segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 552, 553, 554 - Da Doação – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 552, 553, 554
- Da Doação – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo IV – Da Doação
Seção I – Disposições Gerais
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 552. O doador não é obrigado a pagar juros moratórios, nem é sujeito às consequências da evicção ou do vício redibitório. Nas coações para casamento com certa e determinada pessoa, o doador ficará sujeito à evicção, salvo convenção em contrário.

Ensina Nelson Rosenvald que a doação pura é um ato de liberalidade, pelo qual o doador experimenta um empobrecimento justificado. Cuida-se de contrato unilateral e gratuito, pois só o doador se obriga, sem que receba uma contraprestação ou se evidencie qualquer sacrifício por parte do donatário.

Pelas peculiaridades desse negócio jurídico, não é possível que se lhe apliquem certas normas gerais da teoria contratual, como a incidência dos juros moratórios, evicção e vícios redibitórios, sob pena de um agravamento ainda maior de sua situação financeira.

A isenção de responsabilidade quanto aos juros moratórios impede que o doador seja sancionado pelo fato de não entregar a coisa na data ajustada, quando já está praticando uma liberalidade. Todavia, se o interpelado for constituído em mora, responderá pelos juros de mora consequentes ao processo a contar da data da citação (CC. 405), pois o benefício que concedeu não lhe propicia o benefício da desídia.

Da mesma forma, a não ser que expressamente ressalve o contrário, isenta-se de responsabilidade por vícios materiais e ocultos da coisa existentes antes da tradição (CC 441) e pela perda da coisa pelo donatário em virtude de uma decisão que conceda o direito sobre ela a um terceiro (CC 447).

Certamente, tais isenções de responsabilidade não incluem as doações onerosas (com encargo), como se percebe ilustrativamente da leitura do CC 441, parágrafo único. Ainda no que tange à evicção, há uma regra supletiva no parágrafo único que permite a sua incidência nas doações para casamento com certa e determinada pessoa. Aqui se faz referência à doação condicional do CC 546, na qual o legislador presume o dolo do cônjuge que oferece um bem ao outro, considerando que a liberalidade se deu como uma forma de atrair o interesse do outro nubente para o matrimonio.

O objetivo da norma em comento é demonstrar que, se não há sinalagma, a diferença quanto à imputação de deveres deve atender ao princípio da isonomia, dispondo que os desiguais serão tratados desigualmente. Por essa razão, também se editou o CC 392, enfatizando que, nos contratos benéficos, a parte a que não aproveite o contrato só responderá por dolo. Portanto, se o doador sabia do vício material ou jurídico do bem e ocultou o fato do donatário, será responsabilizado pela quebra do princípio da boa-fé, pouco se cogitando de sua situação financeira e muito se acautelando a confiança e legítima expectativa frustrada do donatário. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 602-603 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entendimento de Ricardo Fiuza, a não-responsabilidade do doador por juros moratórios e, ainda pelas consequências da evicção (CC 447 a 457) ou dos vícios redibitórios (CC 441 a 446) da coisa doada é a regra geral. Isso decorre de ser a doação um contrato não oneroso, ditado pela liberalidade daquele que doa. A garantia da evicção é ressalvada, contudo, na doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa (donatio propter nuptias), de que trata o CC 546, instituída na dependência daquele acontecimento (doação condicional), ficando, desse modo, sujeito o doador à evicção, exceto por cláusula que o exclua. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 294 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como explica Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dever de garantir o adquirente pela evicção ou por vícios redibitórios é próprio de negócios bilaterais. Nos negócios unilaterais, como é o caso da doação, uma vez que o credor somente tem benefícios com o ato, tal direito não existe.

Atente-se, no entanto, para o fato de o Código Civil adotar a teoria das duas causas de Savigny quanto às doações. Isso significa que no caso de doação remuneratória ou gravada com encargo, o negócio somente é unilateral e gratuito na parte que ultrapassa os serviços remunerados ou o encargo exigido, sendo, pois, no tocante à parte equivalente a eles haver responsabilização por vícios redibitórios e por evicção. Por opção legislativa, a lei admite ao donatário a garantia pela evicção no caso de doação propter nuptias. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 07.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 553. O donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação, caso forem a benefício do doador, de terceiro ou do interesse geral.

Parágrafo único. Se desta última espécie for o encargo, o Ministério Público poderá exigir sua execução, depois da morte do doador, se este não tiver feito.

Na linha de raciocínio de Nelson Rosenvald, o encargo é elemento acidental do negócio jurídico – assim como o termo e a condição – que poderão ser inseridos em contratos gratuitos (v.g., comodato) ou negócios unilaterais (v.g., testamento) pela autonomia privada das partes. Sua oposição no contrato de doação produz uma restrição na eficácia da liberalidade, pois implica a criação de uma obrigação de dar, fazer ou não fazer para o donatário, convertendo o elemento acidental em essencial àquele negócio jurídico. Não se trata, contudo, de uma contraprestação, pois converteríamos a doação e compra e venda ou permuta, sacrificando a natureza unilateral do contrato.

Assim, em razão da onerosidade acarretada à doação, deverá ela ser objeto de aceitação expressa pelo donatário, não se admitindo a aceitação presumida ou tácita (CC 539). Ao contrário do termo e da condição, em que se suspende o exercício ou a própria aquisição do direito (CC 125 e 131), a fixação de um encargo não suspende a aquisição do direito (CC 136), gerando imediata eficácia da liberalidade e, via de consequência, da obrigação do donatário de cumprir o encargo.

O caput do artigo enfatiza que o descumprimento do encargo pode ser evitado mediante o ajuizamento da tutela específica, exigindo-se o cumprimento do modo. Ora, se a aceitação gera a vinculação da doação ao cometimento do encargo, tanto o doador como o terceiro que for beneficiado pelo modo serão legitimados para o exercício da pretensão em juízo. Com relação ao encargo de prestações de fazer, até mesmo a autoexecutoriedade será cabível em hipóteses extremas, com posterior ingresso de demanda indenizatória perante o donatário (CC 249, parágrafo único).

Tratando-se de cumprimento de encargo de interesse geral, beneficiando a coletividade em caráter indivisível, será o Ministério Público legitimado ao exercício da tutela específica de execução do encargo, caso o doador não tenha agido em vida ou, se iniciou a ação, não tenha sido a mesma concluída, caso em que o parquet prosseguirá na ação. Tratando-se de ação condenatória, na falta de previsão específica, aplica-se o prazo prescricional geral de dez anos para o exercício da pretensão, a contar da data em que se aperfeiçoou a doação, se outro prazo não foi assinalado. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 602-603 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No diapasão de Ricardo Fiuza, a doação gravada com encargo ou modal (CC 540), obriga ao donatário, podendo o doador revoga-la por inexecução do encargo (CC 555, 2 ~parte), salvo quando o encargo beneficiar o próprio donatário. Este fica sujeito ao adimplemento da obrigação, no prazo estipulado, desde que incorrer em mora (CC 562). Quando a incumbência cometida pelo doador for do interesse geral, e tendo aquele falecido, sem exigir a execução do encargo, o Ministério Público tem legitimação superveniente, assegurada por lei (art. 5Q, última parte do CPC/1973 – correspondendo aos artigos 42 ao 53 do CPC/2015), para exigir o cumprimento da obrigação do donatário. O MP não é titular da relação jurídica de direito material ou dos interesses em conflito, tendo atuação somente por morte do doador, aparelhando no próprio contrato a pretensão da execução direta.

A constituição em mora do donatário se faz pelo vencimento do prazo. Não o havendo, para o cumprimento, obriga-se o doador a notifica judicialmente o donatário, assinalando-lhe, então, prazo razoável para que cumpra a obrigação assumida (RI’, 204/252). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 294-295 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

O encargo pode ser instituído em benefício de qualquer pessoa, menos em benefício exclusivo do donatário, pois não se admite que alguém se obrigue em relação a si mesmo. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 07.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Art. 554. A doação a entidade futura caducará se, em dois anos, esta não estiver constituída regularmente.

Na esteira de Nelson Rosenvald, assim como é possível efetuar doação em prol de nascituro, sob a condição suspensiva de aquisição do patrimônio com o nascimento com vida, em sede de inovação o legislador concebeu a doação em prol de uma entidade futura, da existência incerta.

Cuida-se de doação sob condição suspensiva, sujeita a prazo decadencial de dois anos para a sua constituição formal, sob pena de caducidade da liberalidade, com a manutenção dos bens doados em poder do doador.

Dispensa-se a aceitação pelo simples fato de o beneficiário não existir ao tempo da liberalidade, tampouco um representante. Outrossim, ao incluir o termo “entidade”, o legislador não se referiu apenas à pessoa jurídica, mas a qualquer ente personalizado ou não (v.g., condomínio), com finalidade lucrativa ou assistencial. Qualquer entidade será sujeito de direitos, legitimada a agir em juízo na defesa de seus interesses. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 604 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na trilha de Ricardo Fiuza, a eficácia da doação feita a entidade finura (portanto inexistente) é submissa a uma condição suspensiva: a constituição regular da entidade, no prazo assinado em lei. A doação, nessa espécie, ficará sem validade, se a entidade não se constituir. A aceitação há de ser presumida concomitante, portanto, com a existência da entidade donatária. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 294-295 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como afirma Marco Túlio de Carvalho Rocha, é legal a doação sob condição suspensiva. A doação a pessoa jurídica a ser criada é espécie de doação sob condição suspensiva, cuja eficácia depende de ser criada a referida entidade. A lei estabelece prazo máximo de 2 anos para a validade do negócio visando à segurança jurídica. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 07.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).