quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Comentários ao Código Penal – Art. 73 Erro na execução – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com –

Comentários ao Código Penal – Art. 73
Erro na execução VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Geral –Título V – Das Penas –
Capítulo III – Da Aplicação da Pena

 

Erro na execução (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984)

Art. 73.  Quando, por acidente do erro no uso dos meios de execução, o agente ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

Segundo a apreciação de Rogério Greco. Código Penal comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao: “Erro na execução” – Art. 73 do CP, o autor inicia falando dos chamados crimes aberrantes que são as três hipóteses a saber: a) aberratio ictus; b) aberratio criminis; c) aberratio causae.

Somente as duas primeiras encontram previsão legal, respectivamente, nos arts. 73 e 74 do Código Penal. Ocorrerá a chamada aberratio causae, ou aberração na causa, quando o resultado pretendido pelo agente advier de uma outra causa, que não aquela pretendida por ele inicialmente, mas que se encontra abrangida pelo seu dolo. Assim, suponhamos que o agente, querendo causar a morte da vítima por afogamento, a arremesse, por exemplo, da ponte Rio - Niterói, sendo que, antes de cair na baía de Guanabara, a vítima choca-se com um dos pilares da aludida ponte e morre em virtude de traumatismo craniano, e não por afogamento, como inicialmente pretendia o agente. Pode acontecer, ainda, que ocorra um resultado aberrante também na hipótese em que o agente, após efetuar dois disparos, supondo já ter causado a morte da vítima, com a finalidade de ocultar o suposto cadáver, coloca-a em uma cova, enterrando-a, sendo que essa, na verdade, ainda se encontrava viva, vindo, contudo, a morrer asfixiada.

Erro na execução: Também conhecido por aberratio ictus, que significa desvio no golpe ou aberração no ataque.

Resta configurado o erro na execução, quando reconhecida a unidade criminosa, dirigida contra a pessoa almejada, mas que por desvio da trajetória desejada, vem a ser atingida pessoa diversa (TJMG, Processo 1.0105.97.003426-7/001, Rel. Des. Adilson Lamounier, DJ 6/7/2009).

Erro de pessoa para pessoa: Para que se possa falar em aberratio ictus deve ocorrer a seguinte situação: a) o agente quer atingir uma pessoa; b) contudo, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, vem a atingir uma pessoa diversa.

Se a pessoa ofendida foi diversa da pretendida, estamos diante de uma situação que se amolda ao contido no art. 73 do CP (aberratio ictus), porque a mudança da vítima não tem o condão de alterar a natureza do fato (TJMG, REsp 1.0236.06.008812-7/001, Rel. Des. Ediwal José de Morais, DJ 1/4/2009).

Ocorre a aberratio ictus quando por acidente ou erro o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, devendo, pois, responder pelo crime como se tivesse atingido a pessoa visada, considerando-se então as qualidades dessa pessoa para a caracterização do delito (TJMG, Processo 1.0000.00.343709-2/000 [1], Des. Rel. Reynaldo Ximenes Carneiro, DJ 20/9/2003).

Aberratio ictus com unidade simples: Nessa hipótese, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, produzindo um único resultado (morte ou lesão corporal). O art. 73 do Código Penal determina, neste caso, seja aplicada a regra do erro sobre a pessoa, prevista no § 3º do art. 20 do Código Penal. Assim, se houver a produção do resultado morte em pessoa diversa, o agente responderá por um único crime de homicídio doloso consumado, como se efetivamente tivesse atingido a pessoa a quem pretendia ofender. Se queria a morte de seu pai e, por erro na execução, matar um estranho, responderá pelo delito de homicídio, aplicando-se, ainda, a circunstância agravante prevista no art. 61, II, e, primeira figura do Código Penal (ter cometido o crime contra ascendente). Se, contudo, ainda agindo com animus necandi, atingir terceira pessoa, causando-lhe lesões corporais, deverá o agente responder pela tentativa de homicídio.

Aberratio ictus com unidade complexa: Há um resultado duplo, razão pela qual a unidade é tida como complexa. Aplica-se, nesse caso, a regra do concurso formal de crimes, prevista no art. 70 do Código Penal. São quatro as hipóteses de aberratio ictus com unidade complexa, partindo-se do pressuposto de que em todos os casos o agente atua com o dolo de matar: 1ª) o agente atira em A, causando não somente sua morte, como também a de B. Responderá pelo crime de homicídio doloso consumado, com a pena aumentada de 1/6 até metade; 2ª) o agente mata A e fere B. Responderá pelo homicídio consumado, aplicando-se também o aumento previsto pelo art. 70; 3ª) o agente fere A e B. Deverá ser responsabilizado pela tentativa de homicídio, aplicando-se o aumento de 1/6 até metade; 4ª) o agente fere A, aquele contra o qual havia atuado com dolo de matar; contudo, acaba produzindo o resultado morte em B. Responderá pelo homicídio doloso consumado, aplicando-se o aumento do concurso formal de crimes.

Na aberratio ictus com unidade complexa, aplica-se a regra do concurso formal (TJMG, AC 1.0708.03.003711-1/001, Rel. Des. José Antonino Baía Borges, DJ 28/5/2008).

Hipótese em que se atingiu não só a pessoa visada como também terceiro, por erro de execução. Regência da espécie pela disciplina do concurso formal (Precedente do Supremo Tribunal Federal, HC 62655/BA, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ de 7/7/85). Se, por erro de execução, o agente atingiu não só a pessoa visada, mas também terceira pessoa se aplica o concurso formal (STF, RT 598/420). Recurso conhecido e provido. (STJ, REsp. 439058/DF, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 5a T., DJ 9/6/2003, p. 288).

Necessidade de previsibilidade do resultado aberrante: Se o resultado aberrante não tiver sido previsível, não se poderá cogitar da hipótese de aberratio ictus, pois, caso contrário, estaríamos aceitando a possibilidade de responsabilizar objetivamente o agente.

Aberratio ictus e dolo eventual: Se o caso é de erro na execução, aquele que atinge outra pessoa que não aquela que pretendia ofender, somente se poderá cogitar em aberratio se o resultado for proveniente de culpa, afastando-se o erro na hipótese de dolo, seja ele direto ou mesmo eventual. Isso porque se o agente queria (diretamente) ou não se importava em produzir o resultado por ele previsto e aceito, agindo com dolo eventual, não há falar em erro na execução.

Ocorrendo a figura da aberratio ictus, mas com dolo eventual, em face da previsibilidade do risco de lesão com relação a terceiros, conquanto se tenha concurso formal de crimes dolosos, as penas são aplicadas cumulativamente, de conformidade com a norma do art. 70, parte final, do Código Penal (STF, HC 73548/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, Ia T., DJ 17/5/1996 p. 16.328).

Concurso material benéfico: Em qualquer das hipóteses de aberratio ictus com unidade complexa, ou seja, com a produção de dois resultados, deverá ser observada a regra do concurso material benéfico.

Conflito de competência: Ainda que tenha ocorrido a aberratio ictus, o militar, na intenção de cometer o crime contra colega da corporação, outro militar, na verdade, acabou praticando-o contra uma vítima civil, tal fato não afasta a competência do juízo comum. Conflito conhecido, declarando-se a competência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o suscitado (STJ, CC 27368/SP, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 1ª T., p. 123/JBC 39, p. 286).

Reparação dos danos: O agente que, estando em situação de legítima defesa, causa ofensa a terceiro, por erro na execução, responde pela indenização do dano, se provada no juízo cível a sua culpa. Negado esse fato pela instância ordinária, descabe condenar o réu a indenizar o dano sofrido pela vítima. Arts.1.540 e 159 do CG (STJ, REsp. 152030/DF, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. 4ª T., RSTJ 113, p. 290/RT 756 p. 190). (Greco, Rogério. Código Penal comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao: “Erro na execução” – Art. 73 do CP, p.187-188. Ed. Impetus.com.br, acessado em 28/12/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Nos comentários ao art. 73 do Código Penal, Thais Lima, em artigo publicado em junho de 2022 com o título “Erro de tipo”, comenta que o erro de tipo se relaciona diretamente ao dolo do agente. Consequentemente, seus efeitos recaem sobre a tipicidade do ato, já que o fato típico congrega, à luz da Teoria Finalista, o elemento subjetivo da conduta.

 

Nessa linha, existem o erro de tipo essencial – ou somente erro de tipo – e o erro de tipo acidental, ambos acarretando consequências jurídicas bastante distintas entre si.

 

Do erro de tipo essencial: Com previsão no artigo 20, caput, do Código Penal, o erro de tipo se manifesta quando o agente, por possuir uma ignorância ou uma percepção inexata da realidade, comete o delito sem a percepção de que o faz. Assim, o engano concerne às características primárias – à essência – da norma incriminadora, de sorte que, se o sujeito conhecesse completamente a situação, não prosseguiria com o ato. Resta-se, então, excluído o dolo, visto que este é composto pela vontade (aspecto volitivo) e pela consciência (aspecto intelectual) de se praticar a conduta prevista no tipo penal. (SANTOS, 2014).

 

Nesse sentido, um exemplo doutrinário é o do caçador que, ao ver um movimento no arbusto, acredita que ali se encontre um animal e atira, matando, todavia, um homem que estava atrás da planta. Em uma primeira observação, pressupõe-se que foi praticado o crime de homicídio, tipificado no artigo 121 do Código Penal: “Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos”. Porém, ao ser feita uma análise mais profunda, é notório que o agente erra em relação à elementar “alguém”, porquanto possuía a intenção de matar um animal, e não uma pessoa (NUCCI, 2019). Por isso, o dolo não se concretiza.

Sob esse viés, faz-se mister entender os efeitos legais do erro de tipo. Para tal, é necessário averiguar se o equívoco era evitável ou não, perante as circunstâncias em que o autor se encontrava, sendo indispensável, então, a análise do caso concreto. Primeiramente, o erro inevitável, invencível ou escusável se apresenta sempre que não fosse possível imaginar o resultado ocorrido. Desse modo, são excluídos o dolo e a culpa, e afasta-se, por via de consequência, o próprio fato típico, não havendo crime. Em contrapartida, o erro evitável, vencível ou inescusável é aquele que poderia ser previsto, se o agente observasse o dever de cuidado objetivo. Nessa condição, o dolo não se manifesta – uma vez que não havia a vontade de praticar o crime –, mas o sujeito responde por este na modalidade culposa, caso a lei a preveja. Assim, explicando acerca da situação supracitada, Rogério Sanches (2020) finaliza: se o caçador agiu em mata densa, longe do centro urbano, certamente seu erro será considerado inevitável, ficando isento de pena. Se, no entanto, agiu em mata próxima a centro habitado, ciente de que outros acidentes ocorreram na região, não observando o seu dever de cuidado, seu erro será etiquetado como evitável, respondendo por crime culposo.

 

Do erro de tipo acidental: Até agora, tratou-se do erro de tipo considerado essencial, que, conforme explicitado, incide sobre as características fundamentais da norma penal incriminadora. A doutrina o diferencia, pois, do erro de tipo acidental, o qual recai sobre aspectos secundários da conduta tipificada. Nesse caso, o autor possui o dolo de praticar o delito, entretanto, durante o ato, comete um erro relacionado a um elemento não primordial ou aos meios de execução.

 

Nessa perspectiva, o erro de tipo acidental se manifesta em cinco hipóteses: erro sobre o objeto (error in objecto), erro sobre a pessoa (error in persona), erro na execução (aberratio ictus), resultado diverso do pretendido (aberratio criminis) e erro sobre nexo de causalidade (aberratio causae). A partir disso, é importante diferenciar cada uma dessas subespécies, destacando suas consequências.

 

Error in objecto: Ao cometer o delito, o sujeito se confunde em relação ao objeto alvo da conduta. É o caso de ele querer furtar uma pulseira de ouro, mas, por equívoco, levar uma bijuteria qualquer, de baixo valor.

 

Urge salientar que o error in objecto não possui previsão legal, sendo discutido apenas pela doutrina. Acerca de seus efeitos, a corrente mais aceita defende que a punição a ser aplicada deve levar em consideração o objeto sobre o qual efetivamente recaiu a conduta. Então, no caso acima, o agente responderia pela bijuteria subtraída, e não pela joia que desejava tomar.


Error in persona: Caracteriza-se por um engano referente à vítima da conduta. Ilustra-se tal cenário com o caso do indivíduo que, a fim de matar o pai, esfaqueia o irmão gêmeo deste por confundi-lo com o genitor.

 

Nessa situação, são consideradas as características da vítima pretendida (vítima virtual), e não as daquela que foi efetivamente morta (vítima real). É o que afirma a segunda parte do artigo 20, § 3º, do Código Penal: “Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.” (Grifo nosso).

 

Destarte, tomando o caso em análise, ainda que o agente tenha matado o tio, sobre sua pena incidirá a circunstância agravante prevista no artigo 61, II, e, do aludido dispositivo legal, posto que tinha como vítima virtual seu ascendente.

 

Aberratio ictus: Devido a um acidente ou erro na execução, atinge-se vítima diferente da pretendida. Ad ezempio, um indivíduo quer matar seu desafeto, todavia, ao atirar contra ele, falha na pontaria e acerta um desconhecido que passava pelo local.

 

Com fulcro no artigo 73 do Código Penal, depreende-se que, havendo apenas uma vítima, deve ser aplicada a mesma regra do error in persona, ou seja, o autor responde pela vítima pretendida, e não por aquela que realmente atingiu. Porém, caso acerte ambas, responderá por dois crimes, em concurso formal.

 

Aberratio criminis: O autor, também por acidente ou erro na execução, lesiona bem jurídico diverso do que idealizava.  Nesse cenário, em contrapartida ao anterior, se advir um resultado não pretendido, o agente será responsabilizado por este, na modalidade culposa, quando prevista em lei. Contudo, se ele, além do episódio falho, cometer o delito que realmente planejou, responderá por ambos, em concurso formal. É o que denota o artigo 74 do Código Penal:


Fora dos casos do artigo anterior [aberratio ictus], quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código [concurso formal].


Para esclarecer, cita-se a cena de uma pessoa que, visando danificar um carro, lança uma pedra contra este. Contudo, por erro de pontaria, acerta o motorista, lesionando-o. Nesse caso, ocorrerá a responsabilização apenas pela lesão corporal culposa, que absorve a tentativa de dano (CUNHA, 2020). Todavia, se o infrator lesionar o condutor por erro e, na sequência, atirar novamente e atingir também o automóvel, responderá pelos dois acontecimentos: crime de dano consumado em concurso formal com lesão corporal culposa.

Entretanto, como bem explica Flávio Monteiro de Barros (2003), deve ser conferida uma interpretação restritiva ao artigo supracitado, com o intuito de se evitar a impunidade de tentativas de crimes mais graves:

O art. 74, 1ª parte, do CP, deve ser interpretado restritivamente, sob pena de gerar soluções absurdas. Tome-se o seguinte exemplo: A atira em B, para matá-lo, erra o alvo e, por culpa, acaba destruindo uma planta. Vale lembrar que o art. 49, parágrafo único, da Lei 9.605/98, passou a incriminar, o dano culposo em plantas de ornamentação de logradouros públicos ou em propriedade privada alheia. Uma interpretação gramatical do art. 74 faria com que o agente respondesse apenas pelo delito do art. 49 da citada lei. Por isso, deve ser interpretada restritivamente, porque disse mais do que quis. Assim, quando o art. 74 do CP enuncia que o agente deve responder tão somente pelo resultado produzido, leia-se: `desde que o resultado produzido seja um crime mais grave do que o visado pelo agente' (...) Portanto, no exemplo ministrado, haverá tão-somente a tentativa de homicídio".

Aberratio causaeOcorre quando se produz a consequência almejada, porém de uma maneira diferente da esperada. É o caso do sujeito que empurra a vítima da ponte, com o intuito de matá-la mediante afogamento, mas ela, durante a queda, bate a cabeça em uma pedra, morrendo, na verdade, por traumatismo craniano. Aqui, o agente, por intermédio de um só ato, pratica o crime, se enganando quanto ao nexo causal.

 

Outrossim, uma outra hipótese de aberratio causae se manifesta quando presente o dolo geral. Isso porque, em tal situação, o agente erroneamente acredita já ter alcançado o resultado, praticando, com finalidade diversa, nova ação que o consuma de fato (HUNGRIA, 1978). Por exemplo, um indivíduo, com intenção de matar, golpeia com força a cabeça de sua vítima, que desmaia. Crendo que ela está morta, joga-a no rio, produzindo efetivamente o óbito, por afogamento.

 

Nota-se que, nesse último cenário, o crime se efetiva por meio de uma pluralidade de ações. Diante disso, uma corrente minoritária entende que, como foram praticadas duas condutas, deverá o autor responder por dois crimes: um na forma tentada, já que não produziu o resultado, e outro na forma consumada, a título de culpa. Todavia, essa concepção não prospera, visto que o dolo do agente é geral e engloba todo o acontecimento. Nessa lógica, assevera Rogério Greco (2017) que se o agente atuou com animus necandi (dolo de matar) ao efetuar os golpes na vítima, deverá responder por homicídio doloso, mesmo que o resultado morte advenha de outro modo que não aquele pretendido pelo agente (aberratio causae), quer dizer, o dolo acompanhará todos os seus atos até a produção do resultado, respondendo o agente, portanto, por um único homicídio doloso, independentemente da ocorrência do resultado aberrante.

Assim, diante da aberratio causae, o autor responderá pela consumação de um único crime, na modalidade dolosa, ainda que tenha praticado ações sucessivas, na condição do dolus generalis.


Portanto, nas conjunturas em que se afigura o erro de tipo essencial, sempre será afastado o dolo, posto que o agente não tinha a intenção de praticar o crime. Apesar disso, pode ele responder na modalidade culposa, caso prevista em lei, a depender da evitabilidade do seu equívoco. Por outro lado, o erro de tipo acidental nunca excluirá o dolo, porque era manifesta a vontade de se cometer o delito, enganando-se o sujeito apenas quanto a elementos secundários. (Thais Lima, em artigo publicado em junho de 2022, no site thaithais03076459.jusbrasil.com.br com o título “Erro de tipo”, comentários ao art. 73 do Código Penal, acessado em 28/12/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Guilherme Espíndola Kuhn em artigo intitulado: “Aberratio ictus: uma verdadeira aberração regulamentada pelo Código Penal, comentários ao art. 73 do CP em 2017, em sua inteligência explica:

O erro na execução, ou por acidente (aberratio ictus), está regulamentado no artigo 73 do Código Penal, cujo teor se transcreve:


Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.

Desde logo, é preciso esclarecer que a aberratio ictus não se confunde com o erro sobre a pessoa (error in persona), que encontra regulamentação no art. 20, § 3º, do CP.

 

Com efeito, no error in persona o agente incorre em equívoco quanto à identidade da vítima, vale dizer, ele atinge pessoa diversa da pretendida, pensando que era a certa. Till ekzemple, o agente A acerta B, acreditando que B era C (C é a vítima desejada e não atingida no mundo da realidade).

 

Já, na aberratio ictus, o sujeito ativo não faz qualquer confusão quanto à identidade da vítima. Ao contrário: ele sabe perfeitamente quem ela é, porém, erra na execução do delito, atingindo pessoa diferente, que não era alvo da ação delituosa, ou, ainda, atingindo a vítima desejada e também pessoa diversa.

O Código Penal confere idêntico tratamento jurídico a estes institutos, apesar de não se confundirem. Consoante se percebe dos artigos 20, § 3, e 73, tanto no erro sobre a pessoa, como no erro de execução, o agente responde como se tivesse acertado a vítima visada, i. é, a vítima virtual e não a real.

 

Houve a adoção, portanto, ex vi legis, da teoria da equivalência. É o que dispõe o artigo 20, § 3º, do Estatuto Repressivo Pátrio, in verbis: “Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.”

 

Exemplificativamente, se o agente A, desejando matar B, equivoca-se na identidade deste e mata C (error in persona), ou atinge C devido a erro de pontaria (aberratio ictus), A responderá como se tivesse, de fato, atingido B (vítima virtual), muito embora, no mundo da realidade, apenas C (vítima real) tenha sido alvejada.

 

Inclusive, supondo que a vontade do criminoso A fosse dar cabo a vida de seu pai B, mesmo B não tendo sido alvejado, mas tão somente C, que lhe era um completo estranho, deverá haver a incidência da circunstância agravante de crime perpetrado contra ascendente, estampada no art. 61, II, alínea “e”, do Código Penal, justamente em virtude da regra consagrada no art. 20, § 3, do Diploma em voga.

 

Ou seja: o Código Penal criou uma verdadeira ficção jurídica, que ignora a realidade e acaba por criar imbróglios jurídicos, situações surreais, verdadeiras aberrações, que ensejam inequívocos excessos punitivos, em afronta ao preceito constitucional da proporcionalidade.

 

Eugenio Pacelli (2014, p. 159), em brilhante artigo intitulado de Funcionalismo e Dogmática Penal: ensaio para um sistema de interpretação, já chamou a atenção para a matéria, asseverando que se deve discutir com profundidade “a hermenêutica das incriminações, com a desconstrução, se necessário, da primazia do texto, inerente a olhares positivistas, se e quando em descompasso com o contexto.”


Antes de mais nada, salienta-se que a teoria da equivalência é perfeitamente compatível com o instituto do error in persona, haja vista que “a proteção da lei é reservada a qualquer pessoa [...], sendo irrelevante o erro quanto àquela atingida (PACELLI, 2014, p. 179).”

 

Não obstante, é de uma imperdoável irrazoabilidade a sua aplicação na aberratio ictus, diante das incongruências que surgem e do excesso punitivo que sedimenta. Basta a apresentação de um caso real, trazido à tona por Paulo Queiroz (2014, p. 279), para perceber isto.

 

Com efeito, no interior do Estado da Bahia, uma esposa decidiu, “em razão dos maus-tratos sofridos e constantes ameaças de morte, matar seu companheiro, B (QUEIROZ, 2014, p. 279).” Para tanto, deu-lhe uma refeição, especialmente temperada com veneno, que seria levada por B ao trabalho.

Ocorre que, naquele fatídico dia, não houve serviço para B executar, de modo que ele entregou a marmita aos seus filhos, C, de 7 anos, e D, de 12 anos. Os menores acabaram por comer a refeição e, assim, vieram a óbito, vítimas do veneno “chumbinho”.

A esposa, consectariamente, fora acusada pela prática do crime de homicídio qualificado consumado, com a agravante de ser cometido contra o marido (art. 61, II, “e”, do CP), com fundamento na teoria da equivalência, por erro na execução (o autor responde como se tivesse atingido a vítima virtual e não a real, in casu, as reais!).

 

Essa situação, que é um caso verídico, revela toda a irrazoabilidade e desproporcionalidade da incidência da teoria da equivalência na aberratio ictus: como adverte Paulo Queiroz (2014, p. 280), esta teoria consagra “resquício próprio de um direito penal do autor [...], para ela não importa, ou só importa secundariamente, o fato efetivamente praticado pelo autor, mas aquele que pensou em ou pretendeu praticar.”

 

Veja-se que o Código Penal acaba por ignorar a realidade e por dar prevalência a uma ficção/aberração: ficção esta que, no exemplo apresentado, impossibilitaria a concessão do perdão judicial à mãe, já que ela responderia como se tivesse atingido a vítima desejada e, portanto, por homicídio doloso qualificado consumado.

 

Mais razoável, diante do tratamento gritantemente injusto e desproporcional conferido pela lei criminal, seria, de acordo com Pacelli (2014) e Queiroz (2014), a adoção, no que tange ao erro na execução (aberratio ictus), da teoria da concretização, que leva em consideração a realidade concreta dos fatos.


No case apontado, a responsabilização mais racional seria a seguinte: a esposa responderia por homicídio culposo em relação aos filhos - já que não desejava a morte deles, que acabou causando por imprudência e imperícia - e por tentativa de homicídio doloso qualificado contra o marido, que não veio a óbito por circunstâncias alheias à vontade da agente (art. 14, inciso II, do CP).

 

Sinala-se que, com a teoria da concretização, seria possível a concessão do perdão judicial em relação aos crimes culposos. No exemplo citado, assim, a mãe poderia - e deveria - ser agraciada pelo perdão judicial no que diz respeito aos homicídios culposos, uma vez que ela não desejava a morte de seus filhos, e o aconteceu por imperícia e/ou imprudência dela. Divergência haveria, todavia, quanto à espécie do concurso de crimes que incidiria.

 

Utilizando-se do exemplo apresentado, estaríamos diante de concurso formal entre tentativa de homicídio doloso qualificado e duplo homicídio culposo - situação em que o sujeito ativo responderia somente pelo crime mais grave, vale dizer, tentativa de homicídio doloso qualificado, com a exasperação prevista no artigo 70 do CP - ou de concurso material entre o crime de homicídio doloso qualificado tentado e o dois homicídios culposos.

 

As duas interpretações são possíveis. Há que se observar, de qualquer forma, que a exasperação do concurso formal jamais pode ser superior à soma das penas, decorrente do cúmulo material, por força do disposto no parágrafo único do artigo 70 do Código Penal.

 

Na hipótese de concurso material é possível perceber todo o excesso punitivo derivado da teoria acolhida pelo Estatuto Repressivo Pátrio. Ora, sob a ótica da teoria da concretização, fixadas as penas no mínimo legal, observa Paulo Queiroz (2014, p. 282), a esposa receberia uma possível pena de 02 (dois) anos de detenção, em relação aos homicídios culposos (art. 121, § 3º, do CP), somada com os 4 (quatro) anos de reclusão, relativos ao homicídio doloso qualificado tentado, realizando uma redução de 2/3 sobre a pena mínima pela tentativa, totalizando uma sanção de 06 anos de prisão.

 

O disparate é que, sob o prisma da teoria da equivalência, adotada pelo Código Penal, a esposa receberia uma reprimenda mínima de 12 anos de reclusão, já que responderia por homicídio doloso qualificado consumado (art. 121, § 2º, inciso III, do CP), como se tivesse atingido a vítima desejada (o marido - vítima virtual e não real).


Para encerrar, merece destaque uma outra situação manifestamente surreal, bem apontada por Paulo Queiroz (2014), com a maestria que lhe é peculiar: supondo, com base na teoria da equivalência, que a vítima desejada não venha a óbito (é a vítima virtual) e que o agente responda pela morte da vítima não desejada (vítima real) como se tivesse atingido a vítima desejada (vítima virtual), como se procederia se, a posteriori, o sujeito ativo viesse a matar a vítima desejada (que, de vítima virtual, tornar-se-ia vítima real, verdadeira!)? Dito de outro modo: e se a mãe, no caso apresentado, anos depois, resolvesse matar o seu marido?

 

Pois bem, salienta Paulo Queiroz (2014, p. 282), para ser coerente com a teoria, “a rigor não haveria crime punível, mesmo porque, do contrário, ocorreria bis in idem”, afinal, a esposa já havia sido punida pela morte de seu marido quando matou seus filhos…!

 

Ante o exposto, faço coro com Paulo Queiroz (2014) e Eugenio Pacelli (2014): diante da evidente inconsistência legislativa, assim como do excesso punitivo e das situações surreais que derivam da incidência da teoria da equivalência, revela-se necessária, via interpretação hermenêutica, ancorada no postulado constitucional da proporcionalidade, a acolhida da teoria da concretização no âmbito da aberratio ictus. (Guilherme Espíndola Kuhn em artigo com título “Aberratio ictus: uma verdadeira aberração regulamentada pelo Código Penal, comentários ao art. 73 do CP, publicado em 2017 no site canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br, acessado em 28/12/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).