sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 665, 666 - Do MANDATO - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 665, 666
- Do MANDATO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo X – Do Mandato -
(art. 653 a 666) Seção I – Disposições Gerais –
vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 665. O mandatário que exceder os poderes do mandato, ou proceder contra eles, será considerado mero gestor de negócios, enquanto o mandante lhe não ratificar os atos.

A regra do artigo presente, sob prisma de Claudio Luiz Bueno de Godoy, complementa aquela que se contém no CC 662 logo antes examinado, impondo-se o exame e interpretação conjuntos de ambos os preceitos. Quer isto dizer, de um lado, que persiste o princípio geral de que alguém não se vincula por atos que outrem tenha praticado em seu nome sem poderes para tanto, sem poderes suficientes ou além dos poderes conferidos, senão quando havida ratificação, expressa ou tácita. De outro, insta compreender de forma extensiva o comando do CC 665, atinente não só à situação do mandatário que atua em excesso de poderes como também daquele que atua sem os mesmos poderes suficientes que, assim, e sem a ratificação, será considerado mero gestor de negócios. Afinal, quem atua além dos poderes recebidos atua sem poderes ou sem poderes suficientes para a prática daquele determinado ato.

Ainda mais, a interpretação conjunta dos preceitos citados leva à conclusão de que, se o mandatário abusa dos poderes, ou seja, age nos seus lindes, porém contra o interesse do mandante, este só não se vincula se o conflito for ou devesse ser do conhecimento do terceiro com quem se negocia, como, de resto, e a todo esse propósito, já se viu no comentário do CC 662, a que se remete.

Mas, enfim, dizer que quem age por outrem sem poderes, sem poderes suficientes ou com excesso de poderes será considerado mero gestor de negócios significa explicitar a vinculação pessoal deste que atua perante terceiros com quem negocia, mas também significa, de outra parte, ressalvar direito a ressarcimento se a gestão tiver sido útil e tiver trazido proveito ao mandante. É o que se estatui no capítulo próprio da gestão de negócios (ver comentários aos CC 871 a 875) e, mais, é a mesma regra que se faz explícita no CC 695, parágrafo único, que trata, justamente, da comissão exercida com excesso, espécie contratual a que, a rigor, são aplicáveis os mesmos princípios do mandato, como se verá (cf. comentários dos CC 693 e 709). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 690 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na esteira de Ricardo Fiuza, sabe-se, em demasia, que a responsabilidade exprime o dever jurídico em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão que lhe sejam imputados, pra satisfazer a pretensão convencionada ou para suportar o encargo, que lhe é imposto. A par desse axioma, observa-se que a responsabilidade atribuída ao mandatário fundamenta, em relação ao mandante ou ao terceiro, o direito de exigir dele o cumprimento da obrigação que se lhe impunha. Vale dizer que a responsabilidade do mandatário concerne, a rigor, à própria execução do mandato, ou resulta da má execução dele.

Além de serem inidôneos, para vincular o mandante, os atos do mandatário praticados após a extinção do mandato (RT 173/886), o mandatário que exceder os limites do mandato, ao assumir obrigações com terceiros, sem que haja ratificação do mandante, estará obrigado, perante estes, a responder, pessoalmente e a qualquer tempo, pelo excesso cometido (Iff 445/178), reputando-se como mero gestor de negócios.

Deve o mandatário assumir e solver as despesas e encargos decorrentes dos atos que praticou com excesso de poderes, ou mesmo daqueles praticados em contratos que em tal situação firmou, caso não tenham sido ratificados pelo mandante. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 357 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 13/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na balada de Marco Túlio de Carvalho Rocha, se uma pessoa age em nome e por conta de determinada pessoa, sem ser autorizada por esta, seus atos conformam gestão de negócios. A gestão de negócios é ato jurídico lícito ou ilícito, conforme as condições em que se dê. Se o dono do negócio ratificar o ato praticado em seu nome e por sua conta, a gestão transforma-se em mandato com efeitos retroativos ao momento da realização do ato.

Do mesmo modo ocorre no caso de o mandatário exorbitar os poderes que lhe foram conferidos. Considera-se, em relação aos atos exorbitantes, mero gestor. Tais atos exorbitantes não vinculam o mandante enquanto não convalidados. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 13.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 666. O maior de dezesseis e menor de dezoito anos não emancipado pode ser mandatário, mas o mandante não tem ação contra ele senão de conformidade com as regras gerais, aplicáveis às obrigações contraídas por menores.

Como reza Claudio Luiz Bueno de Godoy, manteve o Código de 2002 a regra, contida já na disposição do art. 1.298 do CC/1916, permissiva da outorga de mandato a um específico relativamente incapaz, ou seja, o menor entre 16 e, agora, 18 anos, quando se completa a maioridade civil, isso independentemente da manifestação de vontade de seu assistente. O pressuposto do comando estava, como a inda está, na consideração de que o menor relativamente incapaz, enquanto mandatário, gere interesses alheios, assim comprometendo patrimônio que não é seu, portanto sem causa suficiente à incidência dos preceitos protetivos que inspiram todo o regramento das incapacidades.

Mais, e na mesma esteira, desde o Código Civil anterior, o que se mantém no atual, estatui-se que o mandante, a quem é afeto o fisco de outorgar poderes ao chamado menor púbere, mas porque nele deposita confiança, característica do mandato, não tenha contra ele qualquer ação pelo mal cumprimento do encargo que lhe foi cometido, segundo a lei cabendo tão somente ações conformes às regras gerais aplicáveis contraídas pelo menor. A propósito, sempre exemplificou a doutrina com a ação de enriquecimento sem causa ajuizável pelo mandante contra o mandatário menor que se tenha beneficiado, pessoalmente, no desempenho do mandato. Devem ser acrescentadas, porém, hipóteses em que o menor retenha consigo, indevidamente, bens do mandante, ou sempre que ele tenha agido com dolo, como adverte Arnaldo Marmitt (Mandato. Rio de Janeiro, Aide, 1992, p. 134), afora a incidência da regra geral contida no CC 180.

Superada, com a unificação das obrigações civis e comerciais, vale dizer, com o tratamento unificado das obrigações e, dentre elas, dos contratos, revogada a primeira parte do Código Comercial, a discussão sobre se o mandatário mercantil podia ser menor, em face do que se continha no dispositivo genérico do art. 129, I, da Lei Comercial, mas que muitos já consideravam inaplicável ao mandato mercantil (v.g., DE PLÁCIDO E SILVA. Tratado do mandato e prática das procurações. Rio de Janeiro, forense, 1989, v. I, p. 135).

Problema, na verdade, havia e ainda há na consideração sobre se a norma presente deve ser considerada excepcional e, assim, excludente da possibilidade de outorga de mandato a menor púbere, o Código Civil exclui, ao revés, a outorga a outros incapazes, ao menos de sorte a que se vincule o mandante, perante terceiros, por atos de que incumbido o mandatário incapaz. Por exemplo, sustenta De Plácido e silva (op. cit., p. 127-33) que, a rigor, o princípio, em relação aos demais incapazes, na sua visão mesmo os que o sejam de forma absoluta, não é diferente daquele que ilumina o preceito vertente. Afinal, a seu ver, se o mandate escolhe e confia poderes ao incapaz, qualquer que seja a incapacidade, não lhe pode ser dado valer-se dessa circunstância para subtrair-se aos efeitos do negócio ajustado. E mesmo sob a perspectiva do incapaz, persiste o mesmo pressuposto de que não obriga o próprio patrimônio, na exata medida em que gere interesse alheio, por isso, enfim, a crítica no sentido de que a opção do Código Civil deveria ser uniforme a esse respeito. Isso sem contar especificamente a situação do pródigo, a quem só se vedam os atos de alienação e gravação, enfim, de comprometimento de seu próprio patrimônio, também o que não se dá com o mandato. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 691 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Antes do comentário à Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, há um histórico apontando que, da análise do presente, verifica-se que a redação original do dispositivo, tal como for enviado ao Senado, apresentava-se nos seguintes termos:

“Ai. 666. O maior de dezesseis e menor de vinte e um anos não emancipado pode ser mandatário, mas o mandante não tem ação contra ele senão de conformidade com as regras gerais, aplicáveis às obrigações contraídas por menores”. Emenda da lavra do eminente Senador Josaphat Marinho compatibilizou o dispositivo com a nova redação dos ais. 42, 52 e 1.548 do projeto, no que se refere à diminuição da maioridade civil de vinte e um para dezoito anos.

Nessa toada, como bem justificou o ilustre senador Galvão Modesto, autor da emenda n. 1, “A tendência prevalecente é no sentido de fixar a maioridade civil em dezoito anos. Assim a estabelecem o Código Civil italiano, de 1942, (ai. 2 -), o português, de 1966, com as alterações de 1977 (ai. 130), o francês, com as inovações da Lei de 1974 (art. 488). Esta é a consagração, também, da Constituição espanhola de 1978 (art. 12). Acresce que nossa Constituição prestigia essa tendência. Restringe a inimputabilidade penal aos menores de dezoito anos, sujeitando-os a legislação especial (art. 228). Considera o alistamento eleitoral e o voto obrigatórios para os maiores dessa idade e facultativos para os maiores de dezesseis anos (ai. 14, § P, I e II. c). E estipula a idade de vinte e um anos como condição de elegibilidade ‘para deputado federal, deputado estadual ou distrital, vice-prefeito e juiz de paz’, bem assim a de 18 para vereador (ai. 14, § LV, VI, c e d), o que corrobora a fixação da maioridade aos dezoito anos. Essa inclinação legislativa repousa, também, na certeza de que os meios de comunicação tramitem, permanente e crescentemente, conhecimentos e informações, que ampliam o poder de observação das pessoas e de discernimento dos fatos. Há de presumir-se, mesmo, que assim se teria orientado o Projeto, se sua elaboração houvesse sido posterior à Carta de 1988”.

Corresponde ao art. 1.298 do CC de 1916, obviamente com a alteração da sobredita antecipação da maioridade civil.

Dentro da doutrina, o insigne e saudoso mestre Clóvis Beviláqua, de antanho, já discordava dessa medida, julgando-a inoportuna e desnecessária, ao argumento de que “nem há necessidade de recorrerem os mandantes aos menores para os encarregarem de seus negócios, porque melhor os podem gerir os maiores” (apud De Plácido e Silva. Tratado dos mandatos e prática das procurações. Rio de Janeiro. Forense, 1963, v. 2, p. 145).

Todavia, não se afigura razoável dita objeção, porque, em verdade, a própria essência do mandato não se contrapõe à instituição de mandatário em nome do relativamente incapaz, a exemplo dos menores púberes não emancipados, para praticar atos sob responsabilidade do mandante. Isso em razão de que, instituindo-se menor púbere como mandatário, não se apronta a função basilar do mandato, certo que o relativamente incapaz não age por si, mas como intermediário, em nome e sob responsabilidade do mandante, permanecendo, daí, isento de qualquer responsabilidade perante terceiros, desde que não atue com excesso de poderes.

Dessa regra pode-se afirmar que, na realidade, o mandatário não contrata efetivamente, pois as obrigações surgidas de sua atuação e os consequentes riscos de não se poder exigi-las correm à conta do mandante. Bem é dizer: não se toma em consideração a capacidade do mandatário, eis que este, ao tempo em que obriga diretamente o mandante, não se obriga ele próprio pela operação contratada. Realmente, para o terceiro, é irrelevante que o mandatário seja, ou não, capaz de contratar, porque quem vai responder, ao final é o mandante. Basta apenas verificar se o mandante é capaz de outorgar o mandato e se o ato a ser praticado pelo mandatário não excedeu os limites do instrumento.

Aviventa-se, neste contexto, a expressiva lição de Serpa Lopes: “o menor relativamente incapaz que for designado mandatário não responderá por perdas e danos em consequência da má execução que venha a dar ao mandato recebido, nem dele se pode reaver qualquer elemento patrimonial em composição do dano produzido. Todavia, isso não importa converter uma medida de proteção em acobertação de enriquecimento ilícito” (apud José Lopes de Oliveira. Contratos. 1. ed., Recife. Livrotécnica, 1978, p. 183). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 358 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 13/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Marco Túlio de Carvalho Rocha, maior de dezesseis anos e menor de dezoito anos não emancipado é relativamente incapaz. Tal condição permite que ele, em regra, realize atos jurídicos devidamente assistido.

Pode, no entanto, assumir a condição de mandatário e cumpri-la sem a necessidade de qualquer assistência. A excepcionalidade deve-se ao fato de o mandatário não ser, a rigor, a fonte última da vontade a ser manifestada no negócio a que se destina o mandato. Fonte da manifestação de vontade é o mandante. É também o mandante quem sofre as consequências dos atos que tiver autorizado o mandatário a realizar em seu nome. Assim, a capacidade plena do mandante, ou a incapacidade do mandante suprida pelo representante legal deste, é garantia de que os poderes outorgados dizem respeito a atos que se conformam à consciência e à vontade interna do mandante. O mandatário é mero condutor dos desideratos do mandante e o relativamente incapaz, maior de 16 anos, menor de 18 anos, possui maturidade suficiente para comunicar a vontade do mandante a terceiros. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 13.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).