quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.285, 1.286, 1.287 Dos Direitos de Vizinhança – Da Passagem Forçada, Cabos e Tubulações – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.285, 1.286, 1.287

Dos Direitos de Vizinhança – Da Passagem Forçada, Cabos

e Tubulações – VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial –

Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.285 a 1.287) Capítulo V –

Dos Direitos de Vizinhança – Seção III e IV – Da Passagem Forçada, Cabos 

e Tubulações -  digitadorvargas@outlook.com

- vargasdigitador.blogpot.com

 

Art. 1.285. o dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de Indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário.

§ 1º. Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem.

§ 2º. Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das partes perca o acesso a via pública, nascente ou porto, o proprietário da outra deve tolerar a passagem.

§ 3º. Aplica-se o disposto ao parágrafo antecedente ainda quando, antes da alienação, existia passagem através de imóvel vizinho, não estando o proprietário deste constrangido, depois, a dar uma outra.

Sob o prisma de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame corresponde ao art. 559 do Código Civil de 1916, contendo, porém, significativas alterações, especialmente em seus três parágrafos, que agora indicam e disciplinam qual dos vizinhos será constrangido a dar a passagem. Na lição de Hely Lopes Meirelles, a “passagem forçada é restrição ao direito de propriedade, decorrente das relações de vizinhança. Não é servidão predial, cujos fundamentos e pressupostos são outros. A passagem forçada é uma imposição da solidariedade entre vizinhos e resulta da consideração de que não pode um prédio perder a sua finalidade e valor econômico, por falta de acesso à via pública, fonte ou porto, permanecendo confinado entre propriedades que o circundam, limítrofes ou não. Quando tal situação ocorre, permite a lei que o prédio rural ou urbano, assim, encerrado, obtenha dos vizinhos o acesso necessário” (Direito de construir, 4. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1983, p. 58). Cuida-se de direito potestativo - por isso não sujeito à prescrição - de um vizinho exigir do outro o acesso à via pública, porto ou nascente, mediante indenização. Cuida-se de servidão legal que não se confunde, como acima visto no comentário ao CC 1.277, com direito real de servidão. Isso porque: a) decorre da lei e não do negócio jurídico; b) não se constitui pelo registro imobiliário, ao contrário do direito real de servidão; c) funda-se na necessidade e não na mera conveniência.

Afirma a doutrina tradicional que a passagem forçada está subordinada aos seguintes requisitos cumulativos: a) o encravamento deve ser absoluto, ou seja, não há acesso possível a via pública, nascente ou porto; b) o encravamento deve ser natural, ou seja, não provocado pelo próprio requerente; c) a passagem é onerosa e somente é exercida mediante pagamento de indenização cabal ao vizinho prejudicado. A doutrina diverge no que se refere ao primeiro requisito. Afirmam alguns autores (Hely Lopes Meirelles, Caio Mário da Silva Pereira, Orlando Gomes, Marco Aurélio S. Viana) que, se o vizinho dispõe de acesso, por mais penoso ou difícil que se apresente, inexiste o direito de passagem forçada, porque se trata de restrição ao direito de propriedade, que não comporta interpretação analógica ou ampliativa. Corrente mais progressista e afinada com a função social da propriedade e o espírito do Código Civil de 2002, porém, afirma que cabível é a passagem forçada quando o acesso não é seguro ou praticável, exigindo do vizinho gastos ou sacrifício irrazoáveis (Carvalho Santos, Nelson Rosenvald e Arnaldo Rizzardo). O Enunciado n. 88 da Comissão de Estudos Judiciários (CEJ) adotou a segunda corrente: “ O direito de passagem forçada previsto no CC 1.285 também é garantido nos casos em que o acesso à via pública for insuficiente ou inadequado, consideradas inclusive as necessidades de exploração econômica”. A jurisprudência reflete essa divergência, ora exigindo o encravamento total do imóvel ora se contentando com a excessiva dificuldade ou onerosidade de acesso já existente à via pública. De qualquer modo, o juízo é sempre de necessidade e não de mera comodidade ou conforto. Não basta, assim, que o acesso existente à via pública seja mais longo, ou tenha obstáculos superáveis, para se exigir do vizinho passagem forçada. Os obstáculos e as dificuldades deverão ser de tal monta que exijam esforço ou despesas desproporcionais do proprietário, ou seja, que configurem um juízo de necessidade.

Diz-se que o encravamento deve ser natural, porque, se provocado pelo proprietário, em razão de sucessivas alienações parciais, este não pode exigir do vizinho que tolere a passagem forçada. O atual Código Civil deu excelente solução ao problema ao dispor, em seu § 2°, que no caso de alienação parcial do imóvel a passagem será exigível do comprador ou permutante sobre o prédio correspondente à parte alienada, evitando, assim, a oneração de outros imóveis vizinhos e estranhos à alienação. O § 3º complementa a regra ao dispor que eventual passagem forçada já existente sobre imóvel vizinho se mantém no caso de alienação parcial, não sendo exigível que lhe conceda outro caminho. Dispõe o artigo em exame que o dono do prédio encravado pode constranger o vizinho a lhe dar passagem. A passagem, se não houver consenso entre as partes, é fixada judicialmente, ainda que a ela se oponha o vizinho. O rumo é estabelecido pelo juiz na falta de acordo, sempre levando em conta, para fixação de trajeto e largura, a menor oneração possível do prédio vizinho e a finalidade do caminho. Essa passagem pode atravessar não somente o prédio contíguo, mas outros que estejam na direção da via pública, nascente ou porto. O § Iº do artigo em estudo positivou regra que já era utilizada pelos tribunais ao estabelecer uma escala de prioridade de escolha, fundada no critério da maior facilidade do acesso, levando em conta a localização e as características naturais dos prédios vizinhos. Logo, cabe exceção ao vizinho demandado, alegando que outro prédio proporciona maior facilidade de acesso ao imóvel encravado.

Finalmente, diz o preceito que a passagem forçada é servidão legal onerosa, ou seja, o início de seu exercício está subordinado ao prévio pagamento de indenização cabal, a ser fixada judicialmente se não houver consenso entre as partes. A indenização se qualifica como cabal, abrangendo não somente todos os transtornos e incômodos decorrentes da passagem como também obras e cercas que se façam necessárias para assegurar a incolumidade do remanescente. Computam-se danos emergentes e lucros cessantes em razão da não utilização da faixa de passagem, inclusive eventual desvalorização do remanescente. O proveito que a passagem traz para o imóvel encravado não é fator relevante, mas sim o dano que esta acarreta para o imóvel vizinho. Cessa a passagem forçada quando desaparece a sua causa, ou seja, quando o prédio deixa de ser encravado. Em tal caso, se a indenização se projetou para o futuro e o ônus não mais persiste, necessária se faz a sua redução e a sua devolução parcial, evitando o enriquecimento sem causa. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.289-91. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 21/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua Doutrina, explica Ricardo Fiuza, a passagem forçada assegura ao proprietário do imóvel encravado o acesso a via pública, pela utilização dos imóveis contíguos. Difere da servidão porque esta emana da vontade, e aquela decorre da lei. O dispositivo é a junção dos arts. 559 e 560 do Código Civil de 1916. Como inovação, traz a possibilidade de se exigir a passagem do vizinho que tiver o imóvel que possa dar caminho mais natural ou mais fácil (TJSP, Ap. 269.198-1/9, Sorocaba-SP, 7-8-1996, rel. Des. Barbosa Pereira). Prevê também que a passagem deve ser dada por quem comprou a totalidade ou parte do imóvel, se essa aquisição interferir na passagem do vizinho, valendo este dispositivo mesmo quando houver passagem anterior. É vedada a constituição de servidão de passagem por mera comodidade (RI’, 694/168 e 723/430). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 661, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 21/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

De acordo com o posicionamento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, dá-se o direito de passagem forçada quando um prédio (terreno ou edificação) se encontra em estado de isolamento em relação à via pública, nascente ou porto. Desta forma, o titular do prédio isolado tem a prerrogativa de obrigar o vizinho a lhe dar passagem, mediante o pagamento de indenização. Em caso de divergência sobe o valor será fixada judicialmente.

Distingue-se das servidões, pois nesta busca-se apenas, uma situação de maior comodidade ao interessado. Como visto acima, na passagem forçada, há um isolamento ou inacessibilidade de prédio em relação à via pública, evitando-se pois, que aquele permaneça encravado. O prédio a conceder a passagem forçada será aquele que propiciar maior facilidade, devida à sua localização. Certo que se trata apenas de uma distinção doutrinária.

Com efeito, há de se analisar o caso apresentado com algum cuidado, eis que, muitas das vezes, ainda que possa aparentar situação típica de servidão de passagem, na verdade transfigura-se numa passagem forçada. Quando há um determinado acesso à via pública – seja por terra ou rio – mas este acesso é tormentoso ou de difícil utilização ao ser humano por explicadas razões transmuda-se a circunstância para passagem forçada, posto que não se exija sacrifício desmesurado ao titular do direito. Segundo Enunciado 88 do CEJ/CJF: “O direito de passagem forçada, previsto no CC 1.285, também é garantido nos casos em que o acesso à via pública for insuficiente ou inadequado, consideradas inclusive as necessidades de exploração econômica.”   (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 21.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seção IV – Da Passagem de Cabos e Tubulações

Art. 1.286.   Mediante recebimento de indenização que atenda, também, à desvalorização de área remanescente, o proprietário é obrigado a tolerar a passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, em provei -to de proprietários e vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente one- rosa. 


Parágrafo único. O proprietário prejudicado pode exigir que a instalação seja removida, à sua custa, para outro local do imóvel.


Pegando carona com Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame não encontra correspondente no Código Civil de 1916 e vem atender às necessidades da vida moderna, de amplo acesso aos equipamentos de serviços públicos, que garantem direito ao conforto e à informação. Assegura agora a lei não somente a passagem forçada de pessoas como também a de cabos, tubulações e condutos subterrâneos que permitam chegar ao vizinho serviços úteis e indispensáveis à vida contemporânea, como água, telefone, luz, gás, cabos de televisão ou óticos. O objeto da passagem são cabos condutores de fiação de qualquer natureza, tubulações e condutos, desde que sejam todos subterrâneos, porque, na lição de Marco Aurélio Viana, “a restrição que se impõe ao vizinho não envolve o espaço aéreo ou a superfície do terreno” (Teixeira, Sálvio de Figueiredo (coord.). Comentários do Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 146). Lembre-se, todavia, de que o CC 1.294, adiante comentado, estende a passagem forçada ao direito de aqueduto. Os equipamentos subterrâneos têm finalidade certa, qual seja a de garantir o acesso do vizinho a serviços de utilidade pública. Não se trata de servidão administrativa, porque os serviços são públicos, mas o interesse de acesso é particular. Não se exige o encravamento do imóvel beneficiário, mas apenas que o acesso a tais utilidades não seja excessivamente oneroso por outro modo, ou seja, que demande do vizinho sacrifício desmedido, desproporcional ao custo normal dos mesmos serviços. Deve haver, aqui, juízo de ponderação, sempre presente nos conflitos de vizinhança, sopesando a comodidade que terá o imóvel beneficiado e a restrição que se impõe ao prédio onerado. Como diz Marco Aurélio Viana, “o valor excessivo que se imponha ao interessado muitas vezes deve ser suportado, quando o menor custo implique em um custo em termos de conforto e tranquilidade para o vizinho” (op. cit., p. 249). Se a própria depreciação do prédio onerado supera o valor do acesso aos serviços que o dono do prédio beneficiado teria pelas vias normais, também não tem sentido a imposição da passagem. A indenização ao exercício da passagem deve ser prévia e cabal, abrangendo não somente a depreciação da faixa comprometida pelos equipamentos subterrâneos como também a depreciação do remanescente, caso se constate a redução do potencial do imóvel como unidade jurídica e não apenas física (Fachin , Luiz Edson. Comentários ao Código Civil, coord. Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo, Saraiva, 2003, v. XV, p. 1.286). Também se incluem no valor da indenização eventuais interferências prejudiciais ao prédio vizinho que decorram da passagem, como a produção de ruídos ou emissão de gases provindos das tubulações. Evidente que as obras de implementação dos equipamentos subterrâneos, assim como aquelas de isolamento e contorno, ficam todas a cargo do proprietário do prédio beneficiário da passagem. Embora não diga expressamente a lei, cessa o direito de passagem quando desaparece a sua causa, ou seja, quando os mesmos equipamentos podem chegar ao prédio beneficiado por trajeto distinto, sem ônus ao prédio onerado. A indenização já paga pela depreciação futura deve ser proporcionalmente repetida, para evitar o enriquecimento sem causa de qualquer dos vizinhos. A passagem é forçada, pois decorre de direito potestativo de vizinhança, não se sujeitando, por consequência, a prazo prescricional. Incide, por analogia, a regra do artigo anterior, qual seja a de que existe uma escala de prioridade de escolha do vizinho onerado, fundada no critério da maior facilidade do acesso, levando em conta a localização e as características naturais dos prédios vizinhos. Logo, cabe exceção ao vizinho demandado, alegando-se que outro prédio proporciona maior facilidade ou menor custo de acesso de equipamentos ao imóvel beneficiado. A passagem é forçada, vale dizer, na falta de consenso; é imposta judicialmente, estabelecendo o rumo menos gravoso para o imóvel onerado. A mesma decisão que impõe a passagem fixa o valor da indenização a ser paga antes do seu exercício. Não se trata de direito real, mas de restrição decorrente do direito de vizinhança, de modo que o registro não tem efeito constitutivo. O parágrafo único do CC 1.286 contempla duas prerrogativas asseguradas ao dono do prédio onerado: a primeira, de exigir que a passagem seja instalada de modo menos oneroso, evitando, por exemplo, o seccionamento do prédio e o trajeto próximo às divisas quando possível ou, ainda, não prejudicando projeto ou obra já feita; a segunda, de alteração do rumo já estabelecido, desde que as obras de remanejamento sejam inteiramente feitas às expensas do dono do prédio onerado. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.292-93. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 21/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entender de Ricardo Fiuza, este dispositivo representa importante inovação, já que, à época do Código Civil de 1916, nem se imaginava a existência de linhas de transmissão de energia elétrica, telefonia e processamento de dados, nem de grandes adutoras subterrâneas. Prevê o pagamento de justa indenização ao proprietário que teve sua área atingida, sempre tendo como paradigma a menor onerosidade. O parágrafo único disciplina a remoção ou a instalação dos dutos e cabos em local diverso, sempre tendo em vista o modo mais econômico, e, no caso de remoção, esta será custeada pelo proprietário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 661, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 21/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


No diapasão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, sempre que for absolutamente necessária a passagem de cabos, tubulações e outros condutos pelo prédio vizinho, este será obrigado a suportar tal encargo (servidão forçada), desde que a obra não possa ser realizada por outro modo,. É o caso de quem, habitando prédio elevado, necessita de passagem para escoamento de águas pluviais. Não havendo consenso a respeito, a realização de obras de passagem destes acessórios será determinada judicialmente e, considerando-se eventual desvalorização ou dano sofrido pelo prédio serviente, seu proprietário será devidamente indenizado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 21.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.287. Se as instalações oferecerem grave risco, será facultado ao proprietário do prédio onerado exigir a realização de obras de segurança.

No comentário de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame, que complementa o anterior e não tem correspondente no Código Civil de 1916, assegura ao proprietário do prédio onerado o direito de exigir a realização de obras de segurança, se a passagem acarretar graves riscos. Os riscos se qualificam como graves se ameaçam de modo efetivo a incolumidade física ou mental das pessoas que ocupam o prédio onerado, vulnerando os interesses de saúde, segurança e sossego tutelados pelo direito de vizinhança. Abrangem também as ameaças ao patrimônio do vizinho, em especial ofensas à segurança e à solidez do prédio onerado. Cabe ao prejudicado exigir obrigação de fazer as obras de segurança indispensáveis. Pode, ainda, fazer pessoalmente as obras e cobrar seu custo do beneficiário da passagem, como também dele exigir caução de dano iminente. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.294. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 21/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Usando a lógica, Ricardo Fiuza aduz, sempre serão necessárias as cautelas devidas, principalmente no que toca à segurança, que será de responsabilidade do Poder Público ou das concessionárias que exploram o serviço considerado perigoso, embora essencial, principalmente se levarmos em consideração que a prestação desse serviço é remunerada. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 662, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 21/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 No site de noticias.cers.com.br, o tema é abordado no direito de vizinhança em um único artigo de lei. Reza o CC 1.285 que “O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário”.

De acordo com Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald Jr. “Trata-se de uma das mais rigorosas restrições de direito de vizinhança”. Carlos Roberto Gonçalves leciona que “O imóvel encravado não pode ser explorado economicamente e deixado de ser aproveitado, por falta de comunicação com a via pública. O instituto da passagem forçada atende, pois, ao interesse social. O direito é exercitável contra o proprietário contíguo e, se necessário, contra o vizinho não imediato”. Fato, por conseguinte, a intima relação entre a passagem forçada e a conferência de função social a um bem (art. 5, XXIII da CF/88). Nessa esteira, a passagem forçada é o “direito do proprietário de prédio (rústico ou urbano), que não tem acesso a via pública, nascente ou porto, de, mediante pagamento cabal de indenização, reclamar do vizinho que lhe deixe passagem, fixando-se esta judicialmente o rumo, quando necessário por não haver acordo”, como aduz Maria Helena Diniz.

 

No Enunciado 88, o Conselho da Justiça Federal entendeu que “O direito de passagem forçada, previsto no CC 1.285, também é garantido nos casos em que o acesso à via pública for insuficiente ou inadequado, consideradas inclusive as necessidades de exploração econômica”. Percebe-se, aqui, um alargamento doutrinário sobre o assunto, pois o objetivo não seria apenas garantir acesso; mas sim assegurar um mínimo acesso adequado, em vistas da função social da propriedade. Afinal, do que adiantaria uma propriedade sem acesso algum a via pública? Ou, ainda, com um acesso claramente insuficiente? Não olvida-se, portanto, que o instituto do direito de vizinhança denominado passagem forçada pressupõe para sua incidência a situação jurídica do imóvel encravado; leia-se: sem saída externa para a via pública. Como a propriedade deverá atender a função social (art. 5º, XXIII da CF/88 e 1.228, §1º do CC), surgirá o direito de se exigir do vizinho a passagem forçada. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald Jr arrematam: “Pressupõe que um imóvel esteja em situação de absoluto encravamento em outro, decorrente da ausência de qualquer saída para a via pública”.

 

Como o Superior Tribunal de Justiça já entendeu o assunto: No Recurso Especial nº 316.336/MS o Superior Tribunal de Justiça entendeu que “Numa era em que a técnica da engenharia dominou a natureza, a noção de imóvel encravado já não existe em termos absolutos e deve ser inspirada pela motivação do instituto da passagem forçada, que deita raízes na supremacia do interesse público; juridicamente, encravado é o imóvel cujo acesso por meios terrestres exige do respectivo proprietário despesas excessivas para que cumpra a função social sem inutilizar o terreno do vizinho, em que qualquer caso será indenizado pela só limitação do domínio”.

 

Este dever jurídico será do vizinho “cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem”, na lição de Flávio Tartuce. A solução legal harmoniza-se com a ideia de restrição menos gravosa ou onerosa. O §1º do CC 1.285 assim disciplina o assunto: “Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem”. Já o §2º do art. 1.285 do CC prescreve a solução jurídica a ser dada para o caso de ocorrer a alienação (venda ou doação) do prédio serviente. Eis o texto: “Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das partes perca o acesso a via pública, nascente ou porto, o proprietário da outra deve tolerar a passagem”. Neste caso, o dever jurídico da passagem forçada será imposto ao outro vizinho, dono da outra propriedade. Entende-se, apesar disso, que o adquirente do aludido imóvel serviente deverá respeitar o dever jurídico da passagem forçada, afinal de contas esta obrigação acompanhará o adquirente isto porque o instituto envolve obrigação propter rem (ambulatorial, própria da coisa).


O §3º do CC 1.285 determina que se aplica o disposto no parágrafo antecedente ainda quando, antes da alienação, existia passagem através de imóvel vizinho, não estando o proprietário deste constrangido, depois, a dar uma outra. “A razão é que seria injusto deixar ao alvedrio do vendedor tornar encravado o seu prédio e ao mesmo tempo lhe conceder a faculdade de exigir passagem de qualquer vizinho, impondo, assim, ao arbítrio do malicioso ou do negligente, uma restrição à propriedade alheia”. É o que defende Carlos Roberto Gonçalves.

 

Prossegue o Código Civil, agora em seu CC 1.286, afirmando que “Mediante recebimento de indenização que atenda, também, à desvalorização da área remanescente, o proprietário é obrigado a tolerar a passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, em proveito de proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa”. É dizer: além da passagem forçada de pessoas, também será devida a passagem forçada de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, desde que impossível ou excessivamente onerosa a passagem de outra maneira. Surge no direito de vizinhança a obrigação de não-fazer (tolerar a passagem) e o direito de receber indenização. Como se vê, “o proprietário não perderá o poder sobre a coisa, apenas terá que suportar certos atos” no correto escólio de Maria Helena Diniz.

 

O parágrafo único do CC 1.286 assegura ao proprietário prejudicado o direito de exigir que a instalação seja feita de modo menos gravoso ao prédio onerado, bem como o direito de remover a passagem para outro local do imóvel, à custa deste. Em arremate, para caso de as instalações ensejarem risco grave, surgirá ao proprietário do prédio onerado o direito de exigir a realização de obras de segurança, na forma do CC 1.287. Por fim, registra-se que andou bem o Código Civil de 2002 que evoluiu no instituto antes tratado no Código Civil de 1916 como servidão e agora no âmbito do direito de vizinhança, aperfeiçoando-se o sistema e a técnica jurídica.

 

Mas, atenção: Servidão e passagem forçada se confundem. A passagem forçada é um instituto de direito de vizinhança, enquanto que a servidão diz respeito a um direito de gozo e fruição. Aqui já se percebe a primeira importante diferença, segundo a doutrina de Maria Helena Diniz. Afinal, “o direito de vizinhança é criado por lei, para dirimir conflitos entre vizinhos”; enquanto que as servidões prediais “decorrem de lei ou de convenção, constituindo em encargos que um prédio sofre em favor de outro, para o melhor aproveitamento ou utilização do prédio beneficiado”. Seguindo nas diferenciações, a passagem forçada aplica-se na hipótese em que houver um imóvel encravado, entendido como tal aquele que não possuir acesso à rua, nascente ou porto (CC 1.285). Não é uma faculdade, mas sim uma imposição, ao passo que o imóvel encravado deverá ter garantido pelo outro o seu direito de acesso à via pública. A passagem será concedida de forma menos gravosa ao onerado e este receberá, por conta da concessão, contraprestação pecuniária. Infere-se na servidão instituto de ratio completamente diversa. Aqui não há encravamento. Há, sim, desejo de aumento da utilidade do prédio dominante mediante uso da área serviente. Poderá ser onerosa ou gratuita e não é imposta, mas sim fruto de um acordo entre prédios de diversos proprietários.

Sintetizando o posto, adverte Flávio Tartuce que, a servidão não se confundirá com a passagem forçada, pois é facultativa de modo a não obrigar o pagamento de indenização. Já “a passagem forçada é compulsória, assim como o é o pagamento da indenização. A servidão é um direito real de gozo ou fruição. A passagem forçada é instituto de direito de vizinhança, presente somente na situação em que o imóvel encravado não tem saída para a via pública (CC 1285). A servidão envolve os imóveis dominante e serviente; na passagem forçada estão presentes o imóvel encravado e o serviente. Na servidão cabe a citada ação confessória; na passagem forçada, para a defesa do direito, a ação cabível é denominada ação de passagem forçada”. (http://noticias.cers.com.br, atualizado em 27/10/2015, Acessado em 21/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Completando com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dono do prédio vizinho poderá exigir a realização de obras de segurança, caso as instalações possam vir a causar algum risco ao bem. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 21.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).