domingo, 22 de março de 2015

DIREITO ECONÔMICO: A ORDEM ECONÔMICA E OS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA – LIVRO ESCRITO POR EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO E APLICADO PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC-BJI – 1º SEMESTRE/2014 - VARGAS DIGITADOR

DIREITO ECONÔMICO: A ORDEM ECONÔMICA E OS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA – LIVRO ESCRITO POR EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO E APLICADO PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC-BJI – 1º SEMESTRE/2014 - VARGAS DIGITADOR

CAPÍTULO 5

A ORDEM ECONÔMICA E OS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA

O presente capítulo pode ser considerado o núcleo central em torno do qual gravita toda a Constituição Econômica e, por esta razão, faremos um retrospecto de alguns conceitos que já foram tratados nos capítulos anteriores, mas que, nesse passo, devem ser revisitados para a melhor apreensão do modelo econômico adotado em nossa ordem constitucional.

Nos termos do art. 170 da Constituição Federal, a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

1.     Soberania nacional;

2.     Propriedade privada;

3.     Função social da propriedade;

4.     Livre concorrência;

5.     Defesa do consumidor;

6.     Defesa do meio ambiente;

7.     Redução das desigualdades regionais e sociais;

8.     Busca do pleno emprego;

9.     Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país;

10. Livre exercício de atividade econômica independente de autorização, nos termos da lei.

Tomaremos aqui como ordem econômica o conjunto de preceitos que indiquem os princípios e as regras preordenadas a influir de forma cogente, seja para o particular seja para o Estado, sobre a realidade econômica na qual atuam os agentes econômicos no mercado, em um regime de apropriação privada do produto da atividade econômica.

Ditas normas de ordem pública econômica tendem à aplicação imediata sobre os fatos aos quais se voltam, não impactando os pretéritos, mas atingindo os fatos futuros e os pendentes (veja-se o caso da mudança de padrão monetário, atingindo até mesmo a coisa julgada).

Importa salientar, ainda, algumas noções básicas sobre a teoria dos princípios, para que se tenha uma dimensão mais clara sobre o papel do texto para todo o ordenamento jurídico brasileiro.

O texto constitucional e a norma dele extraída não se confundem.

Normas não são textos, mas representam os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática dos textos normativos. Os dispositivos se constituem no objeto da interpretação, e as normas, seu resultado.

O significado do texto constitucional é algo que depende de seu uso e de sua interpretação. Esta não se caracteriza como um simples ato de descrição de um significado previamente dado, mas como um ato de decisão que constitui os sentidos de um texto.

O intérprete da ordem econômica não descreve simplesmente o significado dos termos ali constantes; ele constrói os significados diante do caso concreto, daí por que não se pode conceber a ideia de que a aplicação do Direito envolve uma atitude de conceitos prontos antes mesmo do processo de aplicação.

Existem, no entanto, significados mínimos constatáveis antes do processo de interpretação (“trabalho”, “propriedade”, “meio-ambiente” etc.), masque se desenham somente diante do caso concreto.

O intérprete da ordem econômica não só constrói, mas reconstrói o sentido diante do texto e do caso concreto, para dali retirar a norma pelo processo de interpretação. Interpretar é construir a partir de algo, por isso implica em reconstruir.

É preciso substituir a convicção de que o dispositivo identifica-se com a norma, pela constatação de que é o ponto de partida da interpretação; a função do intérprete não é meramente descrever significados, mas reconstruir sentidos, concretizando o ordenamento jurídico diante do caso concreto.

O ordenamento estabelece a realização de fins, a preservação de valores e a realização ou busca de determinados bens jurídicos essenciais à realização daqueles fins e à preservação desses valores.

Assim, faremos uma breve distinção entre princípios e regras para enfim passarmos à análise do art. 170 da Constituição Federal.

Princípios estabelecem fundamentos normativos para interpretação e aplicação do direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento. São pensamentos diretivos.

Por outro lado, as regras podem ser definidas como comandos de aplicação na base do tudo ou nada. Se a hipótese da incidência de uma regra é preenchida, ou é a regra válida e a consequência normativa deve ser aceita, ou é a regra válida e a consequência normativa deve ser aceita, ou ela não é considerada válida. No caso de colisão de regras, para a determinação de sua aplicação dever-se-á recorrer a critérios cronológicos (lei posterior revoga lei anterior), de hierarquia (lei superior prepondera sobre lei de hierarquia inferior) e de especialidade (lei especial prevalece sobre lei geral).

Sintetizando os critérios usuais entre princípios e regras, poderíamos afirmar:

·       Critério do caráter hipotético condicional: regras possuem uma hipótese e consequência que predeterminam a decisão, sendo aplicadas no modo “se”, “então”; enquanto os princípios apenas indicam o fundamento a ser utilizado pelo aplicador para futuramente encontrar a regra para o caso concreto;

·       Critério do modo final de aplicação: regras são aplicadas de modo absoluto na base do “tudo ou nada” e os princípios são aplicados de modo gradual “mais ou menos”;

·       Critério de relacionamento normativo: fundamenta-se na ideia de que a antinomia entre as regras consubstancia conflito solucionável pela exceção ou declaração de invalidade, ao passo que os princípios imbricam-se, solucionando o conflito mediante ponderação que atribua uma dimensão de peso a cada um deles;

·       Critério do fundamento axiológico: considera os princípios, ao contrário das regras, como fundamentos axiológicos para a decisão a ser tomada.

Em resumo: regras possuem uma hipótese e uma consequência, ao passo que os princípios apenas indicam o fundamento a ser utilizado pelo aplicador.

Não se deve esquecer, ainda, do princípio da unidade da Constituição, segundo o qual a consideração do texto constitucional como sistema aberto de regras e princípios aponta para o sentido de unidade hierárquico-normativa.

Tal princípio é uma exigência de coerência do sistema jurídico e dirige-se a juízes e autoridades encarregados de aplicar regras e princípios jurídicos no sentido de os “lerem” e “compreenderem”, na medida do possível, como se fossem obra de um só autor, exprimindo uma concepção do Direito e da Justiça, bem como revelando uma igualdade hierárquica no que tange à sua validade, prevalência normativa e rigidez.

Podemos resumir, então, que os princípios impõem a promoção de um estado ideal de coisas por meio da prescrição de comportamentos havidos como necessários, e as regras são normas descritivas de comportamentos devidos ou atributivos de poder.

Necessário, ainda, tocarmos no tema dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade para os fins de interpretação e aplicação dos princípios e regras que regulam a ordem econômica.

Os postulados não impõem a promoção de um fim, mas estruturam a aplicação do dever de promover um fim; não prescrevem comportamentos, mas modos de raciocínio e argumentação relativamente a normas que imediatamente prescrevem comportamentos. Em síntese: não descrevem comportamentos, mas estruturam a aplicação de normas que o fazem.

O postulado da razoabilidade procura a congruência ou pertinência entre o critério e a medida discriminatória. Deve haver na correlação entre hipótese de incidência e a natureza do ato uma adequação entre o geral e o particular, demonstrando observância ao princípio da isonomia que se preordena a dar aos iguais tratamento igual e aos desiguais tratamento desisonômico na medida de suas desigualdades.

Por outro lado, o postulado da proporcionalidade se volta para a aferição no campo da concretude da resposta a três perguntas elementares:

1)    O ato é adequado? É apto ao atingimento do fim a que foi concebido?

2)    Ele é necessário? Existe outro meio menos oneroso capaz de atingir o objetivo visado?

3)    Ele é proporcional em sento estrito? As vantagens do seu cometimento superam os custos e constrições da sua realização?

Poderemos, grosso modo, destacar de forma sistemática as diferenças principais entre os postulados acima aludidos à luz de um critério eminentemente prático:

RAZOABILIDADE
PROPORCIONALIDADE
 - plano abstrato
- generalidade
- questão de direito
- razão entre motivos e fins
- nexo interno e externo com a Constituição Federal
- premissa maior
- Proibição de retrocesso social da norma
- plano concreto
- pessoalidade
- questão de fato
- nexo entre meios e fins
- adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito
- premissa menor
- proibição de excesso do ato concreto

Direito e Economia

Economia é uma ciência social que tem como campo de atuação a sociedade e como objeto o estudo dos fenômenos relativos à produção, distribuição e consumo de bens materiais. Também estuda as necessidades materiais da coletividade e a sua satisfação, a organização da produção, a circulação de bens e a repartição de riquezas.

As necessidades humanas são infinitas e múltiplas mas os recursos são escassos, daí a necessária opção entre os usos alternativos de um mesmo produto e o seu processo de escolha.

A economia surge como uma ciência que estuda a atividade econômica, isto é, toda atividade referente à produção, distribuição e consumo de bens, bem como a adequação entre os recursos disponíveis e as necessidades existentes dentro de uma sociedade num dado momento histórico.

Estudar o Direito Econômico implica analisar a relação entre economia e direito, bem como pesquisar as causas justificadoras desse novo ramo do direito que envolve a disciplina jurídica da produção, circulação, distribuição e consumo de bens e serviços.

Evidente que, no trato com tais questões jurídicas o Judiciário desenvolve intensa atividade de interpretação, redundando em decisões com nítidos efeitos econômicos e, apenas para citar dois exemplos, lembremo-nos da correção monetária do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço e a inaplicabilidade da limitação dos juros reais em 12% ao ano, ambos decretados pelo Supremo Tribunal Federal.

A análise econômica do Direito investiga a resposta a duas questões importantes: (a) uma questão positiva sobre qual o impacto das normas legais no comportamento dos agentes econômicos (trabalhadores, consumidores, Estado e empresários) em termos de suas decisões e bem-estar; (b) uma questão normativa a respeito de quais as vantagens relativas de determinadas normas legais em termos de bem-estar social.

Para responder a estas questões, a análise econômica do Direito aplica a metodologia da análise microeconômica (que analisamos no capítulo 1), o denominado individualismo metodológico.

Os agentes econômicos tomam suas decisões de forma racional, isto é, comparando benefícios e custos (não só os monetários), dado o conjunto de informações disponíveis. O bem-estar da sociedade é medido pela agregação do bem-estar dos seus membros.

Neste sentido, os princípios econômicos são deduções de uma premissa geral que dita que os seres humanos se comportam racionalmente (eu diria instintivamente, grifos de Vargas Digitador) no sentido de maximizar a sua satisfação pessoal. Esta ferramenta básica permite estender o uso da economia a outros campos que não o do estudo do comportamento dos indivíduos e organizações no mercado.

A economia, como estudo do comportamento racional pode ser útil para qualquer ramo do Direito, inclusive dos Direitos Humanos, fornecendo indicações quanto à escolha da disciplina jurídica mais adequada em caso de valores conflitantes.

Como se vê, a análise econômica do Direito consiste na aplicação dos princípios da análise econômica aos problemas do Direito. A análise assume que os seres humanos são racionais (procuram maximizar seus interesses instintivamente – grifo de Vargas Digitador) e reagem aos incentivos a que estão submetidos.

Podemos visualizar o fruto dessa análise constatando, por exemplo, que o aumento de determinado tributo pode levar a um aumento da sonegação; a imposição da obrigatoriedade do uso do cinto de segurança pode levar os motoristas a se sentirem mais seguros e dirigirem mais depressa, aumentando a gravidade dos acidentes (Isso é ser racional? - grifo de Vargas Digitador); a proibição de beber ao conduzir pode levar os alcoólatras a concentrar, no tempo em que não estão dirigindo, o consumo do álcool, aumentando a gravidade da doença e aumentando eventualmente a violência doméstica (idem – ibidem);

Veja-se que não se está fazendo nenhuma defesa à proibição de tais condutas, apenas utilizamos a análise econômica para demonstrar efeitos “invisíveis” (instintivas - grifo de Vargas Digitador), de políticas a priori muito boas.

O mérito da análise econômica do Direito é o de levar-nos a pensar sobre estas consequências inesperadas.

Globalização

Imagine-se uma empresa sediada no Brasil e produtora de motores. Poderá esta empresa, com vistas a diminuir seus custos e ampliar sua competitividade, adquirir partes da máquina que produz na China, Austrália ou na Espanha, através de um pedido formulado pela Internet. Em qual hora do dia ou da noite, ou mesmo fora do Brasil, o executivo chefe da empresa, lanchando uma fruta exótica fora de estação, poderá estar operando seu laptop em qualquer lugar do planeta, consultando os melhores preços, prazos e vantagens dos componentes de que a empresa necessita, contratando em inglês, francês ou espanhol e transferindo ao pagamentos respectivos on-line...

Pode-se dizer que a globalização redundou no fim das barreiras nacionais e na integração planetária dos mercados, dos meios de comunicação e dos transportes. Como no exemplo acima, uma empresa pode ser abastecida por vários fornecedores que se encontram em várias partes do mundo, cada um oferecendo as melhores condições de preço e qualidade naqueles produtos em que têm maiores vantagens comparativas.

A globalização, dessa forma, implica, basicamente e de forma simplificada, na eliminação de barreiras comerciais (possibilidade de aquisição de produtos em quaisquer países), liberalização dos mercados de capitais (realização de transações financeiras interbancárias a nível planetário) e na possibilidade de produção independente de fronteiras, abolindo a distância (território / fronteiras) e o tempo.

Neoliberalismo

A globalização, como fenômeno econômico e social em escala planetária, deu respaldo à ideologia do neoliberalismo (e com ela não se confunde), que se baseia no argumento segundo o qual a liberalização do mercado otimiza o crescimento e a riqueza no mundo, e leva à melhor distribuição deste incremento. Toda tentativa de controlar e regulamentar o mercado apresenta resultados negativos, pois restringe a acumulação de lucros sobre o capital, impedindo, assim, a taxa de crescimento.

As palavras de ordem do neoliberalismo são menos Estado, fim das fronteiras, desregulação dos mercados, moedas fortes, privatizações, equilíbrio fiscal e competitividade global.

No campo das políticas macroeconômicas recomenda-se rigorosa austeridade fiscal e disciplina monetária com corte de gastos, implementação de reformas administrativas, previdenciárias e fiscais. Na vertente microeconômica, exige a desoneração do capital para que possa aumentar sua competitividade no mercado internacional aberto e desregulado.

Tais reformas estruturais e institucionais foram implantadas no Brasil nos anos 90, voltadas para a desregulação dos mercados financeiro e do trabalho, privatização de empresas estatais, supressão de monopólios estatais e serviços públicos com ampla abertura comercial.

Sem querer aprofundar a questão, o fato é que no Brasil seus críticos afirmam que a implantação desta ideologia levou o país ao aumento dos encargos públicos financeiros, queda das taxas de investimento e crescimento, deterioração das contas externas, concentração de riqueza, redução da participação do salário na renda e aumento acentuado do desemprego e subemprego. (Quero deixar claro não ser essa minha visão, lembrando o boom do euro na Europa e consequente “fabricação de dólar” para garantir a maior dívida do mundo, seja dos EUA, há bem pouco tempo atrás – prova disso, é que após o aparente equilíbrio, serem obrigados os donos da moeda, retirarem de circulação cerca de 3 (três) trilhões de dólares do mercado - grifo de Vargas Digitador).


Nossa análise do direito econômico, pois, não poderá deixar de observar estas premissas do mundo globalizado e da ideologia neoliberal à qual está submetida a direção de nossa economia desde ao menos o início da década de 1990.

DIREITO ECONÔMICO: A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA NAS CONSTITUIÇÕES DO BRASIL – LIVRO APLICADO PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC-BJI – 1º SEMESTRE/2014 - VARGAS DIGITADOR

DIREITO ECONÔMICO: A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA NAS CONSTITUIÇÕES DO BRASIL – LIVRO APLICADO PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC-BJI – 1º SEMESTRE/2014 - VARGAS DIGITADOR

CAPÍTULO 4
A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA NAS CONSTITUIÇÕES DO BRASIL

John Gilissen ressalta que a “história do direito visa fazer compreender como é que o direito actual de formou, bem como de que maneira evoluiu no decurso dos séculos.” (apud Eugênio Rosa de Araújo, p.29).

Neste sentido útil é necessário um esforço de síntese sobre o econômico nas Constituições brasileiras, fornecendo um panorama de sua evolução, relevante que é para a compreensão de nosso sistema vigente.

Constituição do Império de 1824.

Outorgada por D. Pedro I, refletia o liberalismo novecentista, posto que no seu art. 179, caput, garantia “a inviolabilidade dos direitos civis, e políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império.”

No referido artigo eram do mesmo modo garantidos, no inciso XXII, o direito de propriedade em toda a sua plenitude; o inciso XXIV dispunha que “nenhum gênero de trabalho, de cultura, indústria ou comércio póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes públicos, à segurança, e saúde dos cidadãos; o inciso XXV declarou que “Ficam abolidas as Corporações de Officios, seus Juízes, Escrivães e Mestres”; por fim o inciso XXVI asseverou que “Os inventores terão a propriedade das suas descobertas, ou das suas producções. A lei lhes assegurará um privilégio exclusivo temporário, ou lhes remunerará em ressarcimento da perda, que hajam de soffrer pela vulgarização.” (John Gilissen apud Eugênio Rosa de Araújo, pp.29/30).

Vê-se que o diploma prestigiou o direito de propriedade e a livre iniciativa, elementos clássicos dos ordenamentos liberais.

A Constituição de 1891.

Inspirada no modelo norte-americano por influência de Rui Barbosa, aqui também se visualiza o modelo liberal protetor da livre iniciativa e do direito de propriedade.

Assim, diante dos dispositivos que refletem o econômico na ordem constitucional de então, teremos, no art. 72, caput, que: “A Constituição assegura aos brazileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade nos termos seguintes:” (John Gilissen apud Eugênio Rosa de Araújo, p.30).

No parágrafo 17, assinalava que: “O direito de propriedade mantém-se em toda sua plenitude, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia.”

O parágrafo 25 dispunha que: “Os inventos industriais pertencerão aos seus autores, aos quais ficará garantido por lei um privilégio temporário, ou será concedido pelo Congresso um prêmio razoável quando haja conveniência de vulgarizar o invento.”

Por fim, o parágrafo 26 dizia: “Aos autores de obras literárias e artísticas é garantido o direito exclusivo de reproduzi-las, pela imprensa ou por qualquer outro processo mecânico. Os herdeiros dos autores gozarão desse direito pelo tempo que a lei determinar.”

Consagrou, portando, a Carta de 1891, os valores liberais da livre associação, livre iniciativa e a proteção ao direito de propriedade.

A Constituição de 1934.

A Constituição de 1934 foi a primeira Constituição brasileira a conter capítulo destacado disciplinando a ordem econômica e social, o que fez nos arts. 115 a 143.

É preciso notar, em primeiro lugar, que no capítulo dos direitos e garantias individuais, a Carta de 1934, em seu art. 113, nºs 17, 19 e 34 garantiu o direito de propriedade, não podendo ser exercido contra o interesse social, bem como a livre iniciativa, como o direito de prover a própria subsistência e a da sua família, mediante trabalho honesto.

Dos inúmeros dispositivos do capítulo referente à ordem econômica é preciso, assim, destacar, em primeiro plano, o caput do art. 115, segundo o qual: “A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica.”
O art. 116, por sua vez admitiu o monopólio estatal.

Paulo Bonavides apud Eugênio Rosa de Araújo, p.31, sintetiza o perfil social da Carta, afirmando:

Em 1934 demos o grande salto constitucional que nos conduziria ao Estado Social, já efetivado em parte depois da Revolução de 1930 por obra de algumas medidas tomadas pela ditadura do governo provisório. Os novos governantes fizeram dos princípios políticos e formais do liberalismo uma bandeira de combate, mas em verdade estavam mais empenhados em legitimar seu movimento com a concretização de medidas sociais, atendendo, assim, a um anseio reformista patenteado de modo inconsciente desde a década de 20, por influxo talvez das pressões ideológicas sopradas do velho mundo e que traziam para o país o rumor inquietante da questão social.”

A carta possuía um viés eclético, posto que fez um amálgama de teses liberais, autoritárias e corporativistas.

A Constituição de 1937.

É preciso ressaltar que o governo ditatorial de Getúlio Vargas jamais pôs em vigor a Carta de 1937, inicialmente em razão do art. 180 segundo o qual: “enquanto não se reunir o Parlamento Nacional, o Presidente da República terá o poder de expedir decretos-leis sobre todas as matérias da competência legislativa da União”. Sabe-se que o Congresso nunca se reuniu.

Por outro lado, os arts. 175 e 187 da Carta de 37 previam um plebiscito para referendar a Constituição que, também, jamais ocorreu.

Dessa forma, o que se tem na Carta de 1937 a título de ordem econômica, ficou ao puro arbítrio do ditador.

No entanto, ressalta a letra do art. 135, segundo o qual: “Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estímulo ou da gestão direta.”

Foi, infelizmente, a Carta outorgada de 37, documento aplicado segundo o arbítrio subjetivo de Getúlio Vargas, oscilando entre a luta contra os comunistas e contra a democracia liberal.

Vê-se, até agora, uma repetição da história política constitucional relembrada por Eugênio Rosa de Araújo, aos mais jovens, como simples historiador, mas continuemos. [Grifo de Vargas Digitador]

A Constituição de 1946.

Tomando como base o texto da Constituição de 1934 a Carta promulgada de 1946, também continha título específico sobre a ordem econômica, nos artigos 145 a 162 valendo destacar do seu conteúdo os dispositivos mais significativos, nos quais se viam o viés liberal pela defesa da livre iniciativa e a proteção ao direito de propriedade.

Assim, o art. 145 dispunha que: “A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano”; sendo que no parágrafo único ressaltou que: “A todos, é assegurado trabalho que possibilite existência digna. O trabalho é obrigação social”.

Dispôs que a União poderia intervir no domínio econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade, tendo por base o interesse público (art. 146), condicionou o uso da propriedade ao bem-estar social (art. 147) e previu a punição de qualquer forma de abuso do poder econômico (art. 148).

Restaurando o Estado Democrático de Direito, a Carta promulgada de 1946 restabeleceu não só a democracia, mas também o sistema capitalista regido pela livre iniciativa e pelo direito de propriedade, com os temperamentos do uso voltado ao bem-estar e ao combatente aos abusos do poder econômico.

A Constituição de 1967.

Embora promulgada pelo congresso Nacional, este votou o texto sob o pano de funda da Revolução de 1964 – cassações e perseguições políticas – de modo que a sua Constituição Econômica, inserta nos arts. 157 a 172, refletem, apenas em parte, os princípios da ordem econômica ali tratados, dos quais podemos destacar a liberdade de iniciativa, valorização do trabalho, a função social da propriedade, a harmonia entre os fatores de produção, o desenvolvimento econômico e a repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência de o aumento arbitrário dos lucros.

Tais princípios traduzem o viés liberal da Constituição de 1967, posto que garantidos o direito de propriedade, a livre iniciativa e a liberdade de concorrência.

A Emenda Constitucional nº 1, de 1969.

A Emenda nº 1, de 1969, foi imposta no recesso do Congresso Nacional pelo governo então exercido pelos Ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

De cunho liberal, a exemplo da Constituição de 1967, que emendou, consagrou, no art. 160, os princípios da ordem econômica, da livre iniciativa, da valorização do trabalho, da função social da propriedade, da harmonia entre as categorias sociais de produção e a repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo comínio dos mercados, pela eliminação da concorrência e pelo aumento arbitrário dos lucros.

Pode-se, ainda, pôr em relevo o art. 163, segundo o qual: “São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou atividade, mediante lei federal, quando indispensável por motivo de segrurança nacional ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais.”

A Constituição de 1988.

A Constituição de 1988 provocou ampla e profunda alteração no quadro da Constituição Econômica, sinalizando para um regime liberal, capitalista, de proteção da propriedade, da livre iniciativa e da livre concorrência.

Em breve síntese, pode-se identificar o alcance da Constituição Econômica e o regime da ordem econômica e financeira traçada na Carta de 1988.

Como princípio fundamental da República, o texto de 1988 consagra a livre iniciativa (art. 1º, IV), bem como estampa como princípio de suas relações internacionais e integração econômica dos povos da América Latina (art. 4º, parágrafo único).

No âmbito dos direitos fundamentais, insere,no art. 5º, da proteção da liberdade, da igualdade, da segurança e da propriedade.

No campo da competência legislativa aponta a competência concorrente da União, Estados e distrito Federal de, nos termos do art. 24, legislar sobre direito econômico (inciso I) e produção e consumo (inciso V).

Traz extenso capítulo sobre a ordem econômico-financeira (arts. 170 a 192), dispondo, no art. 170, que está fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, e ancorada nos princípios da soberania social (inciso I), propriedade privada e sua função social (incisos II e III), da livre concorrência (inciso IV), da defesa do consumidor (inciso V), da defesa do meio ambiente (inciso VI), da redução das desigualdades regionais e sociais (inciso VII), da busca do pleno emprego (inciso VIII) e do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte.

Disciplina o capital estrangeiro (art. 172), a intervenção direta do Estado na atividade econômica (art. 173), a atividade reguladora do Estado sobre a atividade econômica (art. 174), os serviços públicos (art. 175), a atividade mineraria (art. 176), as atividades objeto de monopólio (art. 177), a ordenação do transporte (art. 178), o regime das microempresas (art. 179), o turismo (art. 180) e a requisição de documentos de natureza comercial (art. 181).

No capítulo da política urbana, os arts 182 e 183 tratam da política de desenvolvimento urbano, mencionando as funções sociais da cidade e da usucapião.

À política agrícola, fundiária e reforma agrária dedica um capítulo (arts. 184 a 191), disciplinando temas como a desapropriação, função social da propriedade rural, política agrícola, terras públicas e devolutas, aquisição de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira, bem como a usucapião.

Por fim, o título “da ordem econômica e financeira” trata, no art. 192, do Sistema Financeiro Nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito e a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.


Deste breve inventário, constata-se o caráter liberal de nossa Constituição Econômica, adotando o regime capitalista de produção, com possibilidade de intervenção do Estado de forma direta e indireta, exigindo do intérprete importante esforço de conciliação prática de preceitos nem sempre harmônicos, redundando em sopesamento de valores em constante processo de cedência recíproca.