29 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.241, 1.242, 1.243, 1.244 Da Usucapião - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.241, 1.242, 1.243, 1.244

Da Usucapião  - VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro IIITítulo III – Da Propriedade

(Art. 1.238 ao 1.244) Capítulo II – Da Aquisição da Propriedade Imóvel

Seção I – Da Usucapião digitadorvargas@outlook.com

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Art. 1.241. Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel.

 

Parágrafo único. A declaração obtida na forma deste artigo constituirá título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

 

Historicamente O artigo foi alvo de emenda aprovada pela Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. As expressões “transcrição” e “Registro de Imóveis” foram substituídas pela locução “registros’, e por “Cartório de Registro de Imóveis”, respectivamente, visando adequar a redação do artigo à Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015/73).

 

Segundo a doutrina de Ricardo Fiuza, Dispõe o artigo sobre a ação declaratória de usucapião, que deverá seguir o rito processual previsto nos arts. 941 a 945 do Código de Processo Civil, certamente o relator se refere ao Códice de 1973 que tem a mesma redação e não há correspondência com o CPC/2015, a não ser com o artigo 942 que corresponde hoje ao artigo 246 em seu § 3º cuja redação é: Na ação de usucapião de imóvel, os confinantes serão citados pessoalmente, exceto quando tiver por objeto unidade autônoma de prédio em condomínio, caso em que tal citação é dispensada (grifo VD). Uma vez obtida judicialmente a declaração de aquisição da propriedade, o possuidor deverá registrá-la no competente Cartório de Registo de Imóveis. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 642, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 29/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No diapasão de Francisco Eduardo Loureiro, reitera o CC 1.241 o que já dissera o CC 1.238 do Código Civil de 2002: a sentença que reconhece a usucapião tem natureza declaratória, reconhecendo o direito preexistente à propriedade, que se consumou no exato momento no qual o usucapiente preencheu o requisito temporal da posse com as qualidades exigidas em lei. Não são a sentença e seu registro imobiliário constitutivos da propriedade imóvel, mas meramente regularizadores e publicitários. É óbvia a utilidade de ambos, da sentença por dar ao usucapiente a certeza do reconhecimento judicial da propriedade preexistente, e do registro por dar publicidade à aquisição imobiliária e inaugurar nova cadeia dominial, possibilitando ao usucapiente dispor do imóvel e ao adquirente registrar seu título derivado, preservada a nova continuidade registrária.

 

A natureza declaratória da sentença produz relevantes efeitos. O principal deles é os requisitos da posse ad usucapionem persistirem somente durante o lapso temporal exigido em lei. Escoado o prazo, o possuidor já se converteu cm proprietário, faltando apenas a declaração judicial de tal situação jurídica. Logo, a perda da pacificidade, da continuidade, da boa-fé (na usucapião ordinária), a destinação diversa da moradia (nas usucapiões especiais) são irrelevantes para a aquisição já consumada da propriedade. Até mesmo a perda da posse não altera tal quadro, tanto assim que a Súmula n. 263 do Supremo Tribunal Federal reza que “o possuidor deve ser citado, pessoalmente, na ação de usucapião”. O verbete somente tem sentido caso se admita ação de usucapião sem posse atual, fundada em posse pretérita que já se converteu em propriedade pelo decurso do tempo. Admite-se, por isso, que o usucapiente, antes mesmo do ajuizamento da ação de usucapião, desde que consumado o período aquisitivo, possa ajuizar desde logo ação reivindicatória. Claro que deverá provar a ocorrência da posse ad usucapionem, com o prazo e requisitos exigidos em lei.

 

Julguei, uma feita, interessante caso, no qual possuidor com posse ad usucapionem teve o imóvel desapropriado para a abertura de via pública. Implantada a avenida, com imissão provisória do expropriante na posse, necessitava o usucapiente de título dominial, para levantamento do preço depositado. A sentença reconheceu o domínio preexistente à desapropriação, embora o lote, no momento do ajuizamento da ação, já tivesse destinação pública.

 

Tem a sentença efeitos ex tunc e diverge a doutrina apenas quanto ao termo inicial da retroação. Alguns autores, como Benedito Silvério Ribeiro, defendem a retroação caminhar apenas até o ponto no qual se consumou o prazo da usucapião, ou seja, na data em que se completou o lapso temporal previsto em lei. Outros autores, como Lenine Nequete e Orlando Gomes, entendem que a retroação vai até o início da posse ad usucapionem. A segunda posição, fundada na teoria da aparência, dá fundamento confortável aos seguintes efeitos, socialmente úteis: todos os atos praticados pelo possuidor são válidos; mesmo que a posse seja de má-fé, não está obrigado a restituir os frutos da coisa, percebidos antes da consumação da usucapião; os atos praticados pelo titular dominial registrário da coisa durante o prazo da usucapião decaem; ao inverso, os atos praticados no mesmo período pelo possuidor consideram-se válidos, se a usucapião se consuma.

 

Pode a usucapião ser arguida como ação e como exceção, nos termos da Súmula n. 237 do STF, em pleno vigor. Em tal caso, porém, a sentença que acolher a exceção não é título hábil para ingressar no registro de imóveis, pois não participaram da lide litisconsortes necessários, tais como confrontantes, terceiros citados por edital e as Fazendas Públicas, razão pela qual a coisa julgada não atinge terceiros. Caso deseje o usucapiente obter a regularização dominial, deverá ajuizar nova ação de usucapião, citando todos os litisconsortes. O titular do domínio, vencido na anterior exceção, não poderá rediscutir a matéria. Nas modalidades de usucapião especial rural e coletivo, leis especiais, de modo expresso, dispõem que a sentença que acolhe exceção de usucapião é título hábil para ingressar no registro de imóveis. Há entendimento do STJ no sentido de que “a prescrição extintiva pode ser arguida em qualquer fase do processo, mas a prescrição aquisitiva somente tem pertinência como matéria de defesa se arguida na contestação, momento próprio para tanto, sob pena de preclusão” (STJ, REsp n. 761.911/PR, rel. Min. Menezes Direito, j. 14.11.2006).

 

Dispõe o parágrafo único do CC 1.241 que a sentença declaratória da usucapião constitui título hábil para ingresso no registro imobiliário. Deve o título conter a descrição completa do imóvel, com os requisitos do art. 176, II, III e IV, da Lei n. 6.015/73, em atenção ao princípio da especialidade. Não há necessidade, todavia, de a descrição ser coincidente com a do registro anterior, pois a usucapião inaugura cadeia dominial. Em consonância com o anteriormente dito sobre a retroatividade da sentença e de acordo com o disposto no art. 945 do Código de Processo Civil de 1973, sem correspondência no CPC/2015, deve haver prova do pagamento do imposto territorial (Imposto Territorial Rural - ITR ou Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU) ao menos dos últimos cinco exercícios, ou a respectiva certidão negativa. Em vista da natureza originária da aquisição, o título não obedece ao princípio da continuidade registrária, inaugurando nova cadeia dominial. A melhor técnica é a da abertura de nova matrícula para o imóvel usucapiendo, marcando sua desvinculação com o registro anterior, encerrando, ou averbando o desfalque parcial na matrícula ou transcrição de origem. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.228-29. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 29/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Como esclarecem Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a usucapião também poderá ser alegada em defesa (Súmula 237 do STF), de modo que, segundo entendimento majoritário na doutrina, a sentença de improcedência do pedido também servirá como título aquisitivo da propriedade, quando houver previsão legal, ou seja, nas hipóteses de usucapião especial rural e urbana.

 

Enunciado n. 315 do Conselho da Justiça Federal: “o CC 1.241 permite que o possuidor que figurar como réu em ação reivindicatória ou possessória formule pedido contraposto e postule ao juiz seja declara adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel, valendo a sentença como instrumento para o registro imobiliário ressalvados eventuais interesses de confinantes e terceiros”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 29.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

 

Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimento de interesse social e econômico.

 

No diapasão de Francisco Eduardo Loureiro, trata o artigo em questão da usucapião ordinária, cuja posse, além dos requisitos já mencionados nos comentários ao CC 1.238 do Código Civil - continuidade, pacificidade e animus domini -, exige dois outros suplementares: justo título e boa-fé. Natural a aposição de dois novos requisitos. O prazo menor da posse exige, em contrapartida, que seja esta mais qualificada. Em relação ao Código Civil revogado, não mais persiste a questão da duplicidade de prazos da posse, de dez anos entre presentes - moradores do mesmo município - e quinze anos entre ausentes - os que habitam município diverso. Foi agora o prazo unificado em dez anos, para qualquer das hipóteses. Remanesce a questão de direito intertemporal dos casos de usucapião ordinário nos quais parte ou a totalidade do prazo tenha ocorrido entre ausentes na vigência do Código revogado. Pode ser aplicado de imediato o prazo de dez anos, aproveitando-se o período de posse anterior ao atual Código Civil. Remete-se o leitor ao que se disse anteriormente, na parte final do comentário ao CC 1.238, quando se tratou da interpretação do CC 2.028, no caso de redução de prazos de prescrição extintiva e aquisitiva. ­

 

Justo título é aquele potencialmente hábil para a transferência da propriedade ou de outros direitos reais, que, porém, deixa de fazê-lo, por padecer de um vício de natureza substancial ou de natureza formal. O título pode se consubstanciar nos mais diversos negócios jurídicos aptos à transmissão de direitos reais, como a venda e compra, a doação, a dação em pagamento, a arrematação, a adjudicação, entre outros. Em tese, seria tal título suficiente, caso levado ao registro, para a transmissão do direito real. Ocorre, porém, que o título sofre de um vício, quer substancial, quer formal. Tomem-se como exemplos de vícios substanciais a aquisição a non domino, os negócios jurídicos nulos e os anuláveis. E como exemplos de vícios formais, o compromisso de venda e compra de um lote, sem prévio parcelamento do solo, ou de títulos em geral que não conseguem ingressar no registro, por ofender os princípios da especialidade ou da continuidade registrárias. O Enunciado n. 86 do CEJ é no mesmo sentido: “A expressão justo título, contida nos arts. 1.242 e 1.260 do CC, abrange todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade, independentemente do registro”.

 

O termo justo título tem duas acepções no Código Civil. No CC 1.201, parágrafo único, significa uma causa que justifique, que explique a posse. No CC 1.242 tem sentido mais estrito, de título hábil em tese para a transferência da propriedade e de outros direitos reais. Para efeito do artigo em exame, deve o justo título emanar do titular efetivo ou aparente do direito real que se pretende transferir, podendo ser levado, ou não, ao registro imobiliário. Basta que haja negócio jurídico abstratamente apto a transferir o domínio ou os direitos reais. Entre os títulos hábeis, destaca-se por sua frequência o compromisso de venda e compra e respectiva cessão de direitos, por instrumento público ou particular, levado ou não ao registro imobiliário, desde que o preço se encontre pago. E título hábil à transferência da propriedade, tanto que se qualifica como direito real de aquisição e dá direito à adjudicação compulsória. Gera ao compromissário comprador mais do que simples posse direta, uma vez que a propriedade remanesce com o promitente vendedor como mera garantia do recebimento do preço. Note-se que o termo inicial de contagem do prazo, pago o preço, retroage à data da imissão do compromissário comprador na posse do imóvel. Exige, ainda, o artigo em exame o requisito cumulativo da boa-fé do possuidor, qualidade que deve existir não só no momento da aquisição, como persistir durante todo o prazo necessário à consumação da usucapião. Como já visto no comentário ao art. 1.201 do Código Civil, cuida-se da boa-fé subjetiva, consistente no desconhecimento do vício que afeta a posse. O justo título faz presumir a boa-fé, mas os dois requisitos não se confundem. Pode haver justo título sem boa-fé, como no caso em que o possuidor, em determinado momento, toma conhecimento do vício que afeta o título e o torna impróprio para a transferência da propriedade. Pode haver também boa-fé sem justo título, como no caso do possuidor que acredita na força translativa de um negócio entabulado com quem não é proprietário nem real e nem aparente da coisa.

 

Finalmente, o parágrafo único do CC 1.242 reduz para cinco anos o prazo da usucapião ordinária, desde que se revista a posse de qualidades adicionais, especiais e cumulativas: tratar-se de posse-trabalho, qualificada socialmente pelo estabelecimento de moradia ou realização de investimentos de interesse social e econômico somados a um justo título especial, consistente na aquisição onerosa do imóvel, levada a registro, com posterior cancelamento deste. No que se refere à posse-trabalho, confere o legislador ao possuidor uma alternativa: ou estabelece no imóvel sua moradia, ou realiza investimentos de interesse social e econômico. Qualquer um dos requisitos deve persistir por todo o período aquisitivo. Note-se que o investimento deve não apenas revestir-se de caráter econômico, como deve cumulativamente atender o interesse social.

 

No que tange ao justo título, o legislador o limita àqueles de aquisição onerosa, descartando, portanto, as doações, as heranças e legados. Exige, mais, que a aparência de autenticidade do título seja tal que supere ele o exame qualificador do oficial, ingressando no registro imobiliário. Alude o preceito a posterior cancelamento, que pode ocorrer tanto por vício substancial como formal do título, abrangendo casos de anulabilidade, nulidade e, até mesmo, de inexistência, em razão de falso consentimento do alienante, assim como por vícios do próprio mecanismo do registro (art. 214 da Lei dos Registros Públicos).

 

Óbvio, embora não diga o preceito, que também o título viciado, mas cujo registro ainda não foi cancelado, valha como justo para a usucapião ordinária com prazo de cinco anos. É o que a doutrina denomina usucapião tabular, que serve não para a aquisição do domínio, mas para sanar os vícios originais de aquisição a título derivado. Pode, por exemplo, se alegar exceção de usucapião em demanda que tenha por objeto a anulação, nulidade ou mesmo declaração de inexistência do negócio que deu origem ao registro. Embora haja controvérsia sobre o tema, não há necessidade de o registro inválido permanecer aparente por cinco anos. O que exige a lei é que a posse dure cinco anos e que o título aquisitivo oneroso tenha ingressado no registro cm algum momento, ainda que seu cancelamento se dê antes do quinquênio. Finalmente, no que se refere à questão de direito intertemporal de redução do prazo, remete-se o leitor ao comentário do parágrafo único do CC 1.238, que aqui se aplica inteiramente.  (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.230-32. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 29/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Historicamente esta norma foi alvo de emenda aprovada pela Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A expressão “em transcrição constante do registro próprio” foi substituída pela expressão “no registro do respectivo cartório”, visando adequar a redação do artigo à Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015/73).

 

Na definição de Ricardo Fiuza, trata-se da usucapião ordinária. Este dispositivo assemelha-se ao art. 551 do Código Civil de 1916, mas inovou ao prever o prazo de cinco anos, no parágrafo único, para a hipótese de aquisição onerosa (afastada a aquisição gratuita por herança ou doação) devidamente registrada, cancelada por qualquer motivo relevante, desde que o possuidor habite o imóvel ou nele tenha realizado investimentos de interesse econômico e social. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 642, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 29/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Confirmando os comentários acima, os autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o artigo trata da usucapião ordinária, que tem requisitos específicos, além dos que são comuns a toda espécie de prescrição aquisitiva – posse ininterrupta e sem oposição – o justo título e a boa-fé, contando-se o prazo de dez anos de posse efetiva.

 

Justo título é aquele documento considerado hábil à transmissão da propriedade, mas que, no caso concreto, padece de algum defeito que impede a transmissão (como a venda por incapaz sem representação legal). Boa-fé é a ignorância quanto à inexistência de vícios ou obstáculos à posse (CC 1.201). Nota-se que tais elementos não são presumíveis nesta modalidade de prescrição aquisitiva, exigindo-se sua demonstração como condição de procedibilidade da ação.

 

O parágrafo único inova ao prescrever a redução do prazo prescricional para cinco anos na hipótese de o possuidor ter adquirido onerosamente o bem, cujo registro tenha sido posteriormente cancelado. Com o cancelamento do registro, volta o proprietário à condição de possuidor direto, sem título de domínio. Neste caso, terá que contar o prazo quinquenal do início os atos possessórios até o ajuizamento da ação de usucapião. De qualquer maneira, é condição de procedibilidade a prova da moradia (posse direta) ou da realização de obras e investimentos de caráter social e econômico, ou seja, a prova de produtividade do bem, de maneira alternativa. Caso o possuidor não mais exerça a posse direta, ainda que com base em decisão judicial, a posse sofrerá solução de continuidade, impedindo o ajuizamento da ação de usucapião. Em seguida, apresentam-se dois Enunciados do Conselho da Justiça Federal.

 

Enunciado 564: “As normas relativas à usucapião extraordinária (Caput do CC 1.238) e à usucapião ordinária (Caput do CC 1.242), por estabelecerem redução de prazo em benefício do possuidor, têm aplicação imediata, não incidindo o disposto no CC 2.028”.

 

Enunciado 569: “No CC 1.242, parágrafo único, a usucapião, como matéria de defesa, prescinde do ajuizamento da ação de usucapião, visto que, nessa hipótese, o usucapiente já é titular do imóvel do registro”.  (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 29.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título de boa-fé.

 

Sob orientação de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a primeira parte do artigo cuida do accessio possessionis, ou seja, a soma dos lapsos temporais entre os sucessores, o que pode ser feito inter vivos ou causa mortis. O § 3º do artigo 9º da Lei 10.257/2001 (Estatuto da cidade) possui regra específica no caso de usucapião especial urbana.

 

Enunciado n. 317 do Conselho da Justiça Federal: “A acessio possessionis, de que trata o art. 1.243, primeira parte, do Código Civil, não encontra aplicabilidade relativamente aos arts. 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da normatividade do usucapião constitucional urbano e rural, arts. 183 e 191, respectivamente”.

 

Na mesma balada a doutrina de Fiuza, quando aponta este artigo consagrar o princípio da accessio possessionis. Justo título é o título idôneo para operar a transferência da propriedade, podendo conter algum vício ou irregularidade que impeça o registro. Segundo Modestino (Digesto, 50, 16, 109): “... considera-se comprador de boa-fé aquele que ignorava fosse a coisa alheia ou acreditou ter o vendedor o direito de vender”. É esse dispositivo idêntico ao art. 552 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 642, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 29/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo disciplina as figuras da accessio e da sucessio possessionis, fazendo expressa remissão ao CC 1.207 do atual Código Civil, anteriormente comentado. Permite que o possuidor, para perfazer o tempo necessário à consumação da usucapião, some à posse própria a posse de seus antecessores, quer a transmissão se dê a título inter vivos, quer se dê a título causa mortis. Remete-se o leitor ao comentário do CC 1.207, para correto entendimento do que se entende por aquisição a título universal e a título singular, e sua interação com as figuras da accessio e da sucessio possessioni.

 

Na sucessio possessionis a transmissão se opera ex lege. A posse é una, de modo que não pode o possuidor atual descartar a posse do transmitente, porque maculada por vícios que não lhe convêm. Em termos diversos, não pode o sucessor inaugurar um novo período possessório, desprezando a posse de seu antecessor. Se a posse do falecido era ad usucapionem, tanto melhor para o herdeiro, que poderá aproveitar o período anterior para completar o prazo exigido em lei. Se, porém, a posse era viciada, contamina automaticamente a posse do sucessor, ainda que este esteja de boa-fé, pois o que se transmite é o direito de continuar a posse do autor da herança. Como diz Benedito Silvério Ribeiro, “o tempo do herdeiro carrega os vícios e virtudes da posse do morto” (Tratado de usucapião, 3. ed. São Paulo, Saraiva, 2003, p. 749). Note-se apenas que não pode um herdeiro, isoladamente, aproveitar o período de posse do autor da herança para completar o lapso temporal da usucapião em detrimento dos demais herdeiros. Em termos diversos, o tempo de posse do falecido deve beneficiar indistintamente a todos seus herdeiros. A ação de usucapião deve ser requerida em litisconsórcio necessário por todos os herdeiros ou pelo espólio, sendo que, neste último caso, o imóvel será levado posteriormente à partilha no inventário. Caso deseje um herdeiro usucapir isoladamente o imóvel, o termo inicial de sua posse exclusiva somente pode ser contado a partir da morte do antecessor comum.

 

Na accessio possessionis o adquirente recebe nova posse, podendo juntá-la ou não à posse anterior. Cuida-se de mera faculdade do possuidor, que pode ou não acrescer o tempo do antecessor, levando em conta suas qualidades e vícios. A situação é diversa da sucessio possessionis e exige três requisitos: continuidade, homogeneidade e vínculo jurídico. As posses a serem somadas devem ser contínuas, sem interrupção ou solução; devem ser homogêneas, terem as mesmas qualidades, para gerar os efeitos positivos almejados. Deve haver, finalmente, um vínculo jurídico entre o possuidor atual e o anterior. Esse vínculo pode revestir-se de várias modalidades, como, por exemplo, um negócio jurídico ou uma arrematação em hasta pública. Quanto à forma do negócio jurídico que envolve accessio possessionis, há certa controvérsia sobre o tema, mas como não está a posse no rol do CC 1.225, não se caracteriza como direito real. É um instituto sui generis, um exercício de fato de poderes semelhantes aos do proprietário, que gera efeitos jurídicos. Consequência disso é a possibilidade de se afastar a incidência do art. 108 do Código Civil, que diz ser a escritura pública requisito de validade para a alienação de bens imóveis acima da taxa legal. Não há requisito formal para a transmissão da posse, que, assim, pode ser verbal, desde que provada de modo concludente, consoante admitem recentes precedentes de nossos tribunais (RT 658/174 e 731/225, RJTJSP 155/134).

 

O CC 1.243 exige a homogeneidade das posses, para o fim de aproveitamento para o tempo da usucapião, dizendo que as posses devem ser contínuas e pacíficas. Embora não diga o legislador, está implícito que também a posse do antecessor deve ser animus domini, pois não se cogita de aproveitamento de anterior posse subordinada, como a do locatário, ou do comodatário, para consumação do lapso temporal. A inovação do preceito, de resto lógica, está na exigência de justo título e boa-fé da posse do antecessor, para aproveitamento na usucapião ordinária. A maior dúvida está no alcance do CC 1.243. Inicia o preceito dispondo que “para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes” admite-se a soma das posses, sem qualquer ressalva quanto às modalidades de usucapião. As usucapiões especiais urbana e rural, todavia, exigem posse pessoal do usucapiente. O CC 1.239 exige que o possuidor torne a gleba “produtiva com o seu trabalho, ou de sua família, tendo nela sua moradia”. O CC 1.240 exige posse sobre área urbana, “utilizando-a para sua moradia ou de sua família”. Vê-se, portanto, que ambas as modalidades, por sua própria natureza social, exigem atividade pessoal do possuidor, que não pode aproveitar o tempo de moradia alheia nem o trabalho de outrem para tornar a gleba produtiva. A pessoalidade da posse mostra-se incompatível com a accessio possessionis, como já reconheciam nossos tribunais antes do advento do Código Civil de 2002 (RJTJESP 189/176, rel. Des. J. Roberto Bedran; RTTJESP 146/202, rel. Des. Silvério Ribeiro). (Data Venia, há de ser levado em consideração o comentário feito no CC 1.239, por Francisco Eduardo Loureiro: “É preciso que o usucapiente demonstre o desenvolvimento de atividade agrícola, pecuária, extrativa ou agroindustrial no imóvel, que deve já estar produzindo ou, ao menos, apto a produzir. Nada impede a utilização de prepostos ou empregados, desde que somem esforços ao trabalho pessoal do possuidor e de seus familiares. Não basta o trabalho, devendo, também, o possuidor estabelecer na gleba sua moradia, por Francisco Eduardo Loureiro. (Grifo VD).

 

Lê-se, portanto, a expressão artigos antecedentes como referência àquelas modalidades de usucapião compatíveis com a acessão da posse (ordinária e extraordinária). A exceção a essa regra está no § 1º do art. 10 do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), que, dado o escopo de reurbanização de áreas degradadas, com nítida função promocional, admite a accessio possessiones na usucapião coletiva. Cabe lembrar a inocorrência de qualquer limitação quanto à incidência da sucessio possessionis em todas as modalidades de usucapião, inclusive as especiais, pois, como já dito, trata-se da mesma posse transmitida ex lege ao herdeiro. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.233-34. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 29/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Art. 1.244. Entende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião.

 

Fechando a Seção I, para Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame não alterou, com sua substância, o que continha o art. 553 do Código Civil de 1916. A mudança foi apenas de redação. Determina o preceito que as causas que obstani, suspendem ou interrompem os prazos de prescrição extintiva produzem iguais efeitos nos prazos de posse ad usucapionem, também chamado pela doutrina de prescrição aquisitiva. As aludidas causas se encontram previstas nos arts. 197 a 201 (impeditivas e suspensivas) e 202 a 204 (interruptivas). As causas obstativas ou impeditivas são aquelas que tolhem o início da prescrição, não permitindo passar a fluir seu termo inicial. As causas suspensivas são aquelas posteriores, supervenientes ao termo inicial da prescrição e a paralisam enquanto perduram. As causas interruptivas são aquelas que determinam a cessação da prescrição em curso e, quando desaparecem, acarretam a perda total do prazo já decorrido, de modo que o prazo recomeça a fluir de seu início. No que se refere às causas obstativas e suspensivas, que contemplam os mesmos casos, na forma dos arts. 197 e 198 do Código Civil, não correm a prescrição e o prazo da usucapião, de modo recíproco, entre cônjuges na constância da sociedade conjugal e, acrescente-se, entre companheiros durante a união estável, entre ascendentes e descendentes durante o poder familiar, entre curadores e curatelados, entre tutores e pupilos, durante a curatela ou tutela. Também não corre contra os absolutamente incapazes, contra os ausentes do Brasil, em serviço público da União, dos Estados e do Município e contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.

 

Há controvérsia quanto à compatibilidade das causas suspensivas mencionadas nos arts. 199 e 200 do Código Civil e a suspensão do prazo da usucapião. Alguns casos, porém, se mostram viáveis. Assim, enquanto pende condição suspensiva, ou antes do vencimento do prazo, em compromisso de venda e compra, ou compra e venda com pagamento do preço diferido no tempo, não se inicia a posse útil para usucapião. De igual modo, enquanto pende ação de evicção, não flui o prazo da usucapião, se o possuidor é o réu em tal demanda. Já o CC 200 é de difícil incidência na usucapião, pois a posse não se origina de fato que deva ser apurado na esfera criminal. Mesmo os estigmas da violência e da clandestinidade, que podem originar ações penais de esbulho possessório e furto, enquanto perduram, impedem o nascimento da posse, degradando-a para mera detenção, nos exatos termos do CC 1.208.

 

O art. 202 do Código Civil elenca seis causas interruptivas da prescrição, que constituem numerus clausus e inutilizam o prazo anteriormente decorrido. O inciso I trata do despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, desde que o interessado a promova no prazo e na forma da lei processual. Não basta citação qualquer feita ao devedor, mas aquela determinada em demanda relacionada à retomada da coisa pelo interessado, contra o possuidor. Mais ainda, não poderá a citação ostentar vício de forma e a ação, ao final, deverá ser julgada procedente, pois não leva à interrupção a ação julgada improcedente, ou extinta sem julgamento do mérito. O inciso II trata do protesto judicial interruptivo da prescrição, com referência expressa ao fim colimado, não bastando qualquer notificação ou interpelação para ressalva de direitos. Já os incisos III, IV e V, que tratam do protesto cambial, apresentação de títulos de crédito em juízo e constituição do devedor em mora não se aplicam à usucapião, em razão de sua incompatibilidade com o instituto. Finalmente, o inciso VI trata de ato de reconhecimento inequívoco de direito do titular do domínio, feito pelo possuidor. O comportamento expresso ou tácito, desde que inequívoco, é do próprio possuidor, que reconhece a supremacia do direito alheio sobre a coisa.

 

Não custa lembrar que a prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, e somente poderá ocorrer uma vez. Óbvio, porém, eventual protesto interruptivo não impedir que a citação na ação reivindicatória obste novamente o prazo prescricional, por se tratar do próprio exercício da pretensão de retomada da coisa. As causas determinantes do impedimento, suspensão e interrupção da prescrição somente aproveitam os demais titulares do domínio se a obrigação for indivisível. No caso da prescrição aquisitiva, inviável usucapir-se parte ideal da coisa, salvo na hipótese específica de posses localizadas, de modo que a causa suspensiva que suspende a prescrição em relação a um dos proprietários - por exemplo, incapacidade - aos demais se estende. De igual modo, a citação ou o protesto feitos a um dos possuidores interrompe a posse dos demais, ressalvada a hipótese de existência de posses localizadas. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.234-36. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 29/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No artigoPrazos para usucapir imóvel foram reduzidos com Novo Código Civil, publicado em 7 de maio de 2002, no site da conjur.com.br por J. A. Almeida Paiva o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10/01/2002), que entrou em vigor no dia 11 de janeiro de 2003 trouxe substanciais alterações em certos institutos com reflexos na vida das pessoas. Uma delas refere-se aos prazos para a aquisição tanto do usucapião extraordinário como do ordinário, que foram reduzidos.

 

No Código anterior (1916), a questão dos prazos para aquisição do domínio imóvel por usucapião extraordinário e ordinário estava normatizada nos artigos 550 e 551. Quanto ao usucapião extraordinário, o prazo que inicialmente era de 30 (trinta) anos de 1916 a 1955, passou para 20 (vinte) anos de 1955 a 2002 e a partir de 2003 passou a ser de 15 (quinze) anos.

 

Para se obter o domínio do imóvel pelo usucapião extraordinário exigia-se (CC 550) o prazo de 20 (vinte) anos de posse, sem interrupção, nem oposição, independentemente de título e boa-fé para aquele que possuir como seu um imóvel e pretender ver declarado por sentença o reconhecimento de seu domínio.

Pelo CC 1.238 (2002), o prazo do usucapião extraordinário, que era de 20 (vinte) anos foi reduzido para 15 (quinze) anos. Foi introduzido neste artigo o parágrafo único, segundo o qual, "o prazo estabelecido no artigo será reduzido a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo". Isto quer dizer que o prazo do usucapião extraordinário foi reduzido a partir de janeiro/2003, conforme a situação, podendo ser de 15 (quinze) ou 10 (dez) anos.

 

A inovação trazida pelo parágrafo único do CC 1.238 do novo Código Civil diz respeito a um plus exigido para que o prazo para usucapir o imóvel extraordinariamente fosse reduzido ainda mais, de 15 (quinze) para 10 (dez) anos, desde que o interessado prove que se estabeleceu no imóvel onde passou a ter sua moradia habitual, ou tenha nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

 

São duas situações distintas que permitiram ao possuidor ter o prazo de usucapião extraordinário reduzido para dez anos: a) ter moradia habitual no imóvel; b) realizar nele obras ou serviços de caráter produtivo. É curial que tais requisitos, como dissemos acima, fossem adicionados aos gerais do caput do CC 1.238 (CC 2002). Quanto ao usucapião ordinário, o CC 1916, originariamente previa os prazos de 20 anos entre ausentes e 10 entre presentes, situação que vigorou entre 1916 a 1955. Pela Lei nº 2.437 de 7/3/55 tais prazos foram alterados e atualmente para adquirir o domínio do imóvel ordinariamente o prazo é de "10 (dez) anos entre presentes, ou 15 (quinze) entre ausentes", desde que o possuidor tenha o imóvel como seu, "contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé".

 

Pelo novo Código Civil, os prazos do usucapião ordinário foram reduzidos, respectivamente para 10 (dez) e 5 (cinco) anos. Veja-se o que diz o CC 1.242 e seu parágrafo único do CC 2002:"Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos. Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base em registro constante do respectivo cartório, cancelado posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimento de interesse social e econômico".

 

Não se pretende neste trabalho analisar os pressupostos para a aquisição do domínio do imóvel e nem eventuais alterações introduzidas pelo novo Código Civil. O propósito é simplesmente alertar para a redução dos prazos, que foi considerável e poderia pegar muitos proprietários de surpresa. Como forma originária de aquisição do domínio (CC 1916, 530, III) no sistema passado, tem-se o usucapião extraordinário (CC 550), o ordinário (CC 551) mais as modalidades de usucapião constitucional urbano (CF/88 183) e rural (CF/88 191). A partir de janeiro de 2003, a aquisição da Propriedade Imóvel por usucapião foi toda ela normatizada nos CC 1.238 a 1.244, incluindo as modalidades hoje previstas na Constituição (CF/88, 183 e 191).

 

Assim os prazos para usucapir imóvel de uma maneira geral variam de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos, não tendo havido alteração alguma nos prazos relacionados às atuais modalidades de aquisição por usucapião constitucional, quer urbano (CF/88 183) ou rural (CF/88 191), que continuam a ser de 5 (cinco) anos e estarão normatizados no Capítulo II, do Título III, do Livro III, do CC 2002, que trata "Da Aquisição da Propriedade Imóvel".

 

En passant consigna-se que o CC 1916 usava a expressão usucapião no masculino e o CC 2002 passou a usá-la no feminino; mas, o propósito é apenas e tão somente alertar sobre a redução dos prazos para aquisição do domínio imóvel por usucapião. Para tanto reitera-se que inicialmente quando entrou em vigor o Código Civil de 1916, o art. 550 fixava em 30 (trinta) anos o prazo para a aquisição do domínio pelo usucapião extraordinário e o art. 551 fixava em 20 (vinte) anos o prazo para o possuidor com justo título e boa-fé adquirir o domínio do imóvel entre ausentes. Diversamente, os prazos para aquisição do usucapião constitucional (rural e urbano) introduzidos pela CF/88 (191 e 183) só começaram a fluir a partir da entrada em vigor na CF/88, pois foram modalidades de aquisição do domínio que não constavam no ordenamento ordinário. (Usucapião especial urbano - Artigo 183 da Constituição Federal - Prazo - Termo a quo. O termo inicial da contagem do quinquênio para saber-se configurado, ou não, o usucapião previsto no artigo 183 da Constituição Federal coincide com a entrada em vigor desta última - Precedente: Recurso Extraordinário n.º 145.004, Primeira Turma, Rel. Min. Octavio Gallotti, Diário da Justiça de 13-12-96, p. 50.180).

 

O art. 553 do Código Civil de 1916, embora com pequena mudança de redação foi reproduzido no CC 1.244/2002 e estabelece que "as causas que obstam, suspendem, ou interrompem a prescrição, também se aplicam ao usucapião (art. 619, parágrafo único), assim como ao possuidor se estende o disposto quanto ao devedor".

 

As causas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição estavam normatizadas nos artigos 168 a 176 do velho Código Civil (1916) e no CC 2002 estão nos CC 197 a 204 e, de uma maneira geral, são as mesmas. Assim, será possível interromper qualquer prazo prescricional interpondo protestos interruptivos de prescrição, notificações, interpelações, vistorias, ou outras quaisquer medidas processuais pertinentes para romper o liame da prescrição aquisitiva do possuidor, demonstrando oposição a ele, bem como protegendo o direito à propriedade que não é afetada por eventual alegação de prescrição extintiva. Nunca é demais lembrar que o usucapião é a conjugação de duas prescrições simultâneas: uma extintiva contra o proprietário e outra aquisitiva em favor do possuidor; a interrupção de uma, descaracteriza o direito à aquisição do domínio e propriedade imóvel em favor de eventual possuidor. (J. A. Almeida Paiva “Prazos para usucapir imóvel foram reduzidos com Novo Código Civil, publicado em 7 de maio de 2002, no site da conjur.com.br , acessado em 29/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Como alerta Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, aplica-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, ou seja, as hipóteses previstas nos arts. 197 a 202 do Código Civil, que devem ser adaptadas ao caso. Uma das regras gerais que merece atenção diz respeito ao fato de não correr os prazos entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal, uma vez que, quando se tratar de usucapião especial urbana por abandono do lar, o CC 1.240-A excepciona a regra. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 29.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).