domingo, 29 de março de 2015

DIREITO ECONÔMICO: DIREITO ANTITRUSTE – CAPÍTULO 11 - OBRA DE EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO E APLICADA PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC - BJI – 1º SEMESTRE / 2015 - VARGAS DIGITADOR

DIREITO ECONÔMICO: DIREITO ANTITRUSTE – OBRA DE EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO E APLICADA PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC - BJI – 1º SEMESTRE / 2015 - VARGAS DIGITADOR

CAPÍTULO 11

No Direito Constitucional brasileiro o art. 170 da Constituição Federal estabelece  como princípios a livre concorrência, a propriedade privada, observada sua função social, a proteção do consumidor e do meio ambiente, ao lado da repressão ao abuso do poder econômico praticado com o objetivo de dominação do mercado, a eliminação da concorrência ou do aumento arbitrário dos lucros, conforme o texto do art. 173, § 4º da CRFB/88.


Disciplinando o tema do Direito Antitruste (LAT) visando à proteção da própria estruturação do mercado e ao seu livre funcionamento, resguardando-o de práticas lesivas aos consumidores, trabalhadores e empresários, o que resulta claro do art. 1º da LAT, onde ficou consignado que a lei “dispõe sobre a repressão a infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico, ressaltando o parágrafo único que a estrutura de mercado, por (art. 219 da CRFB/88) se constituir em direito difuso (transindividual e indisponível) de toda a coletividade, sendo esta a titular do bem jurídico tutelado pela lei antitruste (LAT).”


Importante ressaltar, desde já, que será da conjugação dos arts. 20 e 21 da LAT que exsurgirá a tipificação legal das práticas agressivas à ordem econômica, à concorrência e ao livre mercado, submetendo-as às punições previstas nos arts. 23 e 24 do mesmo diploma.


No que se refere à territorialidade prevista no art. 2º da LAT, optou a legislação antitruste pelo critério da territorialidade objetiva, em vigor também no Direito comunitário, onde o âmbito de validade da lei relaciona-se com o mercado em que se projetaram os efeitos da prática empresarial lesiva à Constituição Econômica.


Se a ação ou o resultado tiver se verificado mesmo em parte, no Brasil, aplica-se a LAT, de forma que se o ilícito afeta o mercado brasileiro, incidirá o comando pertinente e eventuais sanções.


Constituído em forma de autarquia, o CADE, segundo o art. 3º da LAT, constitui-se em pessoa jurídica de direito público, com patrimônio e receita próprios, voltado para a execução de atividades típicas de administração pública que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.


Embora no REsp 590960, da relatoria do Min. Fux, o Superior Tribunal de Justiça tenha decidido que por serem complexas e técnicas as decisões do CADE são similares às decisões judiciais, discordamos destas afirmação, posto que o texto legal evidencia uma impropriedade, tendo em vista que nosso ordenamento constitucional adotou o sistema de jurisdição única insusceptíveis de revisão com a estabilização criada pela coisa julgada, disso decorrendo que as decisões da autarquia produzem sim, preclusão administrativa, mas não coisa julgada.


Tal conclusão não se altera quando a confrontamos com o art. 50 da LAT que afirma que as decisões do CADE não podem ser revistas ou avocadas administrativamente, bem como do comando do art. 60 que dá as suas decisões força de título executivo extrajudicial, ou ainda, com a letra do art. 65, que impede que ações contra suas decisões suspendam a execução do referido título.


Dentre as competências do CADE previstas no art. 7º da LAT, ressalta em importância a do inciso II, onde incumbe à autarquia decidir sobre a existência de infração contra a ordem econômica, prevista nos arts. 20 e 21, devendo atuar de forma vinculada; não pode o CADE abster-se de verificar a ocorrência do ilícito, o mesmo não ocorrendo no que tange à aplicação das penalidades, onde será possível a atuação discricionária, em razão dos critérios de individualização da pena previstos no art. 27 e no § 1º do art. 54, segundo os quais é facultado ao CADE a aprovação de certos atos de concentração que possam limitar ou prejudicar a livre concorrência, bem como resultar na dominação de mercado relevante de bens e serviços, desde que preencham os requisitos dos incisos I a IV, a saber: aumento da produtividade, melhora da qualidade de bens ou serviços e propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico.


Logo, conclui-se que a verificação e análise da ocorrência de inflação contra a ordem econômica são de natureza vinculada, ao passo que a aplicação das penalidades previstas em lei tem cunho discricionário.


Das infrações à ordem econômica tratadas nos arts. 15 a 19, ressalta, em primeiro plano, a figura do sujeito ativo como sendo o empresário, hoje tipificado no novo Código Civil, como sendo “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens e serviços” (art. 966), sendo certo que o seu espectro de incidência é amplo, abrangendo, por exemplo, empresários individuais, consórcios, microempresas, inclusive pessoas jurídicas de direito público interno que, no exercício de atividades econômicas em sentido estrito (art. 173 da CRFB/88), venham a adotar atitude que colida com a LAT.


A solidariedade dos dirigentes, administradores e sociedades filiadas a grupos, prevista nos arts. 16 e 17 da LAT, implica na responsabilização, não só da empresa, mas também de seus dirigentes e administradores, criando uma dupla sujeição passiva, afora, evidentemente, atividades exercidas por empresário individual. Há uma pluralidade de relações subjetivas e uma unidade objetiva da prestação, vez que cada dirigente ou administrador é obrigado por toda a obrigação e submetido pela responsabilidade. Note-se que no caso das filiadas a regra do direito societário não é a solidariedade, o que para efeito de tutela das estruturas do livre mercado a lei antitruste é lei especial em relação, por exemplo, à Lei das S.A. (arts. 165 a 277).


No art. 18 adotou-se teoria da desconsideração da personalidade jurídica, já prevista no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, bem como no art. 50 do novo Código Civil, segundo a qual supera-se a autonomia patrimonial existente entre a pessoa jurídica e o sócio ou administrador, quando estes violarem dita autonomia para a realização de fraudes ou abusos de direito, ficando o responsável pelo mau uso da personalidade jurídica da entidade diretamente responsável pela obrigação.


A pessoa jurídica não deixa de existir, os seus atos praticados regularmente continuam eficazes e válidos, apenas ocorrerá uma ineficácia temporária dos seus atos constitutivos. No caso da lei antitruste a teoria da desconsideração poderá ser aplicada tanto na fase de averiguação da existência de infração contra a ordem econômica, quanto por ocasião da aplicação de penalidades.


A repressão das infrações à ordem econômica, não exclui a punição do empresário por ilícitos penais e civil, derivados do mesmo fato gerador previsto na lei antitruste (art. 19), i.e, a sua eventual absolvição criminal não implicará, por exemplo, no pleito civil do lesado, salvo, evidentemente, se restar configurada a inexistência do fato ou autoria. Note-se que o art. 935 do novo Código Civil dispõe que “a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.”


Quer a lei antitruste, para a caracterização de quaisquer condutas infracionais do art. 21, a indispensável conjugação com o art. 20 e, para tanto, deve ser feita breve análise dos conceitos de livre iniciativa, livre concorrência, mercado relevante e posição dominante.


A livre iniciativa, prevista no art. 170 caput da Constituição Federal como princípio da ordem econômica, implica na possibilidade, ampla em nosso ordenamento, do exercício de qualquer atividade econômica lícita (art. 966 do CCB/02) ou que seja permitida por lei ou autorizada por autoridade competente.


A livre concorrência, prevista no art. 170, IV, da Constituição Federal é desdobramento do princípio da livre iniciativa, complementando-o com sua ponderação e, para tanto, o legislador constituinte no § 4º do art. 174 dispôs que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. A Constituição não condena o exercício do poder econômico; apenas seu abuso suscita a intervenção estatal, coibindo excessos tais como os cartéis e monopólios de rato que venham a turbar o livre funcionamento das estruturas de mercado.


Identifica-se um mercado relevante (art. 20, II, da Lei nº. 8.884/94) levando-se em conta sua configuração ligada a aspectos geográficos, às peculiaridades dos bens e serviços e da análise de inúmeras variantes, buscadas caso a caso. Para que se revele o mercado relevante é necessário identificar o espaço geográfico em que se desenvolvem as relações de concorrência em que atua o agente econômico, bem como as especificidades do bem ou serviço em si, hábitos do seu consumidor, qualidade/necessidade do bem ou serviço, custos, barreiras econômicas que dificultem ou impeçam a produção ou prestação por outros agentes, incentivos creditícios ou fiscais concedidos e a fungibilidade do bem ou serviço, que se traduz na possibilidade de troca do consumo por outro tipo ou qualidade (elasticidade).


Para melhor compreensão da ideia de mercado relevante e seus contornos, muito elucidativo é o exemplo das escovas e pastas de dente.


Pode-se analisar, no Brasil, os mercados destes produtos na região Nordeste ou Sudeste (maior renda x menor renda); verificar a possibilidade de substituição dos bens por outros similares (pasta de dente e escovas não possuem substitutos no mercado); analisar os hábitos do consumidor (Nordeste/preço x Sudeste/qualidade) e, por fim, é possível verificar a existência de barreiras de entrada no mercado, i.e, a dificuldade de produção em pequena escala destes produtos.


Verifica-se que a conquista de mercado decorrente de processo natural fundado na maior eficiência do agente econômico em relação aos seus concorrentes afasta a ilicitude da conduta tipificada no inciso II do art. 20 da Lei n. 8.884/94, nos termos do § 1º do art. 10. Nesse caso, o poder no mercado é incapaz de tipificar a dominação ilícita, em razão dos resultados obtidos pela concorrência natural da maior eficiência por parte do agente econômico.


Note-se que eficiência não se confunde com eficácia. Eficiência significa a aptidão para obter o máximo ou melhor resultado ou rendimento com a menor perda ou o menor dispêndio de esforços e liga-se à noção de rendimento, produtividade e adequação à função, ao passo que a eficácia é aptidão para produzir efeitos.


Identifica-se a posição dominante (art. 20, § 2º, LAT) quando do controle de “parcela substancial do mercado relevante” confere ao seu detentor quantidade de poder econômico tal que passa a exercer influência determinante sobre a concorrência, principalmente no que se refere à formação de preços, seja pelo volume da oferta, seja pela procura, proporcionando elevado grau de independência em face dos demais agentes econômicos de um mercado relevante. A posição dominante só é punida quando haja prejuízo à livre concorrência – o percentual de 20% indica mera presunção relativa, admitindo prova em contrário (de não ter sido violada a livre concorrência e colocado o mercado em risco).


Nem toda restrição à livre concorrência significa domínio de mercado ou abuso de posição dominante. Sem que haja restrição à livre concorrência, as noções isoladas de mercado relevante e posição dominante não são determinantes para o direito antitruste. Dominação de mercados ou abuso de posição dominante se entrosam, na medida em que somente estão configurados enquanto afetarem a livre concorrência.


Dessa forma, para a configuração das infrações previstas nos arts. 20 e 21 da LAT (CRFB/88, art. 173, § 4º), torna-se indispensável a conjugação dos dois dispositivos. A conduta empresarial (art. 21) somente é infratora se o seu efeito, efetivo ou potencial, no mercado estiver configurado no art. 20. Apenas se a conduta produzir efeitos para além das relações econômicas do exclusivo interesse dos agentes diretamente envolvidos é que a própria estrutura do mercado estará em risco.


A responsabilidade administrativa, assim, decorre de avaliação objetiva dos efeitos da conduta empresarial, não interessando se o empresário pretendeu ou não os resultados, agindo culposamente com imprudência, negligência ou imperícia.


Das penas previstas nos arts. 23 a 27 da LAT, importa destacar que as mesmas podem deixar de ser aplicadas se a conduta eventualmente tida como infracional não redundar em malefício à política econômica traçada pelo Poder Executivo, no que se refere à promoção do desenvolvimento regional, à empregabilidade, à robustez da política fiscal etc.


Nesse sentido, a aplicação das penalidades por parte do CADE submete-se ao critério da discricionariedade, embora vinculado à aferição da ocorrência da infração contra a ordem econômica.


O art. 28 da LAT, que tratava da prescrição das infrações contra a ordem econômica, foi revogado pela Lei n. 9.873/99, dispondo em seu art. 1º que “prescreve em cinco anos a ação punitiva da administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado”. Dispôs ainda o  § 1º que “incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada”.


Nos termos do § 2º do art. 1º da referida Lei n. 9.873/99, interrompe-se a prescrição pela citação por qualquer ato inequívoco que importe apuração do fato, e nos termos do § 3º suspende-se a prescrição durante a vigência dos compromissos de cessação ou de desempenho, previstos nos arts. 53 e 58 da LAT.


A definitividade administrativa das decisões do CADE está previsto no art. 50 da LAT, o que significa que suas decisões não podem ser revistas ou avocadas tanto por Ministro de Estado quanto pelo Presidente da República, devendo qualquer tipo de irresignação ser direcionado ao Poder Judiciário.


Importante instrumento da lei antitruste é o compromisso de cessação de prática sob investigação, cuja anuência por parte do empresário investigado não importa confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento da ilicitude da conduta analisada, a teor do art. 53 da LAT. A composição com o empresário realça a atuação preventiva do Estado e visa adequar o comportamento do agente econômico aos padrões concorrenciais previstos na Constituição federal e na norma antitruste.


De arremate, é preciso destacar que o compromisso de cessação constitui título executivo extrajudicial, nos termos do § 4º do art. 53 da LAT, e não se aplica às hipóteses dos incisos I, II e VIII do art. 21 do mesmo diploma.


É preciso relembrar, nesse passo, que nosso ordenamento constitucional adotou como princípio da ordem econômica a livre iniciativa e a livre concorrência (art. 170, caput, e inciso IV), com perfil capitalista e liberal, onde há a apropriação privada dos meios de produção, isto é, as indústrias e os equipamentos que geram a riqueza nacional não são propriedade exclusiva do Estado.


Assim, retomando alguns conceitos do Capítulo I, é necessário ressaltar a noção de concorrência perfeita como modelo abstrato (inexistente na realidade), onde teríamos um mercado, na vertente dos produtores:


          - incapaz de, por si só, baixar os preços por não poder fornecer uma maior quantidade que os concorrentes;

          - onde todos os compradores e vendedores dispusessem do completo conhecimento dos preços do mercado local e de outras praças;

          - a impossibilidade de o vendedor crescer a ponto de dominar o mercado;

          - a inexistência de barreiras de entrada no mercado, permitindo a livre movimentação dos fatores da produção (terra, trabalho e capital) e dos empresários.


No viés da demanda, o modelo de concorrência perfeita traduz a existência de muitos compradores, incapazes de, com o volume de suas aquisições, forçar a queda do preço dos produtos, a informação completa sobre preços, locais de venda e ausência de problemas com transporte e homogeneidade do produto (indiferença em comprar de um ou de outro vendedor).


Instituto de grande importância no direito concorrencial é a figura do Truste, que se identifica na organização ou estrutura econômico-financeira empresarial na qual várias empresas, já detentoras da maior parte do mercado, fundem-se ou combinam-se para assegurar esse controle, estabelecendo preços elevados, controlando a produção e venda de certos produtos e buscando a monopolização do mercado. Pode-se formar através de fusão ou incorporação de uma empresa em outra, holdings ou qualquer agrupamento societário que possa limitar ou prejudicar, de qualquer forma, a livre concorrência e submetido a uma direção única.


O oligopólio, por outro lado, é um tipo de estrutura em que poucas pessoas detêm o controle da maior parcela do mercado (carros, cigarros, lâmpadas, cartões de créditos etc.).


Veja-se, ainda, a nefasta figura do Cartel, que se caracteriza por meio de grupos de empresas independentes que formalizam um acordo para atuação coordenada, com vista a interesses comuns. Seus objetivos mais comuns são: controle do nível de produção e das condições de venda; fixação do controle de preços, controle das fontes de matéria-prima; fixação de margens de lucros e divisão de territórios de operação; divisão de mercados. Assim: preço único, estratégias comuns, vantagens ao monopólio, organização informal ou clandestina, acordo secreto de “cavalheiros” e delimitação de mercados (deve ser destacada a distinção entre cartel interno {entre agentes situados dentro do país} e externo {entre agentes fora do país)}.


O monopólio, mais uma patologia concorrencial, se traduz na forma de organização de mercado em que poucas empresas, em regra de grande porte, são fornecedoras de determinada matéria-prima, produto ou serviço, ao passo que o monopsônio significa a estrutura de mercado em que existe um comprador de uma mercadoria, em geral matéria-prima ou produto, onde os preços não são determinados pelos vendedores, mas pelo único comprador.


Dadas essas concisas explicações preliminares, já explanadas no Capítulo I, passa-se à breve análise das formas de controle de atos restritivos ou prejudiciais à concorrência, do art. 54 da LAT, que dispõe que os atos, sob qualquer forma manifestados  que possam limitar, ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE.


O CADE poderá autorizar os referidos atos desde que tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente, aumentar a produtividade, melhorar a qualidade de bens ou serviços, ou, ainda, propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico (inciso I do art. 54 da Lei n. 8.884/94).


Do mesmo modo, podem ser autorizados os atos em que os benefícios decorrentes sejam distribuídos equitativamente entre seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais de outro (inciso II), os que não impliquem eliminação de concorrência da parte substancial de mercado relevante de bens e serviços (inciso III), e nos quais sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os objetivos visados (inciso IV).


Poderão ser, ainda, considerados legítimos os atos acima indicados quando necessários por motivos preponderantes da economia nacional, do bem comum, e não impliquem em prejuízo ao consumidor ou usuário final, desde que atenda a, pelo menos, 3 (três) das condições previstas nos incisos I a IV do § 1º do art. 54.


Logo, os ajustes, acordos ou convenções entre empresas de qualquer natureza que produzam efeitos concorrenciais têm validade desde sua celebração, ficando sua eficácia sob condição resolutiva tácita, visto que o controle pelo CADE é a posteriori.


Ocorrem aqui as denominadas regras da razão, as isenções e as autorizações que se constituem em técnicas destinadas a viabilizar a realização de uma determinada prática, ainda que restritiva da concorrência, afastando-se as barreiras legais a sua concretização.


Na regra da razão, somente são consideradas ilegais as práticas que restrinjam a concorrência de forma não razoável ao livre comércio (EUA).


No modelo europeu de isenções, a restrição pode não ser aplicada a determinada atividade caso acarrete a melhoria da produção ou distribuição de bens ou ainda o progresso técnico ou econômico, caracterizando um controle a posteriori.


Por fim, nas autorizações, também de controle posterior, as práticas produzem efeitos plenos até serem formalmente proibidas, conforme o º 4º do art. 54 da LAT.


Estão incluídos no comando do art. 54 da Lei n. 8.884/94 os atos que, de qualquer forma, resultem em participação de empresa ou grupo de empresas resultante em 20% (vinte por cento) de um mercado relevante, seja através de fusão ou incorporação de empresas, constituição de sociedade para exercer controle de empresas de qualquer forma de agrupamento societário, a teor do seu § 3º.


Os atos de que trata o art. 54 deverão ser apresentados para exame, previamente ou no prazo máximo de 15 (quinze) dias úteis de sua realização (§ 4º), sob pena de ineficácia retroativa a esta data (§ 7º), sendo certo que, se não apreciados no prazo de 60 (sessenta) dias, previsto no § 6º, serão automaticamente aprovados (§ 7º, parte final).


A rejeição por parte do CADE (§ 8º) poderá gerar a determinação, por parte da autarquia, de sua desconstituição, total ou parcial, através de distrato, cisão de sociedade, venda de ativos, cessação parcial de atividades ou qualquer ato ou providência que elimine os efeitos nocivos à ordem econômica, independentemente da responsabilidade civil por perdas e danos eventualmente causados a terceiros.



A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deve comunicar ao CADE as mudanças de controle acionário de companhias abertas e os registros de fusão para análise (§ 10 do art. 54).

sábado, 28 de março de 2015

DIREITO ECONÔMICO: MERCOSUL – OBRA DE EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO E APLICADA PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC - BJI – 1º SEMESTRE / 2015 - VARGAS DIGITADOR

DIREITO ECONÔMICO: MERCOSUL – OBRA DE EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO E APLICADA PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC - BJI – 1º SEMESTRE / 2015 - VARGAS DIGITADOR

CAPÍTULO 10

O fundamento constitucional do Mercosul é o parágrafo único do art. 4º da Constituição Federal, segundo o qual “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.

Instrumentalizado pelo Tratado de Assunção (1991), 0 Mercado Comum do Sul foi instituído entre a Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai visando basicamente:

·       A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente;

·       O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais;


·       A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados-Partes - de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de outras que se acordem -, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados-Partes, e

·       O compromisso dos Estados-Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.

Em 1994 firmou-se o Protocolo de Ouro Preto em aditamento do Tratado de Assunção, desenhando a estrutura da Pessoa Jurídica de Direito Público Externo, sendo que, em razão do perfil conciso da presente obra indicaremos aqui, como órgãos mais importantes do Mercosul, o Conselho do Mercado Comum e o Grupo Mercado Comum.

O Conselho do Mercado Comum (CMC) é o órgão superior do Mercosul (art. 3º do Protocolo de Ouro Preto) ao qual incumbe a condução política do processo de integração e a tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo tratado e para lograr a constituição final do mercado comum.

Suas funções, segundo o art. 8º, são:

                    I – velar pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e dos acordos firmados em seu âmbito;

                    II – formular políticas e promover as ações necessárias à conformação do mercado comum;

                    III – exercer a titularidade da personalidade jurídica do Mercosul;

                    IV – negociar e firmar acordos em nome do Mercosul com terceiros países, grupos de países e organizações internacionais. Estas funções podem ser delegadas ao Grupo Mercado Comum por mandato expresso, nas condições estipuladas no inciso VII do art. 14;

                    V – manifestar-se sobre as propostas que lhe sejam elevadas pelo Grupo Mercado Comum;

                    VI – criar reuniões de ministros e pronunciar-se sobre os acordos que lhe sejam remetidos pelas mesmas;                                                                                                                                                                                                                                                                                
                    VII – criar órgãos que estime pertinentes, assim como modificá-los ou extingui-los;

             VIII – esclarecer quando estime necessário, o conteúdo e o alcance de suas decisões;

                    IX – designar o Diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul;

                    X – adotar decisões em matéria financeira e orçamentária;

                    XI – homologar o Regimento Interno do Grupo Mercado Comum.

Em seguida, temos o Grupo Mercado Comum, órgão executivo do Mercosul (art. 8º, protocolo) que tem, segundo o art. 14, como atribuições principais:

                    I – velar, nos limites de suas competências, pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e dos Acordos firmados em âmbito;

                    II – propor projetos de decisão ao Conselho do Mercado Comum;

                    III – tomar as medidas necessárias ao cumprimento das decisões adotadas pelo Conselho do Mercado Comum;

                    IV – fixar programas de trabalho que assegurem avanços para o estabelecimento do mercado comum;
                    V – criar, modificar ou extinguir órgãos tais como subgrupos de trabalho e reuniões especializadas, para o cumprimento de seus objetivos;

                    VI – manifestar-se sobre as propostas ou recomendações que lhe forem submetidas pelos demais órgãos do Mercosul no âmbito de suas competências;

                    VII – negociar com a participação de representantes de todos os Estados-Partes, por delegação expressa do Conselho do Mercado Comum e dentro dos limites estabelecidos em mandatos específicos concedidos para este fim, acordos em nome do Mercosul com terceiros países, grupos de países e organismos internacionais. O Grupo Mercado Comum, poderá delegar os referidos poderes à Comissão de Comércio do Mercosul;

                    VIII – aprovar o orçamento e a prestação de contas anual apresentados pela Secretaria Administrativa do Mercosul;

                    IX – adotar resoluções em matéria financeira e orçamentária, com base nas orientações emanadas do Conselho do Mercado Comum;

                    X – submeter ao Conselho do Mercado Comum seu Regimento Interno;

                    XI – organizar as reuniões do Conselho do Mercado Comum e preparar os relatórios e estudos que este lhe solicitar;

                    XII – eleger o Diretor de Secretaria Administrativa do Mercosul;

                    XIII – supervisionar as atividades da Secretaria Administrativa do Mercosul;

                    XIV – homologar os Regimentos Internos da Comissão de Comércio e do Foro Consultivo Econômico-Social;

É necessário visualizar, no âmbito da globalização, a institucionalização de uma sociedade internacional, por meio do enquadramento dos sujeitos internacionais a determinadas políticas econômicas preordenadas à eliminação de conflitos, busca da paz, redução das desigualdades regionais e promoção da solidariedade.

O esfacelamento dos limites territoriais e a livre circulação de capitais permitiram o estreitamento do comércio exterior, favorecendo o surgimento de blocos econômicos de molde a enfrentar a competição no mercado global e, no caso do Mercosul, a tentativa de formação de uma força comercial formada pr países do cone sul.

No correr do século XX, principalmente no pós-guerra, várias medidas foram sendo adotadas visando à cooperação entre diversos Estados nacionais, por meio da redução de obstáculos ao mercado internacional, com destaque para o denominado GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) de 1948, com a finalidade de expansão do comércio exterior, redução de direitos alfandegários, barreiras não tarifárias e a aplicação da denominada cláusula da nação mais favorecida que estabelece que um benefício outorgado por um Estado a uma das partes contratantes é automaticamente estendido às demais. Atualmente as relações comerciais multilaterais são coordenadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC-1994).

A integração entre países pode se dar em vários níveis de interação, sendo os mais importantes a Zona de Livre Comércio, a União Aduaneira, o Mercado Comum e por fim a União Econômica.

Na Zona de Livre Comércio teremos a eliminação ou redução de tarifas aduaneiras e restrições ao intercâmbio, mesmo que nem todos os produtos atinjam, de imediato, o objetivo de implementar a alíquota zero entre os membros do bloco.

Seguindo na escala de integração teremos a União Aduaneira que redunda na fixação de uma tarifa externa comum (TEC), presumindo o livre comércio já em andamento e a livre circulação dos fatores da produção.

O Mercado comum, estágio seguinte de integração, revela uma União Aduaneira ainda mais livre de circulação de bens, serviços, pessoas e capitais, além de regras comuns de concorrência.

Por fim, teremos a União Econômica, que pressupõe o mercado comum, com sistema monetário único, política externa de defesa e fiscal comuns com a constituição de uma autoridade supranacional.

No que se refere à solução de controvérsias entre os Estados-Partes, o Anexo III do Tratado de Assunção dispõe que:

“As Controvérsias que possam surgir entre os Estados-Partes como consequência da aplicação do Tratado serão resolvidas mediante negociações diretas. No caso de não lograrem uma solução, os Estados-Partes submeterão a controvérsia à consideração do Grupo Mercado Comum que, após avaliar a situação, formulará no lapso de 60 (sessenta) dias as recomendações pertinentes às Partes para a solução do diferendo. Para tal fim, o Grupo Mercado Comum poderá estabelecer ou convocar painéis de especialistas ou grupos de peritos com o objetivo de contar com assessoramento técnico. Se no âmbito do Grupo Mercado Comum tampouco for alcançada uma solução, a controvérsia será elevada ao Conselho do Mercado Comum para que este adote as recomendações pertinentes.”


Como se vê, o Mercosul ainda é um projeto a ser realizado, principalmente em razão de nosso processo constitucional de internacionalização (o original traz o termo internalização – modificado por nossa conta e risco para internacionalização, por encontrarmos maior coerência com a ratificação dos tratados entre Estados – grifo de Vargas Digitador) de tratados que demanda longo itinerário que passa pelo Poder Executivo (arts. 84, incisos VII e VIII, da CRFB/88) e para o Poder Legislativo (art. 49, inciso I, da CRFB/88) para sua ratificação, tornando a realidade de nossa integração latino-americana ainda mais difícil.

sexta-feira, 27 de março de 2015

DIREITO ECONÔMICO: AS AGÊNCIAS E O PODER REGULATÓRIO – OBRA DE EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO E APLICADA PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC - BJI – 1º SEMESTRE / 2015 - VARGAS DIGITADOR

DIREITO ECONÔMICO: AS AGÊNCIAS E O PODER REGULATÓRIO – OBRA DE EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO E APLICADA PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC - BJI – 1º SEMESTRE / 2015 - VARGAS DIGITADOR
CAPÍTULO 9

O modelo de intervenção indireta (art. 174 da CRFB/88) introduzido pelas denominadas Agências (reguladoras e executivas) traduz o momento histórico em que a crise financeira do Estado estrangulou sua capacidade de fornecer bens e serviços escassos à sociedade, redundando na necessidade de privatizar, devolver à iniciativa privada aquelas atividades que o Estado já não vinha desempenhando a contento.


Parte-se não mais de um modelo repressivo, mas de um modelo gerencial em que as atividades econômicas sejam corrigidas e acompanhadas – um modelo mais consensual que autoritário.


Nesse sentido, a Constituição Federal previu nos arts. 21, XI, e 177, § 2º, III, os órgãos reguladores das telecomunicações e do petróleo, permitindo, na via infraconstitucional, a criação das demais agências de que hoje dispomos, tais como a ANATEL, (Lei n. 9.478/97), ANP (Lei n. 9.478/97), ANEEL (Lei n. 9.427/96), entre outras.


Em primeiro lugar, trataremos da função regulatória, porque esta se insere no âmbito mais largo da desestatização da devolução à iniciativa privada daquelas atividades em que o Estado não precisa atuar e que necessitam de um tratamento jurídico célere e muitas vezes de critérios técnicos muito especializados.


Nesse sentido, torna-se importante trazermos algumas definições do que se tem entendido sobre o fenômeno da regulação, o qual consiste basicamente no controle administrativo de acordo com regras estabelecidas no interesse público.


Para J. C. Strick, “consiste na imposição de regras e controles pelo Estado com o propósito de dirigir, restringir ou alterar o comportamento econômico das pessoas e das empresas, e que são apoiadas por sanções em caso de desrespeito”.


Já M. Moran conceitua regulação como: “O sistema pelo qual a discrição dos indivíduos ou instituições é restringida por meio da imposição de normas”; e, por fim, Francis toma o fenômeno como “a intervenção do Estado nas esferas de atividade privada, para realizar finalidades públicas”.


Podemos visualizar a regulação em seus diversos graus.


Em sentido amplo, ela revela toda forma de intervenção do Estado na economia, independentemente dos seus instrumentos e fins.


Em um aspecto menos abrangente, é a intervenção estatal na economia por outras formas que não a participação direta na atividade econômica privada.


Em sentido estrito, por fim, é somente o condicionamento normativo da atividade econômica privada, por via de lei ou outro instrumento normativo.


Destas noções destaca-se a característica de intervenção pública que afeta a operação de mercado através de comandos e controles que podem ser delegados a sistemas de autorregulação.


Na visão de alguns economistas, é uma intervenção estatal em decisões econômicas das empresas, normalmente vista como um ato de política de restrição de mercados.


Alguns aspectos podem ser ressaltados na regulação, como um todo:


- na regulação de monopólios o objetivo é a minimização das forças de mercado através de controles sobre os preços e qualidade do serviço.


- no aspecto da regulação para competição o objetivo visado é justamente viabilizar a sua existência (competição) e continuidade.


- na vertente social, a regulação assegura a prestação de serviços de caráter universal e a proteção ambiental.


- um último aspecto é o da regulação como desestatização. Na Inglaterra seu primeiro propósito foi proteger o consumidor contra a ineficiência, altos preços, excesso de lucros, o que, em princípio, só teria solução através de competição, prevenindo os malefícios dos monopólios nos casos em que a competição fosse restrita ou inviável. Buscou-se compatibilizar satisfação do consumidor com eficiência econômica.


Com a transferência de funções do setor público para o privado, pela via dos contratos de concessão, o objetivo da função regulatória é fazer essa transferência interessante para as três partes envolvidas – concedente, concessionário e usuário.


Desenvolve-se a regulação sob alguns princípios:


·       Mercado regulado para a competição;

·       Criação de agências setoriais, dotadas de autonomia e especialização;

·       Atenção aos monopólios culturais;

·       Ambiente de transição, cabendo ao Estado supervisionar o poder de mercado dos operadores e organizar a entrada de novos operadores;

·       Zelar pela implantação de um novo modelo organizacional, arbitrar conflitos e completar o processo de regulação normativa;

·       Garantia de interesse público.

Os órgãos reguladores têm como função regular segmentos do mercado e serviços públicos, protegendo o consumidor/usuário, garantindo a livre escolha, o abastecimento (garantia de oferta dos serviços) e preços acessíveis.


Além disso, a prevenção dos conflitos é um dos principais aspectos da regulação, através da elaboração de diretrizes que traduzam os conceitos de eficiência técnica e financeira para o caso concreto do segmento regulado.


Tais diretrizes se fazem dentro de um chamado “marco regulatório” que é composto pela lei, regulamento, edital de licitação e contrato firmado com o Poder Público.


O marco regulatório é o conjunto de regras, orientações medidas de controle e valoração que possibilitam o exercício do controle social de atividades de serviços públicos geridos por um ente regulador que deve poder operar todas as medidas e indicações necessárias ao ordenamento do mercado e à gestão eficiente do serviço público concedido, mantendo, entretanto, um grau significativo de flexibilidade que permita a adequação às diferentes circunstâncias que se configuram.


Um processo de regulação implica nas seguintes fases:


·       Formulação das orientações da regulação;

·       Definição e operacionalização das regras (leis, regulamentos);

·       Implementação e aplicação das regras (autorizações, licenças e concessões);

·       Controle das aplicações das regras;

·       Sancionamento dos transgressores;

·       Decisão dos recursos.

Tendo poderes normativos, executivos e parajudiciais (pela possibilidade de resolução de conflitos entre partes), a regulação deve ficar a cargo de comissões reguladoras independentes.

Como se vê, as agências governamentais autônomas são entes fracionários do aparelho administrativo do Estado e têm natureza de executoras de atividades estatais por outorga legal de competências.

Tal função reguladora, é bom frisar, consiste na execução de competência administrativa normativa que sujeita atividades (estatais e privadas) a regras de interesse público, como corolária da função de controle, voltada à observância dessas prescrições. Age, também, na disciplina administrativa de certos serviços, cuja execução vem sendo transferida de empresas estatais para empresas privadas.

A descentralização autárquica concilia a atuação típica de Estado com a flexibilidade negocial, proporcionada por uma ampliação da autonomia administrativa e financeira.

Tal autonomia se revela pela sua independência política em relação ao governo, que não dispõe de recurso hierárquico para revisar suas decisões, muitas das quais podem até ferir interesses políticos, na independência técnica decisional, na independência normativa e gerencial orçamentária.

Estas independências, normativa e técnica, somadas ao mandato de seus diretores constituem-se na chave da atuação célere e flexível para a solução em abstrato e em concreto de questões em que predomine a escolha técnica, distanciada e isolada das disputas partidarizadas.

No campo da regulação nos deparamos com temas complexos os quais trataremos de forma clara para a sua perfeita compreensão.

O tema se coloca da seguinte forma: a regulação exige tratamento célere, flexível e técnico a inúmeras questões.

É preciso, portanto, que a lei criadora da agência delegue ao administrador competências e poderes para atuação eficiente, célere e técnica e o faz, muitas vezes, em técnica legislativa vazada em termos elásticos, fluídos, justamente para que o administrador técnico adote a melhor conduta para o caso concreto com a desejada celeridade.

A técnica das delegações legislativas se desenvolveu para evitar que decisões técnicas ficassem cristalizadas em lei e se tornassem rapidamente obsoletas.

O fenômeno da deslegalização representou a transferência de função normativa, (sobre matérias determinadas) da sede legislativa estatal, a outra sede normativa. O legislador retira certas matérias do domínio da lei passando-as ao domínio da regulação.

Veja-se que a lei de deslegalização não precisa penetrar na matéria que trata, bastando-lhe abrir a possibilidade a outras fontes normativas, estatais ou não, de discipliná-la por atos próprios que, por óbvio, não serão de responsabilidade do Poder Legislativo, ainda que sobre a norma possa continuar a ser exercido um controle político e jurisdicional derivado de desvio ou abuso de poder regulatório.

Tal atividade reguladora das agências encontra limites de ordem externa, porto que deve ater-se e harmonizar-se com o Direito vigente, e de ordem interna à delegação, submetendo-se aos parâmetros formais e materiais definidos na norma delegante.

Nesse passo, torna-se muito importante distinguirmos a discricionariedade político-administrativa, já conhecida dos manuais de Direito Administrativo, da discricionariedade técnica que comporta opções mais restritas e que devem ser consideradas à luz de regras científicas para que se determine a melhor escolha.

Aqui visualizamos ao só o critério diferenciador dos dois tipos de discricionariedade como o próprio fundamento de validade das normas reguladores que devem ser editados pelas agências, posto que se trata de atividade de aclaramento de realidade tecnicamente complexa que importa no emprego de disciplinas especializadas, traduzindo um verdadeiro e adequado poder discricionário de conteúdo técnico.

A discricionariedade técnica existe apenas quando a decisão que nela se funda possa ser motivada também tecnicamente.

Muitas vezes atos regulatórios são mal compreendidos porque a deslegalização como técnica legislativa se utiliza de conceitos jurídicos indeterminados.

Conceito jurídico indeterminado é expressão empregada para designar vocábulos ou expressões que não têm um sentido preciso, objetivo, determinado, mas que são encontrados com grande frequência nas normas jurídicas de vários ramos do Direito. Por exemplo, boa-fé, bem-comum, conduta irrepreensível, pena adequada, interesse público, ordem jurídica, notório saber, notória especialização, moralidade, razoabilidade, atividade preponderante etc.

O conceito jurídico indeterminado se apresenta ao legislador como um instrumento privilegiado para a atribuição de certo tipo de competência às autoridades administrativas para que estas possam reagir a tempo e de modo adequado aos imponderáveis da vida administrativa. Ele não se refere a uma coisa certa, mas a uma significação. O seu objeto é uma significação atribuível a uma coisa, estado ou situação e não a coisa, estado ou situação.

Diante desse contexto, pode haver ato regulatório que venha a dispor sobre situação concreta, derivada de decisão eivada de discricionariedade técnica, com base em dispositivo legal fruto da deslegalização que contenha um conceito jurídico indeterminado.

É necessária uma palavra sobre agências executivas, criadas pelos arts. 51 e 52 da Lei n. 9.649/98.

Como instrumento de operacionalização da política descentralizadora, podem derivar de uma autarquia ou fundação e revelam um processo interno de desconcentração e autonomia.

Estimula-se a descentralização do aparelho do Estado, com ênfase no contrato de gestão e na maior cooperação entre a União, Estados e Municípios.

Valoriza-se a participação dos usuários na administração Pública e possibilita-se o acesso da autoridade a informações privilegiadas com o sento de superar o isolamento burocrático prevendo canais de circulação em benefício do interesse geral.

Predominam o sentido de prévio compromisso e a aferição de resultados como requisitos de sobrevivência da agência executiva, tanto que a Lei n. 9.649/98 marca o seu caráter finalístico e a continuidade do controle de sua real produtividade.

A criação da agência executiva tramita por uma sucessão de etapas, tendo como ponto de partida o ato de vontade da administração do órgão ou instituição que pretenda alcançar a qualificação (ex: INMETRO).

Há como pré-requisito um plano estratégico que identifique as metas a serem cumpridas na busca da melhoria da qualidade na operação dos serviços.

Acolhida a proposta, é celebrado contrato de gestão visando tornar efetiva a autonomia da instituição, como autarquia ou fundação, e a determinar os indicadores que permitirão a periódica avaliação dos resultados. Ao consenso por esta forma estabelecido sucederá, mediante decreto, a criação da agência executiva.

O contrato de gestão se constitui no instrumento formal por excelência dos programas de reforma administrativa, moldada na definição de metas de desempenho e na avaliação de resultados.

O ponto essencial deste veículo associativo é seu caráter dinâmico e não meramente formal, que tem como tônica a objetiva realização de uma estratégia operacional conducente à concretização de metas de desempenho e à consecução de resultados; para tanto, valerá a consulta ao site www.inmetro.gov.br/inmetro/contrato.asp e realizar a leitura do contrato de gestão realizado com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Elaboramos um quadro que permitirá, de modo geral, identificar as principais diferenças entre as agências reguladoras e as executivas:
   AGÊNCIAS REGULADORAS                  AGÊNCIAS EXECUTIVAS

- Voltadas para a intervenção em mercados específicos, regulando a relação entre a oferta, com qualidade e preço acessível e demanda.

- As primeiras experiências foram do BACEN e do CADE, mas, com o processo de privatização, envolvendo privatizações e concessões, com a nova disciplina legal (que prevê as regulações setoriais), o papel destas entidades tornou-se relevante, como no caso do petróleo, setor elétrico e de telecomunicações.

- Processo de regulação implica: formulação das orientações da regulação e definição e operacionalização das regras (leis, regulamentos, códigos de conduta).

- Implementação e aplicação das regras (autorizações, licenças e concessões).

- Controle de aplicação das regras.

- sancionamento dos transgressores.
                                                                             
- Decisão dos recursos.

- têm poderes executivos, normativos e parajudiciais.

- Ligadas à implementação de política, sem formular políticas, regular ou influir em mercados.

- Autarquias com tratamento especial, com maior autonomia de gestão.

- Atuam em setores de implementação de políticas (tributária, previdência social básica, segurança pública, proteção ambiental, fiscalização).

- Embora possam “colaborar” com a formulação de políticas, seu papel é de execução.

- Ampliação da autonomia gerencial se dá através de contrato de gestão (art. 37, § 8º).

- É um título jurídico atribuído a um órgão ou entidade que depende de adesão voluntária, com metas negociadas compatíveis com os recursos e não impostas, obedecendo a etapas:

  1.     Protocolo de intenções;    
  2.  Portaria ministerial definindo responsabilidades;
  3.  3    Plano de ações (prazos, recursos);
  4.        Elaboração do planejamento específico;
  5.       Plano operacional de reestruturação dos processos de trabalho.