segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 769, 770, 771 - DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 769, 770, 771
- DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com -
digitadorvargas@outlook.com

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO – Seção I

Disposições Gerais - (art. 757 a 777)

 

Art. 769. O segurado é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé.

 

§ 1º. O segurador, desde que o faça nos quinze dias seguintes ao recebimento do aviso da agravação do risco sem culpa do segurado, poderá dar-lhe ciência, por escrito, de sua decisão de resolver o contrato.

 

§ 2º. A resolução só será eficaz trinta dias após a notificação, devendo ser restituída pelo segurador a diferença do prêmio.

 

Na balada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, em seu caput, o artigo reproduz regra já constante do Código anterior (art. 1455), cujo comando é uma típica revelação do padrão de lealdade que se exige nas relações contratuais, de resto tal qual salientado nos comentários ao CC 766. Trata-se da noção de boa-fé objetiva que permeia, obrigatoriamente, as relações contratuais (CC 422) e que, em sua função supletiva, cria deveres de conduta, chamados anexos ou laterais, aos contratantes, dentre eles os de colaboração e informação, como forma de mais escorreito desenvolvimento do processo obrigacional.

 

No caso, ocupa-se o Código de determinar dever, ao segurado, de comunicar ao segurador, tão logo disso venha a ter conhecimento, qualquer incidente que possa agravar consideravelmente o risco coberto. Veja-se que a exigência é, primeiro, de que a comunicação se dê de pronto, tão logo saiba o segurado da ocorrência agravadora do risco. É certo que, nessa avaliação, impende ater-se ao razoável ou ao que razoavelmente se pode considerar seja o tempo necessário para que o segurado tenha condições de, o mais rapidamente, contatar o segurador, o que, ainda, significa dizer serem necessárias considerações como a forma de comunicação das partes, seu domicílio, o fato de serem presentes ou ausentes e assim por diante. Em segundo lugar, o incidente que há de ser comunicado, e isso desde a vetusta lição de Clóvis Bevilaqua (Código Civil comentado, 4.ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 215), deve ser evento independente da conduta do segurado, portanto derivado de caso fortuito ou ato de terceiro em que, para o agravamento resultante de comportamento do próprio segurado, a norma de incidência é a do artigo anterior. Em terceiro lugar, esse incidente de agravamento dever ser sério, de tal maneira a desequilibrar o contrato, daqueles que, se de início conhecidos, levariam o segurador a não contratar ou a contratar com prêmio maior.

 

Preenchidos esses requisitos, se o segurado omitir a devida informação que a lei lhe impõe, incidirá na perda da garantia contratada, aí sim, tal como previsto no artigo antecedente, destarte liberando-se o segurador do pagamento de sinistro que depois venha eventualmente a suceder. No entanto, ainda ressalva o atual Código que a resolução se opera somente se provada a má-fé com que se portou o segurado ao silenciar sobre o incidente de agravamento. Aqui deve-se entender a referencia legal como à consciente omissão, ou seja, o conhecimento de evento que sabia ou. Frise-se, também que deveria saber de agravamento do dano e, aí sim, a consciente omissão na respectiva comunicação. Ou seja, não se exige, própria e necessariamente, deliberado proposito de prejudicar o segurador, mas discernimento quanto à ocorrência de agravamento e silêncio em sua informação. Inova, porém, o Código de 2002, na disposição dos parágrafos do artigo, quando cuida da consequência, para o contrato, advinda do agravamento do risco sem culpa, sem ser por obra e comportamento do segurado. Isso porque, no Código anterior, dispunha-se que o agravamento de risco, por fato alheio ao segurado, não autorizava o segurador sequer a postular a revisão do prêmio, (CC 1.453), o que se pode admitir vigente para alterações que não sejam consideráveis, como no atual preceito se reclama. Pois agora, mais que isso, se havido o considerável agravamento do risco, por fato estranho ao segurado, sem sua culpa, como está na lei, abre-se a possibilidade de o segurador resolver o contrato, desde que o faça no prazo de quinze dias, contados do recebimento do aviso pelo segurado acerca do incidente de agravamento do risco, exigindo-se, ainda, que a deliberação de resolução seja pelo segurador comunicada, por escrito, ao segurado. Mesmo assim, ainda permanece o segurador, nos trinta dias seguintes à notificação do segurado, responsável pela garantia contratada, porquanto, na previsão da lei, sua resolução só opera efeito depois de transcorrido esse interregno. Isso quer dizer, portanto, que nos trinta dias, ocorrido algum sinistro, o pagamento do valor segurado será de rigor. Por fim, deliberada essa resolução, deve o segurador restituir ao segurado a diferença do prêmio pago em relação ao tempo de contrato que não mais se cumprirá. Assim, se o pagamento foi parcelado, mês a mês, cessa então o seu pagamento.

 

Veja-se, em conclusão, que a nova disposição contida nos parágrafos do artigo em pauta, serve a trazer, para o contrato de seguro, a hipótese genérica de resolução por excessiva onerosidade (CC 478), ao pressuposto de que também nessa espécie contratual, e mesmo abstraída a discussão sobre sua natureza comutativa ou aleatória, já antes travada (ver comentários ao CC 757 e 764), portanto mesmo admitida a aleatoriedade, há, de todo modo, um equilíbrio que limita a extensão da álea e que deve ser garantido mediante o mecanismo resolutório presente. É mesmo a exigência constitucional de relações jurídicas que sejam justas (art. 3º, I, da CF), base para admissão de que o equilíbrio há de ser preservado, agora, de forma expressa, ainda no contrato de seguro. Nada diverso do que, genericamente, já previa o art. 1.108 do Código Civil argentino, permitindo a revisão, por imprevisibilidade, mesmo de contratos aleatórios, quando a alteração das circunstâncias se dê fora do risco normal do negócio. Ou, na lição de Almeida Costa, podem os contratos aleatórios ser revisados ou resolvidos quando a alteração das circunstâncias exceder apreciavelmente todas as flutuações previsíveis na data do contrato (Direito das obrigações, 5.ed. Coimbra, Almedina, 1991, p. 273). Aliás, por tudo isso, ou seja, por essa inspiração constitucional da providência resolutória, sempre de manutenção do equilíbrio contratual, não se vê causa suficiente a que não se permita – tal qual deferido ao segurado, em igual hipótese, como se verá nos comentários ao artigo seguinte – a possibilidade de o segurador, em vez de postular a resolução, pleitear a revisão do prêmio, na hipótese configurada no preceito aqui comentado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 794 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Seguindo a doutrina de Ricardo Fiuza, cumpre ao segurado comunicar à seguradora os fatos e circunstâncias suscetíveis de agravarem o risco assumido, permitindo-se a esta resolver o contrato, se não lhe convier assumir o agravamento em prazo quinzenal contado da recepção do aviso da agravação. Há de se considerar, no efeito da incidência da norma, o conceito juridicamente indeterminado no tocante ao denominado “risco consideravelmente agravado”. A inserção, dada a maior relevância do agravamento, difere do conteúdo do art. 1.455 do CC 1916, que se referiu ao risco agravado sem mensurar o grau de intensidade do agravamento potencial. Agora, é exigido que os fatos e circunstâncias exacerbem, notavelmente o risco, não se incluindo, portanto, o agravamento leve ou menos importante. Essa subjetividade pode prejudicar a ciência prevista ao segurador por parte do segurado, que não atuará de má-fé ao silenciar, caso não se lhe evidencie, de plano, o alcance maior do agravamento. Reserva-se a matéria ao estudo no caso concreto, estando, pois, sujeita à avaliação judicial.

 

A doutrina, de antanho, assim expressava: “É obrigação do segurado comunicar ao segurador, assim que saiba, todo incidente, i.é, qualquer fato imprevisto, estranho à vontade do segurado, que, de qualquer modo, possa agravar o risco existente, sob pena de perder o seguro” (José Lopes de Oliveira. Contratos, Recife, Livrotécnica, 1978, p. 252).

 

Por outro lado, resultou estabelecido, diante da pretendida resolução, o prazo de trinta dias para o mantimento da eficácia do contrato, de modo a conferir ao segurado o direito à garantia, nesse lapso temporal, onde, inclusive, poderá ocorrer revisitação de cláusula contratual no tocante ao valor do prêmio, se preferir a segurador, que, em vez de resolver o contrato, ajustá-lo-á a essa situação superveniente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 404-405 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo resulta da concretização do princípio da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual. A seguradora obriga-se a indenizar em razão de determinado risco. Se o risco é maior, maior deverá ser o prêmio. A superveniência de fato que agrave consideravelmente o risco, permite às seguradoras a resolução do contrato com a restituição do prêmio proporcional ao prazo de contrato faltante.

 

Exemplo de situação que representa agravamento considerável é a instalação de uma fábrica de fogos de artifícios no imóvel vizinho ao que é protegido por seguro contra incêndio.

 

A situação que agrava o risco e permite a resolução do contrato pela seguradora não pode ser o início do fato que configura o sinistro. Assim, p. exe., o diagnóstico de uma doença fatal não configura “incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco”, mas o início do próprio fato de que se procura proteger mediante a contratação de seguro de vida.

 

É de se ressaltar que a ausência de comunicação de incidente que agrava consideravelmente o risco não é, por si, causa de exoneração da obrigação de indenizar: para que o segurado perca o direito à indenização é necessária a prova de ter agido com má-fé ao não comunicar, elemento subjetivo de difícil prova. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 770. Salvo disposição em contrário, a diminuição do risco no curso do contrato não acarreta a redução do prêmio estipulado; mas, se a redução do risco for considerável, o segurado poderá exigir a revisão do prêmio, ou a resolução do contrato.

 

No ritmo de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o preceito vertente, que não constava do Código de 1916, é o exato reverso da previsão do artigo anterior. Se lá se possibilita, por alteração das circunstâncias que determine considerável agravamento do risco coberto, sem culpa do segurado, a resolução do contrato pelo segurador, aqui se estabelece igual prerrogativa ao segurado, desde que, identicamente, se reduzam os riscos do contrato de forma relevante, séria. Ou seja, é o mesmo princípio de manutenção do equilíbrio contratual que anima o preceito do dispositivo antecedente e que, agora, induz a possibilidade de resolução, só que pelo segurado.

 

Assim, pode o segurado, se houver considerável diminuição do risco coberto, por qualquer causa superveniente, posto que dele próprio dimanada, resolver o contrato de seguro. Veja-se que, da mesma forma que na regra do artigo precedente, impõe-se se tenha havido ocorrência de considerável diminuição do risco, portanto forma da normal incerteza e flutuação das circunstâncias potenciais de sinistro cobertas pelo contrato. Isso porque, se assim não for, nem mesmo a redução do valor do prêmio é dado ao segurado postular, salvo disposição em contrário que se tenha ajustado no contrato. Contudo, havida considerável redução do risco, e como corolário do princípio do equilíbrio ou justiça contratual, pode o segurado não só resolver o contrato, como, se preferir, pleitear a revisão do valor do prêmio. Trata-se de prerrogativa explícita que, como se viu nos comentários ao artigo anterior, embora nele inexistente igual explicitude, também deve ser deferida, na situação inversa, ao segurador. Por fim, e agora a omissão é do artigo em pauta, havida a resolução, por alteração das circunstâncias, por iniciativa do segurado, ocorrida considerável redução do risco, caberá a mesma proporcionalização do prêmio prevista e comentada no artigo anterior. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 795 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na balada de Ricardo Fiuza, sabido constituir a aleatoriedade uma das principais características do contrato de seguro, “porque o ganho ou a perda das partes está na dependência de circunstâncias futuras e incertas, previstas no contrato e que constituem o risco” (Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil: direito das obrigações. 4.ed. São Paulo. Saraiva, 1965, v. p. 351), há de se reconhecer saudável a inovação. Ela se ajusta, perfeitamente, à ideia do equilíbrio econômico contratual, onde as partes assumem direitos e deveres em posições harmônicas, nenhuma delas auferindo maior vantagem que a outra, sob pena de enriquecimento sem causa.

 

Assim, uma vez relevante a redução do risco assumido pela seguradora, resulta desproporcional o valor do prêmio pago ou em curso de pagamento que considerou, em sua fixação, um risco de maiores proporções, caso em que se justifica seja esse valor revisto. E contraponto ao artigo anterior, em que se toma possível, pelo agravamento, a revisão contratual, quando não interessar à seguradora resolver o contrato. E tem seu escopo no tratamento isonômico das partes do composto obrigacional em face das condições em que se formou a relação jurídica do contrato. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 405 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Ensinam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira que o princípio do equilíbrio contratual atua não apenas para permitir a resolução do contrato pela seguradora em razão de agravamento considerável do risco, mas também para permitir a redução do prêmio pago pelo segurado, uma vez que a diminuição do risco no curso do contrato seja considerável. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 03.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 771. Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as consequências.

 

Parágrafo único. Correm à conta do segurador, até o limite fixado no contrato, as despesas de salvamento consequente ao sinistro.

 

Entendendo Claudio Luiz Bueno de Godoy, já o Código Civil anterior, em seu art. 1.457, impunha ao segurado, como imperativo de boa-fé, de lealdade na relação contratual, o dever de comunicar, tão logo dele tomasse conhecimento, a ocorrência do sinistro ao segurador. Entretanto, tão somente sancionava a omissão, com a perda do direito ao recebimento do valor segurado, se provasse o segurador que, avisado, poderia ter evitado ou atenuado as consequências do evento. Confrontada essa disposição com a do artigo em discussão, do atual Código, parece agora ter-se estabelecido, a par do mesmo dever de imediata comunicação do sinistro, logo que o saiba o segurado, mas uma automática perda do valor do seguro em caso de omissão.

 

Todavia, entende-se que a falta de aviso, por si só, sem que daí dimane qualquer prejuízo, não pode levar à consequência extrema, de perda do valor segurado. Veja-se que o espirito que anima a disposição vertente não é diverso daquele subjacente à norma do antigo Código. A ideia do legislador foi sancionar a conduta de falta de boa-fé objetiva do segurado, porém porque assim se impediu o segurador de minorar os efeitos do sinistro, ou seja, a rigor, uma hipótese em que o comportamento do segurado interfere no valor do pagamento a ser feito pelo segurador – a bem dizer, idêntico princípio ao que está subjacente à regra atinente ao agravamento do risco (CC 768) ou mesmo à omissão ou incompletude das informações prestadas quando da contratação (CC 766). Tem-se, então, que, omitido o aviso do sinistro, não haverá automática perda do direito ao recebimento do valor segurado, senão quando demonstrado pelo segurador que, por isso, foi-lhe retirada factível oportunidade de evitar ou atenuar os efeitos do evento e, assim, minorar o importe do seguro a ser pago. Essa, de resto, a opinião, também, de José Augusto Delgado (Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, forense, 2004, v. XI, t. I, p. 293) e de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, 11.ed., atualizada por Regis Fichtner. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. III, p. 459). O aviso pode se dar sem exigência de forma especial, desde que comprovadamente efetivado e recebido.

 

De resto, explicita o atual Código, ainda no caput do preceito em pauta, ser dever do segurado, uma vez ocorrido o sinistro, tomar todas as medidas, que razoavelmente lhe estejam ao alcance, para minorar as consequências do evento. Veja-se outra revelação de dever anexo, aqui de colaboração, imposto pelo princípio da boa-fé objetiva, em sua função supletiva (cf., a respeito, comentários aos CC 766, CC 768 e CC 769). Quer-se, na verdade, impor ao segurado, dentro do que seja razoável exigir, providencias que impeçam a propagação de dano já produzido em razão do sinistro havido. Nessa mesma esteira, impõe-se ao segurado velar pelos salvados, i.é, pelo que reste da coisa segurada ou do que se salvou do sinistro. Isso por se ter aí igual forma de minoração dos efeitos do evento, sem contar que, em regra geral, havida indenização pela completa perda da coisa, ao segurador pertencem os salvados. Todas as despesas, porém, que enfrente o segurado para cuidar desse salvamento, como diz a lei, correm por conta do segurador, que deverá ressarci-las nos limites do contrato, até por comporem o risco segurado (CC 779).

 

Por fim, não se há de olvidar que, além de avisar o segurador, deve o segurado provar a ocorrência do sinistro, conforme disposto no ajuste, mas entendendo-se deva ser interpretada a regra in rebus, sempre quando de outra forma se demonstre, de forma eficiente e, sobretudo, induvidosa, a ocorrência do sinistro. É preciso compreender que o intuito é o de possibilitar ao segurador verificar, com segurança, o sinistro e suas circunstâncias, para aferição da cobertura, sempre a bem da preservação dos recursos do seguro, dado o mutualismo que lhe é subjacente. E, enquanto, uma vez comunicado o sinistro, avalia o segurador se é o caso de cobertura, o prazo prescricional para a ação de cobrança se suspende, como tem entendido a jurisprudência (ver Súmula n. 229 do STJ). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 796 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No ritmo de Ricardo Fiuza, a par da obrigação cometida ao segurado de fazer ciente o segurador da ocorrência do sinistro, cumpre-lhe agora, também, empreender providências imediatas para atenuar as consequências deste, diligências e iniciativas que, por regras de experiência máxima, são mais factíveis ao emprego do segurado do que da seguradora, comunicada ao depois e que, por razões lógicas, pouco ou nada dispõe de condições para a atenuação, como antes cogitava o parágrafo único do art. 1.457 do CC de 1916. Cuida-se de deveres jurídicos do segurado, que inadimplidos o sujeitam à perda do direito de garantia.

 

Por outro lado, as despesas de salvamento consequente ao sinistro estão implícitas no contrato, até o valor ali fixado, não se podendo cogitar da sua exclusão, a desobrigar a seguradora, porquanto objetivam minorar as consequências do sinistro em relação ao(s) bem(ns) segurado(s). Veja-se o CC 779. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 406 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o segurado deve comunicar a ocorrência do sinistro tão logo tome conhecimento dela. Esse dever tem como objetivo permitir que a seguradora possa atuar no sentido de reduzir as consequências do sinistro, podendo mesmo, em certas circunstâncias, salvar bem que se tinha por perdido, tudo no sentido de redução dos prejuízos e da consequente indenização.

 

A violação desse dever acarreta a perda do direito à indenização.

 

A referida sanção somente é aplicável diante da prova de que a não comunicação imediata tenha sido inescusável e tenha agravado os danos e a responsabilidade da seguradora, pois não é conforme à boa-fé que a demora escusável possa acarretar a perda do direito à indenização.

 

Assim, por exemplo, o STJ rejeitou o recurso de uma seguradora contra decisão que determinou o pagamento de indenização por roubo de automóvel que só foi comunicado três dias depois. O caso aconteceu em São Paulo, após o anúncio da venda do carro pela internet. Um assaltante, apresentando-se como interessado no veículo, rendeu o proprietário, anunciou o roubo e fez ameaças de que voltaria para matar a família do vendedor caso ele acionasse a polícia. De acordo com o processo o proprietário do veículo, temendo represálias, retirou a família de casa, para só então fazer o boletim de ocorrência do assalto, o que levou três dias. Ao acionar o seguro, entretanto, foi surpreendido com a negativa da indenização. Para a seguradora, houve perda do direito à indenização por descumprimento da norma do CC 771. O relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, reconheceu que cabe ao segurado comunicar prontamente à seguradora a ocorrência do sinistro, já que isso possibilita à companhia adotar medidas que possam amenizar os prejuízos da realização do risco, bem como a sua propagação, mas destacou que não é em qualquer hipótese que a falta de notificação imediata acarreta a perda do direito à indenização. “Deve ser imputada ao segurado uma omissão dolosa, que beire a má-fé, ou culpa grave que prejudique de forma desproporcional a atuação da seguradora, que não poderá se beneficiar, concretamente, da redução dos prejuízos indenizáveis com possíveis medidas de salvamento, de preservação e de minimização das consequências”, disse o ministro. (REsp 1546178.STJ, 20.9.16) (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 03.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Comentários ao Código Penal – Art. 20 Descriminantes putativas – Erros sobre elementos do tipo VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com –

 

Comentários ao Código Penal – Art. 20

Descriminantes putativas – 

vargasdigitador.blogspot.com –

digitadorvargas@outlook.com –

 VARGAS, Paulo S. R.

Whatsapp: +55 22 98829-9130

Parte Geral –Título II - Do Crime

 

 

Erro sobre elementos do tipo

 

Art. 20. O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

 

Descriminantes putativas

 

§ 1º É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tomaria a ação legítima. Mão há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

 

Erro determinado por terceiro

 

§ 2º Responde pelo crime o terceiro que determina o erro. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984)

 

Erro sobre a pessoa

 

§ 3º O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime. (Incluído pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

 

As apreciações de Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao Crime doloso e crime culposo – Art. 20 do CP, p. 62-65 se iniciam com o conceito de erro:

 

Erro, seguindo a lição de Luiz Flávio Gomes, “é a falsa representação da realidade ou o falso ou equivocado conhecimento de   um objeto (é um estado positivo.)“. Conceitualmente, o erro difere da ignorância: esta é a falta de representação da realidade ou o desconhecimento total do objeto (("O objeto do erro de tipo não tem a extensão sugerida pela lei plena): o tipo legal é um conceito constituído de elementos subjetivos e objetivos, mas o erro de tipo só pode incidir sobre elemento objetivo do tipo legal, um conceito menos abrangente do que elemento constitutivo do tipo legal, que incluí a dimensão subjetiva do tipo" (SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível, p. 82, (“é um estado negativo”). (GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição, p. 23).

 

Erro de tipo - Entende-se por erro de tipo aquele que recai sobre as elementares circunstâncias ou qualquer dado que se agregue à determinada figura típica, ou ainda aquele, segundo Damásio, incidente sobre os “pressupostos de fato de uma causa de justificação ou dados secundários da norma penal incriminadora", (JESUS, Damásio E. de. Direito penal - Parte geral, v. j, p. 265).

 

Segundo Wessels, ocorre um “erro de tipo quando alguém não conhece, ao cometer o fato, uma circunstância que pertence ao tipo legal. O erro de tipo é o reverso do dolo do tipo: quem atua ‘não sabe o que faz’, falta-lhe, para o dolo do tipo, a representação necessária”. (WESSELS, Johannes. Derecho penal - Parte general, p. 129).

 

Quando o agente tem essa “falsa representação da realidade", falta-lhe, na verdade, a consciência de que pratica uma infração penal e, dessa forma, resta afastado o dolo que, como vimos, é a vontade livre e consciente de praticara conduta incriminada.

 

Se o recorrente sequer tinha conhecimento que a área por ele alugada era considerada de preservação permanente, acreditando piamente tratar-se de área destinada ao plantio, configurado está o erro de tipo, pois o agente nem ao menos sabia que estava, através de sua atividade agrícola, impedindo ou dificultando a regeneração de florestas e demais formas de vegetação, elementares do tipo penal insculpido no art. 48 da Lei ne 9.605/98, cuja inexistência de forma culposa impõe a decretação da absolvição (TJMG, AC 1.0024.06.106430-9/001, Rel. Des. Judimar Biber, DJ 30/5/2007).

 

O acusado que porta Carteira Nacional de Habilitação falsificada, acreditando tratar-se de documento legítimo, não pratica o delito previsto no art. 304 do CP. Erro de tipo que afasta a caracterização do fato como criminoso (TJRS, AC 70018565 275, 4ª C. Rel. Des. Gaspar Marques Batista).

 

Consequências do erro de tipo - O erro de tipo, afastando a vontade e a consciência do agente, exclui sempre o dolo.  Entretanto, há situações em que se permite a punição em virtude de sua conduta culposa, se houver previsão legal. Podemos falar, assim, em erro de tipo invencível (escusável, justificável, inevitável) e erro de tipo vencível (inescusável, injustificável, evitável).

 

Erro de tipo essencial e erro de tipo acidental - Ocorre o erro de tipo essencial quando o erro do agente recai sobre elementares, circunstâncias ou qualquer outro dado que se agregue à figura típica. O erro de tipo essencial, se inevitável, afasta o dolo e a culpa; se evitável, permite seja o agente punido por um crime culposo, se previsto em lei. O erro acidental, ao contrário do essencial, não tem o condão de afastar o dolo (ou o dolo e a culpa) do agente, e, na lição de Aníbal Bruno, “não faz o agente julgar lícita a ação criminosa. Ele age com a consciência da antijuridicidade do seu comportamento, apenas se engana quanto a um elemento não essencial do fato ou erra no seu movimento de execução". (BRUNO, Aníbal. Direito penal - Parte geral, I, II, p. 123).

 

Poderá o erro acidental ocorrer nas seguintes hipóteses: a) erro sobre o objeto (error in objecto); b) erro sobre a pessoa (error in persona) - art. 20. § 32, do Código Penal; c) erro na execução (aberratio ictus) - art. 73 do Código Penal; d) resultado diverso do pretendido (aberratio críminis) - art. 74 do Código Penal; e) aberratio causae.

 

Descriminantes putativas - Diz respeito à situação em que o agente, nos termos do § 1º do art. 20 do Código Penal, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. O agente, portanto, atua acreditando estar agindo justificadamente, ou seja, em legítima defesa, em estado de necessidade, no estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito quando, na verdade, a situação que permitiria tal atuação não existe no mundo real, sendo, tão somente, imaginada por ele.

 

Efeitos das descriminantes putativas - Nos termos do art. 20, § 1º, do Código Penal, o erro plenamente justificável pelas circunstâncias, ou seja, o erro escusável, isenta o agente de pena. Sendo inescusável, embora ele tenha agido com dolo, será responsabilizado como se tivesse praticado um delito culposo.

 

Acusado que, em face de errônea apreciação da realidade fática, supôs atuar em legítima defesa porque, ao retirar-se do salão durante o tiroteio, deparando-se com um indivíduo, contra ele atirou, pensando ser integrante do grupo de agressores. Incidência da descriminante putativa derivada de erro de tipo permissivo (...J (TJRS, Ap. Crim. 696162858, 22 Câm. Crim., Rel. Luiz Armando Bertanha de Souza Leal, j. 22/5/1997).

 

Hipóteses de erro nas descriminantes putativas - Para que se tenha um erro de tipo, nas hipóteses de descriminantes putativas, 'é preciso que o agente erre, como diz o § 1º do art. 20 do Código Penal, sobre uma situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima.

 

Diante dessa expressão, podemos fazer a seguinte ilação: somente quando o agente tiver uma falsa percepção da realidade no que diz respeito à situação de fato que o envolvia, levando-o a crer que poderia agir amparado por uma causa de exclusão da ilicitude, é que estaremos diante de um erro de tipo. Quando o erro do agente recair sobre a existência ou mesmo sobre os limites de uma causa de justificação, o problema não se resolve como erro de tipo, mas, sim, como erro de proibição, previsto no art. 21 do Código Penal.

 

Para caracterizar a legítima defesa putativa, não basta uma situação ofensiva imaginária por parte do agente, sendo necessário prova concreta de que, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, o agente tenha suposto situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima, e, via de consequência, o isentasse da pena. Não demonstrada a possibilidade de agressão ou situação que permitisse presumi-la, não há falar em legítima defesa putativa, impondo o decreto condenatório do agente (TJMG, Processo 1.0210.05.032796-9/001, Rel. Des. Eli Lucas de Mendonça, DJ 9/10/2008).

 

Se a prova dos autos não demonstrou que o agente supôs, erroneamente, a ocorrência de uma causa de justificação que, caso verificada, tornaria legítima a sua conduta (art. 20, § 1º, primeira parte, do Código Penal), não se configura a descriminante putativa da legítima defesa (TJRS, Ap. Crim. 700080 94526, 3ª Câm. Crim., Rel. Danúbio Edon Franco, j. 18/3/2004).

 

Teorias extremada e limitada - Segundo Assis Toledo, para a “teoria extremada da culpabilidade todo e qualquer erro que recaia sobre uma causa de justificação é erro de proibição”, (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 285), não importando, aqui, distinguir se o erro em que incorreu o agente incide sobre uma situação de fato, sobre a existência ou mesmo sobre os limites de uma causa de justificação.

 

• A teoria limitada da culpabilidade difere da teoria anterior em um ponto muito importante: para a teoria limitada, se o erro do agente recair sobre uma situação fática, estaremos diante de um erro de tipo, que passa a ser denominado de erro de tipo permissivo; caso o erro do agente não recaia sobre uma situação de fato, mas, sim, sobre os limites ou a própria existência de uma causa de justificação, o erro passa a ser, agora, o de proibição.

 

A nova Parte Geral do Código Penal adotou a teoria limitada da culpabilidade, conforme se dessume do item 17 da sua Exposição de Motivos.

 

Teoria da culpabilidade que remete às consequências jurídicas - Conforme preleciona Luiz Flávio Gomes, “o erro de tipo permissivo, segundo a moderna visão da culpabilidade, não é um erro de tipo incriminador excludente do dolo nem pode ser tratado como erro de proibição: é um erro sui generis (recte: erro de proibição sui generis), excludente da culpabilidade dolosa: se inevitável, destarte, exclui a culpabilidade dolosa, e não o dolo, não restando nenhuma responsabilidade penal para o agente; se vencível o erro, o agente responde pela culpabilidade negligente (pela pena do crime culposo, se previsto em lei), não pela pena do crime doloso, com a possibilidade de redução. Esta solução apresentada pela ‘teoria da culpabilidade que remete à consequência jurídica’ é a que, segundo penso, está inteiramente de acordo com o nosso jus positum. É ela que, adequadamente ao Código Penal brasileiro, explica a natureza jurídica, as características e as consequências do erro nas descriminantes putativas fáticas (erro de tipo permissivo), disciplinado no art. 20, § 1º, do CP." (GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição, p. 184). (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao Crime doloso e crime culposo – Art. 20 do CP, p. 62-65. Editora Impetus.com.br, acessado em 31/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Para a crítica de Victor Augusto em artigo intitulado “Erro de tipo, descriminantes putativas, erro determinado por terceiro e error in perdonam”, comentários ao art. 20 do CP:

 

erro de tipo é o equívoco sobre os elementos que compõem a conduta típica. É a errônea representação do mundo dos fatos, situação que faz com que o elemento subjetivo do agente não se alinhe à realidade efetivamente vivenciada. Essa ruptura ocorre entre o psicológico do agente (que o faz atuar com base em um cenário inexistente) e o a realidade.


É possível destrinchar essas ideias básicas para melhor compreensão através de um exemplo. Imagine o crime de violação de correspondência: “Art. 151 – Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem”:

A sua tipificação depende da compreensão de certos elementos típicos: a) a devassa; b) a correspondência; c) a condição de estar fechada; e d) o fato de estar dirigida a outrem.

O agente pode se equivocar sobre todos esses elementos, excluindo o dolo necessário à punição pelo crime. Por exemplo, ele pode pensar que a correspondência é para ele. Talvez ele pode pensar que a correspondência já estava aberta, ou que não se tratava de correspondência, mas de algum panfleto publicitário.

No final das contas, ele representou equivocadamente a realidade, errando sobre elementos do tipo.

Como esse crime não permite modalidade culposa, não há crime, pois não há dolo e, consequentemente, não há tipicidade.

Exemplos: o professor de anatomia golpeia mortalmente o corpo humano vivo, trazido ao anfiteatro, supondo tratar-se de um cadáver (não é punível por homicídio doloso e, se invencível o erro, nem mesmo por homicídio culposo); o visitante leva consigo, ao retirar-se, confundindo-o com o seu, o chapéu de sol do dono da casa (não é punível a título de furto); […] Hungria; Fragoso, 1978, P. 226-227.

A ideia por trás de toda modalidade de erro de tipo é, portanto, a equivocada representação do mundo fático. Inclusive, esta é a razão pela qual ele era denominado erro de fato originalmente no Código, mas a melhor técnica fez prevalecer a alcunha atual.

Em qualquer hipótese, é importante frisar que o erro pode ser escusável (perdoável, inevitável, invencível) ou inescusável (imperdoável, evitável, vencível). A depender da modalidade de erro, as consequências jurídicas serão diversas.

erro de tipo, por exemplo, pode ser essencial ou acidental.

No essencial, sempre há a exclusão do dolo, mas se ele for inescusável, é possível a imputação do correspondente tipo culposo. A essencialidade, no caso, diz respeito aos elementos básicos que tornam a conduta criminosa em si. O agente não sabe que está prestes a cometer um ato típico. Explica Cunha (2016) que, nesses casos, o agente para de agir criminosamente se avisado do erro.

O erro de tipo tem por efeito excluir sempre o dolo, embora possa subsistir a punibilidade a título de culpa, se o erro é inescusável. Hungria; Fragoso, 1978, P. 567.

erro de tipo acidental recai sobre elementos periféricos do crime que se pretende praticar. O intuito do agente é, de fato, criminoso, mas ele erra sobre detalhes do delito que quer cometer. Mesmo que avisado sobre o erro, ele continuaria com a conduta criminosa, apenas retificando o equívoco periférico. Algumas modalidades de erro de tipo acidental serão estudadas oportunamente.

Descriminantes putativas - § 1º – É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

O erro também pode incidir sobre a existência fática de uma causa de exclusão de ilicitude. Ou seja, o agente imagina que está em uma situação em que pode agir albergado por uma causa excludente de antijuridicidade (ou seja, uma causa descriminante, que torna sua conduta lícita e, portanto, não criminosa). Ocorre que essa situação descriminante é imaginária (putativa).

O sujeito imagina estar vivenciando situação de estado de necessidade, ou que está sofrendo uma agressão injusta, permitindo sua legítima defesa etc., entretanto, tais causas de exclusão de ilicitude são imaginárias no contexto fático vivido.

O termo putativo significa imaginário, hipotético, decorrente de suposição. 1. Supostamente verdadeiro, sem o ser. (Michaelis)

Exemplos: um indivíduo, por errônea apreciação de circunstâncias de fato, julga-se na iminência de ser injustamente agredido por outro, e contra este exerce violência (legítima defesa putativa). ao falso alarma de incêndio numa casa de diversões, os espectadores, tomados de pânico, disputam-se a retirada, e alguns deles, para se garantirem caminho, empregam violência, sacrificando outros (estado de necessidade putativo); a sentinela avançada mata com um tiro de fuzil, supondo tratar-se de um inimigo, o companheiro d’armas que, feito prisioneiro, consegue fugir e vem de retorno ao acampamento (putativo cumprimento do dever legal); o adquirente de um prédio rural, enganado sobre a respectiva linha de limite, corta ramos da árvore frutífera do prédio vizinho, supondo erroneamente que avançam sobre sua propriedade, além do plano vertical divisório (putativo exercício regular de direito). Hungria; Fragoso, 1978, P. 229.

As descriminantes putativas, como espécies do erro de tipo, usualmente denominado erro de tipo permissivo (pois tratam de equívoco sobre a existência de uma situação que, se existisse, permitiria a conduta), seguem a mesma lógica do erro de tipo essencial anteriormente exposta: sempre excluem o dolo e, se decorrerem de erro vencível, permitem a imputação por culpa.

Cogitemos um exemplo:

O indivíduo A é ameaçado de morte por B. Dias depois, vê o desafeto vindo em sua direção com uma arma. Antes de qualquer interação, A atira preventivamente em B, pensando que este está na iminência de injustamente matá-lo, quando, na verdade, B portava um guarda-chuva e iria apenas desculpar-se pelo evento anterior.

Diante da ameaça prévia, pode-se supor que o erro era invencível, não respondendo A pelo homicídio.

Agora imagine que B apenas havia xingado A por uma disputa futebolística. Se A vem a matar B nas condições já explicadas, claramente estará caindo em um erro facilmente vencível, pois as circunstâncias não fariam supor a iminência de uma iminente agressão.

Erro determinado por terceiro - § 2º – Responde pelo crime o terceiro que determina o erro.

Em algumas circunstâncias, o erro pode ter sido determinado por conduta de terceiro. Nessas situações, o agente em si muitas vezes atua como mero instrumento do delito maquinado por terceiro, sendo também possível que o terceiro tenha agido com culpa.

Nesses casos, seguimos a regra dos erros de tipo essencial: exclui-se o dolo do agente, que poderá responder por culpa se tiver agido com credulidade culpável. O terceiro responderá por dolo ou por culpa, a depender do seu elemento subjetivo.

Um exemplo: se C, querendo matar B, diz para A jogar no triturador industrial um pesado saco de lixo (onde B está, inconsciente), responderá C pelo homicídio de B, não respondendo A pelo evento.

Se o saco estivesse se mexendo e gemendo, por outro lado, esperar-se-ia de A uma natural desconfiança e prudência. Ao proceder com a conduta sem tomar esse cuidado, age de forma negligente, podendo ser condenado por crime culposo.

Erro sobre a pessoa - § 3º – O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.

Outro erro estuado nesse artigo é o erro sobre a pessoa (error in persona), que compreende o equívoco sobre a vítima pretendida pelo autor do crime. A doutrina classifica essa hipótese como um erro de tipo acidental, pois incide sobre aspectos secundários da conduta, persistindo um intuito criminoso mesmo se o agente não estivesse equivocado sobre a realidade (Cunha, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral. Salvador: Juspodivm, 2016).

O agente pensa que comete o crime contra um indivíduo A quando, na realidade, acaba por cometê-lo em face de B. Nesse caso, irá responder pelo delito como se o houvesse praticado contra A, seu alvo inicial. Isso impõe a aplicação das circunstâncias agravantes e qualificadoras que correspondem à qualidade da vítima (ex: Feminicídio, patricídio etc.). (Victor Augusto em artigo intitulado “Erro de tipo, descriminantes putativas, erro determinado por terceiro e error in perdonam”, comentários ao art. 20 do CP, no site Index Jurídico, em 18 de janeiro de 2019, acessado em 31/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Complementando o assunto, no entanto sem esgotá-lo, temos as apreciações de Flávio Olímpio de Azevedo, Comentários ao art. 20 do Código Penal, publicado no site Direito.com:

 

Erro: ação ou consequência de errar, de se enganar ou de se equivocar. Para o artigo em comento falsa consciência da realidade.

 

O erro tipo que o agente não sabe o que faz dentro do princípio nullum crimen sine culpa.

 

A ocorrência do erro de tipo afasta o dolo e torna a conduta subjetivamente atípica se não houver previsão culposa para o crime, se tiver ausente a culpa.

 

Exemplo clássico da doutrina: Dois amigos, caçando e um atira contra arbusto, imaginando que um cervo estava escondido. Entretanto, quem estava em meio ao arbusto era o amigo que falece em face dos disparos. Lógico que sua intenção não era matar o amigo, sendo que a figura é atípica.

 

Descriminantes putativas – Trata-se do erro que é causa excludente de ilicitude (ou antijuridicidade) prevista no artigo 23 do Código Penal, estado de necessidade, legítima defesa, enfim, o exercício regular do direito.

 

Putativo significa: suposto ou imaginário ou de aparência enganosa. No momento da conduta o agente imagina ser lícita, mas concebido de maneira falsa fora da realidade fática.

 

O exemplo do casamento putativo é nulo ou anulável. É ficção de enlace matrimonial perante a Lei, apesar de contraído de boa-fé, porém, possui vícios determinados por algum fato previsto em lei.

 

Erro determinado por terceiro – “Estatui o § 2º do art. 20, que se erro foi determinado por terceiro, responde este pelo crime. O causar o erro no agente, deve ter sido intencional, como por exemplo, se alguém incita o agente a atirar em uma moita, na qual sabe que sempre adormece um desafeto. Trata-se de autoria mediata e imediata, atuando o agente com longa manus, sendo apenas um instrumento do crime, na verdade, ação perpetrado pelo instigador, por meio do instigado” (Código Penal comentado, Miguel Reale et al, p. 84). (Flávio Olímpio de Azevedo, Formado em Direito pela FMU em 1973. Comentários ao art. 20 do Código Penal, publicado no site Direito.com, acessado em 31/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

domingo, 30 de outubro de 2022

Comentários ao Código Penal – Art. 19 Agravação pelo resultado – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com – Whatsapp: +55 22 98829-9130

 

Comentários ao Código Penal – Art. 19
Agravação pelo resultado – VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com –
digitadorvargas@outlook.com –
Whatsapp: +55 22 98829-9130

Parte Geral –Título II - Do Crime

 

 

Agravação pelo resultado (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984.)

 

Art. 19. Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984.)

 

Finalidade - Eliminar a chamada responsabilidade penal objetiva, também conhecida como responsabilidade penal sem culpa ou pelo resultado, evitando-se, dessa forma, que o agente responda por resultados que sequer ingressaram na sua órbita de previsibilidade.

 

Princípio da culpabilidade - O item 16 da Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal explica a adoção expressa do princípio da culpabilidade no art. 19 do Código Penal, dizendo: Retoma o Projeto, no art. 19, o princípio da culpabilidade, nos denominados crimes qualificados pelo resultado, que o Código vigente submeteu à injustificada responsabilidade objetiva. A regra se estende a todas as causas de aumento situadas no desdobramento causal da ação.

 

Crimes qualificados pelo resultado - Conforme preleciona Roxin, “historicamente, os delitos qualificados pelo resultado procedem da teoria, elaborada pelo Direito Canônico, do chamado versarí in re hillicita conforme a qual qualquer pessoa responderá, ainda que não tenha culpa, por todas as consequências que derivem de sua ação proibida”. (ROXIN, Claus. Derecho penal - Parte general, p. 335).

 

Atualmente, ocorre o crime qualificado pelo resultado quando o agente atua com dolo na conduta e dolo quanto ao resultado qualificador, ou dolo na conduta e culpa no que diz respeito ao resultado qualificador. Daí dizer-se que todo crime praeterdoloso é um crime qualificado pelo resultado, mas nem todo crime qualificado pelo resultado é um crime praeterdoloso. Há, portanto, dolo e dolo, ou dolo e culpa.

 

Crítica aos crimes praeterdolosos - Embora nosso ordenamento jurídico preveja uma série de crimes praeterdolosos, sua existência contradiz a regra constante do parágrafo único do art. 18 do Código Penal, que assevera: Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

 

Isso porque, nas hipóteses em que o resultado qualificador deva ser atribuído ao agente a título de culpa, não existe nenhuma ressalva nos artigos constantes do Código Penal ou na legislação extravagante. Em algumas situações, o resultado qualificador poderá ser imputado tanto a título de dolo como de culpa. Veja-se, por exemplo, o que ocorre com a lesão corporal qualificada pela perda ou inutilização de membro, sentido ou função. Esse resultado, como é cediço, poderá ter sido querido inicialmente pelo agente, fazendo, outrossim, parte do seu dolo, ou poderá ter sido produzido culposamente. Em ambas as hipóteses, o agente responderá pelo delito qualificado.

 

Admitindo-se a possibilidade, em certos casos, na linha da dicção de parte da doutrina, da conatus em crimes praeterdolosos (v.g., quando a ação realiza culposamente o resultado mais grave e não perfaz totalmente a forma básica do delito), tal não alcançaria a hipótese em que o evento mais grave, a par de incompleto, se realiza acidentalmente (sem afirmação, sequer, de culpa) {STJ, REsp. 285560/SP, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., RSTJ 160, p. 461).

 

No entender de Victor Augusto em artigo intitulado “Crime doloso e culposo, comentários ao art. 19 do CP, no site Index Jurídico: A lógica por trás do Código Penal é simples: o agente responde pelos eventos a que deu causa dolosa ou culposamente.

 

Se o resultado da conduta determina uma agravação da pena, essa só será aplicável ao agente se ele houver causado o resultado dolosa ou culposamente.

 

Essa discussão é especialmente comum no âmbito dos crimes praeterdolosos (ou preterintencionais), onde a execução do delito se inicia com uma conduta dolosa direcionada a um resultado menos gravoso, mas o deslinde do iter criminis se dá com um resultado mais grave que deriva de culpa do agente.

 

No crime praeterdoloso há um concurso de dolo e culpa: dolo no antecedente (minus delictum) e culpa no subsequente (majus delictum). Trata-se de um crime complexo, in partibus doloso e in partibus culposo. (Hungria: Fragoso, 1978, p. 140).

 

Tome-se a lesão corporal seguida de morte (129, § 3º), clássico exemplo de crime praeterdoloso.

 

O resultado final foi a morte, mas o agente não quis o resultado morte, nem assumiu o risco de produzi-lo.

 

Para que o agente seja enquadrado na modalidade praeterdolosa (4 a 12 anos), deve ser comprovado que, no contexto da ação, a morte foi ocasionada culposamente.

 

Então, se duas pessoas brigam na borda de um precipício, ambos com animus laedendi (de lesionar), e, eventualmente, diante de um ataque um deles cai no precipício e morre, será possível imputar o resultado mais grave ao autor do golpe, pois havia previsibilidade do resultado mais grave.

 

Se o resultado mais grave decorrer de um fortuito qualquer, não há como imputá-lo ao autor, que responderá pela consumação do delito mais ameno que intencionava. (HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978) (Victor Augusto em artigo intitulado “Crime doloso e culposo, comentários ao art. 19 do CP, no site Index Jurídico, em 18 de janeiro de 2019, acessado em 30/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Segundo as apreciações de Flávio Olímpio de Azevedo, Comentários ao art. 19 do Código Penal, publicado no site Direito.com: O resultado não desejado pelo agente, são crimes denominados praeterdolosos:

 

“O resultado não querido, mas que advém como consequência da ação realizada, pode estar na mesma linha do bem jurídico que deseja atingir. Por exemplo, o agente visa ferir a vítima, causando-lhe uma lesão corporal, mas que se segue de morte. Há um dano na integralidade da vítima que se expande e vem a causar não apenas um ferimento, corte profundo na perna, mas a morte, porquanto, a vítima é hemofílica e não consegue ter coagulação. Nestas hipóteses, está-se diante de um crime praeterdoloso, pois o agente não quer o resultado morte, que se encontra na mesma linha de atingimento da integralidade física”. (Código Penal comentado, Miguel Reale, et al, p. 78).

 

O autor na obra citada ensina que o agente responderá pelo evento morte por ser cognoscível a doença da vítima. Mas, se não conhecia a doença da vítima, não responderá por homicídio, pois sequer agiu com culpa em face dele. (Flávio Olímpio de Azevedo, Formado em Direito pela FMU em 1973. Comentários ao art. 19 do Código Penal, publicado no site Direito.com, acessado em 30/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).