quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 716, 717, 718 - continua - Da Agência e Distribuição - VARGAS, Paulo S. R.

Direito Civil Comentado - Art. 716, 717, 718 - continua
- Da Agência e Distribuição - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XII – Da Agência e Distribuição –
(art. 710 a 721) vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 716. A remuneração será devida ao agente também quando o negócio deixar de ser realizado por fato imputável ao proponente.

Na plataforma de Claudio Luiz Bueno de Godoy, já sob a vigência da Lei n. 4.886/65 se entendia ora que a comissão fosse devida ao representante sempre eu o negócio por ele agenciado não se consumasse por culpa que não fosse a si imputável (ver, por todos: Fran Martins. Contratos e obrigações comerciais, 7. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 325) ora que a remuneração não fosse devida sempre que o negócio não se realizasse sem culpa do representado (cf. Orlando Gomes. Contratos, 9.ed. Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 416).

O Código Civil de 2002 superou essa dicotomia e assentou que a comissão será sempre devida quando o negócio agenciado não se consumar por fato que seja imputável ou atribuível ao preponente e não escusável. Portanto, não basta que o negócio não se ultime sem culpa do agente. É preciso que isso ocorra por fato atribuível ao preponente. Mais: insta que o fato ao preponente imputável não tenha justa causa. Ou seja, tem-se uma atividade proveitosa realizada pelo agente, que promove negócio somente não firmado por injustificável circunstância relativa à pessoa do preponente, que lhe seja imputável, como que a lei. É, de resto, o mesmo espírito do preceito anterior.

Imagine-se, por exemplo, o preponente que, sem justa causa, se recusa a fornecer a mercadoria cuja alienação foi agenciada pelo agente. É a mesma conduta culposa que, repetida e reiterada, encontra previsão no artigo antecedente, encerrando mesmo causa de resolução do ajuste, com perdas e danos. Aqui, por qualquer causa a si imputável, e injustificável, impedindo o preponente a ultimação de negócio proveitosamente agenciado pelo agente, a comissão deste deverá ser, de toda forma, paga por inteiro. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 736 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na toada de Ricardo Fiuza, o dever do representado de satisfazer a remuneração do agente pelos negócios realizados não se limita aos casos de rotina. No CC 714, cada remuneração tem-se devida pelo relevante fato de o negócio haver sido concluído na zona de atuação exclusiva do agente. Aqui, renova-se a extensão obrigacional, fazendo jus o agente à sua remuneração, quando o negócio resultar prejudicado ou inconcluso por fato imputável ao proponente, a exemplo de quando deixa o mesmo de atender pedido do agente, não fornecendo o bem objeto do negócio. O concurso exclusivo do proponente para a não realização do negócio o obriga perante o agente como se realizado fosse aquele negócio. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 380 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No relacionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a parte que torna impossível o cumprimento do contrato comete inadimplemento antecipado e viola o princípio da boa-fé objetiva. O descumprimento permite à parte prejudicada cobrar os prejuízos que lhe foram causados, inclusive o lucro cessante, i.é, o que deixou razoavelmente de lucrar. Se a infração é grave ao ponto de levar a parte prejudicada a perder o interesse no negócio, fica autorizada a requerer a resolução do contrato. O dispositivo concretiza essas noções a respeito de inadimplemento antecipado do proponente. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 09.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 717. Ainda que dispensado por justa causa, terá o agente direito a ser remunerado pelos serviços úteis prestados ao proponente, sem embargo de haver este, perdas e danos pelos prejuízos sofridos.

Sob a luz de Claudio Luiz Bueno de Godoy, é regra geral dos contratos, contida no CC 475, a possibilidade de sua resolução por inadimplemento de uma das partes, portanto, sempre que esta descumprir seus deveres contratuais, ademais de sua sujeição à composição dos prejuízos daí advindos. É o que o preceito em exame quer significar quando alude à dispensa do agente, por justa causa, com sua consequente responsabilização pelos prejuízos que tiver assim causado ao preponente. Mais: é ainda o que já previa a Lei n. 4.886/65 no seu art. 35, ao facultar a dispensa justificada do representante sempre que desidioso no cumprimento do ajuste, sempre que atuasse de modo a desacreditar o representado no mercado, ou quando, enfim, faltasse aos deveres decorrentes do contrato, da lei e do padrão de retidão que a boa-fé objetiva impõe nas relações contratuais.

Porém, ressalva agora o Código Civil de 2002 que, a despeito da justificada dispensa, ou da resolução do contrato por inadimplemento do agente, faz ele jus à percepção da comissão devida em razão dos negócios úteis que tiver antes promovido. Trata-se, a rigor, da mesma previsão que se fez inserir no capítulo da comissão, particularmente no CC 703, a cujo comentário se remete o leitor. E, como lá se disse, a ideia do legislador foi evitar que o preponente, apesar de autorizado a resolver o contrato, por culpa do agente, pudesse se aproveitar dos serviços por este já prestados de forma útil, sem lhe pagar a respectiva remuneração, o que significaria evidente enriquecimento sem causa, condenado pelo sistema. Isso em que pese a indenização a que pode ser passível de compensação com a remuneração com que tenha de arcar, respeitados os requisitos dos CC 368 e seguintes. Ou o abatimento desta no cálculo da indenização. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 736 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a doutrina de Ricardo Fiuza, renova-se aqui a preocupação do codificador civil em sublinhar nas relações contratuais a garantia de eticidade, plenificando, destarte, o princípio da boa-fé na execução e resolução dos contratos. Assim é que a dispensa do agente, mesmo que motivada, não o exonera da devida remuneração pelos serviços úteis prestados ao proponente. Situação de igual alcancem quando se tratou, por exemplo, do comissário (CC 703) ou do prestador de serviço (CC 603). Prepondera o interesse legislativo de obstar que qualquer das partes locuplete-se da outra, auferindo vantagem indevida ou enriquecimento ilícito.

A doutrina tem considerado como motivo justo para a rescisão unilateral do contrato a conduta do agente que, por falta de exação contratual, comprometa a representação. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 381 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo correspondente é o artigo 37 da Lei n. 4886/65 (com as alterações da Lei n. 8.420/92). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 09.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 718. Se a dispensa se der sem culpa do agente, terá ele direito à remuneração até então devida, inclusive sobre os negócios pendentes, além das indenizações previstas em lei especial.

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, enquanto o preceito do artigo anterior cuida da dispensa do agente com justa causa, portanto mercê de inadimplemento a si imputável, o dispositivo presente trata de sua dispensa sem justa causa, quer dizer, sem sua culpa. E, na mesma senda, tratará a norma do CC 719 da impossibilidade de o agente prosseguir em sua atividade por motivo de força maior.

De toda sorte, se há resolução do contrato por iniciativa do preponente, sem causa que a justifique, atribuível ao agente, conforme explicitação do art. 35 da Lei n. 4.886/65, a este se garante a percepção, de um lado, das comissões até então devidas e, mais, mesmo daquelas que resultem de negócios não ultimados, mas cujo agenciamento ele já tiver iniciado. São os negócios pendentes, a que se refere o artigo ora em comento. Além disso, fará jus o agente ou distribuidor à indenização que a conduta injustificada do proponente lhe tiver causado, remetendo o CC/2002, nesse passo, à lei especial.

E, com efeito, o art. 27, j, e o § 1º, da Lei n. 4.886/65, com redação dada pela Lei n. 8.420/92, previram indenização devida quando houvesse dispensa do representante, fora das hipóteses em que tivesse agido com culpa, corrigida a remissão que continha o dispositivo citado ao preceito do art. 34, e não 35, como agora está, da mesma normatização, emenda que a Lei n. 8.420/92 efetivou. Mais: distinguiram-se, em ambas as hipóteses, casos de dispensa sem justa causa quando o contrato fosse por prazo determinado, então aplicando-se a regra do § 1º do art. 27, e quando fosse por prazo indeterminado, incidindo, de seu turno, a regra da letra j do mesmo artigo.

Na primeira hipótese, a do § 1º, a lei especial estatui uma indenização fixada em função da média das comissões recebidas até a resolução, multiplicada pela metade dos meses que ainda faltavam para o contrato findar. Já na segunda hipótese, a mesma lei estabelece indenização não inferior a 1/12 do total das comissões recebidas durante o tempo de exercício da atividade de agenciamento.

Bem de ver que, no caso de contrato por prazo indeterminado, em que a faculdade de denúncia é inerente, a indenização se fará mediante aplicação conjunta do artigo presente com a previsão do CC 720, a seguir comentado, i.é, a indenização só será devida se a denúncia imotivada de ajuste com prazo indeterminado não atender à regra do CC 720.

Observa-se que os patamares indenizatórios da lei especial não excluem a possibilidade de suplementação, provado prejuízo maior, corolário, inclusive, da imposição constitucional de integral reparação dos direitos violados. A rigor, enquanto o § 1º institui critério para fixação do que é verdadeiramente importe de lucros cessantes, portanto sem prejuízo da demonstração de danos emergentes, por exemplo, consistentes nos investimentos feitos para exercício da agência pelo restante do prazo do contrato, a redação da letra j. do mesmo art. 27 textualmente ressalva cuidar de um patamar mínimo, de uma indenização, quando devida, nunca inferior ao percentual lá estabelecido. Não se pode olvidar, a propósito, do caráter social da indenização que, no caso, se deve em virtude do exercício do que é um trabalho, à semelhança da indenização devida ao empregado, quando despedido sem justa causa. Por isso mesmo, aliás, não se vem admitindo cláusula contratual que exclua a indenização em caso de injustificada do agente. Como acentua Arnoldo Wald, as regras da representação comercial se inspiram nos direitos sociais do trabalhador (“Do regime jurídico do contrato de representação comercial”. In: Revista dos Tribunais, outubro de 1993, v. 696, p. 17-27). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 738 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo o histórico, o presente dispositivo, em relação ao anteprojeto de Agostinho Alvim, foi objeto de emenda por parte da Câmara dos Deputados no período inicial de tramitação do projeto a fim de simplificar a linguagem e emprestar, outrossim, maior precisão ao sentido da lei. A redação original era a seguinte: “Se a dispensa se der sem culpa do agente, terá ele direito à remuneração até então devida, e, de conformidade com a lei especial, à relativa aos negócios pendentes, mais perdas e danos”. Não há artigo correspondente no CC de 1916.

Na Doutrina explícita de Ricardo Fiuza, a expressão “indenizações previstas em lei especial” é bem mais ampla do que falar simplesmente em “perdas e danos”. Essa indenização tem nítido sentido social, pois constitui a retribuição, a esses profissionais, pelo valor incorpóreo do seu trabalho em prol dos proponentes, e consistente na captação da clientela. Ademais, essa indenização tarifada em leis específicas tem a vantagem de evitar os demorados e onerosos processos de composição de perdas e danos. Esse argumento avulta no instante em que o Poder Judiciário está empenhado seriamente em reduzir o número das demandas, evitando o congestionamento dos Tribunais, já assoberbados com o número excessivo de processos.

O dispositivo guarda identidade com o tratamento ético do CC/2002, a exemplo do disposto nos CC 623 e 705, colimando a obrigação de indenizar em face da ruptura do contrato. A lei especial a que se refere o dispositivo é aden. 4.886, de 9-12-1965, com as alterações introduzidas pela Lei n. 8.240, de 8-5-1992. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 381 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

O contrato por prazo indeterminado, na esteira de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, pode ser resilido a qualquer tempo por qualquer das partes, mediante denúncia à contraparte com antecedência de 90 dias, conforme o CC 729. A resilição não desobriga ao pagamento dos créditos já constituídos. O dispositivo determina que seja paga, igualmente, a remuneração relativa aos negócios pendentes, sem excluir indenizações, em homenagem ao princípio da não-surpresa e da confiança, que decorrem da boa-fé objetiva.

No mesmo sentido, preconiza o § 5º do art. 35 da Lei n. 4.886/65 que a rescisão injusta do contrato pelo proponente (a que não se fundamentar em nenhum dos motivos previstos no art. 35) torna exigível, antecipadamente, na data da rescisão, a comissão por pedidos em carteira ou em fase da cobrança. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 09.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).