quinta-feira, 11 de outubro de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 – COMENTADO – Art. 978 DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - VARGAS, Paulo S.R.


CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 – COMENTADO – Art. 978
 DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - VARGAS, Paulo S.R.

LIVRO III – Art. 977 a 989- TITULO I – DA ORDEM DOS PROCESSO
E DOS PROCESSOS DE COMPETÊNCIA ORDINÁRIA DOS TRIBUNAIS
– CAPÍTULO VIII – DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS vargasdigitador.blogspot.com

978. o julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo regimento interno dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal.

Parágrafo único. O órgão colegiado do incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente.

Sem correspondência no CPC/1973

1.    COMPETÊNCIA DE TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU

No projeto de lei aprovado na Câmara, havia regra expressa no sentido de o incidente ora analisado poder ser suscitado perante tribunal de justiça ou tribunal regional federal, deixando claro que a competência para o julgamento do incidente é dos tribunais de segundo grau de jurisdição.

A regra foi suprimida no texto final do CPC aprovado pelo Senado, o que, entretanto, não é o suficiente para mudar a competência dos tribunais de segundo grau. A essa conclusão pode se chegar pela previsão de cabimento de recurso especial e extraordinário contra a decisão que resolve o incidente (art 987, caput, do CPC) e pela previsão de que a suspensão dos processos pendentes se dará nos limites de estado ou na região (art 982, I, deste Código do CPC).

Correto quanto ao tema o Enunciado 343 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): “O incidente de resolução de demandas repetitivas compete a tribunal de justiça regional”. Os tribunais de superposição não têm competência para julgar originariamente o incidente de resolução de demandas repetitivas, mas poderá participar do julgamento em grau recursal e proferir decisão determinando a suspensão de todos os processos em trâmite no território nacional. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.600.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    COMPETÊNCIA INTERNA

No projeto aprovado originariamente no Senado, havia indicação da competência interna dos tribunais para julgar o incidente (plenário ou órgão especial), previsão que não foi repetida no projeto aprovado. Evitou-se assim uma inconstitucionalidade, pois cabe ao regimento interno dos tribunais a definição da competência interna de seus órgãos para o julgamento do incidente ora analisado, como acertadamente previsto no art 978, caput¸ deste CPC.

Ainda que o CPC tenha se abstido de prever a competência interna dos tribunais para o julgamento do incidente, criou uma regra que condiciona a escolha a ser feita pelos regimentos internos. Nesse sentido, o caput do art 978, prevê que o órgão indicado deve ser escolhido pelo regimento dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal.

Quanto à competência interna do tribunal para o julgamento do incidente ora analisado, o projeto de lei aprovado pela Câmara ainda previa que a competência seria do plenário ou do órgão especial do tribunal quando, no julgamento do incidente, a questão a ser resolvida envolvesse a inconstitucionalidade de norma. A norma foi suprimida do texto final do CPC pelo Senado porque, diante da exigência constitucional de reserva de plenário para a declaração de inconstitucionalidade pelo tribunal (art 97, CF), era mesmo desnecessária. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.600.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

3.    JULGAMENTO DO IRDR E DO RECURSO, REEXAME NECESSÁRIO E AÇÃO DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO TRIBUNAL

Antes de se fazer a análise do parágrafo único do art 978 do CPC, é importante dizer que o dispositivo é inconstitucional, e se assim fosse declarado muitos problemas práticos do IRDR seriam resolvidos. Conforme apontado pela melhor doutrina, a norma e formalmente inconstitucional porque não constava da versão originário aprovada no Senado e tampouco na versão da Câmara dos Deputados. A opção, além de inconstitucional, foi extremamente infeliz.

No direito estrangeiro, há duas espécies de tratamento procedimental para a solução de processos repetitivos. O primeiro se vale de causas-pilotos (processos-teste), por meio do qual o próprio processo é julgado no caso concreto e a tese fixada nesse julgamento é aplicada aos demais processos com a mesma matéria jurídica. O sistema é adotado na Inglaterra, por meio do Group Litigation Order e na Áustria, por meio do Pilotverfahren, tendo seu espírito sido incorporado nos julgamentos dos recursos especial e extraordinários repetitivos em nossos sistema. No segundo sistema, tem-se o chamado procedimentos-modelo, como o Musterverfahren alemão, pelo qual há uma cisão cognitiva e decisória, de forma a ser criado um incidente pelo qual se fixa a tese jurídica a ser aplicada em todo os processos repetitivos, inclusive aquele do qual o incidente foi suscitado.

Entendo que o IRDR é um sistema inovador, já que não adotou plenamente nenhum dos sistemas conhecidos no direito estrangeiro, julgara o recurso ou ação e fixará a tese jurídica. Parece ser o sistema de causas-pilotos, mas não é, porque exige a formação de um incidente processual, não sendo, portanto, a tese fixada na “causa-piloto”. E não é um procedimento-modelo porque o processo ou recurso do qual foi instaurado o IRDR é julgado pelo próprio órgão competente para o julgamento do incidente. Um sistema, portanto, “brasileiríssimo”.

Nos termos do parágrafo único do art 978 do CPC, o órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente.

Para parcela da doutrina, trata-se de regra de prevenção do órgão colegiado, de forma que seria possível o julgamento do incidente num primeiro momento somente quando o processo chegasse ao tribunal em grau recursal ou em razão do reexame necessário. Naturalmente, tratando-se de processo de competência originária, o julgamento do incidente e do processo se dariam no mesmo momento. O entendimento teria o mérito de permitir a instauração do incidente em processo de primeiro grau, porque o órgão colegiado poderia fracionar sua competência, julgamento primeiro do IRDR e somente depois o processo, quando chegasse ao tribunal.

Apesar desse inegável mérito, o entendimento não pode ser adotado. Há, na verdade, variados impedimentos para sua admissão.

Primeiro: não se pode garantir, no caso concreto, que exista a apelação, para tanto bastando que a parte sucumbente, diante da apelação, deixe de apelar. Aliás, parece ser exatamente esse o desejo do legislador com a eficácia vinculante fixada pelos tribunais.

Segundo: nesse caso, não existirá reexame necessário, já que a sentença fundada em precedente criado no julgamento do IRDR não está sujeito ao reexame necessário, nos termos do art 496, § 4º, III, deste CPC.

Por fim, o entendimento contraria o próprio espírito do IRDR, de forma que ao julgar o incidente o órgão colegiado deverá também julgar, ao mesmo tempo, o recurso, reexame necessário e processo de competência originária. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.601/1.602.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

4.    JUIZADOS ESPECIAIS

A regra no art 978, parágrafo único, do CPC, cria um enorme problema nos Juizados Especiais, porque, embora pareça legítimo entender-se pela possibilidade de instauração no IRDR em seu âmbito (Enunciado 21/ENFAM), o dispositivo cria um impedimento legal para que isso possa ocorrer.

Nos Juizados Especiais, não cabe reexame necessário e não existem ações de competência originária do tribunal pela simples razão de não existir tribunal em tal microssistema. O problema, portanto, é centrado no recurso, e até mesmo no processo antes da prolação da sentença, para aqueles que admitem esse momento procedimental como apto para a suscitação do IRDR. Por não ser esse meu entendimento foco o problema no recurso inominado de competência do Colégio Recursal.

O tribunal de segundo grau (e não, portanto, o Colégio Recursal), nesse caso, será o competente para o julgamento do IRDR, mas não terá competência para julgar o recurso inominado. Como então se respeitar o art 978, parágrafo único, do CPC?

Uma forma de resolver o impasse seria atribuir uma competência não prevista em lei ao próprio colégio recursal, por meio de órgão colegiado responsável pela uniformização de jurisprudência, para julgar tanto o IRDR como o recurso inominado. Essa solução está expressa no Enunciado 44 da ENFAM (“Admite-se o IRDR nos juizados especiais, que deverá ser julgado por órgão colegiado de uniformização do próprio sistema”). É solução, entretanto, que além de criar uma competência inexistente e contra legem, cria um sério problema prático. Basta imaginar um IRDR sendo julgado por órgão colegiado do Colégio Recursal e outro pelo Tribunal de Justiça do mesmo Estado. Numa situação dessa, é possível que existam decisões conflitante ou contraditórias, prestando-se o IRDR a violar justamente os princípios que fundamentam sua existência. Não parece, portanto, uma boa solução.

Outra solução será permitir que o Tribunal de Justiça, excepcionalmente, ganhe competência para julgar o recurso inominado. Essa solução, entretanto, não deve ser prestigiada, já que os tribunais de segundo grau não têm ingerência jurisdicional nos Juizados Especiais. Ademais, tratando-se de competência absoluta do tribunal, é necessária a existência de expressa previsão legal.

Outra saída seria nesse caso, excepcionalmente, fracionar-se o julgamento, de forma que ao tribunal caberá a fixação da tese jurídica com o julgamento do IRDR e ao Colégio Recursal, o julgamento do recurso inominado. Trata-se da solução menos traumática, mas que não escapa de crítica, porque afasta, ainda que parcialmente, a aplicação do art 978, parágrafo único, do CPC.

O problema apresentado não existiria se o órgão colegiado definido pelo regimento interno do tribunal de segundo grau tivesse competência limitada ao julgamento do IRDR, deixando para o órgão fracionário – do próprio tribunal ou do colégio recursal – o julgamento do recurso com a obrigatória aplicação do precedente fixado no julgamento do IRDR. A opção do legislador, entretanto, como fica claro da leitura do art 978, parágrafo único, não foi essa. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.602.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

Este CAPÍTULO VIII – “DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS" continua nos artigos 979 a 987, que vêm a seguir.