quinta-feira, 2 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – NOÇÕES PRELIMINARES – FORMAS COMPOSITIVAS DO LITÍGIO - O MONOPÓLIO DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. O PROCESSO - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – NOÇÕES PRELIMINARES – FORMAS COMPOSITIVAS DO LITÍGIO -  O MONOPÓLIO DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. O PROCESSO - VARGAS DIGITADOR

FORMAS COMPOSITIVAS DO LITÍGIO

O emprego da força devia ter sido a forma mais usual para a sua solução. Era a “autodefesa”. Por óbvio não era a solução ideal, porquanto o mais forte levaria vantagem. “La raison du plus fort est toujours la meilleure” – a razão do mais forte é sempre a melhor – como dizia La Fontaine em uma de suas fábulas.

Outro meio para a solução dos litígios era a “autocomposição”. Pela economia de despesas, de gastos, ausência de violência, seria uma forma excelente. Todavia, embora vigente, ainda hoje, para numerosos casos, não pode ser estendida à generalidade dos conflitos, uma vez que, com frequência, “envolve uma capitulação do litigante de menor resistência”. Ademais, e se um dos conflitantes não quisesse a composição? Por óbvio, o conflito não seria solucionado.

O MONOPÓLIO DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. O PROCESSO

Era preciso, destarte, que a composição, a solução do litígio, se fizesse de maneira pacífica e justa e ficasse a cargo de um terceiro. Era preciso antes de mais nada que se tratasse de um terceiro forte demais, de modo a tornar sua decisão respeitada e obedecida por todos, principalmente pelos litigantes.

Como se percebe, somente o Estado é que podia ser esse terceiro. Então o Estado avocou a tarefa de administrar justiça restaurando a ordem jurídica quando violada. Essa intervenção, entretanto, ocorreu paulatina e gradativamente.

Hoje somente o Estado é que pode dirimir os conflitos de interesses. Daí a regra do art. 345 do CP: é proibido fazer justiça com as próprias mãos, embora a pretensão seja legítima. Só o Estado, e exclusivamente o Estado, é que pode administrá-la. Daí se infere que, detendo ele o monopólio da administração da justiça, surge-lhe o dever de garanti-la.

Desse modo, se apenas o Estado é que pode administrar justiça, solucionando os litígios, e ele o faz por meio do Poder Judiciário, é óbvio que, se alguém sofre uma lesão em seu direito, estando impossibilitado de fazê-lo valer pelo uso da força, pode dirigir-se ao Estado, representado pelo Poder Judiciário, e dele reclamar a prestação jurisdicional (aquilo que ele se prontificou a fazer com exclusividade), isto é, pode dirigir-se ao Estado-Juiz e exigir dele se faça respeitado o seu direito. A esse direito de invocar a garantia jurisdicional chama-se direito de ação. Daí proclamar a Lei Fundamental no seu art. 5º, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.


Dessa maneira o Estado consegue dirimir os conflitos de interesses? Por meio do processo. Este nada mais é senão forma de composição de litígios. Em sua etimologia, a palavra processo traz a ideia de ir para a frente, de avançar. Então o processo  é uma sucessão de atos com os quais se procura dirimir o conflito de interesses. Nele se desenvolve uma série de atos coordenados visando à composição da lide, e esta se compõe quando o Estado, por meio do Juiz, depois de devidamente instruído com as provas colhidas, depois de sopesar as razões dos litigantes, dita a sua resolução com força obrigatória. Pode-se dizer, também, que processo é aquela atividade que o Juiz, encarregado que é de solucionar os conflitos de interesses de maneira imparcial, secondo verità e secondo giustizia, desenvolve, objetivando dar a cada um o que é seu.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Ed. Saraiva – NOÇÕES PRELIMINARES - O LITÍGIO - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Ed. Saraiva – NOÇÕES PRELIMINARES - O LITÍGIO - VARGAS DIGITADOR
Capítulo 1
O LITÍGIO

O homem não pode viver senão em sociedade. As sociedades são organizações de pessoas para a obtenção de fins comuns, em benefício de cada qual. Mas, se não houvesse um poder, nessas sociedades, restringindo as condutas humanas, elas jamais subsistiriam. Cada um faria o que bem quisesse e entendesse, invadindo a esfera de liberdade do outro, e, desse modo, qualquer agrupamento humano seria caótico. Daí o surgimento do Estado, com os seus indefectíveis elementos: povo, território e governo.

Visando à continuidade da vida em sociedade, à defesa das liberdades individuais, em suma, ao bem-estar geral, os homens organizaram-se em Estado. Desde então eles se submeteram às ordens dos governantes, não mais fazendo o que bem queriam e entendiam, mas o que lhes era permitido ou não proibido.

Evidentemente, nos seus primeiros anos, todos os poderes se enfeixavam nas mãos de uma só pessoa, como no regime tribal, ou na família de tipo patriarcal. Depois, com o crescimento do agrupamento humano, por certo houve necessidade de distribuição de funções, e, finalmente, num estágio mais avançado, os órgãos que desempenhavam as funções mais importantes, as funções básicas, atingiram a posição de Poderes.

A transformação foi paulatina.

Para atingir seus fins, as funções básicas do Estado – legislativa, administrativa e jurisdicional – foram entregues a órgãos distintos: Legislativo, Executivo e Judiciário. Três, pois, os órgãos que se altearam a Poderes.

Eles devem ser independentes e harmônicos entre si. Nenhum deles pode sobrepor-se aos demais dentro nos seus círculos de atribuições. Não há nem deve haver hierarquia entre eles. Cada qual atua dentro nas suas respectivas esferas,

A função do Legislativo é legislar, elaborando leis que venham ao encontro dos reclamos da sociedade, sem ferir a Constituição. A do Executivo, administrar, observando os preceitos legais. A do Judiciário, julgar, aplicando as leis aos casos concretos.

Para manter a harmonia no meio social e, enfim, para atingir os seus objetivos, um dos quais se alça à posição de primordial – o bem-estar geral -, o Estado elabora as leis, por meio das quais se estabelecem normas de conduta, disciplinam-se as relações entre os homens e regulam-se as relações derivadas de certos fatos e acontecimentos que surgem na vida em sociedade. Essas normas, gerais e abstratas, dispõem, inclusive, sobre as consequências que podem advir do seu descumprimento. Em face de um conflito de interesses, desde que juridicamente relevante, a norma dispõe não só quanto à relevância de um deles, como também quanto às consequências da sua lesão.

Tais normas são indispensáveis, para que se saiba o que se pode e o que não se pode fazer. O homem precisa, pois, contribuir para que a sociedade não se destrua, não se extermine, porquanto sua destruição implica seu próprio aniquilamento. Se ele precisa da sociedade, obviamente deve pautar seus atos de acordo com as normas de conduta que lhe são traçadas pelo Estado, responsável pelos destinos, conservação, harmonia e bem-estar da sociedade.

Entretanto, não é isso o que ocorre. Os conflitos de interesses, dos mais singelos aos mais complexos, verificam-se com frequência.

Quando “o sujeito de um dos interesses em conflito encontra resistência do sujeito do outro interesse”, fala-se em lide.

Lide, pois, na difundida lição de Carnelutti, é um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida ou insatisfeita.

Ainda segundo o ensinamento do mestre, denomina-se pretensão a exigência de subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio. Na lide, há um interesse subordinante e um subordinado. Um que deve prevalecer, por ser protegido pelo Direito, e outro que deve ser subordinado, por lhe faltar a tutela jurídica.

Mas pouca importância teria essa tarefa do Estado em estabelecer normas de conduta aos seus coassociados com a ameaça de uma sanção se, porventura, não conseguisse um modo razoável para solucionar esses conflitos de interesses que surgem a todo instante na vida em sociedade. E os conflitos se resolvem e ficam solucionados fazendo-se prevalecer o interesse que realmente for tutelado pelo direito objetivo.


De nada valeriam essas normas se o legislador não cominasse sanções àqueles que viessem a transgredi-las. Para as infrações mais graves, sanções mais severas; para os ilícitos menos graves, sanções mais brandas. Mas como resolver esses conflitos?

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição – Editora Saraiva – NOTA INTRODUTÓRIA – VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição – Editora Saraiva – NOTA INTRODUTÓRIA – VARGAS DIGITADOR

As dificuldades da vida moderna, agitada, conturbada, a vontade inopinável da mocidade de querer conciliar o estudo com o struggle for life, a falta de tempo para maiores pesquisas, o número de matérias que consome a vida acadêmica e, ao mesmo tempo, a necessidade de conhecer a disciplina de maneira mais rápida, sem se afastar do seu conteúdo, tudo, tudo levou-me, em face dos longos anos de magistérios a procurar escrever um Manual de Processo Penal que pudesse atender não só aos acadêmicos, mas também àqueles que militam na área criminal, inclusive, e melhormente, os concursandos.

Todos os aspectos fundamentais do Direito Processual Penal, como lei processual no tempo e no espaço, fontes do Direito Processual Penal, interpretação, inquérito, ação penal, ação civil, jurisdição e competência, questões incidentais, prova, sujeitos processuais, prisão e liberdade provisória, citação, notificação, intimação, atos jurisdicionais, nomeadamente a sentença, a coisa julgada, todas as formas procedimentais, os recursos e as ações especiais como o habeas corpus e a revisão criminal, tudo foi posto no Manual, segundo o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência.

Afastei-me das discussões, às vezes até acadêmicas ou bizantinas, como as pertinentes à natureza jurídica da relação processual e da representação, às teorias sobre o direito de ação, das críticas sobre a ação penal privada, sobre ser ou não ser o impeachement verdadeira ação penal, das várias modalidades de indícios e, por último, de temas de Direito Penal que podem ser encontrados em sede própria.

Restringi-me ao essencial, esperando que eventuais interessados em temas aqui não estudados ou procurem resposta nos meus outros trabalhos ou em obras que de há muito integram o nosso acervo de doutrina processual penal.

No Manual, à proporção que são analisadas as matérias objeto dos vários títulos do Código de Processo Penal, há dezenas de indagações (rememorando), para que a própria pessoa que empreendeu a leitura responda. E, se por acaso não o fizer, de certo, instintivamente, monologando, dirá: “acabei de ler esse assunto”, e, assim, será levada a buscar a resposta no corpo do texto. É um modo de memorizar o estudo empreendido. É o meu desejo. Se êxito houver, todos seremos recompensados.

O Autor

Provavelmente, tão logo acabe de digitar este compêndio com o Código Penal de 1940, deverei ser obrigado a realizar outra digitação, haja vista estarmos às portas de nova edição com o Novo Código Penal Brasileiro, que estará valendo a partir do mês de julho de 2015. Acontece, que vejo meus colegas acadêmicos tão sem norte em sua inicial caminhada e estudando agora o que daqui a alguns dias mudará, que, creio, firmemente, se não tiverem este início, muito provavelmente ficarão completamente desconsertados com as novidades, sem terem sequer ideia de por onde começar. (Grifo de Vargas Digitador).