quarta-feira, 18 de março de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 861, 862, 863 – continua Da Gestão de Negócios - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 861, 862, 863 – continua
 Da Gestão de Negócios - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título VII – Dos Atos Unilaterais
(Art. 854 a 886) Capítulo II – Da Gestão de Negócios
– Seção III – (art. 854 a 886) – vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

Art. 861. Aquele que, sem autorização do interessado, intervém na gestão de negócio alheio, dirigi-lo-á segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono, ficando responsável a este e às pessoas com que tratar.

Como explica Hamid Charaf Bdine Jr, em determinadas situações, sem autorização do interessado, uma pessoa pode assumir seu negócio. Isso ocorrerá, por exemplo, se um vizinho passar a administrar um terreno vizinho ao seu, de propriedade de alguém que não comparece ao local. Essa administração se fará em nome do proprietário e no interesse dele, ainda que não exista autorização de nenhum tipo – porque, por exemplo, o proprietário está preso ou residindo em local distante. O vizinho atencioso que assume a administração, locando o terreno e zelando por sua manutenção, deve agir segundo o que se presume fosse o desejo do proprietário, responsabilizando-se por seus atos perante aqueles com quem contratar e perante o proprietário – a quem deverá prestar contas oportunamente.

O gestor do negócio agirá como uma espécie de mandatário sem mandato em sua relação com o proprietário do terreno, mas permanecerá responsável pessoalmente em face dos terceiros com quem celebra negócios para defender o interesse de outrem. Newton de Lucca (Comentários ao novo Código Civil, Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XII, p. 39-42) aponta as seguintes características para a gestão de negócios: a) desconhecimento do dono do negócio pelo gestor; b) espontaneidade da intervenção, que não deve resultar de qualquer prévio ajuste, ou ordem; c) o negócio deve ser alheio; d) desinteressado, atuando o gestor no interesse do dono do negócio; e) utilidade da gestão, pois o negócio deve ser proveitoso ao dono; f) propósito de obrigar o dono do negócio, uma vez que não haverá gestão se o gestor agir por mera liberalidade. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 884 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 18/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina, Ricardo Fiuza fala da gestão de negócio, que é a administração não autorizada (espontânea e à revelia) de negócios alheios, feita independentemente de mandato. A procuração, na espécie, é espontânea e presumida, uma vez que o gestor (administrador não autorizado) procura fazer aquilo que o dono do negócio o encarregaria, se soubesse da necessidade da providência. Assim, - gestor de negócios – o herdeiro de uma fazenda, que a administra sem oposição dos demais herdeiros, é o condômino de coisa indivisível, que cuida do bem em comum como se seu fosse e sem oposição dos demais, apenas prestando contas de sua gestão (recebimento de alugueres, arrendamentos etc.). Vale dizer ser o artigo em comento mera repetição do art. 1.331 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional. Deve ser-lhe dado, portanto, igual tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 449 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 18/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em seu conceito aponta Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira e na definição de Antunes Varela, a gestão de negócios como a “Intervenção, não autorizada das pessoas na direção de negócio alheio, feita no interesse e por conta do respectivo dono.” (Das obrigações em geral, v. I, p. 434).

Em sua Natureza Jurídica, os CC 861 e 862, distinguem a gestão de negócios segundo seja exercida em conformidade com a vontade presumida do dono do negócio ou contra a vontade presumida ou manifesta do dono do negócio. A gestão de negócios que não é contrária à vontade expressa ou presumível do dono do negócio configuraria ato jurídico stricto sensu: a gestão contrária à vontade expressa ou presumível do dono do negócio configuraria ato ilícito (CC 862).

O CC 869, no entanto, determina que se o negócio for utilmente administrado, cumprirá ao dono as obrigações contraídas em seu nome, reembolsando ao gestor as despesas necessárias ou úteis que houver feito, como os juros legais, desde o desembolso, respondendo ainda pelos prejuízos que este houver sofrido por causa da gestão.

Desse modo, da conjugação de ambos os critérios tem-se que, no direito brasileiro: a) a gestão de negócios que não é contrária à vontade presumível ou expressa do dono do negócio e a realizada utilmente mesmo contra a vontade presumível ou expressa do dono do negócio são ato lícito stricto sensu; b) a gestão de negócios contrária à vontade presumível ou expressa do dono do negócio que não for útil é ato ilícito.

Quanto a espécie, a gestão pode ser realizada em nome do dono do negócio, bem como pode vir ou não a ser aprovada por ele. Em atenção a essas possibilidades, diferencia-se em: a) gestão representativa: o gestor age em nome do dono do negócio; b) gestão não representativa: o gestor age em nome próprio; c) gestão regular: é ratificada pelo dono do negócio (CC 873); d) gestão irregular: é desaprovada pelo dono do negócio (CC 874).

Há três requisitos para que a gestão de negócios seja caracterizada: o gestor deve dirigir negócio alheio; deve atuar no interesse e por conta do dono do negócio e deve atuar sem a autorização do dono do negócio.

A atuação do gestor pode dar-se mediante negócios jurídicos (ex.: compra, venda, empreitada, locação) ou atos jurídicos stricto sensu (ex.: obras, alimentação e cuidado de animais, semeadura).

A atuação deve realizar-se no interesse e por conta do dono do negócio; não há gestão de negócio se o gestor ao agir visa ao próprio interesse. Quem administra negócio na suposição, por erro, de que a coisa é sua, poderá se ressarcir por aplicação das regras relativas ao enriquecimento sem causa (CC 884 a 886). Quem administra negócio alheio no próprio interesse com a consciência de que a coisa não é sua comete ato ilícito.

Finalmente, a gestão de negócios pressupõe inexistência de representação legal ou voluntária. Equipara-se à falta de mandato a nulidade do mandato, sua revogação e o excesso de poderes do mandatário.

Se o gestor agir contra a vontade manifesta ou presumível do dono do negócio não fica descaracterizada a gestão, mas resta caracterizada como ato ilícito, conforme o CC 862.

Segundo Antunes Varela, se houver divergência entre o interesse e a vontade presumida do dono do negócio, o gestor deve optar agir segundo o interesse daquele (Das obrigações em geral, p. 448). O dispositivo em comento, no entanto, exige que a gestão seja conforme a vontade presumida do dono do negócio; se não o for, a gestão configura ato ilícito e regula-se pelo CC 862. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 18.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 862. Se a gestão foi iniciada contra a vontade manifesta ou presumível do interessado, responderá o gestor até pelos casos fortuitos, não aprovando que teriam sobrevindo, ainda quando se houvesse abatido.

No entender de Hamid Charaf Bdine Jr, caso se verifique que a gestão contrariou a vontade do dono do negócio, caracterizar-se-á a ilicitude do ato. Assim, a gestão perde o caráter de benevolência que a caracteriza, e o gestor será obrigado a indenizar até mesmo por caso fortuito, a não ser que demonstre que o dano teria ocorrido ainda que não tivesse ocorrido sua atuação (Rizzardo, Arnaldo. Direito das obrigações. Rio de Janeiro, forense, 2004, p. 582).

Observe-se que a responsabilidade do gestor dependerá de ele ter ciência, ou poder ter ciência, de que o interessado não deseja a gestão antes de lhe dar início. Se a oposição ocorrer após o início da gestão, somente se aplicará a regra em exame aos atos posteriores a esse momento, na medida em que os anteriores não se verificaram com ciência da contrariedade do interessado.

Newton de Lucca registra caber ao dono do negócio demonstrar que a gestão se realizou contra sua vontade manifesta ou presumível e não poder a proibição ser infundada ou decorrer de mero capricho (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XII, p. 47). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 887 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 18/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na medida de Ricardo Fiuza, nesses casos, a gestão perde sua característica de intervenção benevolente e de realização da vontade presumida do dono do negócio. É considerada ato abusivo, e somente o seu sucesso pode inocentar o gestor, cuja responsabilidade é maior.

O artigo é mera repetição do art. 1.332 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional, devendo receber, assim, igual tratamento doutrinário (v. Clóvis Beviláqua. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, Francisco Alves, 1954, v. 5. P. 61). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 449 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 18/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na linha de raciocínio de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo contém notório erro de grafia. Onde se lê “abatido”, deve-se entender “abstido”, conforme constava no dispositivo correlato, o artigo 1.332 do Código Civil de 1916.

O dono do negócio pode manifestar a vontade de eu não haja a intervenção de qualquer pessoa, de algumas pessoas ou de pessoa determinada em seu negócio. Pode, por exemplo, proibir a entrada de pessoas em seu estabelecimento. A proibição também pode ser presumida, por exemplo, em relação a um inimigo ou quanto à alienação de um bem de valor afetivo. Nestes casos, a atuação do gestor configura ato ilícito e o responsabiliza pelo pagamento de perdas e danos e até mesmo por caso fortuito ou de força maior.

O gestor se isenta em relação a danos que provar teriam ocorrido mesmo que não tivesse intervindo no negócio alheio. Assim, por exemplo, se o gestor mesmo contra a orientação do dono do negócio intervém para salvar animal daquele de uma enchente, fica isento de responsabilidade pela morte do animal se provar que em caso de sua não intervenção o mesmo resultado teria sobrevindo.

O que ocorre se a gestão for iniciada contra a vontade presumida ou manifesta do dono do negócio, mas o negócio vier a ser utilmente administrado? Neste caso, há um choque entre os CC 862 e 869. De acordo com o CC 869, se o negócio for utilmente administrado, cumprirá ao dono as obrigações contraídas em seu nome, reembolsando ao gestor as despesas necessárias ou úteis que houver feito, com os juros legais, desde o desembolso, respondendo ainda pelos prejuízos que este houver sofrido por causa da gestão, não se aplicando o disposto no CC 862, respondendo o gestor apenas pelos danos que ocasionar culposamente. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 18.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 863. No caso do artigo antecedente, se os prejuízos da gestão excederem o seu proveito, poderá o dono do negócio exigir que o gestor restitua as coisas ao estado anterior ou o indenize da diferença.

Na atenção de Hamid Charaf Bdine Jr, a aplicação do presente artigo relaciona-se ao anterior – ou seja, só incide se o gestor agir contra a vontade do dono do negócio. Nessas hipóteses, se a atuação do gestor causar prejuízo ao dono do negócio – porque os resultados obtidos são deficitários -, caberá ao gestor restituir as coisas ao estado anterior à sua intervenção, ou indenizar a diferença do resultado que o prejudica, segundo escolha conferida ao dono do negócio. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 887 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 18/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sem estender-se Ricardo Fiuza em sua doutrina, supõe o artigo que a gestão é realizada conta a vontade expressa ou presumida do dono do negócio (dominus negoti). Nessa hipóteses o gestor, além de responder pelos danos que ocorram deverá repor as coisas no estado anterior (Status quo ante). Se isso for impossível, o gestor deverá indenizar a diferença se existente, entre o prejuízo e o lucro.

É este dispositivo simples repetição do art. 1.333 do Código Civil de 1916, sem nenhuma modificação. Deve ser-lhe dispensado, pois, o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 449 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 18/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o artigo antecedente cuida da gestão expressa ou implicitamente proibida pelo dono do negócio, que configura ato ilícito. É o caso de inimigo do dono do negócio que age no sentido de salvar bens pertencentes a este em caso de desastre. Se da gestão resultar prejuízo maior proveito ao dono do negócio, este pode optar pela restituição das coisas ao estado anterior ou por receber a diferença entre o prejuízo sofrido e o proveito recebido. Tal opção deixa de existir se for impossível a restituição da coisa ao estado anterior, caso em que o dono do negócio somente poderá reivindicar indenização pela diferença. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 18.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).