segunda-feira, 6 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DA INICIATIVA DAS PARTES – PRINCÍPIO DO “NE EAT JUDEX ULTRA PETITA PARTIUM” – PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DA INICIATIVA DAS PARTES – PRINCÍPIO DO “NE EAT JUDEX ULTRA PETITA PARTIUM” – PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ - VARGAS DIGITADOR

Segundo esse princípio, cabe à parte provocar a prestação jurisdicional. Tal princípio vem cristalizado no velho aforismo nemo judex sine atore não há Juiz sem autor) ou ne procedat judex ex officio (o Juiz não pode dar início ao processo sem a provocação da parte). Contudo o Código lhe permite conceder habeas corpus de ofício (e o habeas corpus é uma ação penal popular). Permite-lhe decretar, de ofício, a prisão preventiva (e a prisão preventiva é ação cautelar...), o que demonstra que o nosso processo penal, embora acusatório, não o é genuinamente, visto permitir ao Juiz praticar atos próprios das partes, como da produção de provas, p. ex. Certo que até o advento da Carta Política de 1988, possibilitava-se ao Juiz dar início ao processo sem ser provocado. Isso acontecia nas contravenções (arts 26 e 531 do CPP) e nos crimes de lesão e homicídio culposos (Lei n. 4.611/65), quando a autoria era conhecida nos primeiros 15 dias. Ainda hoje se vislumbra no Código de Processo Penal a lembrança daquela época: basta simples leitura do seu art. 531. O art. 129, I, da Magna Carta, contudo, proclamou ser função institucional do Ministério Público promover privativamente a ação penal pública, e como nos crimes de lesão e homicídio culposos a ação penal é pública, o mesmo sucedendo com as contravenções (art. 17 da Lei das Contravenções Penais), logo, o princípio da iniciativa das partes passou a ter a dignidade que merecia e merece.

Princípio do “ne eat judex ultra petita partium” (o Juiz não pode ir além dos pedidos das partes)

Iniciada a ação, fixam-se os contornos da res in judicio deducta (do pedido formulado em juízo), de sorte que o Juiz deve pronunciar-se sobre aquilo que lhe foi pedido, que foi exposto na inicial pela parte. Esse o fato objeto do processo instaurado. Daí “se segue que ao Juiz não se permite pronunciar-se, senão sobre o pedido e nos limites do pedido do autor e sobre as exceções e nos limites das exceções deduzidas pelo réu”. Se por acaso, ao sentenciar, o Juiz observar que a qualificação jurídico-penal dada ao fato fique mais severa, nos termos do artigo 383 do CPP, mesmo porque o réu se defende do fato que lhe é imputado e não da sua qualificação... Mas se o fato contestado for outro, por óbvio o Juiz não pode sair do perímetro traçado pelo acusador, a não ser haja possibilidade de nova definição jurídica do fato em consequência de prova existente nos autos de circunstância elementar, não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia, quando então, conforme o caso, fará observar o disposto no art. 384, caput, do CPP ou no seu parágrafo único. Revendo nossa posição, entendemos que essa mesma regra é aplicável, também, na hipótese prevista no § 4º do art. 408 do CPP. Assim, se a denúncia descreve um crime de homicídio simples e no curso do procedimento surge prova a respeito de eventual qualificadora, deve o Juiz aplicar a regra do parágrafo único do art. 384 do mesmo estatuto, porque se trata de nova definição jurídica do fato, e não de diversa definição. Na sentença, o Juiz não fica adstrito à classificação do crime (art. 383). Assim também na pronúncia, conforme dispõe o § 4º do art. 408 do CPP.

Princípio da identidade física do Juiz


Vigora no Processo Penal o princípio da identidade física do Juiz? O Juiz que inicia a instrução criminal deverá ficar à frente do processo até o seu término? O Processo Civil, sem os exageros da Legislação passada, o mantém; a propósito, o art. 132. No campo processual penal, nenhuma regra nesse sentido.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL OU DO LIVRE CONVENCIMENTO – PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE – PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL OU DO LIVRE CONVENCIMENTO – PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE – PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO - VARGAS DIGITADOR

Esse princípio, consagrado no art. 157 do CPP, impede que o Juiz possa julgar com o conhecimento que eventualmente tenha extra-autos. Quod non est in actis non est in hoc mundo. O que não estiver dentro, no processo, é como se não existisse. E, nesse caso, o processo é o mundo para o Juiz. Trata-se de excelente garantia para impedir julgamentos parciais. Ele tem inteira liberdade de julgar, valorando as provas como bem quiser, sem, contudo, arredar-se dos autos. A fundamentação é de rigor. Sentença sem motivação é uma não sentença, tanto mais quanto a sociedade e em particular as partes devem saber que motivos levaram o Magistrado a esta ou àquela posição.

Princípio da publicidade

Outro princípio importantíssimo do Processo Penal é o da publicidade, segundo o qual os atos processuais são públicos.

No Direito pátrio vigora o princípio da publicidade absoluta, comoo regra. As audiências, as sessões e a realização de outros atos processuais são franqueados ao público em geral. Em se tratando de processo da competência do Júri, são impostas algumas limitações (v. CPP, arts. 476, 481 e 486).

Tal princípio da publicidade absoluta ou geral vem consagrado como regra no art. 792 do CPP. E deve ser assim para que a sociedade perceba que a Justiça não é feita entre quatro paredes. É e deve ser transparente. A despeito de viger tal princípio, o legislador pátrio admite, também, a publicidade especial ou restrita. Di-lo o § 1º do art. 792. Muito a propósito, também, o inc. LX do art. 5º da Magna Carta: “A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. E as razões, aqui, são óbvias. Basta simples leitura desses dispositivos legais.

Por outro lado, a publicidade não atinge, grosso modo, os atos que se realizam durante a feitura do inquérito policial, não só pela própria natureza inquisitiva dessa peça informativa, como também porque o próprio art. 20 do CPP dispõe que a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário... Trata-se, de conseguinte, de lex specialis. Nem se invoque a Constituição. Nela se fala em publicidade dos atos processuais... e os do inquérito não o são. Nela se fala em litigante... e no inquérito não há litigante. Não obstante, a Lei n. 8.906/94 O Estatuto da Advocacia), posterior ao Decreto-Lei n. 3.689/41 (Código de Processo Penal) e a este hierarquicamente superior, por ser Lei e o outro, Decreto-Lei, prevê entre os direitos do Advogado não só o de “comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis” (art. 7º, III), como o de “examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade policial, podendo copiar peças e tomar apontamentos...”(art. 7º, XIV). Então, praticamente, o princípio da não publicidade dos atos do inquérito sofreu esse sério revés. Ainda assim, os atos nele realizados não são públicos, isto é, não se permite que qualquer do povo possa assisti-los, tal como sucede com aqueles realizados em juízo.

Princípio do contraditório

A Constituição de 1988 é bem clara: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, LV).

E, como se não bastasse tanta clareza, acentuou: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CF, art. 5º, LIV). Claro que nesta expressão – due process of law – estão todas as garantias processuais.

Aliás, em todo processo de tipo acusatório, como o nosso, vigora esse princípio, segundo o qual o acusado, isto é, a pessoa em relação à qual se propõe a ação penal, goza do direito “primário e absoluto” da defesa. O réu deve conhecer a acusação que se lhe imputa para poder contrariá-la, evitando, assim, possa ser condenado sem ser ouvido.

Tal princípio consubstancia-se na velha parêmia audiatur et altera pars – a parte contrária deve ser ouvida. Traduz a ideia de que a defesa tem o direito de se pronunciar sobre tudo quanto for produzido em juízo pela parte contrária. Já se disse: a todo ato produzido por uma das partes caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou, ainda, de dar uma interpretação jurídica diversa daquela apresentada pela parte ex adversa. Assim, se o Acusador requer a juntada de um documento, a parte contrária tem o direito de se manifestar a respeito. E vice-versa. Se o Defensor tem o direito de produzir provas, a Acusação também o tem. O texto constitucional supracitado quis apenas deixar claro que a defesa não pode sofrer restrições que não sejam extensivas à acusação. Certo que a lei confere exclusivamente á Defesa o protesto por novo júri, os embargos infringentes ou de nulidade e até mesmo a ação de revisão criminal. Faz mais: proíbe a reformatio in pejus (art. 617 do CPP) e permite a absolvição na hipótese de insuficiência de prova para um decreto condenatório (art. 386, VI, do CPP). Tudo isso em decorrência do princípio do in dubio pro reo et contra civitatem. Trata-se, em todos esses casos, de normas inspiradas no princípio do favor rei ou favor libertatis. O princípio da proporcionalidade, que se admite na proibição das provas ilícitas (em favor da Defesa), e a revisão criminal inclusive das decisões do Tribunal do Júri também nada mais representam que consequências do princípio do favor rei.

De um ponto de vista lógico tal princípio parecerá, dizia Bettiol, um absurdo, mas, numa perspectiva política, assinala um avanço da liberdade no árduo caminho que leva a um processo penal “humano” (G. Bettiol, Instituições de direito e processo penal, trad. Manuel da Costa Andrade, Coimbra, Coimbra Ed., 1974, p. 304). Em contrapartida, talvez aqueles benefícios houvessem sido concedidos à defesa para compensar a desigualdade entre ela e a acusação, que dispõe de um invejável aparelhamento na fase pré-processual. De qualquer sorte, Acusação e Defesa estão situadas no mesmo plano, em igualdade de condições, e, acima delas, o Órgão Jurisdicional, como órgão “superpartes”, para, afinal, depois de ouvir as alegações das partes, depois de apreciar as provas, “dar a cada um o que é seu”. O contraditório implica o direito de contestar a acusação, seja após a denúncia, seja em alegações finais; direito de o acusado formular reperguntas a todas as pessoas que intervierem no processo para esclarecimento dos fatos (ofendido, testemunhas, peritos, p. ex.), de contra-arrazoar os recursos interpostos pela parte ex adversa; direito de se manifestar sobre todos os atos praticados pela acusação. Não bastasse esse princípio, a Lei Fundamental acrescenta o da “ampla defesa”. Já aqui se permite à Defesa o direito de produzir as provas que bem quiser e entender, dês que não proibidas; direito de contraditar testemunhas; direito de recorrer das decisões que contrariarem os interesses do acusado; direito de opor exceções (art. 95 do CPP), de arguir questões prejudiciais; direito de trazer para os autos todo e qualquer elemento que contradiga a acusação; direito de conduzir para o processo tudo quanto possa beneficiar o acusado; direito à “defesa técnica”, tal como se infere dos arts. 261 e 263, todos do CPP, sem embargo de poder exercer a “defesa material”, consistente em manifestação própria, na oportunidade do seu interrogatório. Quando alega um “álibi”, quando invoca uma excludente de ilicitude, quando nega a autoria, tudo integra a defesa “material”. Alega-se que a Defesa deve falar por último. Depende. Se a prova é produzida pela Defesa, é a Acusação que fala por derradeiro. E vice-versa. A nosso ver, quando o Promotor recorre, após as contrarrazões da Defesa, não deveria o Procurador de Justiça, ao opinar sobre o processo, manifestar-se quanto ao mérito, e sim sobre o aspecto formal e regularidade do feito. Do contrário estaria, em última análise, o Ministério Público falando duas vezes... E nem sempre se manifesta com aquela imparcialidade que é própria do fiscal da lei... Canotilho, após analisar o sentido constitucional do princípio do contraditório, conclui implicar ele, em particular, o direito de o réu intervir no processo e se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo, (Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada. Coimbra, Coimbra Ed., 2003, p. 206).

E no inquérito haverá contraditório?

Não obstante a Magna Carta disponha no art. 5º, LV, que “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, o certo é que a expressão “processo administrativo” não se refere à fase do inquérito policial, e sim ao processo instaurado pela Administração Pública para apuração de ilícitos administrativos ou quando se tratar de procedimentos administrativos fiscais, mesmo porque, nesses casos, haverá a possibilidade da aplicação de uma sanção: punição administrativa, decretação de perdimento de bens, multas por infração de trânsito, p. ex. Em face da possibilidade da inflição de uma “pena”, é natural deva haver o contraditório e a ampla defesa, porquanto não seria justo a punição de alguém sem o direito de defesa.


Já em se tratando de inquérito policial, não nos parece que a Constituição se tenha referido ao ele, até porque, de acordo com o nosso ordenamento, nenhuma pena pode ser imposta ao indiciado. Ademais, o texto da Lei Maior  fala em “litigantes”, na fase da investigação preparatória não há litigantes... É verdade que o indiciado pode ser privado da sua liberdade nos casos de flagrante, prisão temporária ou preventiva. Mas, para esses casos, sempre se admitiu o emprego do remédio heroico do habeas corpus. Nesse sentido, e apenas nesse sentido, é que se pode dizer que a ampla defesa abrange o indiciado. O que não se concebe é q permissão do contraditório naquela fase informativa que antecede à instauração do processo criminal, pois não há ali nenhuma acusação. Não havendo, não se pode invocar o princípio da par conditio – igualdade de armas. Todos sabemos que não se admite um decreto condenatório respaldado, exclusivamente, nas provas apuradas na etapa pré-processual. A Autoridade Policial não acusa; investiga. E investigação contraditória é um não-senso. Se assim é, parece-nos não ter sentido estender o instituto do contraditório ao inquérito, em que não há acusação. Quanto à ampla defesa, tem o indiciado direito ao habeas corpus sempre que sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação na sua liberdade de locomoção. Malgrado essas observações, o Estatuto da Advocacia confere ao Advogado o direito de examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante ou de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos. Mas entre essa conduta e o direito ao contraditório há cem léguas de distância.