quarta-feira, 8 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DA INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS - PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DA INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS -  PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO - VARGAS DIGITADOR


Princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos

Até o advento da Constituição de 1988 não havia, em nosso país, qualquer regra impeditiva de se produzir em juízo “prova obtida através de transgressões a normas de direito material”. Apenas o art. 233 do CPP. Agora, contudo, toda e qualquer prova, obtida por meios ilícitos, não será admitida em juízo. É como soa o inc. LXI do art. 5º da Constituição de outubro de 1988. Assim, uma busca e apreensão ao arrepio da lei, uma audição de conversa privada por interferência mecânica de telefone, microgravadores dissimulados, uma interceptação telefônica, uma gravação de conversa, uma fotografia de pessoa ou pessoas em seu círculo íntimo, uma confissão obtida por meios condenáveis, como o famoso “pau-de-arara”, o “lie detector” e, enfim, toda e qualquer prova obtida ilicitamente, seja em afronta à Constituição, seja em desrespeito ao direito material ou processual, não será admitida em juízo.

Sem embargo, parece-nos que se deve respeitar o critério da proporcionalidade do direito tedesco, tão bem expresso na súmula 50 das Mesas de Processo Penal da USP, segundo a qual “podem ser utilizadas no processo penal as provas ilicitamente colhidas, que beneficiem a defesa”. Na verdade, se a proibição da admissão das provas ilícitas está no capítulo destinado aos direitos fundamentais do homem, parece claro que o princípio visa a resguardar o réu. Sendo assim, se a prova obtida por meio ilícito é favorável à Defesa, seria um não-senso sua inadmissibilidade. É que entre a liberdade e o direito de terceiro sacrificado deve pesar o bem maior, no caso a liberdade, pelo menos como decorrência do princípio do favor libertatis. Sobre o tema, Ada Pelegrini Grinover, Liberdades públicas e processo penal, São Paulo Revista dos Tribunais, 1982.

Prova ilícita por derivação.

A inadmissibilidade a que vimos de nos referir não se restringe apenas às provas obtidas ilicitamente, mas, inclusive, às ilícitas por derivação. Diz-se a prova ilícita por derivação quando, embora recolhida legalmente, a autoridade, para descobri-la, fez emprego de meios ilícitos. Os americanos usam da expressão fruits of the poisonous tree (frutos da árvore envenenada). Mediante tortura (conduta ilícita), obtém-se informação da localização da res furtiva, que é apreendida regularmente. Mediante escuta telefônica (prova ilícita), obtém-se informação do lugar em que se encontra o entorpecente, que, a seguir, é apreendido com todas as formalidades legais... Assim, a obtenção ilícita daquela informação se projeta sobre a diligência de busca e apreensão, aparentemente legal, mareando-a, nela transfundindo o estigma da ilicitude penal.


Aliás, a Suprema Corte tem sufragado (por maioria de votos) a tese da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação (informativo STF n. 36, de 21-11996, e 30, de 15-5-1996). Na verdade, se a comprovação do fato for obtida única e exclusivamente por meio de prova ilícita, a desvalia da prova é absoluta, total. Pode até suceder de a Polícia, mediante procedimento ilícito (escuta telefônica sem prévia permissão judicial), conseguir descobrir certa quantidade de droga com traficante. Nem por isso, malgrado a gravidade do fato, deve ser desrespeitada a nossa Lei Fundamental. E quem for contrário a esse entendimento deverá, antes de mais nada, passar uma esponja no texto da nossa Lei Maior, a qual inadmite a prova obtida ilicitamente. Note-0se mais: a vingar compreensão diversa, chegar-se-á àquele absurdo já anotado por Alejandro Carrio: aqueles que têm como função interpretar e aplicar a lei – os juízes – vão embasar um decreto condenatório em prova obtida mediante a prática de outro crime... (Garantias constitucionales, Buenos Aires. Ed. Hammurabi, 1997, p. 157). Fazemos, contudo, uma restrição: se a comprovação do fato ocorrer, também, por outro meio probatório completa e absolutamente desvinculado da prova obtida ilicitamente, esta não pode nem deve contaminar o processo.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL- VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL- VARGAS DIGITADOR


Entre nós, embora sem expressa disposição legal, sempre se observou o princípio do due process of law. Hoje, contudo, foi ele erigido à categoria de dogma constitucional. Assim dispõe o art. 5º, LIV, da Constituição de outubro de 1988: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. E. Eduardo J. Couture professa: “o due process of law consiste no direito de a pessoa não ser privada da liberdade e de seus bens, sem a garantia que supõe a tramitação de um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei” (cf. Fundamentos del derecho procesal civil, Buenos Aires, Depalma, 1951, p. 45). A Emenda V da Constituição norte-americana, fruto de uma proposta de Madison em 1789, pela primeira vez proclamou que “no person shall b... deprived of life, liberty or property without due process of law...” (ninguém pode ser privado da vida, liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal). Aliás, a fonte original desse princípio estava no Capítulo 39 da Magna Charta Libertatum de João Sem Terra, promulgada no campo de Runnymede, próximo a Windsor, em junho de 1215, ao prescrever que ninguém podia ser privado dos seus bens, vida e liberdade senão... “by the law of the land”. Esta última frase, na versão original, posto que a Magna Charta fora expedida em latim, era per legem terrae. Na reedição da Carta, em 1225, foram diminuídos os capítulos, de sorte que o de n. 39 passou a ser 29. Depois, na primeira versão em inglês, ocorrida em 1354, em lugar de legem terrae, ou “by the law of the land”, que seria a tradução perfeita, estava “due process of law” (Arturo Hoyos, El debido proceso. Bogotá. Temis, 1998, p. 8). E esta expressão, segundo Webster, citado por Ruy, é a lei que ouve, antes de condenar, que obra mediante investigação dos fatos e não sentencia senão nos termos do processo (“Anistia inversa”, in Coletânea Jurídica, 1928, p. 111). Este o devido processo legal, hoje incorporado não apenas em nossa Lei Maior, mas em todas as Constituições dos Estados contemporâneos. O devido processo legal, por óbvio, relaciona-se com uma série de direitos e garantias constitucionais, tais como presunção de inocência, duplo grau de jurisdição, direito de ser citado e de ser intimado de todas as decisões que comportem recurso, ampla defesa, contraditório, publicidade, Juiz natural, imparcialidade do Julgador, direito às vias recursais, proibição da reformatio in pejus, respeito à coisa julgada (ne bis in idem), proibição de provas colhidas ilicitamente, motivação das sentenças, celeridade processual, retroatividade da lei penal benigna, dignidade humana, integridade física, liberdade e igualdade. Para um estudo mais minudencioso, v. Alberto Suárez Sánchez. El debido proceso penal, Colômbia. Universidade Externado da Colômbia, 2001, p. 249 e s., e o excelente trabalho do admirável Adauto Suannes (Os fundamentos éticos do devido processo legal. São Paulo, Revista dos Tribunais).