CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 – COMENTADO – Art. 978
DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE
DEMANDAS REPETITIVAS - VARGAS, Paulo S.R.
LIVRO III – Art. 977 a 989- TITULO I
– DA ORDEM DOS PROCESSO
E DOS PROCESSOS DE COMPETÊNCIA
ORDINÁRIA DOS TRIBUNAIS
– CAPÍTULO VIII – DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS – vargasdigitador.blogspot.com
978. o
julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo regimento interno dentre
aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal.
Parágrafo
único. O órgão colegiado do incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese
jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de
competência originária de onde se originou o incidente.
Sem
correspondência no CPC/1973
1. COMPETÊNCIA DE TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU
No projeto de lei aprovado na Câmara, havia
regra expressa no sentido de o incidente ora analisado poder ser suscitado
perante tribunal de justiça ou tribunal regional federal, deixando claro que a
competência para o julgamento do incidente é dos tribunais de segundo grau de
jurisdição.
A regra foi suprimida no texto final do CPC
aprovado pelo Senado, o que, entretanto, não é o suficiente para mudar a
competência dos tribunais de segundo grau. A essa conclusão pode se chegar pela
previsão de cabimento de recurso especial e extraordinário contra a decisão que
resolve o incidente (art 987, caput,
do CPC) e pela previsão de que a suspensão dos processos pendentes se dará nos
limites de estado ou na região (art 982, I, deste Código do CPC).
Correto quanto ao tema o Enunciado 343 do
Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): “O incidente de resolução de demandas repetitivas compete a tribunal de
justiça regional”. Os tribunais de superposição não têm competência para
julgar originariamente o incidente de resolução de demandas repetitivas, mas
poderá participar do julgamento em grau recursal e proferir decisão determinando
a suspensão de todos os processos em trâmite no território nacional. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.600. Novo Código de
Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
2. COMPETÊNCIA INTERNA
No projeto aprovado originariamente no
Senado, havia indicação da competência interna dos tribunais para julgar o
incidente (plenário ou órgão especial), previsão que não foi repetida no
projeto aprovado. Evitou-se assim uma inconstitucionalidade, pois cabe ao
regimento interno dos tribunais a definição da competência interna de seus
órgãos para o julgamento do incidente ora analisado, como acertadamente
previsto no art 978, caput¸ deste
CPC.
Ainda que o CPC tenha se abstido de prever a
competência interna dos tribunais para o julgamento do incidente, criou uma
regra que condiciona a escolha a ser feita pelos regimentos internos. Nesse
sentido, o caput do art 978, prevê
que o órgão indicado deve ser escolhido pelo regimento dentre aqueles
responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal.
Quanto à competência interna do tribunal para
o julgamento do incidente ora analisado, o projeto de lei aprovado pela Câmara
ainda previa que a competência seria do plenário ou do órgão especial do
tribunal quando, no julgamento do incidente, a questão a ser resolvida
envolvesse a inconstitucionalidade de norma. A norma foi suprimida do texto
final do CPC pelo Senado porque, diante da exigência constitucional de reserva
de plenário para a declaração de inconstitucionalidade pelo tribunal (art 97,
CF), era mesmo desnecessária. (Apud
Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.600.
Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo –
2016. Ed. Juspodivm).
3. JULGAMENTO DO IRDR E DO RECURSO,
REEXAME NECESSÁRIO E AÇÃO DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO TRIBUNAL
Antes de se fazer a análise do parágrafo
único do art 978 do CPC, é importante dizer que o dispositivo é
inconstitucional, e se assim fosse declarado muitos problemas práticos do IRDR
seriam resolvidos. Conforme apontado pela melhor doutrina, a norma e
formalmente inconstitucional porque não constava da versão originário aprovada
no Senado e tampouco na versão da Câmara dos Deputados. A opção, além de
inconstitucional, foi extremamente infeliz.
No direito estrangeiro, há duas espécies de
tratamento procedimental para a solução de processos repetitivos. O primeiro se
vale de causas-pilotos (processos-teste), por meio do qual o próprio processo é
julgado no caso concreto e a tese fixada nesse julgamento é aplicada aos demais
processos com a mesma matéria jurídica. O sistema é adotado na Inglaterra, por
meio do Group Litigation Order e na
Áustria, por meio do Pilotverfahren,
tendo seu espírito sido incorporado nos julgamentos dos recursos especial e
extraordinários repetitivos em nossos sistema. No segundo sistema, tem-se o
chamado procedimentos-modelo, como o Musterverfahren
alemão, pelo qual há uma cisão cognitiva e decisória, de forma a ser criado um
incidente pelo qual se fixa a tese jurídica a ser aplicada em todo os processos
repetitivos, inclusive aquele do qual o incidente foi suscitado.
Entendo que o IRDR é um sistema inovador, já
que não adotou plenamente nenhum dos sistemas conhecidos no direito
estrangeiro, julgara o recurso ou ação e fixará a tese jurídica. Parece ser o sistema
de causas-pilotos, mas não é, porque exige a formação de um incidente
processual, não sendo, portanto, a tese fixada na “causa-piloto”. E não é um
procedimento-modelo porque o processo ou recurso do qual foi instaurado o IRDR
é julgado pelo próprio órgão competente para o julgamento do incidente. Um
sistema, portanto, “brasileiríssimo”.
Nos termos do parágrafo único do art 978 do
CPC, o órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese
jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de
competência originária de onde se originou o incidente.
Para parcela da doutrina, trata-se de regra
de prevenção do órgão colegiado, de forma que seria possível o julgamento do
incidente num primeiro momento somente quando o processo chegasse ao tribunal
em grau recursal ou em razão do reexame necessário. Naturalmente, tratando-se
de processo de competência originária, o julgamento do incidente e do processo
se dariam no mesmo momento. O entendimento teria o mérito de permitir a
instauração do incidente em processo de primeiro grau, porque o órgão colegiado
poderia fracionar sua competência, julgamento primeiro do IRDR e somente depois
o processo, quando chegasse ao tribunal.
Apesar desse inegável mérito, o entendimento
não pode ser adotado. Há, na verdade, variados impedimentos para sua admissão.
Primeiro: não se pode garantir, no caso
concreto, que exista a apelação, para tanto bastando que a parte sucumbente,
diante da apelação, deixe de apelar. Aliás, parece ser exatamente esse o desejo
do legislador com a eficácia vinculante fixada pelos tribunais.
Segundo: nesse caso, não existirá reexame
necessário, já que a sentença fundada em precedente criado no julgamento do
IRDR não está sujeito ao reexame necessário, nos termos do art 496, § 4º, III,
deste CPC.
Por fim, o entendimento contraria o próprio
espírito do IRDR, de forma que ao julgar o incidente o órgão colegiado deverá
também julgar, ao mesmo tempo, o recurso, reexame necessário e processo de
competência originária. (Apud
Daniel Amorim Assumpção Neves, p.
1.601/1.602. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo –
2016. Ed. Juspodivm).
4. JUIZADOS ESPECIAIS
A regra no art 978, parágrafo único, do CPC,
cria um enorme problema nos Juizados Especiais, porque, embora pareça legítimo
entender-se pela possibilidade de instauração no IRDR em seu âmbito (Enunciado 21/ENFAM), o dispositivo cria
um impedimento legal para que isso possa ocorrer.
Nos Juizados Especiais, não cabe reexame
necessário e não existem ações de competência originária do tribunal pela
simples razão de não existir tribunal em tal microssistema. O problema,
portanto, é centrado no recurso, e até mesmo no processo antes da prolação da
sentença, para aqueles que admitem esse momento procedimental como apto para a
suscitação do IRDR. Por não ser esse meu entendimento foco o problema no
recurso inominado de competência do Colégio Recursal.
O tribunal de segundo grau (e não, portanto,
o Colégio Recursal), nesse caso, será o competente para o julgamento do IRDR,
mas não terá competência para julgar o recurso inominado. Como então se
respeitar o art 978, parágrafo único, do CPC?
Uma forma de resolver o impasse seria
atribuir uma competência não prevista em lei ao próprio colégio recursal, por
meio de órgão colegiado responsável pela uniformização de jurisprudência, para
julgar tanto o IRDR como o recurso inominado. Essa solução está expressa no
Enunciado 44 da ENFAM (“Admite-se o IRDR nos juizados especiais, que deverá ser
julgado por órgão colegiado de uniformização do próprio sistema”). É solução,
entretanto, que além de criar uma competência inexistente e contra legem, cria um sério problema prático. Basta imaginar um IRDR sendo
julgado por órgão colegiado do Colégio Recursal e outro pelo Tribunal de Justiça
do mesmo Estado. Numa situação dessa, é possível que existam decisões
conflitante ou contraditórias, prestando-se o IRDR a violar justamente os
princípios que fundamentam sua existência. Não parece, portanto, uma boa
solução.
Outra solução será permitir que o Tribunal de
Justiça, excepcionalmente, ganhe competência para julgar o recurso inominado.
Essa solução, entretanto, não deve ser prestigiada, já que os tribunais de
segundo grau não têm ingerência jurisdicional nos Juizados Especiais. Ademais, tratando-se
de competência absoluta do tribunal, é necessária a existência de expressa
previsão legal.
Outra saída seria nesse caso,
excepcionalmente, fracionar-se o julgamento, de forma que ao tribunal caberá a
fixação da tese jurídica com o julgamento do IRDR e ao Colégio Recursal, o
julgamento do recurso inominado. Trata-se da solução menos traumática, mas que
não escapa de crítica, porque afasta, ainda que parcialmente, a aplicação do
art 978, parágrafo único, do CPC.
O problema apresentado não existiria se o
órgão colegiado definido pelo regimento interno do tribunal de segundo grau
tivesse competência limitada ao julgamento do IRDR, deixando para o órgão
fracionário – do próprio tribunal ou do colégio recursal – o julgamento do
recurso com a obrigatória aplicação do precedente fixado no julgamento do IRDR.
A opção do legislador, entretanto, como fica claro da leitura do art 978,
parágrafo único, não foi essa. (Apud
Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.602.
Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo –
2016. Ed. Juspodivm).
Este CAPÍTULO
VIII – “DO INCIDENTE DE
RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS" continua nos artigos 979 a
987, que vêm a seguir.