sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 474, 475 - Da Cláusula Resolutiva - VARGAS, Paulo S. R.


 Direito Civil Comentado - Art. 474, 475
- Da Cláusula Resolutiva - VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título V – DOS CONTRATOS EM GERAL
 (art. 421 a 480) Capítulo II – DA EXTINÇÃO DO CONTRATO
Seção II – Da Cláusula Resolutiva - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 474.  A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.

Na palavra de Nelson Rosenvald, o remédio resolutório é consequente do inadimplemento contratual de uma das partes. O contrato nasce perfeitamente equilibrado – há o sinalagma genético ao tempo de sua formação -, mas um evento ulterior introduz um desequilíbrio que gera a perda da situação de equivalência originária e implica desfazimento do negócio jurídico.

A resolução se prende aos contratos bilaterais, em que surge uma interdependência entre as prestações, pois toda a dinâmica da relação pressupõe a reciprocidade entre a prestação de uma parte e a contraprestação de outra. A importância da resolução consiste na possibilidade de corrigir o desequilíbrio superveniente, mediante o direito potestativo ao desfazimento da relação jurídica e o retorno à situação originária.

O art. 474 alude a duas espécies de resolução contratual: a cláusula resolutiva expressa e a cláusula resolutiva tácita.

A cláusula resolutiva expressa concerne a uma previsão contratual de imediata resolução em caso de inadimplemento da parte. Trata-se de direito negocial à resolução, contido na própria avença ou em documento posterior, que emana da inexecução de uma ou mais prestações.

A vantagem da inserção de tal cláusula reside na prévia estipulação do alcance da resolução quanto às prestações pretéritas, como no desfazimento imediato do contrato diante do inadimplemento, sem que necessite o lesado demonstrar em juízo a inutilidade da prestação (CC. 395, parágrafo único). Cumprirá ao inadimplente o ônus de ingressar em juízo para provar que não houve o alegado descumprimento ou que a extinção se deu de forma abusiva.

Em regra, a resolução dissolve o contrato e retroage os contratantes ao status quo, com efeitos ex tunc, como se o contrato jamais tivesse sido realizado. Mas nos casos de contratos de execução continuada ou periódica seria desaconselhável a ampla retroatividade. Daí a advertência do CC. 128, no sentido da manutenção da eficácia dos atos anteriores à resolução, preservando-se as situações pregressas já consolidadas de forma eficiente para ambas as partes, a não ser que elas, expressamente, tenham previsto a retroatividade dos efeitos.

Todavia, mesmo diante de uma cláusula resolutiva expressa, a parte inocente deverá demandar judicialmente o devedor para a obtenção de perdas e danos – ou a execução de cláusula penal compensatória (CC. 410), pois a demanda indenizatória surge de pretensão independente e a acessória à resolução, sendo certo que muitas vezes o lesado não fará jus a ela – como nas hipóteses de fortuito em que o descumprimento não será imputável ao devedor.

Não tendo sido estipulada a cláusula resolutiva expressa, subentende-se a existência de cláusula resolutiva implícita nos contratos bilaterais. Aqui, deverá o lesado inicialmente interpelar o devedor para que seja constituído em mora. Posteriormente, propugnará pela resolução contratual, eventualmente acrescida de perdas e danos. Em suma, o desfazimento do contrato é decorrente do trânsito em julgado da sentença.

Aliás, ao não repetir a redação do art. 119, parágrafo único, do Código de 1916, que fazia alusão à condição resolutiva tácita, o legislador do Código Civil de 2002 evolui tecnicamente ao adotar a expressão cláusula resolutiva tácita. Ora, se houvesse uma condição, a superveniência do evento acarretaria a resolução automática do contrato, dispensando a intervenção do magistrado.

Por fim, vale lembrar que o art. 54, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor permite a estipulação de cláusula resolutiva expressa nas relações de consumo, mas apenas como cláusula alternativa, cabendo a escolha ao consumidor. Em outras palavras, na prática a opção entre a resolução e a manutenção do contrato caberá ao consumidor, sendo abusiva a cláusula que implique renúncia a esse direito (CDC, 51, I) (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 541-542 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o contrato se resolve pela cláusula resolutiva expressa, diante de obrigação não adimplida de acordo com o modo determinado. A cláusula expressa promove a rescisão de pleno direito do contrato em face do inadimplemento. Aplica-se, segundo a doutrina, o princípio dies interpellat pro homine.

Quando não houver sido expressa a cláusula resolutiva, o contratante prejudicado deverá notificar a parte inadimplente acerca da sua decisão de resolver o contrato em face da inadimplência do outro. E ínsita a todo pacto bilateral a cláusula resolutória tácita (RT, 752/287).
 O Código Civil de 2002, neste dispositivo, trata de “cláusula” e não de “condição”, corrigindo a imprecisão técnico-jurídica contida no parágrafo único do art. 119 do CC de 1916, como realça, percuciente, Carlos Alberto Dabus Maluf, enaltecendo: “Foi de grande sabedoria tal modificação, pois, assim, a jurisprudência, nas hipóteses de resolução dos contratos, não terá mais de falar em condição resolutiva”.

Direito Comparado: Código Civil italiano, art. 1.453. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 253-254, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 22/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, Resolução é a rescisão do contrato por iniciativa de uma das partes em razão do descumprimento do outro contratante.

A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito e a tácita mediante interpelação judicial.

A cláusula resolutiva tácita é implícita em todos os contratos bilaterais, i.é, decorre da lei (CC. 475).

A cláusula resolutiva expressa (pacto comissório) é uma condição resolutiva e, tal como qualquer condição, independe de pronunciamento judicial.

Nos contratos de execução sucessiva, não se restituem as prestações efetuadas.

Diferenças de efeitos das cláusulas resolutivas tácita e expressa: a) a sentença que reconhece a resolução expressa é declaratória (efeitos ex tunc); b) a mora do devedor somente autoriza a resolução se a prestação se tornar inútil (CC, 395, parágrafo único). O pacto comissório retira do devedor a possibilidade de purgar a mora, por se presumir inútil a prestação (AGOSTINHO ALVIM, Da Inexecução das Obrigações, n. 128, p. 161).

A resolução pode ocorrer por violação positiva do contrato. Violação positiva do contrato é o descumprimento de deveres anexos, decorrentes do alargamento do conteúdo do contrato pela boa-fé objetiva que confere à parte lesada a pretensão reparatória ou o direito de requerer a resolução do contrato. Exemplos: médico emprega técnica extremamente dolorosa no tratamento do paciente, no lugar de meios alternativos para se alcançar o mesmo resultado sem dor; empresa contratada para a publicidade de produtos instala outdoors em locais de difícil acesso, iluminação e visualização; cavalo valioso chega ao adquirente em péssimo estado de saúde em razão do transporte.

A resolução do contrato não pode ser requerida quando há adimplemento substancial, i. é, quando a parte inadimplente executou a quase totalidade do contrato. Neste caso, a resolução configuraria abuso do direito. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 22.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

No foco de Nelson Rosenvald, o artigo em comento concede ao contratante fiel duas opções: poderá desconstituir a relação contratual por meio da ação resolutória ou insistir na tutela específica, postulando o cumprimento da prestação. Não há hierarquia entre as opções, cabendo a opção à parte lesada de acordo com os seus interesses. Todavia, não se tratando a resolução de matéria de ordem pública, poderão as partes contratualmente estipular a exclusão da eventual demanda de cumprimento ou a renúncia prévia à resolução, elidindo assim a alternatividade ora exposta.

Caso o inadimplente propugne pela tutela específica, poderá se servir do art. 461 do CPC/1973, (correspondência no CPC/2015, art. 537), para insistir no cumprimento de contratos consubstanciados em obrigações de fazer e não fazer, bem como do art. 461-A (introduzido pela Lei n. 10.444/2002 – com correspondência no art. 498 do CPC/2015) para a determinação das obrigações de dar coisa certa ou coisa incerta. Nas obrigações em dinheiro, as medidas poderão variar desde a execução por cumprimento da sentença (art. 475, I, do CPC/1973, correspondendo o art. 496 do CPC/2015), ou por título extrajudicial (art. 585 do CPC/1973, correspondente no CPC/2015 no art. 784), passando pela ação monitoria (art. 1.102-A do CPC/1973, correspondência no CPC/2015, art. 700) até a ação de cobrança, de acordo com a natureza do título que detém o credor.

Com efeito, cabe à parte lesada julgar se o inadimplemento gerou a inutilidade da prestação ou se, não obstante o descumprimento, ela ainda lhe é interessante. No primeiro caso, diante do inadimplemento absoluto restará apenas a demanda resolutória (CC. 395, parágrafo único). Mas, se a prestação ainda for viável ao credor, a hipótese ainda é de mora, o que justifica a manutenção da relação contratual.

Aliás, esse é o significado do CC.410, ao asseverar que a estipulação da cláusula penal compensatória é apenas uma alternativa em benefício do credor. Com efeito, além da resolução contratual cumulada com o pedido sucessivo de multa contratual (nos casos de inadimplemento imputável ao devedor), nada impedirá a adoção da opção pela ação de cumprimento, subsistindo o interesse na prestação.

É possível a cumulação das lides de cumprimento e de resolução de forma subsidiária. Caso a tutela específica se afigure inútil pelo fato de o réu não atender à condenação ou surgir o inadimplemento absoluto de forma superveniente, poderá o credor recorrer ao pedido subsidiário resolutório (CPC/1973, art. 289, com correspondência no CPC/2015, art. 326). Em princípio, não admitimos o inverso, ou seja, o ingresso da ação de resolução com subsidiariedade de cumprimento, eis que na ação principal o autor revela o desinteresse na prestação e a desconstituição da relação.

Tradicionalmente a doutrina não discutia a possibilidade de imposição de limites ao exercício de direitos subjetivos e potestativos. Porém, a doutrina do abuso do direito demonstra a que o exercício do direito pode manifestar motivações ilegítimas e ofensivas à função para a qual ele fora concedido pelo ordenamento (CC. 187). O inadimplemento mínimo impede a adoção do remédio resolutório em situações caracterizadas pelo cumprimento de substancial parcela do contrato pelo devedor que não tenha suportado adimplir pequena parcela da obrigação. O desfazimento do contrato acarretaria sacrifício desproporcional comparativamente à sua manutenção, sendo coerente que o credor procure a tutela adequada à percepção das prestações inadimplidas. Destarte, em tais situações de lesão ao princípio da boa-fé objetiva, é possível atender ao pedido subsidiário de cumprimento, evitando o sacrifício excessivo do devedor em face do pequeno vulto do débito.

A outro giro, discute-se hoje a teoria do inadimplemento antecipado. Em determinados contratos as partes fixam o momento para o cumprimento das prestações, mas as condutas praticadas por uma das partes revelam que fatalmente não será adimplente ao tempo convencionado. Nesses casos, adianta-se o remédio resolutório como uma espécie de antecipação do inadimplemento, concedendo ao prejudicado a possibilidade imediata de desconstituição da relação, em vez de aguardar pelo desenlace avisado e sofrer prejuízos ainda mais amplos.

Apesar de a parte final do artigo dispor acerca da incidência das perdas e danos em qualquer das duas opções, não podemos olvidar da autonomia entre o pleito resolutório e a demanda indenizatória. A primeira se prende à impossibilidade da prestação para o credor, já as perdas e danos resultam da conduta culposa do devedor (CC. 393 e 396). O inadimplemento não imputável ao devedor – como na hipótese do caso fortuito – afasta a indenização, excluindo da ação de resolução toda discussão acerca de danos emergentes e lucros cessantes, ou mesmo de cláusula penal prefixada pelas partes. Há uma tendência irrefreável de abolição da discussão de culpa na resolução contratual. A sua incidência se localiza nas demandas indenizatórias sucessivas.

Por último, cumpre ampliar o espectro de incidência da resolução contratual diante dos demais anexos oriundos da imposição do princípio da boa-fé (CC. Art. 422). A lesão aos deveres de proteção, cooperação e informação induz à chamada violação positiva do contrato, como modalidade autônoma de inadimplemento obrigacional, uma espécie de tertium genus ao lado da mora e do inadimplemento absoluto. Também conhecida como adimplemento ruim, sua incidência é autônoma à questão do cumprimento da obrigação principal, pois mesmo diante do adimplemento da prestação poderá uma das partes violar a confiança do parceiro, frustrando os interesses gerais da relação. O descumprimento desses deveres oriundos da boa-fé provoca inadimplemento e o consequente acesso do prejudicado ao direito potestativo de resolução contratual.

Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio, capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a parte, a quem incumbe fazer a prestação em primeiro lugar, recusar-se a esta, até que a outra satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 542-543 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a doutrina apresentada por Fiuza, o contratante cumpridor de suas obrigações tem, no dispositivo, duas alternativas para opor-se ao inadimplemento do outro: resolver o contrato ou exigir-lhe o cumprimento contratual, uma vez cabível a execução coativa mediante a tutela específica. Em qualquer dos casos, haverá a indenização por perdas e danos, o que difere da simples conversão da obrigação insatisfeita em indenização tratada pelo art. 633, caput, no CPC/1973, com correspondência no art. 816 do CPC/2015 e condicionada ao descumprimento do preceito (RT. 716/165). Mesmo implementada a obrigação, cumulam-se as perdas e danos, o que constitui inovação saudável. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 254, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo o mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha o inadimplemento deixa ao lesado o direito de requerer a execução forçada do contrato. Somente não terá esse direito se a natureza da obrigação não o permitir, como no caso de uma obrigação de fazer infungível. Se o inadimplemento for grave, i. é, se o inadimplemento levar o credor a perder o interesse pelo negócio, este poderá optar pela resolução do contrato. Em ambas as situações, poderá o credor cumular o pedido com o de indenização por perdas e danos. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 23.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).