quarta-feira, 15 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL – DA PERSECUÇÃO – DO INQUÉRITO – DA INVESTIGAÇÃO PREPARATÓRIA, POLÍCIA, DIVISÃO, POLÍCIA DE SEGURANÇA, POLÍCIA CIVIL, DO INQUÉRITO POLICIAL, FINALIDADE DO INQUÉRITO, INQUÉRITOS EXTRAPOLICIAIS, COMPETÊNCIA, INDISPENSABILIDADE DO INQUÉRITO, NATUREZA DO INQUÉRITO, INCOMUNICABILIDADE - VARGAS DIGITADOR.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo 7 – DA PERSECUÇÃO – DO INQUÉRITO – DA INVESTIGAÇÃO PREPARATÓRIA, POLÍCIA, DIVISÃO, POLÍCIA DE SEGURANÇA, POLÍCIA CIVIL, DO INQUÉRITO POLICIAL, FINALIDADE DO INQUÉRITO, INQUÉRITOS EXTRAPOLICIAIS, COMPETÊNCIA, INDISPENSABILIDADE DO INQUÉRITO, NATUREZA DO INQUÉRITO, INCOMUNICABILIDADE -   VARGAS DIGITADOR.

Da investigação preparatória

Dispões o inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Se não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, infere-se que a lei não pode atribuir o julgamento de uma causa a outras pessoas que não integrem o Poder Judiciário, porquanto, se isso fosse possível, a referida causa estaria sendo excluída da apreciação do Poder Judiciário, cujos órgãos estão previstos, implícita ou explicitamente, na Lei Maior. Podemos então afirmar: somente os Órgãos Jurisdicionais é que podem julgar e compor os litígios: nulla poena sine judice (nenhuma pena poderá ser imposta senão pelo Juiz). É verdade que a própria Constituição atribui o poder de julgar a outro órgão que não o Judiciário. É o caso do Senado Federal, no julgamento dos crimes de responsabilidade cometidos por aquelas pessoas referidas no art. 52 da CF. Mas a Constituição pode excepcionar a si própria...

Por  outro lado, se ninguém pode ser privado da sua liberdade e de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), e esse é o processo segundo estabelece a lei, se aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes (art. 5º, LV, da CF), se ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (art. 5º, LIII, da CF), se ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII, da CF), é sinal de que ninguém pode ser punido sem que haja um processo, observando-se aquele due process of law. Tal princípio implica defesa ampla, regular contraditório, duplo grau de jurisdição, igualdade das partes. Como o Estado Soberano, titular do direito de punir, por razões analisadas anteriormente, autolimitou tal direito, é claro que, quando alguém transgride a norma penal incriminadora, sua punição somente se efetivará por meio do processo. E, para que isso ocorra, é preciso que o Estado-Administração leve a notícia daquele fato ao conhecimento do Estado-Juiz (apontando-lhe o respectivo autor), a fim de que, apreciando-o, declare se procede ou improcede, se é fundada ou infundada a pretensão estatal.

O Estado, para tanto, desenvolve intensa atividade que se denomina persecutio criminis, principalmente por meio da Polícia Judiciária ou Polícia Civil (segundo a terminologia da Constituição da República) e depois pelo Ministério Público, instituições por ele criadas para, preferentemente, exercerem tal função, personificando o interesse da sociedade na repressão às infrações penais. Assim, é o órgão do Ministério Público quem leva ao conhecimento do Juiz, por meio da denúncia, o fato se reveste de aparência delituosa, apontando o seu autor, a fim de que o Juiz possa verificar se deve, ou não, puni-lo, e, de outra banda, é a Polícia Civil quem leva ao conhecimento do Ministério Público a notícia desse fato delituoso, com a indicação do respectivo responsável.

Polícia

O vocábulo polícia, do grego politeia – de polis (cidade) – significou, a princípio, o ordenamento jurídico do Estado, governo da cidade e, até mesmo, a arte de governar. Em Roma, o termo politia adquiriu um sentido todo especial, significando a ação do governo no sentido “de manter a ordem pública, a tranquilidade e paz interna”; posteriormente, passou a indicar “o próprio órgão estatal incumbido de zelar sobre a segurança dos cidadãos”. Esse o seu sentido atual.

Divisão

Quanto ao lugar onde desenvolve sua atividade, a Polícia pode ser terrestre, marítima ou aérea. Quanto à exteriorização, ostensiva ou secreta, conforme desenvolva sua atividade ostensiva ou secretamente. Quanto à organização, pode ser leiga ou de carreira. Finalmente, quanto ao seu objeto, costumam os autores distinguir a Polícia em Administrativa, de Segurança e Judiciária. A primeira é aquela que tem por objeto “as limitações impostas a bens jurídicos individuais”, limitações essas que visam assegurar “completo êxito da administração”. Como exemplo de Polícia Administrativa, podemos citar a Polícia Aduaneira, a Polícia Rodoviária e a Polícia Ferroviária Federal de que tratam os §§ 2º e 3º do art. 144 da Lei Maior.

Polícia de Segurança

Já a Polícia de Segurança tem por objetivo as medidas preventivas, visando à não-alteração da ordem jurídica. Ela age com certo poder discricionário, isto é, com poderes mais ou menos amplos, sem as limitações impostas pela lei. Não se confunda discricionariedade com arbitrariedade; esta encerra o abuso do poder, prepotência, condenados por lei.

Polícia Civil

Mas, enquanto a Polícia de Segurança visa a impedir a turbação da ordem pública, adotando medidas preventivas, de verdadeira profilaxia do crime, a Polícia Civil intervém quando os fatos que a Polícia de Segurança pretendia prevenir não puderam ser evitados... ou, então, aqueles fatos que a Polícia de Segurança nem sequer imaginava pudessem acontecer...

Até então, a Polícia incumbida dessa tarefa era denominada Polícia Judiciária. Esse é o nome que lhe empresta o CPP. Todavia, a Constituição Federal, no art. 144, § 4º, dispõe que: “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”. Logo, para a Constituição, Polícia Civil é a incumbida de elaborar o inquérito, enquanto Polícia Judiciária é a destinada a cumprir as requisições dos Juízes e membros do Ministério Público, como se infere do art. 13 do diploma processual pena. Sem embargo, o uso já consagrou a denominação de Polícia Judiciária não só para a que elabora os inquéritos como à que realiza as requisições de Juízes e Promotores.

A Polícia Civil (ou Judiciária, como é mais conhecida) tem, assim, por finalidade investigar as infrações penais e apurar a respectiva autoria, a fim de que o titular da ação penal disponha de elementos para ingressar em juízo, como bem o diz o art. 4º do CPP.

Do inquérito policial

Inquérito policial é um conjunto de diligências realizadas pela Polícia Civil ou Judiciária (como a denomina o CPP), visando a elucidar as infrações penais e sua autoria.

A Polícia Civil exerce aquela atividade, de índole eminentemente administrativa, de investigar o fato típico e apurar a respectiva autoria. É o conceito que se infere do art. 4º do CPP. Contudo, o art. 144, § 1º, IV, e § 4º, da CF distinguem as funções de apurar as infrações penais e as de Polícia Judiciária. Já que houve tal distinção, é lícito afirmar, nos termos do § 4º do art. 144 da Lei Maior, que às Polícias Civis, dirigidas por Delegados de Polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de investigar as infrações penais e sua respectiva autoria, bem como (e aqui teríamos a Polícia Judiciária) fornecer às Autoridades Judiciárias as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos; realizar as diligências requisitadas pela Autoridade Judiciária ou Ministério Público; cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades competentes; representar ao Juiz no sentido de ser decretada a prisão preventiva ou  temporária; representar ao Juiz no sentido de se proceder ao exame de insanidade mental do indiciado; cumprir cartas precatórias expedidas na área da investigação criminal; colher a vida pregressa do indiciado; proceder à restituição, quando cabível, de coisas apreendidas, realizar as interceptações telefônicas, nos termos da Lei n. 9.296, de 24-71996 etc.

Finalidade do inquérito

Pela leitura de vários dispositivos do CPP, notadamente o 4º e o 12, há de se concluir que o inquérito visa à apuração da existência de infração penal e à respectiva autoria, a fim de que o titular da ação penal disponha de elementos que o autorizem a promovê-la. Apurar a infração penal é colher informações a respeito do fato criminoso. Para tanto, a Polícia Civil desenvolve laboriosa atividade, ouvindo testemunhas, tomando declarações da vítima, procedendo a exames periciais, nomeadamente os de corpo de delito, exames de instrumento do crime, determinando buscas e apreensões, acareações, reconhecimentos, ouvindo o indiciado, colhendo informações sobre todas as circunstâncias que circunvolveram o fato tido como delituoso, buscando tudo, enfim, que possa influir no esclarecimento do fato. Apurar a autoria significa que a Autoridade Policial deve desenvolver a necessária atividade visando a descobrir, conhecer o verdadeiro autor do fato infringente da norma.

Inquéritos extrapoliciais

O inquérito, de regra, é policial, isto é, elaborado pela Polícia Civil. Todavia o parágrafo único do art. 4º do CPP estabelece que “a competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função”. Observa-se, desse modo, que o dispositivo invocado deixa entrever a existência de inquéritos extrapoliciais, isto é, elaborados por autoridade outras que não as policiais, inquéritos esses que têm ou podem ter a mesma finalidade dos inquéritos policiais.

Há entendimento no sentido de que o art. 144, § 4º, da CF não mais permite seja o inquérito, nas infrações penais comuns, presidido por outra autoridade que não a policial. De fato, assim dispõe o citado parágrafo: “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”. A vingar a tese, são inconstitucionais os arts. 43 do Regimento Interno do STF e 58 do Regimento Interno do STJ.

O preceito constitucional, a nossa aviso, quis, apenas e tão-somente, dizer o que compete à Polícia Civil. O que o referido preceito quis, também, foi excluir aqueles delegados que não eram de carreira, muito comum nos Estados do Norte e Nordeste, onde Cabos e Sargentos da PM, até hoje, normalmente, exercem as funções de Polícia Civil. Se por acaso a Constituição dissesse que a competência para apurar as infrações penais comuns e sua autoria passaria a ser privativa da Polícia civil, por óbvio as críticas teriam cabimento.

Aliás, quando da promulgação da Lei Complementar n. 40/81 (antiga Lei Orgânica do Ministério Público), houve muita gente que afirmou que os Delegados e Juízes não mais poderiam dar início ao processo, tal como permitido pelo art. 531 do CPP, pela simples razão de o art. 3º daquele diploma dizer ser “função institucional do Ministério Público a propositura da ação penal pública”... E o Supremo Tribunal Federal pôs as coisas no seu devido lugar com a edição da Súmula 601: “Os arts. 3º, II, e 55 da Lei Complementar n. 40/81 (Lei Orgânica do Ministério Público) não revogaram a legislação anterior que atribui a iniciativa para a ação penal pública, no processo sumário, ao Juiz ou à Autoridade Policial, mediante Portaria ou Auto de Prisão em Flagrante”...

Assim, nos crimes contra a saúde pública, em determinadas infrações ocorridas nas áreas alfandegárias, têm as autoridades administrativas poderes para elaborar inquéritos que possam servir de alicerce à denúncia. É muito comum o próprio INSS investigar infrações que lhe digam respeito, p. ex., falta de repasse pelas empresas das contribuições descontadas dos empregados e que deveriam ser recolhidas àquela autarquia. Feita a investigação, é ela remetida ao Ministério Público Federal. Se este entender serem necessários outros esclarecimentos, requisita-os à Polícia Feral. Nas Prefeituras Municipais são corriqueiras essas investigações que servem de base à denúncia. Não importa o nome que se lhes dê, “investigação”, “sindicância”, “inquérito administrativo”...

Temos também os inquéritos policiais militares, conhecidos pela sigla IPM. Tais inquéritos nada mais são do que investigações levadas a cabo pelas autoridades militares para apurar a existência de crime da alçada da Justiça Militar e suas respectivas autorias.

Tratando-se de infração cometida por um membro do Ministério Público, as investigações tramitam sob a presidência do Procurador-Geral ou outro Procurador por ele designado (art. 40, parágrafo único, da Lei n. 8.625, de 12-2-1993). Tratando-se de Magistrado, compete à Presidência do Tribunal a que estiver vinculado designar um dos seus membros para a investigação (art. 33 da Lei Complementar n. 35/79 – Lei Orgânica da Magistratura Nacional). Veja-se ainda, e a propósito, a Súmula 397 do STF.

A Lei n. 1579, de 18-3-1952, dispõe sobre as Comissões Parlamentares de Inquérito, que, como o nome está a indicar, procedem a investigações de maior vulto, e, caso a Comissão constate a existência de crime da alçada da Justiça Comum, pode o órgão do Ministério Público, com base naqueles inquéritos parlamentares, praticar o ato instaurador da instância penal, isto é, oferecer denúncia. Cabe esclarecer que a Lei n. 10.001, de 4-9-2000, dispõe sobre a prioridade nos procedimentos a serem adotados pelo MP e por outros órgãos a respeito das conclusões das comissões parlamentares de inquérito.

Temos ainda o inquérito civil criado pela Lei n. 7.347, de 24-7-1985. Tal inquérito, presidido pelo órgão do Ministério Público, tem por objetivo colher elementos para a propositura da ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Competência

A expressão “competência”, aqui, é empregada no sentido de poder atribuído a um funcionário de tomar conhecimento de determinado assunto. A quem cabe a presidência do inquérito? Normalmente, à Autoridade Policial. Em alguns casos, não. Vejam-se, a propósito: a) o art. 41, parágrafo único, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n. 8.625, de 12-2-1993); b) o art. 43 e respectivo parágrafo do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal; c) a Súmula 397 do Supremo Tribunal Federal; d) o art. 33 da Lei Complementar n. 35, de 14-3-1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional); e e) o art. 58 do Regimento Interno do STJ.

Salvante esses casos, excluída a ressalva feita pelo parágrafo único do art. 4º do CPP, e deixando de lado os inquéritos extrapoliciais (militar, parlamentar), a competência para a realização de inquéritos policiais é distribuída a autoridades próprias, de acordo com as normas de organização policial dos Estados. Todos os Estados são divididos em municípios e em cada um deles o Estado mantém um número variável de Delegados para aí exercerem suas funções. Nas grandes cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro e outras, o município, em face da sua vastidão, é dividido em áreas denominadas distritos e em cada um deles atua certo número de autoridades policiais. Tratando-se de infração da alçada federal (art. 109 da CF), a competência é dos Delegados Federais, que exercem suas atividades dentro de áreas maiores, denominadas seções ou subseções, abrangentes de vários municípios.

O inquérito é indispensável?

O inquérito policial é peça meramente informativa. Nele se apuram a infração penal com todas as suas circunstâncias e a respectiva autoria. Tais informações têm por finalidade permitir que o titular da ação penal, seja o Ministério Público, seja o ofendido, possa exercer o jus persequendi in judicio, isto é, possa iniciar a ação penal.

Se essa é a finalidade do inquérito, desde que o titular da ação penal (Ministério Público ou ofendido) tenha em mãos as informações necessárias, isto é, os elementos imprescindíveis ao oferecimento de denúncia ou queixa, é evidente que o inquérito será perfeitamente  dispensável. Vejam-se, a propósito, os art. 12, 39, § 5º, e § 1º do art. 46, todos do CPP.

E não é só: o art. 27 do CPP dispões que qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.

Contudo, normalmente, essas informações chegam às mãos do titular da ação penal por meio do inquérito policial. Pode-se então afirmar: ele é necessário, mas, como vimos, não absolutamente indispensável.

Natureza do inquérito

O inquérito policial tem natureza administrativa. São seus caracteres: ser escrito (art. 9º do CPP), sigiloso (art. 20 do CPP) e inquisitivo, já que nele não há o contraditório. É verdade que o inc. LV do art. 5º da CF dispões que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os recursos a ela inerentes”. Nem por isso se pode dizer seja o inquérito contraditório. Primeiro, porque no inquérito não há acusado; segundo, porque não PE processo. A expressão processo administrativo tem outro sentido, mesmo porque no inquérito não há litigante, e a Magna Carta fala dos “litigantes em processo judicial ou administrativo...”. O inquérito é medida preparatória para o exercício da ação penal e, por sinal, dispensável, dês que o titular da ação penal disponha de elementos que o autorizem a ingressar em juízo. A garantia está destinada aos “processos administrativos” e inclusive às sindicâncias (com o objetivo de impor sanções) que tramitam pelos diversos órgãos da Administração Pública, como Prefeitura, INSS, DNER, Secretarias de Estado, Ministérios, Autarquias Federais, Empresas Públicas, Receita Federal etc. Ora, se o inquérito não tem finalidade punitiva, por óbvio não admite o contraditório. Certo que o mesmo texto da Lei Magna ainda se refere aos “acusados em geral”, assegurando-lhes “o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Há respeitável entendimento de que a expressão “acusados em geral” abarcaria também a figuras do “indiciado”, do “investigado”, do “suspeito”. Cremos, data venia, que não se lhe pode emprestar um sentido maior. De fato. O contraditório implica uma série de poderes que não se encontram, nem podem ser encontrados, no inquérito policial: formular reperguntas às testemunhas, arguir a suspeição da Autoridade Policial, ter o direito de requerer diligências que lhe interessem, não podendo sua realização ser mera faculdade da Autoridade Policial, recorrer dos atos da Autoridade Policial... Ademais, o princípio do contraditório, dogma constitucional, traduz o direito que têm as partes acusadora e acusada de se manifestarem sobre as alegações, atos e manifestações de qualquer delas. Se no inquérito não há acusação, mas a investigação, não se pode admitir contraditório naquela fase preambular da ação penal. Se por acaso o indiciado sofrer constrangimento ilegal na sua liberdade de locomoção, como prisão ilegal, inquérito sem fundamento, p. ex., fará jus ao remédio constitucional do habeas corpus. Ele (nem ninguém) não pode ser submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante. Se for preso em flagrante, ser-lhe-á assegurada a assistência de advogado. Obviamente, se ele quiser. O simples fato de a Autoridade Policial não ser obrigada a nomear um Advogado àquele que for preso em flagrante deixa bem claro não ser o inquérito contraditório, muito embora tenha ele acesso aos remédios jurídicos que façam respeitados os direitos que a Magna Carta lhe confere. Tem direito à liberdade provisória, nos casos previstos em lei, direito à fiança, quando permitida... Assim, se indiciado não é acusado, parece lógico que a expressão “e aos acusados em geral” não pode abranger quem não é acusado. Em face disso, é de entender que a expressão serve para abranger todo e qualquer acusado. Em face disso, é de entender que a expressão serve para abranger todo e qualquer acusado: no processo comum, no processo penal militar, na Lei de Imprensa, na Lei de Falências etc., bem como aqueles que são submetidos a sindicância ou a procedimento administrativo com caráter punitivo.

Embora o inquérito seja um procedimento administrativo, não tem caráter punitivo. Assim, a expressão “acusados em geral” não se estende aos “indiciados”.

Cumpre observar que o inquérito instaurado no Ministério da Justiça com vistas à expulsão de estrangeiro, como se infere dos §§ 4º e 7º do art. 103 da Lei n. 6.815/80, é contraditório. De posse dos dados fornecidos pelo Ministério Público (art. 101 do referido diploma), o Ministro da Justiça determinará a instauração de inquérito para a expulsão do estrangeiro. Notificado e comparecendo, será qualificado e interrogado, em seguida ser-lhe-á aberta vista dos autos para indicar defensor bem como as provas que desejar produzir... Mas, nesse caso, o inquérito tem caráter punitivo...

Incomunicabilidade

Incomunicabilidade é qualidade de incomunicável. Quando se diz que o indiciado está incomunicável, quer dizer-se: indiciado que não pode comunicar-se com quer que seja, salvo, é evidente, com as próprias autoridades incumbidas das investigações. É o que diz o parágrafo único do art. 21 do CPP.

Por outro lado, o art. 21, caput, estabelece:

“A incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e somente será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir”.

A incomunicabilidade, evidentemente, era medida severa e, por isso mesmo, só poderia ocorrer quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação estivesse a exigi-la.

A atual Constituição, entretanto, no Capítulo destinado ao Estado de Defesa e ao Estado de Sítio, proclama, no art. 136, § 3º, IV:

                    “É vedada a incomunicabilidade do preso”.


Ora, se durante o estado de defesa, quando o Governo deve tomar medidas enérgicas para preservar a ordem pública ou a paz social, ameaçadas pr grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza, podendo determinar medidas coercitivas, destacando-se restrições aos direitos de reunião, ainda que exercida no seio das associações, o sigilo da correspondência e o sigilo de comunicação telegráfica e telefônica, havendo até prisão sem determinação judicial, tal como disciplinado no art. 136 da CF, não se pode decretar a incomunicabilidade do preso (CF, art. 136, § 3º, IV), com muito mais razão não há de se falar em incomunicabilidade na fase do inquérito policial. Desse entendimento comunga Mirabete (Processo penal, 2 ed., Atlas, p. 92).