terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO - Art. 371 - VARGAS, Paulo S.R. PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM – CAPÍTULO XII – DAS PROVAS - Seção I – Disposições gerais



CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO - Art. 371 - VARGAS, Paulo S.R.
PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM CAPÍTULO XII  – DAS PROVAS - Seção I – Disposições gerais
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Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.

Correspondência no art. 131 do CPC/1973 com a seguinte redação: o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes, mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.

1.    MEIOS DE VALORAÇÃO DA PROVA

Existem diferentes formas de valoração da prova, ou seja, sistemas consagrados pelo legislador ou pelo direito consuetudinário que devem guiar o juiz na distribuição da carga de convencimento que cada prova terá, no caso concreto, para a formação de seu convencimento. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 648. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    ORDÁLIAS E JUÍZOS DE DEUS

Atualmente não se fala mais em ordálias (ou juízos de Deus), sistema probatório no qual a valoração de provas era fundada em desafios físicos – como atravessar uma fileira de brasa ou se despejar óleo quente – em consultas aos deuses. De fato, tais “meios de prova” nada provam, demonstrando tão somente uma ainda incipiente técnica processual, se é possível qualificar tal sistema de técnico. O desenvolvimento do processo, e da própria humanidade, com a desvinculação do direito da religião, demonstrou, de forma clara, o absurdo de tais atividades, sendo que o sistema das ordálias tem importância meramente histórica. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 648. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).


3.    PROVA LEGAL (PROVA TARIFADA)

No sistema de prova legal, ou prova tarifada, a carga probatória já vem pré-estabelecida em norma escrita, tornando o juiz um simples matemático, que somava as provas produzidas para verificar a ocorrência dos fatos alegados. Nesse sistema, valendo a prova testemunha 1 ponto, a documental, 2 pontos e a confissão, 3 pontos, basta ao juiz somar a prova produzida e declarar vitorioso aquele que somar um maior número de pontos. Obviamente que tal sistema não é adequado, privilegiando a quantidade da prova, e não sua qualidade. Como se verá, entretanto, tal sistema não foi totalmente abandonado por nosso ordenamento, ainda que atualmente exista apenas de forma excepcional.
            O sistema da prova tarifada tinha como ponto central a total ausência de liberdade ao juiz na valoração da prova, pouco importando seu convencimento no caso concreto, já que era obrigado a seguir o estabelecido em lei no tocante à carga de convencimento das provas. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 648/649. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

4.    LIVRE CONVENCIMENTO (PERSUASÃO ÍNTIMA)

O sistema diametralmente oposto ao da prova tarifada é chamado de sistema do livre convencimento ou persuasão íntima, no qual a liberdade do juiz é plena, também peca pelo excesso. Nesse sistema, vale tão somente o convencimento íntimo do juiz, que não se vê obrigado a justificar suas escolhas, podendo até mesmo julgar contra a prova produzida caso assim lhe pareça correto. Como se nota, os extremos de nenhuma liberdade e de liberdade plena ao juiz na valoração da prova criam sistemas de valoração viciados. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 649. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

5.    LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO (PERSUASÃO RACIONAL)

No sistema da persuasão racional, também conhecido pelo princípio do livre convencimento motivado, o juiz é livre para formar seu convencimento, dando às provas produzidas o peso que entender cabível em cada processo, não havendo uma hierarquia entre os meios de prova. Isso, claramente, não significa que o juiz possa decidir fora dos fatos alegados no processo, mas sim que dará, aos fatos alegados, a devida consideração diante das provas produzidas.
            Em tese, portanto, não há uma hierarquia pré-estabelecida da carga probatória dos meios de prova. Diante dessa regra, não seria possível afirmar que um meio de prova é mais importante do que outro, ou que seja insuficiente para demonstrar a ocorrência de determinado fato. É possível, por exemplo, que num determinado processo a prova testemunhal desbancasse a prova pericial, o até mesmo a confissão. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 649. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

6.    SISTEMA ATUAL DE VALORAÇÃO DE PROVAS

Ainda que o nosso sistema de valoração seja o do livre convencimento motivado do juiz, a ausência de hierarquia entre os meios de prova, entretanto, não é regra absoluta em nosso ordenamento. Tomem-se, como exemplo, as hipóteses de presunção legal absoluta e as excepcionais vedações pontuais a determinados meios de prova, resquícios do sistema da prova tarifada.
            Também os arts. 215 e 225 do CC, com a indicação da prova plena no caso de escritura pública e das reproduções mecânicas. A ideia de prova plena agride frontalmente o princípio do livre convencimento motivado, não devendo ser entendida como regra absoluta, mas como simples parâmetro para a decisão judicial. Admitir que a veracidade que decorre da fé pública do oficial público é absoluta, é incorrer em grave equívoco, tratando-se de presunção relativa, podendo obviamente ser afastada por meio de outras provas produzidas (Informativo 541/STJ: 3ª Turma, REsp 1.438.432-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 22.04.2014, DJe 19/05/2014). Dessa forma, apesar da previsão expressa do Código Civil, é mantido, sem alterações, o sistema de apreciação da força probatória dos instrumentos públicos e das reproduções mecânicas (arts. 405 e 422 do CPC atual).
            Note-se que o sistema do livre convencimento motivado deixa o juiz parcialmente livre na apreciação da prova. Se o peso probatório deve ser dado pelo juiz no caso concreto, não pode livremente decidir sobre tal carga probatória, devendo obrigatoriamente motivar sua decisão. Nesse sentido, o disposto no art. 479 deste código do CPC, que afirma não estar o juiz adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos (Informativo 519/STJ), 4ª Turma, REsp 1.095.668-RJ, rel. Min. Luiz Felipe Salomão, j. 12.03.2013). Até mesmo a confissão deve receber a carga devida no caso concreto, podendo perfeitamente ser enfrentada por outras provas produzidas nos autos. Dará, portanto, a carga probatória que entender cabível, mas deverá motivar sua decisão exteriorizando as razões pelas quais deu maior força probatória a uma prova produzida em detrimento de outra. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 649/650. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

7.    O NOVO CPC EXTIRPOU O SISTEMA DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO?

Entendo que o novo CPC manteve o sistema de valoração do livre convencimento motivado, anteriormente previsto no art. 131 do CPC/1973 e atualmente consagrado no art. 371 do novo livro, não me impressionando com a supressão do ordenamento processual a todas as referencias ao termo livre convencimento e a outras expressões em sentido parelho.
            Há certa confusão nesse entendimento porque o sistema de livre convencimento motivado tradicionalmente é vinculado à parte fática da decisão, de forma que as novas exigências de fundamentação quanto à parte jurídica não têm aptidão para alterar o sistema de valoração de provas adotado por nosso sistema processual.
            Afirmar que a mudança legislativa leva ao respeito às decisões dos tribunais superiores ou a exigência de que o juiz enfrente todas as questões arguidas pelas partes demonstram bem a confusão entre a valoração da prova e a fundamentação jurídica da decisão.
            Não há como discordar da corrente doutrina que ensina nunca ter existido discricionariedade do juiz quanto à prova, não sendo razoável se concluir que o princípio do “livre convencimento” legitimaria exame irracional das provas produzidas, tendo servido apenas para se contrapor ao sistema da prova tarifada. Por isso, discordo que a mudança legislativa teria afastado uma discricionariedade na valoração da prova, que em meu entendimento já não existia na vigência do CPC/1973.
            E nesses termos, o livro atual não traz qualquer novidade, porque continua o juiz livre – no sentido de não estar condicionado à valoração abstrata feita por lei – a dar a carga de convencimento a cada meio de prova no caso concreto.
            Também não concordo com corrente doutrinária que defende que a mudança legislativa estabeleceu o dever do juiz de apreciar não a prova que livremente escolher, mas todo o conjunto probatório existente nos autos. O sistema do livre convencimento jamais admitiu tal exclusão de provas da fundamentação do juiz, exigindo, inclusive, que o juiz confrontasse todas as provas produzidas para formar seu convencimento.
            Por outro lado, decisões proferidas com base em expressões vazias tais como “conforme a prova dos autos”, “diante do robusto conjunto probatório formado pela parte”, “as provas produzidas pela parte não deixam margem a dúvida”, além de nada terem a ver com as técnicas de valoração das provas, são nulas. Eram nulas na vigência do CPC/1973 e são nulas na vigência do Livro atual.
            Na realidade, o legislador perdeu excelente oportunidade de criar mecanismos mais efetivos de controle à valoração da prova pelo juiz, sendo insuficiente para esse fim a fundamentação quanto às opções valorativas. É preciso reconhecer que a exigência de fundamentação da valoração probatória não é suficiente para evitar arbítrios judiciais, e que é preciso melhores meios de controle da atividade jurisdicional nesse âmbito.
            Como se pode notar de simples leitura do § 1º, do art. 489 do CPC, nenhuma das exigências quanto à fundamentação da decisão diz respeito à valoração das provas e, por consequência, à decisão da parte fática da demanda. Insisto mais uma vez que se perdeu uma ótima oportunidade de fazê-lo, mas não há como querer criar aquilo que não está previsto. Se nenhuma exigência quanto à fundamentação da parte fática da demanda está prevista no dispositivo legal, exatamente como ele poderia modificar o atual sistema de valoração das provas?
            Uma excelente forma de controle, que poderia ter sido acrescida ao princípio do livre convencimento motivado pelo Atual Código de processo Civil é o que Malatesta chamou de sociabilidade do convencimento que busca afastar a valoração de apreciações subjetivas do juiz. Para o jurista, a valoração deve ser a mesma que seria realizada por qualquer outra pessoa racional, o tradicionalmente chamado “homem médio”, devendo o juiz se convencer da mesma forma como seria convencida qualquer pessoa.
            No mesmo sentido, as lições de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira ao afirmar que a valoração da prova deve respeitar as expectativas do ambiente a que se dirige, de forma que a decisão proferida se mostre convincente ou pelo menos aceitável. Afirma, corretamente o jurista que o juiz deve, em sua valoração da prova, buscar o consenso mais generalizado possível da sociedade em que inserida, proferindo uma decisão que atenda às expectativas sociais.
            São lições que me agradam imensamente porque a valoração das provas diz respeito aos fatos da demanda, o que, portanto, não exige qualquer conhecimento jurídico para ser feita. Significa dizer que qualquer pessoa racional, ainda que sem formação jurídica, tem capacidade de valorar a prova, em situação obviamente diferente daquela verificada na interpretação e aplicação do direito objetivo ao caso concreto.
            Como a valoração da prova não é essencialmente uma atividade jurisdicional sob a perspectiva do conhecimento do Direito, cabe ao juiz se portar como se portaria qualquer pessoa racional em seu lugar. A motivação quanto aos fatos, portanto, não é livre, mas guiada e vigiada pela percepção social do que se espera que o juiz faça em termos de valoração.
            Não pode, por exemplo, o juiz ignorar um laudo pericial de DNA juntado aos autos afirmando ser descrente na ciência. Como também não pode “fundamentar” sua decisão afirmando que não levará as testemunhas em consideração porque o ser humano não merece confiança. Até se pode dizer que, nesses casos, o juiz justificou suas opções valorativas da prova, mas é manifesto que tal “fundamentação” não pode ser admitida. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 650/651. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

8.    PRINCÍPIO DA COMUNHÃO DE PROVAS

Nos termos do art. 371 deste CPC, o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido. A valoração, portanto, independe da prova ter sido requerida pelas partes, pelo Ministério Público como fiscal da ordem jurídica ou determinada de ofício pelo juiz. Até porque, o que interessa na valoração é o resultado da prova e não o responsável pela sua promoção.
            Segundo o princípio da comunhão das provas, adotado pelo direito processual brasileiro, a prova produzida é prova do processo, de forma que, após sua produção, em nada interessa quem foi o responsável por ter arroladoa testemunha, juntado o documento aos autos ou pela realização da perícia. Sendo prova do processo, não tem dono, devendo ser todas as provas valoradas da mesma forma. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 651/652. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).