terça-feira, 16 de outubro de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 – COMENTADO – Art. 988 - DA RECLAMAÇÃO - VARGAS, Paulo S.R.


CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 – COMENTADO – Art. 988
 DA RECLAMAÇÃO - VARGAS, Paulo S.R. 

LIVRO III – Art. 988 a 993- TITULO I – DA ORDEM DOS PROCESSO
E DOS PROCESSOS DE COMPETÊNCIA ORDINÁRIA DOS TRIBUNAIS
– CAPÍTULO IX – DA RECLAMAÇÃO vargasdigitador.blogspot.com

988. caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:

I – preservar a competência do tribunal;

II – garantir a autoridade das decisões do tribunal;

II – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

·         Redação dada pela Lei 13.256 de 04.02.2016.

IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência;

·         Redação dada pela Lei 13.256 de 04.02.2016.

§ 1º. A reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir.

§ 2º. A reclamação deverá ser instruída com prova documental e dirigida ao presidente do tribunal.

§ 3º. Assim que recebia, a reclamação será autuada e distribuída ao relator do processo principal, sempre que possível.

§ 4º. As hipóteses dos incisos III e IV compreendem a aplicação indevida da tese jurídica e sua não aplicação aos casos que a ela correspondam.

§ 5º. É inadmissível a reclamação:

I – proposta após garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.

·         Redação dada pela Lei 13.256 de 04.02.2016.

§ 6º. A inadmissibilidade ou o julgamento do recurso interposto contra a decisão proferida pelo órgão reclamado não prejudica a reclamação.

·         Redação dada pela Lei 13.256 de 04.02.2016.

1.    NATUREZA JURÍDICA

Segundo ensina a doutrina majoritária, a reclamação constitucional tem natureza jurisdicional, sendo equivocado o entendimento de enxergá-la como mera atividade administrativa. A confusão decorria de antiga associação da reclamação com a correição parcial, o que a atual conjuntura constitucional fez desaparecer.

A natureza recursal deve ser descartada, porque a reclamação constitucional não atende a elementos essenciais dessa espécie de impugnação de ato judicial: a) não há qualquer previsão em lei federal que a aponte como recurso, e, sem essa previsão legal expressa, considerar a reclamação constitucional um recurso seria afrontar o princípio da taxatividade; b) a reclamação constitucional está prevista nos arts 102, I, l, e 105, I, f, ambos da CF, e nos arts 988 a 993, deste CPC, como atividade de competência originária dos tribunais superiores, e não como atividade recursal; c) o interesse recursal gerado pela sucumbência, indispensável pelo menos para as partes recorrerem, não existe na reclamação constitucional; d) a reclamação constitucional, ao menos em regra, não tem prazo preclusivo para seu oferecimento, característica indispensável a qualquer recurso; e) o objetivo da reclamação constitucional não é a reforma de decisão, nem sua anulação, de forma que não se pretende nem a substituição de decisão nem a prolação de outra em seu lugar, sendo perseguida pela parte, simplesmente, a cassação da decisão ou a preservação da competência do tribunal.

Também não é correto o entendimento de que a reclamação constitucional seja um incidente processual. Ainda que se admita certa divergência doutrinária a respeito do conceito de incidente processual, parece ser pacífico o entendimento de que sua existência depende de haver um processo em trâmite. A existência de processo em trâmite, entretanto, não é exigência indispensável para a reclamação constitucional, que pode ser apresentada diante de descumprimento da decisão de tribunal por autoridade administrativa.

A divergência mais séria encontra-se na discussão entre a natureza de ação e de exercício do direito de petição, com importantes consequências práticas da adoção de um desses entendimentos. Prefiro a corrente doutrinária que defende a natureza jurídica de ação da reclamação constitucional (STJ, 1ª Seção, Rcl. 3.828/SC, rel. Min. Eliana Calmon, j. 28/04/2010, DJe 07/05/2010), considerando-se presentes os elementos fundamentais que compõem uma ação: petição inicial veiculando uma pretensão, citação, contraditório, decisão de mérito coberta por coisa julgada material, além de exigências formais que corroboram a conclusão, tais como a exigência de pressupostos processuais positivos, a capacidade de ser parte, de estar em juízo e postulatória, e negativos, a ausência de coisa julgada, de perempção e de litispendência.

Ocorre, entretanto, que o Supremo Tribunal Federal, em célebre julgamento no qual teve de enfrentar o tema, chegou à conclusão de que a reclamação constitucional não seria uma ação, mas o mero exercício do direito de petição, previsto no art 5º, XXXIV, a, da CF (STF: Tribunal Pleno, ADI 2.212/CE, rel. Min. Ellen Gracie, j. 02/10/2003, DJ 14/11/2003, p. 11). A consequência mais interessante reconhecida por esse julgamento é a possibilidade de as Constituições Estaduais preverem reclamação constitucional de competência dos Tribunais de Justiça, enquanto a competência dos tribunais regionais federais dependeria de previsão na Constituição Federal.

Essa consequência, entretanto, passa a ser irrelevante diante do art 988, I e II, do CPC, que se limita a indicar apenas o tribunal, não exigindo tribunais de superposição como ocorre no texto constitucional, ao se referir ao cabimento da reclamação constitucional para preservação da autoridade de suas decisões e evitar usurpação de competência. Por outro lado, o art 988, § 1º, do CPC, prevê expressamente que a reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, deixando claro que, independentemente de previsão constitucional (estadual ou federal), o Tribunal de Justiça e o Tribunal Regional Federal também são competentes para julgamento de reclamação constitucional quando sua competência for usurpada ou para garantir a autoridade de suas decisões.

O posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, entretanto, se levado efetivamente a sério, poderá desfigurar por completo o instituto da reclamação constitucional, considerando-se as expressivas diferenças entre o exercício do direito de ação e o de petição. Seriam dispensadas as formalidades do direito de ação, tais como a necessidade de provocação de parte interessada por meio de petição inicial, o pagamento de custas processuais, a capacidade postulatória, a coisa julgada? O paradoxal é que a própria Corte Superior continua a exigir tais requisitos, que, explicáveis à luz do exercício do direito de ação, perdem qualquer justificativa diante do mero exercício do direito de petição. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.619/1.620.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    HIPÓTESES DE CABIMENTO

A Constituição Federal prevê duas hipóteses de cabimento de reclamação constitucional: como forma de preservação da competência dos tribunais superiores e de garantia da autoridade de suas decisões. A Lei 11.417/2006, que disciplina a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, prevê em seu art 7º, caput, uma terceira hipótese de cabimento da reclamação constitucional: decisão judicial ou ato administrativo que contrariar, negar vigência ou aplicar indevidamente entendimento consagrado em súmula vinculante.

O CPC atual, além de repetir essas três hipótese de cabimento (art 988, I, II e III), cria novas hipóteses no inciso IV, ao prever o cabimento de reclamação constitucional para garantir a observância de acórdão ou precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência. Também amplia o cabimento da reclamação constitucional aos tribunais de segundo grau, porque o art 988, I e II, do CPC se limita a indicar apenas tribunal, não exigindo tribunais de superposição como ocorre no texto constitucional.

Deve-se notar que das hipóteses de cabimento da reclamação constitucional sempre haverá ofensa a uma norma legal, sendo possível se imaginar o cabimento de recurso contra tal violação. A reclamação constitucional, entretanto, tem atrativos que os recursos não têm, e por isso se torna um importante instrumento de impugnação. Independentemente da competência para o julgamento da reclamação constitucional, um atrativo indiscutível é a desnecessidade de decisão a ser impugnada, requisito indispensável à interposição de recurso.

Na competência dos tribunais de segundo grau, a reclamação constitucional pode ser utilizada com vantagem quando a decisão a ser impugnada for interlocutória e não recorrível por agravo de instrumento. Mas a grande vantagem da reclamação constitucional é a desnecessidade de decisão a ser impugnada, requisito indispensável à interposição de recurso.

Na competência dos tribunais de segundo grau, a reclamação constitucional pode ser utilizada com vantagem quando a decisão a ser impugnada for interlocutória e não recorrível por agravo de instrumento. Mas a grande vantagem da reclamação constitucional é ocorrer a chegada da matéria ao tribunal de superposição, exigindo-se das partes todo o tortuoso caminho do esgotamento das vias ordinárias de impugnação, além da existência de dificuldades procedimentais para fazer com que o mérito do recurso extraordinário seja enfrentado. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.620/1.621.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

3.    FORMA DE PRESERVAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

Nessa hipótese de cabimento, o objetivo é evitar que órgãos jurisdicionais inferiores usurpem a competência dos tribunais.

Com a mudança de competência para o juiz de admissibilidade da apelação e dos recursos excepcionais, que à luz do CPC serão feitos exclusivamente pelos tribunais competentes para o julgamento do mérito recurso, nasce uma situação de potencial cabimento da reclamação constitucional por usurpação de competência. Basta imaginar um juiz de primeiro grau, diante de uma apelação manifestamente inadmissível, deixar de recebe-la, impedindo sua remessa ao tribunal de segundo grau. Nesse caso, como independentemente da natureza e/ou gravidade do vício formal, a competência para analisar a admissibilidade da apelação é exclusiva do tribunal de segundo grau, será indiscutível o cabimento da reclamação constitucional (Enunciado 208 do FPPC).

É interessante notar que a reclamação constitucional nesse caso, nos termos do art 988, I do CPC, só se presta a preservar a competência de tribunal, de forma que usurpada competência do primeiro grau por tribunal não será cabível a reclamação constitucional.

Trata-se de cabimento comum em processos penais em que, apesar da prerrogativa de foro da autoridade que figura no processo como réu, a ação tramita em primeiro grau de competência (STF, 1ª Turma, rel. 12.484/DF, rel. Min. Dias Toffoli, j. 29.04.2014, DJe 29.09.2014; STJ, Corte Especial, AgRg na Rcl 23.671/MT, rel. Min. Humberto Martins, j. 06/05/2015, DJe 25/05/2015). Nesse tocante, é importante registrar o entendimento consolidado pelos tribunais superiores de que não se aplica a teoria das competências implícitas complementares na ação de improbidade administrativa, sendo sempre no primeiro grau a competência para o julgamento de tal espécie de ação coletiva (STF, Tribunal Pleno, Per 3.067 AgR/MG, rel. Min. Roberto Barroso, j. 19/11/2014, DJe 19/02/2015; STJ, Corte Especial, AgRg na Pet 9.669/RJ, rel. Min. Og Fernandes, j. 17/09/2014; DJe 16/10/2014), não sendo, portanto, cabível, nesse caso, reclamação constitucional aos tribunais por alegada usurpação de competência. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.621/1.622.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

4.    FORMA DE GARANTIR A AUTORIDADE DA DECISÃO DE TRIBUNAL

Nota-se, na praxe forense, que essa hipótese de cabimento da reclamação constitucional é a mais utilizada por partes inconformadas com decisões que contrariam entendimento sumulado ou dominante dos tribunais superiores, sempre com a alegação de que tais decisões afrontariam a autoridade de precedentes de tais tribunais. Os tribunais superiores, entretanto, são suficientemente claros na interpretação dos arts 102, I, l, e I, f, da CF, ao determinares que a afronta deva ocorrer especificamente com relação a decisão determinada, sendo insuficiente para o cabimento da reclamação constitucional o mero desrespeito à jurisprudência consolidada (STF, Tribunal Pleno, Rcl 6.135 Agr/SP, Tribunal Pleno, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 24.08/2008, DJe 20/02/1009.

Registre-se que esse entendimento não se aplica às hipóteses previstas pelo art 988, IV, do CPC, que se referem aos precedentes vinculantes e que serão tratadas no devido momento.

Essa regra, entretanto, tem ao menos uma exceção criada pela jurisprudência. Segundo o art 105, III, caput, da CF, o cabimento de recurso especial está condicionado ao fato de a decisão impugnada ser proferida pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais Estaduais, do Distrito Federal e Territórios, sendo irrelevante a decisão de ter sido proferida em grau recursal (última instância) ou em ação de competência originária do Tribunal (única instância).

Essa exigência impede a interposição de recurso especial contra as decisões proferidas em julgamento de recurso inominado nos Juizados Especiais, regidos pela Lei 9.099/1995. O órgão de revisão de sentença nos Juizados Especiais é o Colégio Recursal, composto por juízes de primeiro grau de jurisdição, não tendo natureza de tribunal. A mesma irrecorribilidade atinge a decisão dos embargos infringentes previstos no art 34, caput, da LEF Lei 6.830/1980). Sendo tal recurso julgado pelo próprio juízo sentenciante, ainda que seja a decisão de última instancia no processo, não poderá ser recorrida por recurso especial, por ter sido proferida em primeiro grau de jurisdição.

Apesar de pacificado o entendimento no sentido exposto, cumpre ressaltar o desconforto dos tribunais superiores com a ausência de controle na aplicação da lei federal em sede de Juizados Especiais Estaduais. Pela estrutura criada pela Lei 9.099/1995, ainda que flagrantemente contrária ao entendimento consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça, a última palavra a respeito da lei federal é dada pelo Colégio Recursal. O mesmo fenômeno não se verifica cm sede de Juizados Especiais Federais, ao menos no tocante ao direito material federal, considerando-se a existência da uniformização de jurisprudência prevista pelo art 14 da Lei 10.259/2001, que permite a chegada ao Superior Tribunal de Justiça de decisão contrária a entendimento consolidado pelo tribunal superior a respeito da aplicação e/ou interpretação de lei federal (ainda que limitada ao direito material), o mesmo ocorrendo nos Juizados Especiais da Fazendo Pública Municipal e Estadual em razão dos arts 18 e 19 da Lei 12.153/2009. Nesses, o caminho procedimental é a uniformização de jurisprudência, sendo incabível a reclamação constitucional para o Superior Tribunal de Justiça (Informativo 559/STJ, 1ª Seção, Rcl 22.033-SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 8/4/2015, DJe 16/04/2015.

O plenário do Supremo Tribunal Federal, demonstrando expressamente desconforto com tal situação, entendeu que, enquanto não existir mecanismo processual mais apropriado a permitir a atuação do Superior Tribunal de Justiça nas ações dos Juizados Especiais Estaduais, deve-se admitir a reclamação constitucional (Informativo 557/STF: Plenário, RE 571.572 QO-ED/BA, rel. Min. Ellen Gracie, j. 26/08/2009, DJe 27.1.2009), em posição que veio a ser incorporada pelo Superior Tribunal de Justiça (Informativo 416/STJ: Corte Especial, Rel. 3.752-GO, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18/11/2009, DJe 25.08.2010).

Salvo a exceção apontada em sede de Juizados Especiais e as hipóteses descritas no art 988, IV, do CPC, é possível concluir-se que a reclamação constitucional estará condicionada a uma determinada decisão judicial de tribunal que gere efeitos para as partes, quer porque participaram do processo na qual a decisão foi preferida (STF, Rcl. 3.084/SP, Tribunal Pleno, rel. Min. Ricardo Levandowski, j. j. 29/04/2009, DJe 01/07/2009, STJ, AgRg na Rcl. 2.942/SP, Primeira Seção, rel. Min. Castro Meira, j. 22/10/2008, DJe 03/11/2008), quer porque a decisão tem efeitos erga omnes (STF, Rcl. 3.138/CE, Tribunal Pleno, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 04/03/2009, DJe 23/10/2009). Essa constatação permite a divisão das demandas nas quais os efeitos se operem inter partes e aqueles nas quais os efeitos operem erga omnes, sendo possível incluir, na primeira espécie, as ações individuais e na segunda, as ações coletivas, inclusive o processo objetivo, considerado processo coletivo especial, que tem tratamento específico no art 988, III, do CPC.

Numa ação individual, cujas decisões gerem efeitos somente para os sujeitos que participam do processo, é possível que um juízo de grau inferior deixe de cumprir uma decisão proferida pelo tribunal superior, típica hipótese de cabimento de reclamação constitucional como forma de preservar a autoridade da decisão judicial, uma vez sendo determinada, no caso concreto, por exemplo, a soltura de um réu encarcerado em razão de indevida prisão civil, é natural que o juízo que determinou a prisão deva executar a ordem contida na decisão do tribunal superior, e, se isso não ocorrer, será cabível a reclamação constitucional.

O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de julgar procedente reclamação constitucional em razão da resistência de juízo de grau jurisdicional inferior cumprir decisão do tribunal superior com a alegação de que a decisão ainda não era definitiva, em razão de recurso pendente de julgamento. O tribunal entendeu que, não tendo o recurso interposto contra sua decisão efeito suspensivo, não cabe ao juízo inferior se negar a dar cumprimento imediato à decisão do tribunal, que, nessas circunstancias, tem executividade imediata (STJ, 1ª Seção, Rcl 3.828/SC, rel. Min. Eliana Calmon, j. 28-04-2010, DJe 07/05/2010). Também a decisão que volta a declarar a incompetência do juízo, em afronta à decisão já proferida pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de conflito de competência, desafia reclamação constitucional (STJ, 2ª Seção, Rcl. 1.859/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 22-06-2005, DJ 24/10/2005, p. 167).

Interessante questão levantada pela doutrina diz respeito ao descumprimento por autoridade administrativa de decisão de tribunal superior, proferida em ação individual. Seria cabível a reclamação constitucional diante dessa situação? Concordo com a doutrina que responde negativamente a esse questionamento, afirmando que descumprimento da decisão por terceiro, sendo irrelevante se particular ou autoridade administrativa, permite que a parte interessada na execução da decisão peticione perante o juízo que deve executar a decisão para que as medidas necessárias sejam adotadas e para que tal pronunciamento efetivamente gere seus efeitos no plano prático. É, nesse sentido, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ, AgRg na Rcl. 2.918/MG, 1ª Seção, rel. Min. Denise Arruda, j. 08/10/2008, DJe 28/10/2008; STJ, REsp 863.055/GO, 1ª Seção rel. Min. Herman Benjamin, j. 27/02/2008, DJe 18/09/2009), que deve ser prestigiado.

Na tutela coletiva, a eficácia das decisões sempre atinge sujeitos que não participam do processo. No processo coletivo comum, têm-se efeitos erga omnes, na hipótese de direitos difusos, e ultra partes, na hipótese de direitos coletivos e individuais homogêneos, a despeito da equivocada previsão contida no art 103 da Lei 8.078/1990 (CDC). Nesses casos, os indivíduos que tenham sido beneficiados pela decisão proferida por tribunal superior poderão ingressar com reclamação constitucional na hipótese de juízo hierarquicamente inferior desrespeita a decisão. Naturalmente, também os autores da ação coletiva, bem como os colegitimados, poderão ingressar com a reclamação constitucional, na hipótese de a decisão desrespeitada ser proferida no próprio processo coletivo em trâmite. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.622/1.624.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

5.   FORMA DE GARANTIR A OBSERVÂNCIA DE DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE

No tocante à eficácia erga omnes das decisões, têm posição de destaque as ações de controle de constitucionalidade, espécies de processo coletivo especial, tema versado expressamente pelo art 988, III, do CPC. Diante de decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade, em ação declaratória de inconstitucionalidade ou de arguição de descumprimento de preceito fundamental, não podem os juízes, que enfrentarem a questão constitucional de forma incidental, desconsiderar a decisão judicial do Supremo Tribunal Federal, justamente porque o efeito erga omnes vincula a todos.

O mesmo se pode dizer da autoridade administrativa, que também está adstrita à declaração concentrada de constitucionalidade do Supremo Tribunal Federal, de forma que, praticado um ato administrativo ou proferida uma decisão no âmbito de processo administrativo que contrarie decisão preferida em ação de controle concentrado de constitucionalidade, será cabível a reclamação constitucional.

Segundo reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal, a vinculação entre o julgado-paradigma proferido na ação de controle concentrado de constitucionalidade e aquele que impugna por meio de reclamação constitucional deve ser perfeita (STF, Rcl. 6.735 AgR/SP, Tribunal Pleno, rel. Min. Ellen Gracie, j. 18/08/2010, DJe 10/09/2010). Ainda que não se discuta o acerto do entendimento, é recomendável afirmar que não é somente a exata norma declarada (in)constitucional que pode ensejar reclamação constitucional nos teros ora analisados, considerando a aplicação da tese da transcendência dos motivos determinantes.

Não considero a previsão do inciso III do art 988 do CPC propriamente uma novidade, porque essa hipótese apenas específica, para o processo objetivo, aquela prevista no inciso II do mesmo dispositivo legal e já existente no sistema processual. Tanto é assim que o Supremo Tribunal Federal tem posicionamento pacificado a respeito do cabimento da reclamação constitucional nesse caso, antes de previsão expressa específica como agora consagrada no art 988, III, do CPC (STF, Tribunal Pleno, RE 730.462/SP, rel. Min. Teori Zavascki, j. 28/05/2015, DJe 09/09/2015).

Interessante debate trava-se, atualmente, quando ao cabimento de reclamação constitucional à luz da teoria dos efeitos transcendentes dos motivos determinantes.

Durante certo período de tempo, o Supremo Tribunal Federal entendeu que, havendo a declaração concentrada de inconstitucionalidade, os motivos determinantes da decisão geravam efeitos vinculantes erga omnes, o que significa que outras normas, que não tinham sido objeto de apreciação no processo objetivo, desde que tivessem o mesmo conteúdo daquela analisada, sofreriam os efeitos do controle concentrado. Uma vez declarada inconstitucional, uma norma municipal que determina a criação de um tributo, em todos os processos em que se discutia incidentalmente a constitucionalidade de uma norma de outro Município, que cria por lei municipal o mesmo tributo, haveria vinculação dos juízes à decisão do Supremo Tribunal Federal. Não sendo respeitada a decisão, caberia a reclamação constitucional (STF, Rcl. 2.986 MC/SE, decisão monocrática, Min. Celso de Mello, j. 11.03.2005, DJ 18.03.2005, p. 87; Rcl 2.363/PA, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 23.10.2003, DJe 01.04.2005).

Mais recentemente, entretanto, o Supremo Tribunal Federal tornou-se refratário à adoção da teoria (STF, Tribunal Pleno, Rcl 3.294 AgR/RN, rel. Min. Dias Toffoli, j. 03.11.2011, DJe 29.11.2011; STF, Tribunal Pleno, Rcl 9.778 AgR/RJ, rel. Min. Ricardo Levandowski, j. 26.10.2011, DJe 11.11.2011; STF, Tribunal Pleno, Rcl 3.014/SP, rel. in. Ayres Britto, j. 10-3-2010, DJe 21-5-2010), inclusive rejeitando reclamações constitucionais que têm como objeto, lei municipal ainda não declarada inconstitucional pelo tribunal em controle concentrado (STF, 1ª Turma, Rcl 11.478 AgR/CE, rel. Min. Marco Aurélio, j. 05.06.2012, DJe 21.06.2012).

Aparentemente visando a legislar sobre a polêmica, o art 988 do CPC, em seu § 4º prevê que as hipóteses dos incisos III e IV compreendem a aplicação indevida da tese jurídica e sua não aplicação aos casos que a ela correspondam. Entendo que o atual CPC adotou a teoria dos efeitos transcendentes dos motivos determinantes ao se referir à “tese jurídica”, e não a norma jurídica decidida concretamente pelo Supremo Tribunal Federal. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.624/1.625.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

6.    FORMA DE GARANTIR A OBSERVÂNCIA DE SÚMULA VINCULANTE

A Lei 11.417/2006 disciplina a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, tratando em seu bojo de hipótese específica de cabimento de reclamação constitucional. Nos termos do art 7º, caput, na hipótese de decisão judicial ou ato administrativo contrariar, negar vigência ou aplicar indevidamente entendimento consagrado em súmula vinculante, será cabível a reclamação constitucional. Tal hipótese de cabimento é repetido pelo art 988, IV, do CPC.

O dispositivo legal prevê ainda que o cabimento da reclamação constitucional não impede a utilização de outros meios de impugnação contra a decisão, inclusive a via recursal, em regra aplicável somente às decisões judiciais ou proferidas em processo administrativo. Apesar da correção da regra legal, a suposta multiplicidade de formas de impugnação da decisão deve ser interpretada à luz do enunciado da Súmula 734/STF, que não admite o ingresso de reclamação constitucional depois do trânsito em julgado da decisão que alegadamente desrespeita o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. Significa que, ao menos em algumas hipóteses, não será facultativa a escolha do recurso ou da reclamação, mas imperativo que a parte ingresse com o primeiro para evitar o trânsito em julgado e permitir a apresentação do segundo meio impugnativo.

A regra mais polêmica a respeito do tema ora enfrentado encontra-se no art 7º, § 1º, da Lei 11.417/2006 e prevê que, sendo objeto da reclamação constitucional, a omissão ou ato da administração pública, exige-se o esgotamento das vias administrativas para o ingresso em juízo.

Há entendimento de que a norma, ainda que pragmaticamente justificável diante do receio de aumento significativo de reclamações constitucionais perante o Supremo Tribunal Federal, é manifestamente inconstitucional, em afronta clara e indiscutível ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, consagrado no art 5, XXXV, da CF, considerando-se que a única hipótese em que se admite a exigência do esgotamento das vias administrativas para só então se permitir o exercício jurisdicional é prevista pelo art 217, § 1º, da CF.

Por outro lado, há corrente doutrinária que não enxerga qualquer inconstitucionalidade da norma, afirmando ser abusiva a utilização da reclamação constitucional sem que as esferas administrativas tenham sido esgotadas. O principal fundamento desse entendimento é o de que não se pode substituir a crise numérica dos recursos extraordinários por uma nova crise das reclamações constitucionais. Mais uma vez, o receio de uma explosão no número de reclamações constitucionais leva parcela da doutrina a aceitar obstáculo criado por norma infraconstitucional ao acesso ao Poder Judiciário.

Por fim, há ainda uma terceira corrente doutrinária, que entende cabível a exigência legal a depender do caso concreto. Segundo esse entendimento somente quando se mostrar razoável o esgotamento das vias administrativas de solução de conflito não se admitirá a reclamação constitucional. Aparentemente, há uma indevida confusão entre inafastabilidade da jurisdição e interesse de agir, defendendo essa corrente doutrinária que, sendo provado, no caso concreto, o efetivo interesse de agir, poderia o tribunal incidentalmente declarar a inconstitucionalidade do art 7º, § 1º, da Lei 11.417/2006 e julgar a reclamação constitucional.

Acredito haver uma indevida confusão no debate sobre o tema. O dispositivo legal não impede o acesso da parte à jurisdição, mas somente impede que tal acesso ocorra pelo meio específico da reclamação constitucional. Não consigo compreender por qual motivo a previsão pode ser ofensivo ao princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, afinal, se a limitação a certa forma procedimental de provocar a jurisdição for inconstitucional, será complicado, por exemplo, explicar porque não se admite produção de prova oral em sede de mandado de segurança, ou porque a ação coletiva não se presta, ao menos em regra, para a defesa de interesses individuais.

Entendo, portanto, que o acesso à jurisdição está garantido, não pelo caminho mais fácil da reclamação constitucional, mas por meio de qualquer ação impugnativa da decisão ou ato administrativo, seguindo-se as regras processuais de competência para fixar o órgão competente para o julgamento de tal ação. Caso a parte pretenda se valer do caminho mais fácil e rápido, que é a reclamação constitucional, terá de esperar o esgotamento das vias administrativas, conforme prevê o artigo ora comentado, não sendo possível se apontar qualquer inconstitucionalidade em tal regra legal.

Nessa hipótese de reclamação constitucional, nos termos do art 7º, § 2º, da Lei 11.417/2006, as consequências do acolhimento do pedido diferem, a depender da espécie de ato impugnado. Sendo a decisão que afronta a súmula vinculante de natureza judicial, o Supremo Tribunal Federal a cassará e determinará que outra seja proferida em seu lugar, com ou sem a aplicação da súmula. Nesse caso, é questionável a previsão legal a mencionar a cassação da decisão, considerando sua própria previsão de que outra decisão venha a ser proferida no lugar daquela impugnada, o que permite a conclusão de tal decisão ter sido anulada, e não simplesmente cassada.

Já na reclamação constitucional contra ato administrativo, o tribunal se limitará à anulação do ato, considerando-se que a prática de novo ato no lugar daquele anulado cabe à administração pública, não sendo possível ao Poder Judiciário exigir sua prática. Parece que, nessa hipótese de procedência, o legislador considerou a discricionariedade do administrador público a respeito da postura que adotará após a anulação do ato. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.625/1.627.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

7.  FORMA DE GARANTIR A OBSERVÂNCIA DE PRECEDENTE PROFERIDO EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR) E INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA.

Reforçando a tese de que os criados em julgamento repetitivo – recurso extraordinário/especial repetitivos e IRDR = e em julgamento de incidente de assunção de competência têm eficácia vinculante, o art 988, IV do CPC prevê o cabimento de reclamação constitucional para garantir a observância de tais precedentes.

Segundo o § 4º do art 988 do CPC, a observância dos precedentes vinculantes previstos no inciso IV do mesmo dispositivo legal compreende a aplicação indevida da tese jurídica e sua não aplicação aos casos que a ela correspondam. Como o art 489, § 1º, V, do CPC exige na fundamentação da decisão que o órgão julgador identifique os fundamentos determinantes do precedente vinculante, justamente para demostrar seu cabimento ou não ao caso concreto, será dessa fundamentação que a parte terá condição de analisar o cabimento da reclamação constitucional contra a decisão.

Questão interessante surge na hipótese de o órgão julgador deixar de aplicar o precedente vinculante com fundamento na distinção ou superação. Nesse caso, será cabível a reclamação constitucional? Não há dúvida de que a distinção ou superação da tese fixada no precedente vinculante, desde que fundamentada nos termos do art 489, § 1º, VI, do CPC, são razões legais para o órgão julgador deixar de aplicar ao caso concreto tal precedente, mas o art 988, IV, do CPC, não faz qualquer menção a tais circunstâncias.

Uma primeira forma de responder à pergunta é interpretar o art 988, IV, do CPC no sentido de que, havendo a distinção ou superação, a parte não teria direito a garantir a observância do precedente, não sendo, dessa forma, cabível a reclamação constitucional a adequação da distinção ou superação aplicada no caso concreto para o órgão deixar de aplicar o precedente com eficácia vinculante.

Significa dizer que o tribunal terá que confirmar o acerto da distinção ou superação aplicada no caso concreto, e o eventual equívoco em tal aplicação não deve levar à inadmissão da reclamação constitucional, mas sim a julgamento de improcedência. Trata-se, entretanto, de questão com pouca consequência prática, porque se o tribunal entender, nesse caso, pela inadmissão da reclamação constitucional, extingui-la-á sem resolução do mérito. De uma forma ou outra, o autor da reclamação constitucional terá rejeitada sua pretensão. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.627/1.628.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

8.     FORMA DE GARANTIR A OBSERVÂNCIA DE PRECEDENTE PROFERIDO EM REPERCUSSÃO GERAL E RECURSO EXCEPCIONAL REPETITIVO

Constava da redação originária do art 988, IV, do CPC, o cabimento de reclamação constitucional para garantir a observância de precedente proferido em julgamento de recursos repetitivos, mas esse cabimento foi suprimido do dispositivo legal pela Lei 13.256, de 04.02.2016, que alterou o Código de Processo Civil durante seu período de vacância.

Numa primeira leitura dos incisos do art 988 do CPC, portanto, não consta mais o cabimento de reclamação constitucional na hipótese ora analisada. Demonstrando uma técnica legislativa no mínimo duvidosa, entretanto, o § 5º, II, do art 988 do CPC garante o cabimento de reclamação constitucional nesse caso, ainda que sob a condição de serem esgotadas as instâncias ordinárias. Se o objetivo do legislador era criar uma condição de admissibilidade da reclamação constitucional nesse caso, deveria ter mantido a hipótese no inciso IV do art 988 e previsto tal condição no § 5º do mesmo dispositivo. Estranhamente, entretanto, retirou a hipótese do inciso IV, mas a ressuscitou no § 5º do art 988 deste CPC.

Por “esgotamento das instâncias ordinárias”, o legislador aparentemente pretendeu afastar o cabimento de reclamação constitucional contra sentença que desrespeita precedente fixado em julgamento de recurso especial e extraordinário repetitivo.

Um dado curioso, que demonstra que as revisões finais de textos legais após sua aprovação não se limitam a aprimorá-los em termos redacionais, chegando à inconstitucional alteração de seu conteúdo: no texto aprovado pelo Senado Federal do Projeto de Lei 168/2015, não havia no dispositivo legal previsão expressa a respeito do recurso extraordinário repetitivo no art 988, § 5º, II, do CPC, que s limitava a prever a repercussão geral e o recurso especial repetitivo. É lamentável que o legislador confunda repercussão geral com recurso extraordinário repetitivo, desconsiderando a óbvia possibilidade de um recurso extraordinário não ser repetitivo, mas ter repercussão geral. Certamente pensando na bobagem aprovada na Câmara e no Senado, na revisão “redacional” final do texto foi incluído o recurso extraordinário repetitivo.

Dessa forma, se um acórdão desrespeitar o precedente criado em julgamento de recurso especial e extraordinário repetitivo, e em julgamento de recurso extraordinário com repercussão geral, ainda que não repetitivo, caberá reclamação constitucional para o tribunal de superposição. Mas no caso de sentença proferida em tais moldes, caberá a apelação. O mesmo se diga no caso de decisão monocrática proferida em segundo grau, que sendo recorrível por agravo interno (art 1.021, caput, deste CPC), não poderá ser objeto de reclamação constitucional. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.628.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

9.    LEGITIMIDADE ATIVA

Conforme já afirmado anteriormente, ainda que o Supremo Tribunal Federal entenda que a reclamação constitucional tem natureza de direito de petição, parece ser indiscutível a necessidade de provocação por meio da parte interessada ou pelo Ministério Público, nos termos do caput do art 988, deste CPC.

Na realidade, as próprias hipóteses de cabimento são suficientes para demonstrar a incongruência prática de o juízo que conduz o processo instaurar de ofício a reclamação constitucional. Ocorre, entretanto, que a eventual iniciativa de ofício no tocante à reclamação constitucional não precisa ficar limitada ao juízo da causa, podendo-se imaginar que o próprio tribunal, diante de hipótese de cabimento da reclamação constitucional, poderia determinar a avocação dos autos ou medidas para fazer valer sua decisão, por meio de propositura de ofício de uma reclamação constitucional. A previsão contida no art 988, caput, do CPC afasta expressamente essa possibilidade.

É preciso cuidado ao conceituar o interesse necessário à parte na legitimidade ativa da reclamação constitucional. Não é possível limitar a legitimidade às partes do processo originário, até porque é cabível a reclamação constitucional independentemente da existência de processo. Ademais, mesmo quando existe um processo em trâmite, não se pode descartar a priori a existência de terceiros juridicamente interessados, que também terão legitimidade para a propositura da reclamação constitucional, o que fica claro no processo coletivo (comum e especial).

Entendo que o interesse deve ser demonstrado, no caso concreto, pelo autor da reclamação constitucional, por meio da comprovação de possível repercussão do processo em trâmite ou do ato administrativo praticado em sua esfera jurídica. Ainda que não precise demonstrar qualquer sucumbência no caso concreto (como ocorre na hipótese de usurpação de competência), sendo incorreto associar o interesse da parte a uma eventual melhora em sua situação prática, deve demonstrar que a ilegalidade cometida pode juridicamente atingi-lo.

O Ministério Público não deve se omitir diante de verificação de cabimento da reclamação constitucional. Sua legitimidade, portanto, decorre de sua função institucional de fiscal da ordem jurídica, de forma que não há necessidade de que participe do processo em que a ilegalidade é cometida para oferecer a reclamação constitucional. Há um interesse público no respeito à competência, à autoridade das decisões e de precedentes vinculantes dos tribunais e, sendo a reclamação constitucional uma das formas de se garantir esse respeito, é natural a legitimidade do Ministério Público à luz do art 178, I, deste CPC. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.629.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

10. INSTRUÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL

Toda prova a ser produzida pelo autor já deve ser apresentada com a própria petição inicial, nos termos do art 988, § 2º, do CPC. Ainda que o procedimento seja sumário e documental, não parece haver uma preclusão à produção de prova documental pelo autor com a apresentação da petição inicial, desde que demonstre motivadamente, as razões da juntada extemporânea.

O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, entende que a ausência de documentos indispensáveis à propositura da reclamação constitucional é causa de indeferimento liminar (STJ, 1ª Seção, EDcl na Rcl 9.537/RS, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 23.10.2013, DJe 29/10/2013), não se admitindo a juntada da documentação em sede de agravo interno proposto contra a decisão monocrática do relator de indeferimento da petição inicial (STJ, 3ª Seção, AgRg na Rcl 18.385/SP, rel. Min. Regina Helena Costa, j. 27/08/2014, DJe 04/09/2014). (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.629/1.630.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

11.  DISTRIBUIÇÃO

Nos termos do art 988, § 3º, do CPC, o relator será, sempre que possível, o juiz da causa principal, ou seja, o relator do recurso ou ação originária da qual resultou a decisão que restou descumprida por órgão hierarquicamente inferior. Trata-se, segundo parcela da doutrina, de espécie de prevenção temática, que naturalmente não existirá na hipótese de usurpação de competência, quando a distribuição deve ser livro. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.630.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

12.  DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO

Tratando-se de ação judicial, não há prazo processual para o ingresso da reclamação constitucional. Ocorre, entretanto, que o Supremo Tribunal Federal pacificou entendimento, inclusive em súmula, de que não cabe reclamação constitucional contra decisão transitada em julgado, não se admitindo que a reclamação assuma natureza rescisória (Súmula 734/STF: “Não cabe reclamação constitucional quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal). Nesse sentido, é a previsão expressa do art 988, § 5º, I, do CPC. Compreende-se o entendimento em respeito à coisa julgada material, porque, caso se admitisse o cabimento da reclamação constitucional nessas circunstâncias, abrir-se-ia perigoso instrumento de relativização da coisa julgada. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.630.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

13.  AUTONOMIA ENTRE DIREITO RECURSAL E DIREITO À RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL

Questão interessante diz respeito à reclamação constitucional apresentada contra decisão judicial que não seja atacada por recurso, ou porque não existe recurso cabível ou porque a parte que poderia se valer do caminho recursal não o fez. Pergunta-se, nesse caso, haveria trânsito em julgado em razão da não interposição do recurso? O eventual trânsito em julgado prejudica a reclamação constitucional pendente de julgamento?

Apesar de existir doutrina que defende a existência de trânsito em julgado nesse caso, ainda que não sendo prejudicada a reclamação constitucional, inclusive em opinião referendada em decisão do Supremo Tribunal Federal, prefiro acreditar que a pendencia da reclamação constitucional impede o trânsito em julgado, razão pela qual a não interposição de recurso contra a decisão não gera a consequência natural de tornar a decisão imutável e indiscutível e, por isso, não prejudica o andamento da reclamação constitucional.

Já tive a oportunidade de demonstrar que nem sempre a ausência de recurso gera o trânsito em julgada da decisão, ainda que se reconheça que o efeito principal de qualquer recurso seja justamente o obstativo. Como ocorre no reexame necessário, é possível a existência de uma condição impeditiva do trânsito em julgado, que somente se verificará após a realização de determinado ato processual. Entendo que a pendência da reclamação constitucional seja justamente uma condição impeditiva do trânsito em julgado, de forma que a ausência de interposição de recurso contra decisão não torna prejudicada a reclamação, como também a manutenção ou cassação da decisão não impugnada depende do teor do julgamento de tal reclamação.

De qualquer forma, entendendo-se que houve ou não o trânsito em julgado da decisão após o ingresso da reclamação constitucional, o importante é que todos concordam que a reclamação não restará prejudicada, sendo julgada normalmente. Significa dizer que basta à parte interessada ou ao Ministério Público ingressar com a reclamação constitucional, antes do trânsito em julgado da decisão, sendo irrelevantes os atos processuais praticados posteriormente no processo. É nesse sentido do § 6º do art 988 do CPC ao prever que a inadmissibilidade ou o julgamento do recurso interposto contra a decisão proferida pelo órgão reclamado não prejudica a reclamação.

A objeção consagrada à utilização da reclamação constitucional como meio rescisório traz interessante consequência no tocante ao prazo para seu ajuizamento. Ainda que não seja correto falar-se em prazo para o ajuizamento da reclamação constitucional, a depender do caso concreto, criar-se-á um prazo, justamente para que a ação seja apresentada em juízo antes do trânsito em julgado da decisão. Enquanto existir recurso pendente de julgamento contra a decisão impugnada em sede de reclamação constitucional no prazo recursal, sob pena de perder o direito à reclamação, nos termos do art 988, § 5º, I, deste CPC. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.630/1.631.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

Este CAPÍTULO IX "DA RECLAMAÇÃO" continua nos artigos 989 a 993, que vêm a seguir.